Doses maiores

28 de janeiro de 2016

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Há coragens e coragens

Ela já foi fotografada andando de bicicleta várias vezes. Tem uma respeitada trajetória política de 40 anos, chegando a viver na clandestinidade em defesa de seus ideais. Jamais lhe faltou coragem.

É isso mesmo que você pensou. Trata-se da ministra da Justiça da França, Christiane Taubira, que acaba de renunciar a seu cargo em protesto contra a legislação antiterrorista apresentada ao parlamento francês pelo governo que ela integrava. Segundo suas palavras:

Em alguns casos, resistir é ficar, em algumas ocasiões resistir é ir. Por fidelidade a si mesmo, a nós. Que a última palavra seja a ética e o direito.

Nem sempre vencer a qualquer custo é realmente vencer.

Do subprime para a água

Michael Burry é o investidor, autor do livro que inspirou o filme “A Grande Aposta”, em cartaz. Livro e filme mostram como Burry deu um golpe genial ao apostar contra os “subprime”, títulos podres do mercado imobiliário, considerados, até então, investimentos 100% seguros.

Quando a crise estourou, em 2008, Blurry ganhou cerca de um bilhão de dólares. Em 2010, ele passou a investir em terras agrícolas. Não por causa do cultivo em si, como se verá pela declaração abaixo, feita por ele à revista “New York”:

Vi claramente que a comida é a maneira de investir em água. Cultivar alimentos em terra rica em água e transportá-la para terra pobre em água.

Para constar

O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Um deles é o herbicida 2,4-d, um derivado do agente laranja usado na Guerra do Vietnã. Entre os muitos efeitos patológicos deste produto, a microcefalia.

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Olimpíadas da exclusão: menos ônibus para os pobres

Mantelli
Em 2012, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada concluiu que, desde 2006, os gastos com transporte público subiram mais de 30% para famílias com renda até meio salário mínimo por pessoa. Mas entre as famílias com renda acima de oito salários mínimos, houve uma queda superior a 15%.

Estes números ajudam a entender o que detonou as manifestações de junho de 2013 e por que a luta contra o aumento de passagens e por tarifa zero são tão radicais. É uma espécie de luta de classes pelo direito à cidade. Mas não se trata apenas do preço do transporte. O acesso a ele também está em disputa.

No Rio de Janeiro, por exemplo, desde outubro, a prefeitura cortou 11 linhas de ônibus entre a Zona Oeste e o Centro da cidade. Oito linhas entre a Zona Norte e do Centro da cidade à Zona Sul foram eliminadas. Outras oito linhas foram encurtadas. A redução prevista da frota é de 35% até março de 2016.

O que a prefeitura chama de racionalização parece ter o objetivo de construir uma cidade com dignidade para poucos. Na verdade, as medidas procuram dificultar e encarecer o acesso da população pobre às áreas consideradas nobres, como as praias da Zona Sul, ou que vêm se tornando refúgios de luxo da cidade, caso da Barra da Tijuca.

O maior pretexto para a implementação de medidas como essas é a realização dos Jogos Olímpicos. Não à toa, chamados de Jogos da Exclusão pelos movimentos sociais.


26 de janeiro de 2016

Vem aí o apocalipse digital. Que bom!

Em março de 2014, Dan Dennett avisou ao El Pais: “A Internet virá abaixo e viveremos ondas de pânico”. O pânico a que o filósofo norte-americano se refere seria causado pela ausência de redes sociais que substituam o ambiente virtual. 

Antes, diz ele, havia a família, igrejas, associações, clubes. Agora, sobraram apenas nossas conexões computadorizadas. Se elas desaparecerem de repente, cairíamos numa espécie de catatonia, olhando para o vazio das telas apagadas à nossa frente.

Mas por que, afinal, a rede cairia? Dennett não explicou. Talvez devido à poluição espacial? Pode ser.

Em 1957, a União Soviética lançou o Sputnik, primeiro satélite artificial. A ele se seguiram mais 4.500 missões espaciais, gerando os atuais 500 mil destroços em órbita. Deste total umas 20 mil peças são maiores que 10 cm, tamanho suficiente para rasgar buracos nos satélites ainda em operação.

Ou seja, toda essa sucata pode começar a derrubar os dispositivos que nos oferecem serviços como telecomunicação, meteorologia, televisão, GPS, e... internete. Um verdadeiro apagão digital. Teríamos desde semáforos apagados por todo o planeta ao desaparecimento de trilhões em transações financeiras.

