Doses maiores

30 de junho de 2011

Grécia e falsa democracia

Os gregos são considerados os criadores da democracia. Mais precisamente, os atenienses da Antiguidade. O povo decidia os rumos da cidade em assembléias feitas em praça pública. Reunidos na ágora, cada homem teria direitos iguais de eleger e ser eleito.

Não é bem assim. Mulheres, estrangeiros e escravos estavam excluídos da vida política. E somente após o governo de Péricles (461 e 429 a.C.), a participação política passou a ser permitida a trabalhadores braçais: lavradores, pedreiros, artesãos, etc.

Mesmo assim, deviam ser grandes as dificuldades dos trabalhadores para atuar politicamente. Afinal, não devia ser fácil enfrentar os desocupados da classe dominante. Gente que dispunha de muito tempo livre para aperfeiçoar os dons da retórica e do raciocínio.

A política ateniense certamente cuidava muito mais dos interesses dos que mandavam na cidade. Era um sistema para poucos. Hoje, praticamente todo o povo grego tem direitos eleitorais iguais. A democracia já não seria tão restrita.

Não é o que se viu nos últimos dias. Os deputados gregos isolados, blindados, trancados. Reunidos para aprovar medidas que a maioria de seu povo rejeita.

Os “trabalhadores braçais” pararam o país com uma greve geral. O povo tomou a ágora. Cercou o prédio do parlamento. Enfrentou a repressão policial. Nada disso impediu a adoção de medidas exigidas por instituições estrangeiras. Apoiadas por uma minoria dos gregos.

Democracia política sem democracia social é sinônimo de exclusão da maioria. Enquanto houver quem viva da exploração do trabalho alheio será assim. Mais ou menos como era há uns 2.500 anos.

Leia também: Governo grego merece cada pedrada

Borboletas, caos e capitalismo

Efeito borboleta é o nome que se dá às condições que dão origem a um evento inesperado. É nele que se baseia a teoria do caos. Segundo uma imagem que ficou famosa, o bater de asas de uma borboleta numa parte do mundo poderia causar um tufão no outro lado do planeta. Aquele pequeno movimento do inseto dispararia uma sequência de acontecimentos cujo resultado ninguém poderia prever.

Um recente relatório da organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) faz pensar em borboletas bastante inquietas. O documento afirma que:
...grandes choques na economia global deverão ser mais frequentes e causar mais problemas econômicos e sociais. Segundo o estudo, o contágio de eventos como uma crise financeira ou uma epidemia deve aumentar devido à crescente interconectividade da economia global e a velocidade com que pessoas, mercadorias e informações viajam. Fonte: Crises serão mais frequentes na economia global, diz OCDE.
A “interconectividade” a que se refere o relatório tem um motor principal. É a circulação de mercadorias. Pessoas somente viajam quando interessa ao ciclo do capital. Do contrário, as leis de imigração são colocadas em funcionamento. Informações também só chegam longe quando viabilizam os lucros. Aquelas que não servem para isso são represadas pelos monopólios de comunicação.

A verdade é que o sistema funciona de forma caótica. São algumas dezenas de poderosas corporações empresariais mandando na economia mundial. Acionam suas alavancas em busca de rendimentos astronômicos. Colocam em movimento eventos que não sabemos em que resultarão. Ou melhor, até imaginamos. E não é nada bom. É o que nos mostram as crises financeiras, epidêmicas, climáticas, ambientais e de alimentos.

Borboletas não têm nada a ver com isso.

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29 de junho de 2011

Governo grego merece cada pedrada

A TV vem mostrando a revolta do povo grego contra as medidas econômicas que seu governo aprovou. Muita gente deve ficar assustada com as cenas cheias de coquetéis molotov e pedradas. Parece um exagero. Os jornais se limitam a dizer que são medidas “austeras”. No máximo, admitem que 150 mil servidores públicos devem ser demitidos. Mas, não é só isso.

A aprovação das medidas era condição para a liberação de um empréstimo oferecido pela União Européia e pelo FMI. Em troca de pouco mais de 12 bilhões de euros, o governo grego tem que economizar 78 bilhões de euros até 2015.

Isso equivale a exigir 7 mil euros de economia de cada grego. Alguém acredita que essa conta vai ser paga por todos os gregos? É verdade que estão previstos impostos maiores para os mais ricos. Mas, empresários e milionários em geral têm como se safar. A grande maioria pobre e explorada é que vai sofrer.

O pacote aprovado foi proposto pelo governo George Papandreou, que se diz socialista. Só está socializando o prejuízo e livrando a cara dos verdadeiros causadores da crise: banqueiros e empresários da Grécia e de várias partes do mundo. Por isso, as bolsas do mundo todo estão em alta.

O governo grego merece cada pedra atirada pelos manifestantes.

Leia também: O meteoro passou. O perigo, não

O meteoro passou. O perigo, não

Em 27/06, um meteoro passou muito perto da Terra. Felizmente, nada aconteceu. Já podemos nos voltar para coisas muito mais próximas e ameaçadoras. E não são os bueiros cariocas.

