Doses maiores

21 de dezembro de 2012

Natal com compaixão. E a espada na mão...

Em breve, comemoram-se 2012 anos do nascimento de um menino muito importante. Para seus inúmeros seguidores, ele representa a compaixão divina. Mas há 4 mil anos, nasceu uma criança que pode simbolizar o lado humano desse sentimento. É o que afirma a reportagem “O início da compaixão”, publicada em 19/12, no Globo.

A matéria refere-se a uma descoberta arqueológica feita no norte do Vietnã. É um garoto que teria nascido com uma doença na coluna vertebral. Coisa grave em uma sociedade com forte dependência do trabalho braçal para sobreviver. Mesmo assim, ele recebeu os cuidados necessários para viver mais de 10 anos.

Nada disso combina com a imagem que temos de uma sociedade pré-histórica. Naquelas duras condições de sobrevivência, difícil esperar solidariedade e generosidade. A descoberta mostra que nossa espécie não se rendeu à lei dos mais fortes. Ao contrário, vem se afirmando contra ela. Para desespero dos fascistas.

Nada disso quer dizer que a raça humana seja boa por natureza. Tais definições dependem das lógicas sociais que regem cada cultura ou momento histórico. O que, talvez, distinga nossa época seja a enorme contradição entre o dito e o feito.

Jesus da Palestina e o garoto do Vietnã simbolizam as melhores possibilidades da humanidade. Ironicamente, ambos nasceram em territórios que acabaram testemunhando atos terríveis. Crimes cometidos exatamente por quem fala em nome da paz e da harmonia entre os povos. Os mesmos que agem em defesa de interesses poderosos.

A noite natalina lembra a compaixão do menino Jesus. Mas não esqueçamos o que disse Jesus quando adulto: “Eu não vim trazer a paz, mas a espada”.

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20 de dezembro de 2012

Não perca a esperança. O fim do mundo vem aí

Os maias avisam: seu calendário não prevê o fim do mundo no dia 21/12. Segundo notícia publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação, descendentes dos maias asseguram que a data marca apenas os primeiros 5.200 anos de existência de sua civilização.

Mas isso não deve mudar muita coisa. A grande maioria das pessoas parece esperar avidamente que tudo acabe numa imensa bola de fogo.

A ideia de que haverá um fim dos tempos é produto das religiões monoteístas ocidentais. Para judaísmo, cristianismo e islamismo, um dia o mundo acaba e todos são julgados por suas ações. Os inocentes irão para o paraíso e os condenados arderão no inferno.

Até a Idade Média, essa ameaça apavorava as pessoas. Na era do espetáculo, tornou-se um evento festivo. No Facebook, por exemplo, muita gente já confirmou presença.

Durante palestra da série “O futuro não é mais como era”, José Miguel Wisnik, abordou a atração que o Apocalipse exerce sobre o público contemporâneo.  Fascinação que pode ser medida pelo sucesso dos filmes de catástrofes.

Para Wisnik, isso aconteceria porque o capitalismo impõe um ritmo intenso, sem descanso e sem sentido. O comércio de mercadorias só teria por finalidade fazer circular dinheiro e finanças. O consumo leva a um acúmulo de dívidas, não de bens necessários. O lazer ficou reduzido a mais um momento para consumir.

Diante desse frenesi desgovernado, o fim dos tempos aparece com um momento de alívio. Seria um definitivo encerramento das atividades. Férias sem fim, aposentadoria apocalíptica. Ou seja, quase uma esperança. Só falta que os maias venham nos frustrar!

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19 de dezembro de 2012

Pesquisa explica mais o governo que os governados

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) acaba de divulgar dados da pesquisa “Valores e Estrutura Social no Brasil”. O estudo tenta descobrir os valores que regem o comportamento e as atitudes dos brasileiros.

Um estudo desse tipo está sujeito muitas distorções. Principalmente, em uma pesquisa quantitativa. Mesmo assim, os dados dão algumas pistas importantes.

Segundo as conclusões inciais da pesquisa, “62% dos brasileiros aderem a posições mais igualitárias e progressistas, e 32%, a posições sociais mais conservadoras”. Mas o conservadorismo é muito maior em certas questões.

O direito ao aborto, por exemplo, é aceito por apenas 40% dos entrevistados. Somente 23% admitem relações homoafetivas, como namoro ou casamento, no círculo familiar. Em relação ao estupro, mais de 30% concordam em responsabilizar parcialmente a mulher caso ela use “roupas provocantes”.

