Doses maiores

23 de outubro de 2018

Aos que circulam em suas nuvenzinhas de inferno

No livro “As Benevolentes”, Jonathan Littell conta as memórias fictícias de um ex-comandante de um campo de concentração nazista. Cruel e cínico, ele diz coisas como:

Assim como, segundo Marx, o operário é alienado em relação ao produto de seu trabalho, no genocídio ou na guerra total sob sua forma moderna o executor é alienado em relação ao produto de sua ação.

Nas câmaras de gás, por exemplo:

O trabalhador que abre a torneira do gás, portanto aquele mais próximo do assassinato no tempo e no espaço, executa uma função técnica sob o controle de seus superiores. Os operários que esvaziam a câmara fazem um trabalho necessário de desinfecção...

(...)

O controlador de tráfego ferroviário, por exemplo, é culpado pela morte dos judeus desviados por ele para determinado campo? Ele orienta os trens segundo um plano, não é obrigado a saber quem está lá dentro.

Citando alguns nazistas condenados em Nuremberg:

Sem os Höss, os Eichmann, os Goglidze, os Vychinski, mas também sem os controladores de tráfego ferroviário, os fabricantes de cimento e os amanuenses dos ministérios, um Stalin ou um Hitler não passam de um odre estufado de ódio e terrores impotentes.

(...)

Nossos subúrbios tranquilos pululam de pedófilos e psicopatas, nossos albergues noturnos, de destrambelhados megalômanos. Mas os homens comuns de que o Estado é constituído – sobretudo em épocas instáveis –, eis o verdadeiro perigo...

(...)

Eckhart escreveu: Um anjo no Inferno voa na sua própria nuvenzinha de Paraíso. Sempre compreendi que o inverso também devia ser verdade, que um demônio no Paraíso voaria no seio da sua própria nuvenzinha de Inferno.

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Um comentário:

  1. Muito bom. Estou pensando muito nisso e com vontade de escrever: a rede de apoio que cerca o fascismo e seus executores principais. Abraço.

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