Artigo de Antonio Luiz M. C. Costa na CartaCapital de 28/06, traz dados preocupantes. Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha devem 5,5 trilhões de euros a bancos espalhados pelo mundo. O valor equivale 65% do PIB europeu. Um calote grego pode causar um efeito dominó envolvendo esses países. Dizem que isso deixaria a quebra do banco Lehman Brothers no chinelo.

“Risco de bolha imobiliária abala confiança na economia chinesa”. Este é o titulo de matéria de Bob Davis para o The Wall Street Journal, publicada em 28/06. Sem comentários.

O ditador Kadafi continua em seu posto. As tropas da Otan continuam matando civis inocentes na Líbia. Na Síria, outro ditador da região pode cair. Não é amigo de Israel ou Estados Unidos, mas ambos preferem que ele fique. É que não confiam nas forças populares que lhe fazem oposição.

No Egito, o Supremo Conselho das Forças Armadas vem dirigindo o país com mão de ferro. Atacam as forças populares e adiam a adoção de medidas exigidas pela população. Tentam fazer uma transição sem povo e que não assuste o imperialismo. Os manifestantes voltam a ocupar a Praça Tahrir.

Trata-se de Europa, China e da região responsável por grande parte do petróleo mundial. Nem falemos dos Estados Unidos, com sua dívida astronômica.

É o capitalismo em pleno funcionamento. Com um sistema assim, quem precisa de meteoros para sentir um cheirinho de apocalipse?

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Nuvens pesadas no horizonte econômico

Europa, porcos e sereias

28 de junho de 2011

Os reais criminosos virtuais

Os ataques de hackers a sites governamentais estão nas manchetes. Autoridades e grande parte da mídia condenam. Alertam para o crescimento dos crimes virtuais.

Não é bem assim. Os ataques não resultaram em roubo de informações. Mostraram as fraquezas do sistema. Chamaram a atenção para a necessidade de que portais públicos sejam transparentes e acessíveis.

Mas, existem hackers criminosos e muito perigosos. Usam suas habilidades para roubar, sabotar, destruir. Seus ataques virtuais têm conseqüências bem reais. Podem, inclusive, causar conflitos mundiais. Não têm nada a ver com motivações rebeldes. São os Estados mais poderosos do planeta.

Segundo a revista Época, edição de 27/06, o primeiro caso registrado desse tipo de ataque é de 1982. A CIA teria alterado comandos de controle de um gasoduto soviético e causado sua explosão. Desde aquela época, são dezenas de ataques trocados entre os governos de Estados Unidos, Israel, China, Rússia, Alemanha, Irã, Iraque etc.

Semana passada, o “New York Times” publicou matéria denunciando Estados Unidos e Israel. Os governos dois países estariam envolvidos na criação e utilização de um vírus chamado Stuxnet contra o Irã.

O Stuxnet seria utilizado para sabotagens em instalações controladas por computador. Ou seja, poderia afetar praticamente todos os equipamentos mais modernos em operação. Dizem que já foi detectada sua presença em computadores de vários países, amigos ou não de americanos e israelenses. Além do Irã, China, Alemanha, Inglaterra, Paquistão, Indonésia e Índia.

Perto deles, os hackers que violaram os sites governamentais são escoteiros mirins.

Junho de 2011

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27 de junho de 2011

Estranha delicadeza japonesa

O Japão tem um dos maiores mercados consumidores do mundo. Sua economia produz trilhões de dólares por ano. Num mercado assim, as embalagens são muito importantes. Entre os japoneses, elas são ainda mais criativas e atraentes.

As letras de alguns alfabetos orientais recebem o nome de ideograma. A grande maioria deles é baseada em imagens ou idéias. O ideograma japonês para a palavra “embalagem” tem como origem a imagem de uma mulher grávida.

Talvez, seja um modo de dizer que o ato de presentear é tão importante como dar à luz um novo ser. Algo tão bonito que deveria ser preservado como o pacote que o simboliza. Por isso, entre os japoneses, fica mal abrir um presente ao recebê-lo. Demonstraria mais interesse em seu valor material do que no ato em si.

Trata-se de um costume muito antigo. O mercado japonês aproveitou-se dele para se especializar no setor de embalagens. Mas, esse traço persistente da cultura japonesa não combina com o mundo frio e utilitário do consumismo. Verdadeiros presentes não são mercadorias.

Ao mesmo tempo, a palavra “embalar”, em português, também descreve o ato de balançar carinhosamente uma criança. É possível que por trás desse misterioso jogo de palavras esteja um pouco da luz desinteressada que a humanidade ainda é capaz de fazer brilhar. Algo que contradiz a lógica dura e pura da troca monetária. Uma estranha delicadeza, muito bem vinda.

Leia também: Moda, Fórmula 1 e a ditadura do mercado

24 de junho de 2011

O imperialismo jr. entre sonhos e pesadelos

Em 22/06, Mauricio Dias publicou na CartaCapital números sobre as exportações brasileiras. O texto destaca que:
Para a América Latina seguem os produtos brasileiros industrializados, de maior valor agregado. Esse bloco de países, nos últimos 12 meses, pagou um preço médio de US$ 1.491 a tonelada. As exportações para a China, essencialmente produtos primários, a tonelada cai a US$ 197.
Produtos de “maior valor agregado” são aqueles que dominam um mercado. Sua elevada proporção nas exportações para os países vizinhos implica o predomínio de nossa economia sobre a deles.