Mas há uma importante evidência externa aos dados. No texto de apresentação da pesquisa, Dilma Roussef diz querer “falar a essa nova classe média e também à tradicional, e faremos isso falando de valores caros à sociedade”. Ou seja, o governo escolheu a “classe média” como alvo de suas políticas.

As “classes médias” não são necessariamente conservadoras. Mas tendem fortemente a sê-lo. Por outro lado, seria muito mais adequado considerar a chamada “classe média” como um setor dos trabalhadores. E como tal ser tratada.

Ao priorizar as camadas sociais intermediárias, o governo concentra suas ações nos elementos menos dinâmicos da sociedade. Despreza o potencial transformador dos explorados. Deixa em paz aqueles que concentram o patrimônio e são responsáveis pela enorme desigualdade social. 

Aí, a pesquisa acaba explicando mais o governo do que seus governados.

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18 de dezembro de 2012

Os proprietários do Brasil e seus síndicos

Em 13/12, o Instituto Mais Democracia e a Cooperativa EITA lançaram “Quem são os proprietários do Brasil?”. Trata-se de um ranking com 397 empresas ordenadas pelo poder que concentram.

São dados valiosos para começar a entender o tamanho do poder econômico no Brasil. Ainda precisam ser melhor analisados. Mas, logo de cara, ficamos sabendo que as 12 primeiras companhias da lista detêm 51% do “poder acumulado” total. A concentração é enorme, mas o que surpreende mesmo é a grande participação do Estado.

A União acumulava cerca de R$ 460 bilhões, em 2011. Principalmente, devido ao controle das estatais e às participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A primeira empresa privada no ranking é a Telefônica, valendo apenas R$ 187 bilhões.

É o tipo de informação que pode levar a conclusões precipitadas. A grande presença do Estado demonstraria, por exemplo, um rompimento dos governos petistas em relação ao neoliberalismo tucano?

Não é o que podemos concluir ao ler artigo de Laura Escudeiro, publicado pelo próprio “Instituto Mais Democracia”. Em “Políticas Públicas e a Atuação de Grupos Econômicos”, Laura usa o conceito de “legados dinâmicos”, da estudiosa Suzanne Berger.

Trata-se da forte influência de escolhas feitas no passado. E uma delas seria a grande contribuição estatal na proteção a corporações poderosas como a Vale e a Embraer. Privatizadas, ambas continuaram a gozar dos mesmos privilégios concedidos a elas no passado.

Assim, quanto à proteção a gigantes empresariais, haveria muito mais continuidade que rompimento nas últimas décadas. O governo mudou de mãos, mas continua a fazer papel de dedicado síndico dos proprietários do Brasil.

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17 de dezembro de 2012

Massacres nos EUA: por que em escolas?

Outro massacre nos Estados Unidos assusta o mundo. Vinte crianças e seis adultos foram mortos em 14/12 em uma escola de Newtown, Connecticut. O assassino seria um ex-aluno do estabelecimento.

Com razão, a grande imprensa culpa a liberdade para comprar armas de fogo no país. Mas há uma pergunta a ser feita. Por que esses massacres acontecem principalmente em escolas ou universidades?

É o que indica Francisco Carlos Teixeira em artigo publicado na Carta Maior, em 15/12. Em "Mass Murder" nas escolas: aconteceu...mais uma vez!” ele contabiliza “177 ataques contra ‘High Schools’ (a partir de 1853) e 111 outros contra ‘Elementary schools’, incluindo o atual ataque”.

Jornalistas falam na necessidade de regras mais rigorosas no comércio de armas. Exigir antecendentes criminais dos compradores, por exemplo. Mas muitos dos assassinos tinham como antecedentes sua própria ficha escolar nos lugares em que cometeram seus crimes.

Ao contrário do que acha o senso comum, a maior função das escolas não é ensinar. Desde os estudos de Michel Foucault, sabemos que elas existem principalmente para disciplinar. O filósofo francês mostrou como as escolas se baseiam nas prisões. Sua lógica é a da vigilância e controle. Algo bem distante do que seriam os objetivos da pedagogia.

As escolas não são culpadas pela loucura assassina de uns poucos. Mas não deveriam ser o lugar para onde alguns de seus próprios alunos voltam para matar. Talvez, a indisciplina dos alunos não seja o maior problema das escolas. Elas é que podem estar se tornando um grande problema para seus alunos e, portanto, para o restante de nós.