Outro prejuízo seria a perda de todo o acúmulo de informações em meios digitais. Em 2010, especialistas calcularam haver no mundo 1,2 zettabytes de dados armazenados em nuvens virtuais, incluindo toda a produção intelectual do planeta. Até 2020, o número pode chegar a 40 zettabytes, equivalente a 5 trilhões de arquivos de filmes em alta resolução.

Enfim, tudo isso pode desaparecer na velocidade de um clique. Agora, dê uma boa olhada na vida virtual à sua volta: Facebook, Twitter, Whatsapp, Google. Não seria ótimo?!

25 de janeiro de 2016

A China e os delírios que a cercam

“Recuperação dos EUA é êxito da economia de mercado” diz editorial do Globo de 24/01. O texto começa identificando uma “fase de assincronia” na economia mundial, comparando a “recuperação” da economia americana com a desaceleração da China, “segundo maior parque produtivo mundial”.

Para o Globo, este momento:

... serve para comparações entre os dois modelos: o de um capitalismo selvagem de Estado, sob um regime ditatorial de partido único, e o outro, uma economia de mercado assentada numa sólida democracia representativa e em uma sociedade aberta.

Estranha “democracia representativa” esta, em que 10% da população fica com metade de toda a renda do país. E o que dizer de uma “sociedade aberta” que colocou 47 milhões abaixo da linha da pobreza?

Mas o que realmente não faz sentido é omitir que a China só se tornou o “segundo maior parque produtivo mundial” por que o grande capital ocidental, liderado pelos Estados Unidos, foi buscar lá a força-de-trabalho abundante e barata que a ditadura do partido único colocou a sua disposição.

É por isso que chega a ser delirante achar que os problemas da economia chinesa servirão como prova de que o modelo “socialista” ou “comunista” fracassou. Na verdade, só mostrarão que a integração da economia chinesa ao capitalismo mundial não trouxe apenas imensos lucros e mais concentração de riqueza e poder para alguns poucos. Também acumulou contradições que ameaçam toda a economia global.

Mas o pior, mesmo, é ver o Globo ter o gostinho de citar o entusiasmo igualmente delirante que boa parte da esquerda manifesta em relação ao desastroso capitalismo de estado chinês.

Leia também: China: a fábrica do mundo não pode produzir liberdade

24 de janeiro de 2016

Um conto imoral

A imprensa divulgou um estudo mostrando que alguns contos de fadas podem ter até 6 mil anos.

Quem sabe daqui a alguns séculos, futuros historiadores descubram algumas das fábulas de nossa época e a compreendam melhor. Um exemplo poderia ser o caso relatado por Dorrit Harazim no Globo, de 24/01. Em “Nas franjas da sociedade”, era uma vez a cidade Flint no estado de Michigan, Estados Unidos.

Flint tornou-se famosa pelo documentário “Roger e eu”, de Michael Moore, que descreve o abandono a que foi condenada depois que a indústria automotiva a deixou nos anos 1980. Como, desde então, as coisas só pioraram, o lugar recebeu o que os neoliberais gostam de chamar de choque de gestão.

Em 2012, o governador nomeou alguns técnicos para administrar a cidade com poderes maiores do que os representantes eleitos. Entre as medidas mais absurdas, em 2014, essa turma desligou a cidade do sistema hídrico de Detroit e passou a captar as águas poluídas do rio Flint, gerando uma economia anual de US$ 2 milhões.

Mas o que começou a sair das torneiras das casas foi um líquido amarelo contaminado por chumbo, causando doenças de todos os tipos. E ferver a água só aumenta a concentração venenosa. Até a unidade local da General Motors parou de usar a água pelos problemas que vinha causando suas máquinas, mas a população continua obrigada a utilizá-la.

Recentemente, depois de muita mobilização, a população de Flint conseguiu chamar a atenção da grande mídia e das autoridades. Mas não muito mais que isso.

Fim do conto e não adianta procurar moral alguma nessa história.

Leia também: Nos EUA, empresas têm direitos humanos

22 de janeiro de 2016

A verdadeira aposta é contra o capital

"A Grande Aposta”, de Adam McKay, é um filme sobre o estouro da bolha imobiliária americana em 2008. A produção é didática, dinâmica, bem-humorada e conta com a presença de atores famosos como Brad Pitt, Christian Bale, Ryan Gosling e Steve Carell.