Por outro lado, perdemos feio nas transações comerciais com a China. Produtos primários são típicos de economias fracas. Nós os vendemos aos chineses a 200 dólares a tonelada. É o preço que pagamos por um par de tênis ou um aparelho eletrônico. Muitas vezes, de origem chinesa.

Os problemas não param por aí. Na mesma edição de CartaCapital, artigo de Luiz Gonzaga Beluzzo fala sobre "O mergulho da indústria". Diz que nos setores de média e alta intensidade tecnológica, o País acumulou 65 bilhões de déficit comercial em 2010. É um mau sinal. Sintoma de queda nas atividades com maior capacidade para gerar valor.

O Brasil é considerado uma “potência emergente”, ao lado da China e outros países. Mas os números acima mostram o tamanho da encrenca. O crescimento da economia chinesa explodiu porque o parque industrial estadunidense foi quase todo transferido para lá. Atraído pela mão-de-obra barata e abundante. Garantido pelo capitalismo estatal chinês.

Nada parecido aconteceu com a nossa economia. Ela até vai bem quando faz valer seu poder no quintal latino-americano. Comparados à China, porém, estamos longe de realizar os sonhos dos imperialistas brasileiros. Apesar disso, os capitais com sede no Brasil já são o pesadelo dos povos que são nossos vizinhos.

Leia também: Imperialismo jr. e o acordo de Itaipu

22 de junho de 2011

Governo improdutivo, a serviço do latifúndio

Vamos fazer a reforma [agrária] que o país precisa. Não é para atender luta política. É para garantir acesso à terra a quem nela precisa produzir e viver, garantir produção e produtividade aos assentados, alimentos para nutrir o país e também para conter a inflação.
Estas palavras são do ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence (PT-BA), publicadas no jornal Valor, de 22/06.

Agora, vejamos o que diz matéria de Igor Felippe Santos para a página do MST. O título diz tudo: “Terras estão mais concentradas e improdutivas no Brasil”. Segundo o texto:
Dados do cadastro de imóveis do Incra, levantados a partir da auto-declaração dos proprietários de terras, apontam que aumentou a concentração da terra e a improdutividade entre 2003 e 2010.
Atualmente, 130 mil proprietários de terras concentram 318 milhões de hectares. Em 2003, eram 112 mil proprietários com 215 milhões de hectares. Mais de 100 milhões de hectares passaram para o controle de latifundiários, que controlam em média mais de 2.400 hectares.
Números que decepcionam e preocupam. Mas, há outros:
Em 2003, eram 58 mil proprietário que controlavam 133 milhões de hectares improdutivos. Em 2010, são 69 mil proprietários com 228 milhões de hectares abaixo da produtividade média.
Note-se que os critérios para definir a produtividade das terras são de 1975. Mais de três décadas de avanços na exploração agrícola estão sendo ignoradas.

O ministro Florence deveria ser coerente com a reforma agrária que diz defender. Se realmente quer priorizar a produção, deveria começar pelos quase 230 milhões de hectares improdutivos no país.

Mas, Florence prefere mandar recados aos Sem-Terra. Como se a luta do movimento não fosse exatamente pelo direito à produção. Se ela transforma-se em luta política, é porque governos como o que ele integra protegem os interesses dos latifundiários e do agronegócio.

O fato é que os governos petistas têm se mostrado bastante improdutivos quanto à realização de uma verdadeira reforma agrária.

Leia também: A crise do MST

21 de junho de 2011

Moda, Fórmula 1 e a ditadura do mercado

A São Paulo Fashion Week é o maior acontecimento de moda da América Latina. Acontece duas vezes por ano, movimenta milhões e é um dos mais concorridos do mundo. As pessoas costumam estranhar duas coisas em eventos como este: a esquisitice das roupas e a magreza das modelos.

Em janeiro de 2010, matéria da Folha destacava a magreza de várias modelos. Dizia que na faixa dos 18 anos, elas apresentavam “índice de massa corporal” de crianças de 9 anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chama isso de "magreza severa".

O fato é que desfiles de moda são como corridas de fórmula 1. Ninguém sai dirigindo uma McLaren pelas ruas. O mesmo acontece com as estranhas roupas vestidas pelas esqueléticas modelos.

Tal como as corridas automobilísticas, os encontros de moda servem como laboratórios para a indústria. “Pistas de teste” para ver que produtos vão ser impostos à sociedade.

Os automóveis invadem os espaços urbanos, envenenam o ambiente e fazem desabar a qualidade de vida. As passarelas impõem modelos estéticos e estimulam a adoção de comportamentos ruins para a saúde. E ainda estabelecem como padrão dominante um modelo de mulher que quase não existe fora das passarelas.

Não se trata de uma conspiração articulada pelos fabricantes. Eles até competem entre si. São grandes monopólios disputando ferozmente o gosto e o bolso do freguês. Mas, nessa briga, tornam a vida social cada vez mais um jogo cruel de aparências, superficialidade e desperdício.

Desfiles de moda e corridas de automóvel são exemplos perfeitos do poder da ditadura do mercado.