14 de dezembro de 2012

Desnaturalizando a pobreza

Uma das funções das Ciências Sociais é desmascarar a naturalidade e a fixidez da vida social. Nada nas relações humanas é necessário e imutável. Tudo é produto das ações humanas. Portanto, está ao nosso alcance mudar aquilo que envergonha nossa espécie. É um dos motivos que torna as Ciências Sociais tão antipáticas para os poderosos.

Um exemplo de conceito naturalizado e eternizado é o de pobreza. Não é verdade que sempre houve ricos e pobres. Sobre isso, o antropólogo Viveiros de Castro traduziu um trecho de ensaio de Marshall Sahlins. Em “The Original Affluent Society. A short essay”, Sahlins diz:

Os povos mais “primitivos” do mundo têm poucas posses, mas eles não são pobres. Pobreza não é uma questão de se ter uma pequena quantidade de bens, nem é simplesmente uma relação entre meios e fins. A pobreza é, acima de tudo, uma relação entre pessoas. Ela é um estatuto social. Enquanto tal, a pobreza é uma invenção da civilização...

Por civilização podemos entender a sociedade de classes. Só há pobres ou ricos onde a minoria explora a maioria. E esta tem sido regra desde o surgimento de “civilizações” como a grega e a egípcia. Na verdade, uma etapa minoritária das sociedades humanas. Corresponde a somente uns 10% da história humana.

De qualquer modo, essa etapa parece destinada a se encerrar em algum momento não muito distante. Ou confirmaremos de vez nossa condição de espécie suicida ou iniciaremos a construção consciente de uma verdadeira civilização: barbárie ou socialismo. Que as Ciências Sociais nos ajudem em nossa luta para afastar a primeira opção.

Leia também: Sociólogo bom é sociólogo chato

13 de dezembro de 2012

Só denunciar golpismos não resolve, diz petista

A mais recente onda de denúncias contra o PT assusta os governistas. No editorial “Aonde eles pretendem chegar?” Mino Carta diz sentir um sombrio clima de golpe. E se surpreende com o envolvimento de empresários: “Personalidades aparentemente voltadas aos interesses do País”.

Emir Sader no artigo “As raízes do golpismo da direita brasileira” afirma: “Quem não tem povo, apela para métodos golpistas, ontem com os militares e a mídia, hoje com a mídia e o Judiciário”. Ambos parecem esquecidos das avaliações que grande parte da esquerda fez sobre uma das principais razões do golpe de 1964: a confiança no inimigo. 

João Goulart, Brizola, Luis Carlos Prestes acreditavam no “dispositivo militar” e no movimento sindical. Qualquer golpe da direita seria derrotado por tropas leais e uma greve geral. Na verdade, todos confiavam na lealdade dos militares. Mas estes estavam ocupados demais preparando o golpe.

O golpe que Sader teme viria da grande mídia, que vem sendo alimentada por astronômicas verbas federais. E aconteceria sob o olhar omisso do Judiciário, que teve a maioria de sua cúpula indicada por governos petistas. Quanto aos empresários que decepcionam Carta, vivem dos gordos financiamentos do BNDES.

Melhor ouvir um equilibrado e insuspeito petista. Trata-se de Ricardo Kotscho, ex-assessor de Lula:

É preciso ter a grandeza de vir a público para tratar francamente tanto do caso do mensalão como do esquema de corrupção denunciado pela Operação Porto Seguro, a partir do escritório da Presidência da República em São Paulo, pois não podemos eternamente apenas culpar os adversários pelos males que nos afligem. Isso não resolve.


12 de dezembro de 2012

Capital brasileiro saqueando Moçambique

“Empresas verde-amarelas redescobrem o país e, juntas, desbancam Portugal do posto de maior investidor estrangeiro”. É assim que o caderno “Amanhã” de O Globo resume a forte presença de empresas brasileiras em Moçambique.

Publicada em 11/12, a matéria mostra todo o poder do capital sediado no Brasil em terras moçambicanas. Vale, Camargo Corrêa e Odebrecht, à frente. A primeira explorando carvão e as outras construindo obras gigantescas. Muito provavelmente, provocando as mesmas tragédias sociais e ambientais que cometem aqui e em outros lugares do mundo.

