Entendendo a religião como uma ideologia de classe, consideramos necessário, para estudá-la, conhecer a "repartição dos diferentes intelectuais, suas ligações mais ou menos orgânicas com as classes sociais, etc. É necessário também estudar os canais pelos quais se efetuam a produção e a difusão da ideologia". Nessa perspectiva resolvemos estudar o movimento social religioso de Juazeiro, a partir não apenas dos trabalhos existentes sobre o tema, isto é, da forma como ele é visto por aqueles que não integram o "mundo do Padre Cicero", mas também considerando os discursos de integrantes desse universo.
As palavras acima são de Luitgarde Cavalcanti, no livro “A terra da mãe de Deus”, sobre o mundo beato do Juazeiro de Padre Cícero. Nela estão implícitos os conceitos gramscianos de intelectuais orgânicos e intelectuais tradicionais. Estes últimos, trabalhando pela conservação da ordem dominante, enquanto os primeiros se formariam na luta contra ela.
No caso em questão, Padre Cícero desempenharia o papel de intelectual tradicional da Igreja Católica, ainda que a forma se sua atuação fosse repudiada pela alta hierarquia católica, colocando-o em uma situação ambígua. Enquanto isso, diz a autora, os beatos seriam os “intelectuais orgânicos, produtores de ideologia das baixas camadas”. Sua atuação manifestando-se sob a “forma limite da consciência historicamente possível da ideologia dominada, na formação social do Nordeste sertanejo”.
É fundamental notar, porém, que essa “forma limite” afeta os dominados em geral. Pelo menos, até que superem sua condição subalterna. Ou seja, ainda que pouco letrados, ainda que brutalizados pela ordem dominante, os beatos sempre foram perfeitamente capazes de assumir o papel de intelectuais responsáveis por sua própria emancipação.
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