Leia também: Galvão Bueno, Ronaldo e Brecht

20 de junho de 2011

Galvão Bueno, Ronaldo e Brecht

São belas as palavras de Bertold Brecht sobre os lutadores populares:
Há homens que lutam um dia e são bons. Há homens que lutam um ano e são muito bons. Há homens que lutam muitos anos e são melhores. Mas, há os que lutam toda a vida. Estes são imprescindíveis.
Trata-se de um reconhecimento da importância dos lutadores. Desde aqueles mais moderados até os guerreiros mais dedicados. O importante é lutar. Sempre.

Mas, estes mesmos versos de Brecht foram citados por Galvão Bueno em rede nacional. Foi durante o jogo de despedida da seleção brasileira de Ronaldo Fenômeno, em 07/06.

Dói no ouvido. Mostra como nosso valioso patrimônio, tão duramente conquistado e mantido, pode tornar-se apenas uma frase de efeito num evento que não é só comercial. Também está a serviço da dominação cultural. Fala diretamente à alma do povo para defender os valores mais conservadores.

É um grande exemplo do seqüestro das paixões populares por monopólios a serviço dos poderosos. Não adianta só lamentar, espernear, denunciar. É preciso lutar para que palavras como estas voltem a ter um sabor azedo para os poderosos. Assim como criar novas canções de guerra. Lindas para nós, horríveis para eles.

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Disputando nossos símbolos com a direita

Máscaras, carnaval, revolução

17 de junho de 2011

Por que os comunistas são vermelhos

Pouca gente sabe, ou lembra. Por trás da escolha do vermelho como a cor dos revolucionários há uma história de traição e sangue. É Marx quem melhor conta esta história em seu livro “As lutas de classes na França de 1848 a 1850”.

Na Revolução Francesa de 1789, os trabalhadores franceses se uniram a seus patrões para derrotar a nobreza. Mas, os aristocratas conseguiram retornar ao poder em 1815. Para derrotá-la de vez, a burguesia contou com a mobilização dos operários. Graças às revoltas dos trabalhadores, em fevereiro de 1848, o rei Luis Filipe foi obrigado a renunciar.

A burguesia voltava a ser a absoluta em seu poder na França. Os trabalhadores, então, cobraram sua parte da vitória. Basicamente, queriam salários menos miseráveis, jornadas de trabalho menos massacrantes e mais empregos.

A burguesia se fez de surda. No máximo, fazia promessas vagas. A revolta voltou a explodir entre os operários. Sentiam-se traídos. Em junho, saíram às ruas exigindo seus direitos. Carregavam a bandeira tricolor da revolução de 1789. Foram recebidos a bala.

Depois de cinco dias de batalha entre trabalhadores quase sem armas e três exércitos, milhares ficaram mortos pelas ruas de Paris. As bandeiras tricolores caídas no chão. O branco e o azul tingidos pelo vermelho do sangue operário. Segundo Marx:
Só encharcada no sangue dos revoltosos de Junho, a tricolor se tornou bandeira da revolução européia. A bandeira vermelha!
Ou seja, já não se tratava de uma revolução nacional. Nem de se aliar à burguesia. Esta se mostrou traiçoeira e preocupada apenas com seus interesses.

Desde então, a bandeira dos comunistas é vermelha, sua causa é internacional e sua organização deve ser independente de patrões e governos.

Leia mais em As bandeiras vermelhas nasceram em Paris, em 1848

Leia também: Comuna de Paris: socialista sem querer

16 de junho de 2011

Comemorando à beira do abismo

"'Mercado' acha pela primeira vez na história que é mais provável um calote norte-americano do que um brasileiro no pagamento de dívidas financeiras. Presidenta Dilma Rousseff e ministro Guido Mantega (Fazenda) comemoram sinal de 'solidez', mas queda do risco-país pode atrair ainda mais dólares que buscam lucrar com juro do Banco Central. Controle de capitais 'tímido' mantém moeda norte-americana barata e produz desindustrialização".
Este é o resumo de André Barrocal, da Agência Carta Maior, para a situação que levou Dilma e Mantega a festejar a situação da economia brasileira. Na verdade, trata-se de apenas um dos papéis negociados no mercado. Um tal de CDS (Credit Default Swaps). Investimento que ocupa a 29ª posição entre os mais rentáveis.

De qualquer maneira, vale o alerta do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida. "Risco baixo da dívida significa risco total para as áreas sociais". Implica manter a confiança numa dívida que retira verbas astronômicas da saúde, educação, previdência, assistência. Significa remunerar muito bem os poucos milionários detentores de seus papéis. Mais miséria e precariedade de um lado, mais concentração de riqueza e renda, do outro.

Outro alerta vem da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos. A entidade empresarial diz que o nível de desindustrialização da economia brasileira vem aumentando. Até 10 anos atrás, 60% das máquinas vendidas no País era de origem nacional. Hoje, a proporção se inverteu. Trata-se de um claro sinal de que o parque produtivo brasileiro vem sofrendo um desmanche perigoso. Algo que deve se refletir nos níveis de emprego e salários. E estes, por sua vez, afetam o crescimento da economia.

Nada indica que vamos cair num abismo. Só não é aconselhável ficar festejando à beira dele.