Como se não bastasse, “o agronegócio está virando a mais nova frente de atividade para os empresários brasileiros”, diz a reportagem. Os reis da soja, milho e algodão estão de olho em seis milhões de hectares. As terras pertencem ao Estado e o governo escolheu o capital “verde e amarelo” como favorito para explorar essa imensidão territorial.

A matéria fala do grande potencial da savana moçambicana. Considerada semelhante ao cerrado brasileiro, ela receberá o “Pró-Savana”, da Embrapa. Um programa de cooperação que repetirá o que foi feito no Centro-Oeste brasileiro: “a implantação de monoculturas voltadas à exportação”.

O resultado desta opção para o nosso cerrado foi um desastre. A destruição de grande parte de sua fauna e flora nativas. A cientista política Ana Saggioro Garcia foi ligeiramente citada na reportagem. Lembrando o título do livro de Eduardo Galeano, ela disse: “A sensação é a de ‘veias abertas’ da terra, sendo sugadas, indo para fora”.

É o Imperialismo Jr. brasileiro substituindo os colonizadores portugueses. E com ajuda de um governo de esquerda. Que o povo moçambicano nos perdoe tamanha vergonha.

11 de dezembro de 2012

O instinto assassino do capitalismo

Dois textos publicados recentemente página da Carta Maior mostram como o capitalismo pode ser cruel. "Bancos contra povos: os bastidores de um jogo manipulado!", de Eric Toussaint, desmente a ideia de que as dívidas que vêm quebrando países da Europa são públicas:

A dívida bruta dos Estados da zona do euro representava 86% do PIB dos 17 países em 2011. A dívida pública grega representava 162% do PIB grego em 2011. Por seu turno, as dívidas do setor financeiro representam 311% do PIB, ou seja, o dobro. A dívida pública espanhola atingiu 62% do PIB em 2011. No entanto, as dívidas do setor financeiro atingiram 203%, ou seja, o triplo da dívida pública.

Mesmo assim, todos os pacotes de ajuda usando dinheiro público beneficiaram bancos privados endividados.

Enquanto isso, o título da reportagem de Naira Hofmeister fala por si só: “Bancos desalojam 500 famílias espanholas por dia”. Segundo Naira, a “previsão das associações de consumidores é de que até o final de 2012 o número total de desalojamentos forçados ultrapasse os 100 mil”.

É pior que do que parece. Por causa da crise, os imóveis ficam vazios, mas os despejados continuam endividados. “Os débitos variam entre 150 e 300 mil euros”, diz a reportagem. O resultado foi um aumento nos suicídios: “Em 40 dias, quatro pessoas”.

Na grande crise de 1929, ficaram famosos os suicídios de empresários e banqueiros falidos. Hoje, ganharam uma bilionária rede de proteção dos governos. Tal como eles, o capitalismo não cometerá suicídio. Cabe aos explorados e oprimidos voltar contra o sistema seu próprio instinto assassino. Manifestações e Greve Geral neles!

Leia também: Na Europa, greve geral contra a barbárie

10 de dezembro de 2012

Biscoito fino e pão com mortadela

Na foto, a respeitada atriz sentada numa bela cadeira. Ao fundo, um conjunto habitacional. O título: “Madureira Gostou”. Embaixo, o texto explica: “Com leitura de Fernanda Montenegro e samba, bairro ganha amanhã nova arena, num projeto de estímulo às artes para além de Centro e Zona Sul”.

É a capa do caderno “Rio Show” do Globo, publicado em 07/12. A matéria refere-se à inauguração da Arena Fernando Torres, no Parque Madureira. O novo espaço receberá eventos culturais que vão das velhas guardas do samba, coletivos de funk e hip-hop até orquestras sinfônicas e peças teatrais.

“É a democratização da cultura”, dizem governos e grande mídia. Por isso mesmo, convém desconfiar. Iniciativas como estas poderiam ser uma forma de dizer aos moradores do subúrbio: “Fiquem por aí. Não venham estragar os espaços bonitos e charmosos da Zona Sul”. Mas, talvez, seja pior que isso.

Oswald de Andrade escreveu: "A massa ainda comerá do biscoito fino que eu fabrico". O poeta e escritor quis dizer que o povo também sabe apreciar obras de arte. Mas a frase também pode ser lida de forma elitista. É preciso levar biscoitos finos à “massa” ou continuará consumindo o pão com mortadela que ela mesma faz.