Portanto, tem tudo para alcançar um público maior e fazer a denúncia de um dos maiores crimes da história econômica mundial. Trata-se do famoso estouro das “subprimes”, títulos podres do mercado imobiliário que se espalharam por toda a economia estadunidense e além.

O filme tem duas grandes qualidades. Primeiro, mostra que os corretores de Wall Street, nojentos como são, não passam de engrenagens de uma máquina ainda pior que eles. Em segundo lugar, deixa claro que a sujeira continuou muito além daquele trágico setembro, quase oito anos atrás.

O fato é que nem toda essa crise foi suficiente para impedir que o sistema continuasse a produzir mais desigualdades. É o que mostra, por exemplo, o mais recente estudo da ONG britânica Oxfam, muito comentado na imprensa e redes virtuais.

O levantamento aponta que a riqueza de 1% da população do planeta pela primeira vez superou a dos outros 99%. Mas, além disso, o estudo descobriu que toda essa concentração de riqueza recebeu um novo impulso após 2009. Ou seja, logo depois da crise.

Esses dados mostram que a ideia de que as crises capitalistas funcionam como “choques de arrumação” é falsa. Ao contrário, cada abalo desses no sistema aumenta a injustiça social e o torna insustentável para a maior parte da humanidade.

Apostas certas, mesmo, são as que fazemos nas lutas contra o capital.

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Mortes voluntárias e assassinatos em família

21 de janeiro de 2016

A missão civilizacional do capitalismo

Bira
O presidente da França, François Hollande, acaba de lançar um plano emergencial contra o desemprego em seu país. A medida pretende qualificar 500 mil desempregados. O detalhe é que os inscritos no programa não entrarão no índice de desemprego no país. O “socialista” nega que haja alguma “manobra estatística na operação”.

No Brasil, a taxa de desemprego será a maior entre as grandes economias do mundo em 2016. Os dados fazem parte do recém-divulgado informe anual da Organização Internacional do Trabalho. Será nossa nada modesta contribuição para o total de 2,3 milhões de postos de trabalho perdidos no mundo, no período.

Por fim, um relatório apresentado em 18/01 pelo Fórum Econômico Mundial prevê a perda de 7 milhões de postos de trabalho até 2020. Deste total, 5 milhões ficarão desempregados devido a informatização, robotização e outras formas de substituição de trabalho vivo por trabalho morto.

Agora, juntemos a este quadro tão sombrio as conclusões de um recente estudo da organização não-governamental britânica Oxfam. O levantamento afirma que 1% da população global detém mesma riqueza dos 99% restantes.

Esta minoria não é necessariamente proprietária dos meios de produção do planeta. Mas certamente controla pontos estratégicos das cadeias produtivas mundiais, com o valioso auxílio de uma pequena franja social formada por altos executivos e governantes em geral.

São eles os responsáveis por transformar a inovação tecnológica em geradora de desemprego e pobreza pelo mundo afora, ao invés de jornadas de trabalho bem menores, capazes de empregar muito mais gente.

Esta equação que não fecha resume a missão civilizacional do capitalismo. Levar a humanidade ao caos social.

Leia também: Desigualdade social aqui, lá e acolá

18 de janeiro de 2016

Para o grande capital, muito açúcar e afeto

Em 08/01, Carta Capital publicou entrevista com a historiadora portuguesa Raquel Varela, que está lançando o livro “Para Onde Vai Portugal”.

Uma das principais denúncias da obra é o desastre social causado pelas dívidas públicas na Europa. Segundo ela:

Vivemos um modelo no qual os trabalhadores pagam ao Estado, que por sua vez entrega o dinheiro ao setor privado por meio, entre outros, das Parcerias Público-Privadas.

De fato, apesar das enormes diferenças entre Grécia, Espanha e Portugal, os orçamentos públicos destes países estão amarrados a dívidas totalmente desproporcionais em relação aos benefícios que possam ter gerado.

Esta situação limita drasticamente a adoção de políticas públicas que amenizem uma desigualdade social que só aumenta. Segundo Raquel:

Em 1945, a diferença entre um rico e um pobre, ou um trabalhador manual qualificado na Europa, era de 1 para 12. Em 1980, subiu de 1 para 82. E hoje é de 1 para 530.

