Doses maiores

1 de novembro de 2012

Diante dos índios, nossas vergonhas à mostra

"Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”, escreveu Pero Vaz de Caminha na famosa carta. Referia-se aos nativos da terra que os europeus iriam saquear pelos séculos seguintes.

Foram necessários quase 500 anos para que se reconhecesse o direito deles a viver em seus territórios. Está na Constituição atual. Mas jamais saiu do papel. O recente caso dos Guarani-Kaiowá é mais uma prova disso.

Na tradição indígena os pactos e acordos baseiam-se na palavra empenhada. O “homem branco” só confia no que está escrito. Mas não se envergonha de ignorar suas próprias leis.

Tamanha frouxidão moral faz lembrar o cacique Mario Juruna, primeiro índio brasileiro a se tornar deputado federal. A liderança xavante costumava carregar um gravador para onde ia. Usava o aparelho para registrar as promessas que as autoridades brancas faziam e nunca honravam.

Mesmo isolado no parlamento, Juruna conseguiu criar a Comissão do Índio do Congresso e a presidiu pela primeira vez. Também defendeu a nomeação de representantes das comunidades indígenas para dirigir órgãos como a Funai.

Mas quase todos nós, brancos de várias cores, de esquerda e de direita, só sabíamos rir do cacique e seu gravador. Juruna morreu esquecido e doente, em 2002. Mas o preconceito de que foi vítima continua vivo. Nunca mais um indígena foi eleito deputado federal.

Alguns de nós, a duras penas, aprendemos a respeitar os indígenas. Muitos outros continuam a zombar deles. Humilham suas lideranças, desprezam suas tradições, são cúmplices de suas mortes, roubam suas terras.

Cinco séculos de dominação branca acumulam vergonhas demais para serem escondidas.

Índio demais, atrapalha. De menos, não tem direitos

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