Entre 1926 e 1937, surgiu a comunidade Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no Crato, Ceará. Organizada por sertanejos em bases socialmente igualitárias e liderada pelo Beato José Lourenço, a iniciativa foi considerada um desafio à alta hierarquia católica e aos poderes políticos locais.
Em seu livro “A terra da mãe de Deus”, Luitgarde Cavalcanti entende a religião como uma ideologia de classe. Mas quando “as baixas camadas, submetendo essa ideologia a sua práxis, constatam sua inadequação, vão-se afastando progressivamente do polo hegemônico”, diz nossa autora. Desse modo, continua ela, lideranças como José Lourenço e Antônio Conselheiro:
...enquanto produtores de ideologia, reeducam o povo para abandonar a ideologia do enriquecimento pessoal em troca do enriquecimento coletivo, o que eles vão conseguir através da colocação da mensagem cristã como mobilizadora e norteadora das formas de relação dos homens entre si e com a natureza. As relações religiosas passam a constituir relações de autoridade no grupo, ficando hierarquicamente privilegiados quanto ao poder de mando aqueles que reproduzem com maior fidelidade a doutrina igualitária cristã na vida prática. É assim que se dá uma ordenação da vida social capaz de promover o processo de produção e distribuição, o controle enfim da própria sociedade. A religião deixa de ser nessas condições específicas apenas uma forma de representação, transformando-se também numa "ação sobre o mundo", agindo eficazmente sobre uma realidade.
Os beatos, conclui Luit, assumem papel de produtores de ideologia, exercendo efetiva hegemonia em toda a comunidade. Não por acaso, tiveram o mesmo destino de Canudos, sofrendo um massacre em que morreram, pelo menos, 400 deles.
Concluiremos na próxima pílula.
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