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15 de junho de 2011

Máscaras, carnaval, revolução

Uma das cavalhadas mais famosas do País acontece na cidade de Pirenópolis, em Goiás. É o grande acontecimento da cidade. Uma espécie de carnaval local.

Este ano, a festa está em crise. A promotoria estadual impôs restrições à participação dos mascarados. Trata-se de adultos, jovens e crianças que vestem fantasias e máscaras durante os dias de festejo. Protegidos pelo anonimato, saem pelas ruas, brincando com as pessoas e pedindo dinheiro. A cavalo ou a pé, causam grande alvoroço na cidade.

A medida teria sido adotada devido a delitos envolvendo os mascarados. A maioria da população discorda. O resultado foi um boicote dos mascarados aos festejos deste ano. Grande parte dos foliões não saiu às ruas.

O pensador russo Mikhail Bakhtin foi um dos primeiros a mostrar a dimensão subversiva do carnaval. Em “A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento - O Contexto de François Rabelais”, ele diz:
Enquanto dura o carnaval, não se conhece outra vida senão o carnaval (...). Durante a realização da festa só se pode viver de acordo com as suas leis, isto é, as leis da liberdade.
Liberdade que as leis da circulação da mercadoria estão sufocando. Sob seu domínio, os festejos populares tornaram-se reféns dos interesses econômicos e políticos. Instituições, governos, empresários tentam castrar seu potencial de criação e subversão.

Talvez, estejam entupindo perigosamente uma importante válvula de escape. Permitindo o acúmulo de uma pressão que pode se tonar incontrolável e colocar tudo de pernas pro ar. Algo que permita ao povão abandonar a proteção das fantasias para desafiar a ordem abertamente.

Na verdade, toda verdadeira revolução social tem que ser um poderoso carnaval popular. É a hora em que se arrancam as máscaras dos poderosos para mostrar suas caras feias. Só não esperemos que eles respondam com confete e serpentina.

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14 de junho de 2011

A dupla jornada do feminismo

Em 10/06, Olga de Mello publicou matéria no Valor, sob o título “A dupla jornada e o feminismo”. A reportagem destaca um velho problema, que atinge quase todas as mulheres. Não basta ganhar menos, mesmo quando a escolaridade é igual ou superior à dos homens. As mulheres também acabam se encarregando dos afazeres domésticos e maternais muito mais de que seus companheiros.

É uma regra que costuma valer para todas as faixas de renda. Mas, não no mesmo grau. Afinal, as mulheres com renda familiar maior contam com um meio de aliviar sua carga de trabalho. Trata-se da contratação de empregadas domésticas. Segundo a reportagem, são cerca de 6,2 milhões de brasileiras trabalhando nessa ocupação.

O problema é que o número de domésticas vem caindo devido ao crescimento da oferta de empregos em outros ramos. Logo que pode, o contingente feminino de menor renda e qualificação foge dos serviços domésticos. Abandona uma forma de ganhar a vida fortemente influenciada por nossa herança escravocrata. Babás, empregadas, faxineiras sendo facilmente confundidas com mucamas e escravas.

Trata-se de uma contradição muito interessante. O diferencial de salários entre mulheres e homens beneficia o capitalismo. O diferencial de renda entre as próprias mulheres, também. Leva à exploração de umas pelas outras na forma de serviços domésticos mal pagos e cansativos.

Esta situação só começaria a ser resolvida através de uma rede pública de creches, refeitórios e lavanderias. Algo que a economia de mercado não é capaz de oferecer. Por isso, as trabalhadoras precisam se unir. Contra a dupla jornada de trabalho, a dupla jornada contra o machismo e a exploração capitalista.

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13 de junho de 2011

Battisti: vamos ao que importa

Cesare Battisti foi libertado da prisão pelo STF. Decisão correta. Mas, pegou mal na Itália. Em 09/06, o jornal italiano Corriere della Sera fez uma pesquisa online. Quis saber quem concordava com a proposta de boicotar a Copa de 2014, no Brasil. Cerca de 80% dos internautas responderam afirmativamente.

O governo italiano convocou seu embaixador no Brasil. Anunciou que quer levar caso à Justiça Internacional. Já o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, manifestou o "grande desgosto" com a decisão. Disse que a Itália “recorrerá às instâncias judiciais que forem necessárias para garantir o respeito aos acordos internacionais”, etc, etc.

O fato é que esse barulho todo deve ter poucas conseqüências concretas. É o que indica o ministro do Desenvolvimento Econômico italiano, Paolo Romani. Ele lamentou a decisão do STF, mas afirmou que em nada vai afetar "as ótimas relações comerciais e industriais” que as empresas italianas têm com as brasileiras. Está coberto de razões econômicas para dizer isso.

Afinal, o Brasil é o terceiro parceiro europeu e o nono mundial da Itália. No ano passado, as trocas comerciais entre os dois países chegaram a 7,2 bilhões de euros. Ou seja, segundo o ministro italiano, estamos no capitalismo. Se não afetarem os lucros, importam muito pouco questões que envolvam justiça, direitos, ideologias...