Ora, O Globo, Eduardo Paes e Sérgio Cabral não são Oswald de Andrade. Além disso, quem faz seu próprio pão desenvolve perigosos laços solidários. Então, são enormes as chances de que políticas culturais desse tipo queiram dizer o seguinte: “Eventos culturais, só com nosso selo de qualidade e na hora e lugar que escolhermos”.

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7 de dezembro de 2012

Receita paulistana nas remoções cariocas

“Distante dos olhos” é o título da reportagem de Mariana Timóteo da Costa, publicada no Globo em 01/12. A matéria explica porque em São Paulo, diferente do Rio, as favelas ficam distantes das áreas “nobres” da cidade.

É que os pobres se tornaram um problema social no Rio muito antes do que em São Paulo, diz a matéria. A primeira favela carioca surgiu em 1897, no morro da Morro da Providência. Na capital paulistana, apenas nos anos 1940. Mas, logo, São Paulo tornou-se um polo capitalista mais dinâmico. 

Nos anos 1970, investimentos imobiliários e obras de urbanização voltados para indústria e comércio foram eliminando as moradias precárias do centro paulistano. Sem morros para ocupar, os pobres foram para as periferias.

Ou seja, o que aconteceu em São Paulo foi um processo que combinou repressão estatal com expulsão econômica. A valorização dos territórios centrais da cidade inviabilizava a permanência dos mais pobres. Essa forma de remoção, muito mais eficiente, só agora está sendo utilizada pelas autoridades cariocas.

No Rio, a polícia abriu caminho para o poder econômico. A grande maioria das UPPs foi instalada na zona sul. Lugares que eram perigosos tornaram-se turísticos. O aluguel sobe e taxas que antes não eram cobradas pesam no orçamento. A situação é ideal para as empreiteiras. Podem comprar imóveis por quantias dezenas de vezes menores do que valem.

São os mecanismos de mercado empurrando os pobres para o subúrbio. Os capitalistas continuam a precisar muito deles. Mas, enquanto lucram, aproveitam para se livrar de uma intimidade que pode ser perigosa também do ponto de vista da luta de classes.

Leia também: UPP é militarização. Ou você acredita em duende azul?

6 de dezembro de 2012

Pequena política, grandes estragos

"Se eu fosse político de direita, iam inventar uma namorada mais jovem, 18 anos. Como sou de esquerda, sobrou uma mais velha”. Segundo a edição de O Globo de 04/12, esta frase teria sido dita por Lula a um grupo de amigos. Refere-se ao suposto caso amoroso com Rosemary Noronha, que estaria envolvida em casos de corrupção envolvendo as agências reguladoras.

O governador Eduardo Campos (PSB-PE) disse que o ex-presidente merece respeito pelo legado deixado por seu governo. As lideranças do PT não gostaram, diz a jornalista Vera Magalhães na Folha do dia 05/12. Os petistas entenderam que a frase de Campos estaria considerando Lula como coisa do passado. É verdade que o próprio Lula afirma que não será mais candidato a nada, dizem os petistas, mas somente ele pode dizer isso. Seus aliados, não.

Como se vê, um debate em nível de rodapé. É a pequena política. Aquela que, segundo Gramsci, “compreende as questões parciais e quotidianas que se apresentam no interior das estruturas já estabelecidas, em virtude de lutas pela predominância entre as diversas facções de uma mesma classe política”.

Enquanto isso, ninguém discute as agências reguladoras. Essas autarquias criadas pelos tucanos para proteger os interesses dos controladores dos serviços privatizados. Comitês a serviço das gigantes da telefonia, aviação comercial, transportes, eletricidade etc. É assim que serviços mais que duvidosos obtêm lucro certo às custas de grandes estragos nos bolsos da população.

Uma vez hospedados no poder, o que os petistas fizeram? Mantiveram intactas as agências reguladoras. Era mais um cantinho para suas minúsculas ambições. Outro grande feito que apequena o governo do PT.

5 de dezembro de 2012

Por que juros e PIB caem juntos?

A economia brasileira cresceu só 0,6% no terceiro trimestre deste ano em relação aos três meses imediatamente anteriores. É o que mostraram dados divulgados em 30/11 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No mesmo dia, reportagem de Carolina Jardim para O Globo afirmava: “Resultado ruim de bancos e financeiras contribuiu para expansão fraca do PIB”. Para o IBGE, o setor de serviços seria responsável pela queda nos números. Mais especificamente, a atividade financeira, que sofreu o maior recuo desde o auge da crise econômica mundial, em 2008.