Tais números, diz ela, transformam a União Europeia em “uma corporação de acumulação de capitais”, incompatível com a manutenção do Estado de Bem-Estar Social.

Assim, diz a historiadora, fica claro o fracasso de uma socialdemocracia que já não tem mais nada a oferecer e se comporta “como uma viúva vítima de violência doméstica no funeral do marido: ela chora, nem sabe por quê”.

Já no Brasil, o governo Dilma acaba de vetar a realização da Auditoria da Dívida Pública, prevista pela Constituição Federal, para a felicidade de rentistas e especuladores.

Ou seja, a socialdemocracia petista não apenas alegra-se por ver o marido violento gozando de perfeita saúde, como o trata com muito açúcar e afeto.

Leia também:  PT, reformista no pior sentido

17 de janeiro de 2016

Desigualdade social aqui, lá e acolá

...uma sociedade global cada vez mais próxima desses padrões antigos e medievais, e mais distantes daqueles atingidos pelos países mais desenvolvidos nos anos do pós-Guerra. Desde o início da era neoliberal, a riqueza acumula-se cada vez mais no topo, enquanto as maiorias empobrecem em termos relativos e até absolutos.

É assim que Antonio Luiz M. C. Costa, resume um relatório do banco Credit Suisse divulgado em outubro de 2015. O artigo publicado pela Carta Capital, em 05/01, diz que as 62 pessoas mais ricas possuem US$ 1,76 trilhões ou mais, tanto quanto 3,7 bilhões de seres humanos.

O estudo também chamou de “classe média global” às 664 milhões de pessoas que possuem riqueza líquida de 50 mil a 500 mil dólares. Logo acima delas, estariam 96 milhões, com 150 trilhões. As duas camadas juntas detêm 92% de todos os bens do mundo.

Enquanto isso, diz Costa, “os ultrarricos” cresceram de 81 mil em 2010 para 124 mil em 2015, representando 0,0026% dos “cidadãos do mundo”. Destes, 48% vivem nos Estados Unidos, 24% na Europa, 9% na China e Hong Kong e 1% no Brasil.

Por falar em Brasil, em 14/01, Marcos de Aguiar Villa-Bôas publicou na Carta Capital “Concentração de renda é maior do que se imaginava”. Segundo o artigo, dois estudos recentes revelaram que o Brasil continua a ser “um dos países mais desiguais do mundo”. E que “a grande concentração de renda observada hoje foi mantida durante o último século”.

Ou seja, se o lulismo fez uns remendos no varejo, no atacado continuamos praticamente na mesma e, agora, com forte tendência a piorar.

Leia também: A elite e seus masturbadores oficiais

15 de janeiro de 2016

Os buracos do golfe olímpico e outros tantos


Mantelli
Todos sabem que o golfe é um esporte das multidões. Exceto, as próprias multidões.

O que nem tanta gente sabe é que a competição estava fora das Olimpíadas há 112 anos. Assim, a volta da modalidade aos jogos brasileiros fará justiça a seus 50 e poucos praticantes e duas dúzias de torcedores no país.

As autoridades políticas e esportivas brasileiras alegam que a reaparição do golfe foi decidida após a escolha do Rio de Janeiro como sede olímpica. Daí a necessidade de apressadas providências para a construção das instalações adequadas para sua disputa.

O problema é entender por que já havendo dois grandes campos de golfe na capital carioca, decidiu-se pela construção de um terceiro. Principalmente, quando os dois já existentes vêm sendo utilizados para competições internacionais sem maiores dificuldades.

Pesa como agravante o fato de que o novo campo situa-se em uma zona de conservação, dentro da Área de Proteção Ambiental de Marapendi. Tudo isso na Barra da Tijuca, bairro escolhido pela grande capital para ser um santuário composto por enormes edifícios luxuosos, cercados de engarrafamentos de automóveis por todos os lados.

Talvez, as coisas comecem a se esclarecer se lembrarmos que a área a ser utilizada equivale a 100 campos de futebol e, após os Jogos, será destinada a condomínios de luxo, construídos por uma grande imobiliária, com entrega prevista para 2018. Tudo isso, claro, sem os obrigatórios estudos de impacto ambiental.

Mas este é apenas um dos problemas relacionados a um megaevento, cujos rombos são tão numerosos quanto os buracos jogados em uma partida de golfe.