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As correspondências do lulismo

Fernando Henrique completou 80 anos de idade. O ex-presidente divulgou 80 mensagens de personalidades que o cumprimentavam pela data. Entre elas, uma carta de Dilma Rousseff. Eis um trecho:

O acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica.
É mais uma carta marcante do lulismo. A primeira foi a “Carta ao Povo Brasileiro”. Foi divulgada por Lula, em junho de 2002. Prometia respeitar a política econômica de FHC. Por isso, ganhou até o apelido de “Carta aos Banqueiros”.

O lulismo mantém esse tipo de correspondência em termos bastante claros. Traz sempre a mesma mensagem. Jura fidelidade e respeito às receitas neoliberais tucanas. Infelizmente, muita gente parece não entender, ou não quer fazê-lo.

Os movimentos sociais cansaram de escrever cartas e mais cartas a Lula. Pediam ao ex-presidente para não fazer isso e aquilo. Para honrar os compromissos que o transformaram em sua maior liderança.

Nunca receberam muito mais do que promessas vazias. Ou recados pedindo paciência e apoio contra a “elite” e a “mídia golpista”. Nada tão claro quanto as cartas que são dirigidas aos que mandam na política e na economia.

Com Dilma, parece que se acabaram até os recados e as promessas vazias. Melhor assim. Menos papel desperdiçado. Mais oportunidades para priorizar a luta nas ruas. Deixar de freqüentar as longas e inúteis filas de espera nos saguões do poder.

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10 de junho de 2011

Trabalhe de graça pra Globo

Que tal trabalhar quase de graça para um poderoso monopólio de comunicações?

É só participar do projeto “Parceiros da Globo”. Trata-se de reportagens feitas por telespectadores. Por enquanto, vem sendo implantado no Rio e em São Paulo. Em breve, em Brasília.

Na capital fluminense, o projeto “Parceiros do RJTV” conta com 16 colaboradores de "comunidades cariocas". Na capital paulista, trabalham para o SPTV 14 moradores de sete regiões com diferentes graus de instrução e classe social.

Segundo a emissora, seria uma forma de dar voz aos cidadãos. Não é o que pensa o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. Carta da entidade enviada à Globo afirma que:
“...repórteres e repórteres cinematográficos estão sendo substituídos por jovens inexperientes submetidos a um rápido treinamento, e a baixo custo, numa precarização inadmissível do mercado de trabalho”.
Tudo leva a crer que a razão está com a entidade sindical. Aliás, essa prática já vem acontecendo de modo informal. E não só na Globo. É só acompanhar a programação das TVs e rádios para verificar o uso intensivo de material enviado por “repórteres” e “artistas” voluntários.

São milhares de imagens e áudios enviados às emissoras. Uma verdadeira fonte de informações e criatividade à disposição da grande mídia. De vídeos de crianças e animaizinhos a boletins de trânsito e registros de tragédias e acidentes. Tudo com uma embalagem colaborativa e cheia de ares festivos. Quase tudo a custo zero.

O pior é que vendem isso como uma espécie de democratização das telecomunicações. Não passa de exploração combinada com enganação ideológica.

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9 de junho de 2011

Nuvens pesadas no horizonte econômico

Aumenta a desconfiança quanto à capacidade de pagamento da dívida dos Estados Unidos. O limite de endividamento do país chegou ao seu teto em 16/05. São mais de 14 trilhões de dólares. Representam quase 100% do PIB estadunidense.

As bolsas européias caíram no dia 08/06, devido a um discurso de Ben Bernanke feito na véspera. O presidente do Banco Central americano afirmou que a economia de seu país deve se recuperar, mas não disse como nem quando. Enquanto isso, crescem os sinais de que a Grécia pode quebrar.

No início de junho, dados da economia chinesa mostravam desaceleração do crescimento. A redução do ritmo veio depois que o governo ampliou campanha de combate à inflação. Um sinal de que a economia do país está batendo em certos limites.

Por fim, o Valor de 31/05 traz considerações de Mark Mobius, presidente executivo do grupo de mercados emergentes da Templeton Asset Management. Segundo ele, uma nova crise financeira é inevitável.

Referindo-se aos papéis que iniciaram a crise de 2008, o executivo argumentou: "Os derivativos foram regulamentados? Não. Ainda há um crescimento dos derivativos? Sim." O resultado é um valor total de papéis em circulação que supera em dez vezes o PIB mundial, disse Mobius. Com esse volume de apostas em direções diferentes, é muito provável a ocorrência de crises nos mercados de ações, afirmou.

Previsões econômicas só não são menos confiáveis do que as meteorológicas. Mas, quando quem fala é um manda-chuva do mercado é melhor prestar atenção. Nuvens se acumulam no horizonte econômico.

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8 de junho de 2011

Bombeiros iluminam truculência do poder

A luta dos bombeiros do Rio de Janeiro poderia ser apenas mais uma campanha salarial. Mas, trata-se de uma corporação militar. Em outros países o combate a desastres e os salvamentos costumam ficar por conta da Defesa Civil. Nada a ver com atividades cuja vocação fica bem distante do resgate de vidas. É mais uma herança maldita da ditadura militar de 64.

A dominação burguesa tem muitas sutilezas. É a ação conservadora da grande mídia, escolas, religiões e tradições. A alienação consumista que anestesia e desarma. A ilusão da participação democrática através de eleições pagas a peso de ouro. O canto da sereia da vitória individual.