Os motivos? Queda nos juros e alta na inadimplência. Se este diagnóstico estiver correto, poderia sinalizar dois problemas sérios. O primeiro é óbvio. O crescimento da inadimplência indicaria problemas para manter os níveis de consumo que vêm conservando a economia a uma distância segura da crise.

Mas o mais grave não é isso. Por anos, a grande maioria dos economistas acreditou que juros altos são inimigos do crescimento econômico. Não faz sentido que a queda de juros venha, agora, a provocar queda no PIB.

Não seria um sinal de que a economia brasileira chegou a um nível de financeirização alto demais? Tão alto que se tornou dependente da especulação financeira? Seria como alguém em estado avançado de dependêcia química. Diminuir as doses causa males ainda maiores que a própria droga.

Para muitos, é um mistério que a economia brasileira ainda não tenha sido afetada seriamente pela crise econômica mundial. A solução desse mistério poderia estar perto de ser revelada? Talvez, em breve, saibamos. E pode não ser muito agradável.

4 de dezembro de 2012

O Fator Previdenciário e o Grande Irmão

No livro “1984”, de George Orwell, há um Ministério da Verdade. Uma de suas funções era forjar informações convenientes ao poder. Por exemplo, há um momento em que a ração semanal de chocolate é reduzida de 30g para 20g por pessoa.

O trabalho do Ministério da Verdade era destruir todas as informações que diziam que a ração antiga era maior que 20g. Uma vez feito isso, anunciava-se a mudança no tamanho da ração. Graças à generosidade do Grande Irmão, ela seria "aumentada" para 20g.

Em nossa sociedade, a manipulação é mais sutil. Não é preciso destruir os dados antigos. Basta que se percam na torrente de informações produzidas e distribuídas em ritmo cada vez mais alucinante.

É o caso de uma notícia divulgada pela Folha de S. Paulo, em 20/11: “Fator previdenciário muda para melhor pela primeira vez na história”. A matéria trata do cálculo utilizado pelo INSS para determinar a aposentadoria dos segurados.

Na verdade, o Fator Previdenciário reduz o valor do benefício. Isso leva o segurado a retardar o pedido da aposentadoria por vários anos. É mais um golpe dos tucanos mantido pelos governos petistas.

A novidade que o jornal anuncia é a uma pequena queda na redução da aposentadoria. O Fator é calculado com base na expectativa de vida. Como esta teve uma redução média de 83 dias, a aposentadoria deixa de perder 0,31% em seu valor.

É a lógica neoliberal. O Fator Previdenciário é um roubo. Mas uma leve diminuição em seus efeitos é anunciada como positiva, mesmo que às custas da queda na esperança de vida da população. Obrigado, Grande Irmão!

Leia também Era Lula: Confusões nada confusas

2 de dezembro de 2012

“Mortes de negros não chocam”

“Homicídio de negro no Brasil é 132% maior”, diz matéria do Estadão, publicada em 30/11. O título demonstra a persistência da violência racista e desmente parte da euforia oficial pelas “conquistas sociais” que estaríamos presenciando.

A matéria refere-se ao Mapa da Violência, lançado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. O estudo cobre o período de 2002 a 2010, com dados do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde.

O levantamento mostra que o número de homicídios de brancos caiu 25,5% no Brasil, entre 2002 e 2010. Mas o de negros aumentou 29,8%. E há situações ainda mais graves quando olhamos para dentro dos dados.

É o caso dos números no Nordeste. Na Paraíba, por exemplo, o assassinato de negros foi 1.824% maior. Mas mesmo onde a situação é menos grave, ainda é feia. Em São Paulo, o total de negros assassinados foi 32% maior do que o de brancos.

Entre as capitais, Salvador fica em primeiro com 1.659 vítimas negras, em 2010. Mas a “pacificada” cidade do Rio de Janeiro vem em segundo lugar, com 1.078 homicídios.

Os jovens negros formam outro público-alvo, literalmente. Entre os brancos de 15 a 29 anos, houve redução de assassinatos em 33%, contra um aumento de 23,4% para jovens negros.

Difícil não concordar com Douglas Belchior, membro da Uniafro e do Comitê de Luta contra o Genocídio da Juventude Negra: “Isso é reflexo de 500 anos de história, boa parte dela com escravidão e até hoje com negação de direitos. A morte de negros é tolerada e não choca".

Baixe o Mapa, clicando aqui

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