Mas, quando tudo isso já não funciona. Quando uma crise deixa aparente o esqueleto feio do poder e a revolta popular sai dos cantos escuros. Aí, a classe dominante não tem dúvidas. Utiliza as tropas que treina diariamente e as armas que acumula em arsenais cada vez maiores.

O problema é que se trata de seu último recurso. Se ele falha, tudo o mais pode vir abaixo. Em todas as grandes revoluções sociais, a força militar dos explorados não foi o fator decisivo. Decisiva foi a falha do dispositivo militar dos poderosos. Por isso, a revolta de soldados e cabos causa pânico na classe dominante.

Os bombeiros fluminenses não estão questionando a ordem. Querem melhores salários e algum respeito. Mas, fazem parte das forças da repressão. Daí, a reação desproporcional do Estado. É quase uma confissão. Mostra a dependência dos poderosos em relação à violência para manter seu domínio.

É o bastante para justificar todo o apoio à luta dos bombeiros!

Leia também: Garrincha e a violência revolucionária

6 de junho de 2011

Humala assusta mercado, só no Peru

“Vitória de Humala derruba bolsa de Lima e títulos do Peru”, diziam alguns jornais, logo após o anúncio da eleição de Ollanta Humala para presidente do país. O candidato foi abertamente apoiado por Lula e o PT.

Já, Ben Ramsey, um analista do JP Morgan, em Nova York, recomendou a compra dos títulos do país. Segundo ele, "tendemos a ver a venda acentuada de papéis do Peru como uma oportunidade de compra". O consultor acha que "Humala será mais moderado do que o esperado”. Então, quem comprar os títulos do governo agora, em baixa, vai lucrar quando o preço se recuperar.

Trata-se de algo parecido com o que ocorreu com a eleição de Lula, em 2002. O chamado “mercado” entrou em pânico. Mas, o presidente petista logo se mostrou confiável. Honrou os compromissos que assumiu com a política econômica anterior na “Carta ao Povo Brasileiro”. Aliás, o novo presidente peruano fez o mesmo. No caso dele, o documento chamou-se “Compromisso com o Povo Peruano”.

A candidata derrotada é Keiko Fujimori, filha do ex-ditador, Alberto. Era a favorita dos republicanos estadunidenses. Uma aliada natural do imperialismo americano. Por seu lado, Humala declarou-se mais próximo de outro vizinho poderoso: “O Brasil pode ser o primeiro país que eu irei visitar, se for eleito”, declarou à Folha, no dia 04/06.

Nas ruas de Lima, dizem que a eleição representava a escolha entre dois imperialismos: o brasileiro e o americano. Ou melhor, o júnior e o veterano. Parece que o mais novo levou a melhor com a vitória de Humala. Nada a comemorar.

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Saberes, sabores, rebeldia

Em maio aconteceu o seminário “Revoluções”, em São Paulo. Entre seus convidados, o filósofo francês Bernard Stiegler. Em uma entrevista ao jornal Valor, ele disse:
Para Karl Marx, a proletarização é a perda de um saber. O saber fazer, no início, mas isso tende a se estender para todas as formas de saber. É isso que vivemos hoje. A perda de saberes engendra a perda de sabores, esse é um jogo de palavras instrutivo. Quando não temos mais os saberes, perdemos o gosto da vida (Valor - 03/06/2011).
Em 05/06, Larry Ponemon, presidente do Ponemon Institute, deu uma entrevista à Folha de São Paulo. Segundo ele:
Não é possível precisar o número de hackers no mundo. Mas o volume cresce rápido, principalmente depois das crises econômicas, quando muitos profissionais perdem seus empregos. Muitos hackers são cientistas com Ph.D. e compreendem a infraestrutura de tecnologia.
Ainda segundo Ponemon, os criminosos virtuais faturaram US$ 150 bilhões com dados roubados de pessoas físicas e de empresas em 2010, no mundo todo.

As informações de Ponemon parecem mostrar que a falta de “gosto da vida” a que se refere Stiegler não é tão definitiva. Trabalhadores altamente qualificados não se renderam a ela. Resolveram voltar seus saberes contra o sistema que os descartou.

O problema é que cometer crimes só reforça a lógica dominante. É algo que depende de que o sistema continue a funcionar. O verdadeiro sabor da rebeldia virá da utilização dos saberes dos explorados em sua luta geral contra a dominação capitalista.

3 de junho de 2011

Sem Bolsa Família, cidade pode falir

Banabuiú fica a 225 km de Fortaleza. Segundo o site Sertão Central, “o fechamento da única agência lotérica local está causando uma crise econômica generalizada na cidade”. Era através dela que os trabalhadores rurais recebiam o dinheiro do programa Bolsa Família.

Agora, “parte do comércio começa a fechar as portas”. Os comerciantes calculam que a queda nas vendas ultrapassa 70%. Pelo menos R$ 260 mil teriam deixado de circular no início dos meses por causa da interrupção do serviço lotérico.

É um exemplo da precariedade dos programas sociais do governo federal. E da importância que acabaram assumindo. O pior é que raramente seus efeitos superam um estado de extrema dependência em relação aos governos.

É estranho, por exemplo, que sejam trabalhadores rurais os principais beneficiários do Bolsa Família. Eles já poderiam ser pequenos agricultores se uma verdadeira reforma agrária tivesse sido feita.

O problema é que seria preciso mexer com o sagrado direito de propriedade dos latifundiários. Coisa que nenhum governo jamais quis fazer. Os petistas prometeram alguma coisa nesse sentido. Não foram além das promessas. De fato, nem chegaram a tentar.

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2 de junho de 2011

Diminuir a miséria para fortalecer o Capital

O governo federal acaba de lançar o plano “Brasil sem Miséria”, voltado para “a erradicação da pobreza extrema”. Ao contrário do que muita gente pensa, a miséria atrapalha o capitalismo. E foi isso o que o governo Lula soube entender.

E não foi só ele. Antônio Ermírio de Moraes é presidente do Grupo Votorantim. Divulgou um texto em 2010, durante as eleições presidenciais. Em “O Cavalo Manco e o Puro Sangue”, Moraes afirma com todas as letras:
A aposta no mercado exterior emergente e no mercado interno, via inclusão social, é reconhecida no mundo inteiro como uma grande sacada deste governo que salvou o país de um grande desastre.
A professora da UFRJ, Lena Lavinas, explica melhor. Em entrevista concedida em 25/05 à IHU On-Line, do Instituto Humanitas Unisinos, ela afirma que:
Em todos os países do mundo, os governos e a sociedade optam por garantir uma renda mínima aos mais pobres não porque têm pena deles (...), mas porque pessoas sem rendimento econômico geram uma série de distorções na economia (...).
A regulação da pobreza começou no século XIV, não tem nada de novo, e é uma forma de reduzir o conjunto de externalidades que são muito ruins em termos de mercado. A economia precisa funcionar e quem não tem o mínimo de recurso, não consegue nem pegar um ônibus para tentar um emprego.
É por isso que o próprio Banco Mundial, guardião do neoliberalismo no planeta, defende políticas de redução da miséria.

O coração econômico do capitalismo é a exploração do trabalho humano. É para viabilizá-la que são criados programas sociais como o que acaba de ser lançado por Dilma Roussef. A tragédia maior é que dificilmente essas duas pragas deixarão de conviver sob o império da mercadoria.

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1 de junho de 2011

A gente continuamos falando direito

Continua a feroz campanha da grande mídia contra o livro “Por uma Vida Melhor”, de Heloisa Ramos, distribuído pelo MEC para a rede pública. Os donos da verdade impressa e transmitida por ar e cabo têm horror a qualquer coisa que cheire a povo. Não toleram o “fumos e vortemo” de um Adoniran Barbosa, por exemplo.

A propósito do assunto, vem bem a calhar matéria de Pedro A. L. Costa para o Valor de 27/05. A reportagem fala sobre a “Gazeta de Notícias” (1875-1942). O jornal foi o primeiro a ser vendido pelas ruas do Rio. Tinha entre seus colaboradores, Machado de Assis e Eça de Queiroz. Mas sua grande preocupação era chegar a um público mais amplo.

Uma evidência disso é uma carta de Henrique Chaves, redator-chefe, ao repórter Mariano Pinna. Leiam o seguinte trecho:
Não deves perder de vista que a Gazeta é uma folha popular. Não deveis, pois, ter preocupações de escola na maneira de escrever. Escreve de modo que possas agradar ao maior número.
Outra contribuição foi dada ao tema por Mauricio Dias, em sua coluna da CartaCapital de 27/05. Ele cita o poema “Pronominais”, de Oswald de Andrade:
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Leia também: A gente também sabemos falar

Garrincha e a violência revolucionária

Certa vez, um técnico de futebol dava instruções à seleção brasileira antes de um jogo. O adversário era a seleção russa. O treinador instruía detalhadamente, recomendando esta e aquela jogada, a disposição de cada jogador em campo, etc. Terminada a palestra, Garrincha perguntou: “Professor, tá tudo muito bom. Mas, o senhor já combinou tudo isso aí com os russos?”.

Há anos, vários setores da esquerda ficam de cabelos arrepiados quando ouvem falar em violência revolucionária. Dizem que a não agressão, a desobediência civil, o pacifismo são as únicas vias possíveis para a transformação social. Tá tudo muito bom, tudo muito bem. Mas, lembremos alguns episódios recentes.

É o caso da violenta repressão policial à “Marcha da Maconha”, em São Paulo. Ou das mortes do casal José Cláudio e Maria do Espírito Santo, no Pará. Do assassinato de Adelino Ramos, em Rondônia. Outro exemplo foi a repressão da polícia espanhola aos manifestantes acampados no centro de Barcelona, deixando 121 feridos.

Tudo isso para não falar dos pobres e negros mortos aos montes diariamente nas grandes cidades. Se nem todas as ações como estas são responsabilidade direta do Estado, este as tolera e encobre.

Não é o caso de defender ações armadas como resposta. Seria um caminho suicida. As forças populares não podem fazer frente às tropas e armas a serviço da classe dominante.

Mas, que não se espere cordialidade e gentileza do Estado quando a classe dominante achar que ameaçamos suas propriedades, riqueza e autoridade. Nesse caso, só cabe uma resposta a uma pergunta como a de Garrincha. Contar com a lealdade do inimigo é derrota certa.

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