Leia também:
Rio: cidade olímpica, cidade para poucos

13 de janeiro de 2016

A elite e seus masturbadores oficiais

Jessé Souza não teme polêmicas. Em seus livros “Os Batalhadores Brasileiros" e "A Ralé Brasileira ", por exemplo, ele desmascara a ideologia da meritocracia, justificativa favorita das elites brasileiras para nossas enormes diferenças sociais.

Seu mais recente livro não foge a essa regra. "A Tolice da Inteligência Brasileira" desafia monstros sagrados da sociologia nacional, como Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. Eles estariam entre os responsáveis pela ideia de que o atraso nacional se deve à colonização portuguesa. Corrupção, “jeitinhos”, confusão entre o público e o privado seriam produto do desprezo lusitano pelos valores republicanos.

Essa visão alimentaria o culto a um republicanismo anglo-saxão que simplesmente não existe. Se os governos de Inglaterra e Estados Unidos realmente defendessem os interesses de seus povos, não estariam a serviço de poderosos complexos industriais, militares e financeiros.

Por outro lado, é inegável que a elite brasileira se comporta como a antiga monarquia ibérica. A jornalista Nina Lemos deu um depoimento à revista TMP sobre a repercussão do filme “Que horas ela volta” entre seus amigos europeus. Espantados, eles perguntavam: "É verdade que no Brasil tem gente que não levanta para pegar um copo de água?"

Talvez, a teoria da herança portuguesa, nesse caso, faça sentido. É o que mostra o livro “Mario Prata entrevista uns brasileiros”. Nele ficamos sabendo que, em 1808, Dom João VI trouxe de Portugal seu “masturbador oficial”. Parece que nem esta tarefa o rei desempenhava sozinho.

Desnecessário dizer que poucos aguentam tanta humilhação por muito tempo sem reagir. Com exceção, claro, dos que se mantêm no posto de masturbadores oficiais por vocação.

12 de janeiro de 2016

As sufragistas contra Mary Poppins

Quebrar vitrines, explodir caixas de correios, enfrentar desarmadas a repressão brutal da polícia inglesa, sofrer prisões ilegais e torturas. Era assim que as mulheres britânicas lutavam pelo direito ao voto no começo do século 20. E é isto o que mostra “As Sufragistas”, filme de Sarah Gavron, estrelado por Carey Mulligan e Helena Bonham Carter.

A primeira grande qualidade da obra é mostrar como um direito tão básico como o de votar teve que ser arrancado a ferro e fogo pelas mulheres. A produção também deixa claro que esta luta não era feita por madames, para quem a causa era mais um capricho.

A personagem principal é operária de uma lavanderia, onde ela e suas companheiras ganham menos e trabalham mais que os colegas homens. Também são comuns os casos de abusos sexuais cometidos por seus patrões e capatazes, além do desprezo machista com que são tratadas por seus maridos.

Trata-se de um quadro bastante diferente do que mostra um outro filme que aborda o sufragismo feminino, ainda que de forma ligeira. Quem não se lembra da patroa de Mary Poppins fazendo campanha pelo voto feminino de forma bastante caricata, aproveitando as muitas horas vagas de sua confortável vida?

É verdade que “As Sufragistas”, tem entre suas limitações, a pouca atenção dedicada às ligações do movimento sufragista com as lutas da classe operária da época. É o que mostra Sean Purdy em ótimo artigo, que pode ser acessado aqui.

Mas quem antes tinha que enfrentar a referência negativa da superprodução da Disney, já pode fazer bom uso da obra de Sarah Gavron.

Leia também: A humanidade, entre o deserto e as estrelas

11 de janeiro de 2016

Apendicite tecnológica

Em um famoso capítulo de “O Capital”, Marx fala sobre a transição produtiva entre antigos processos de trabalho e aqueles sob a lógica do capital:

Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimento do meio de trabalho parte dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, tem-se um mecanismo morto, independente deles e ao qual são incorporados como apêndices vivos.

Mais de 150 anos depois, o fenômeno só se aprofundou. Funcionamos cada vez mais como acessórios de sistemas robotizados e informatizados, e não apenas em fábricas.

Mas não é só isso. Muita gente começa a ter calafrios só de pensar na possibilidade de ficar sem bugigangas eletrônicas como smartphones e tablets, diz Ronaldo Lemos, na Folha de S. Paulo em 04/01. Segundo o colunista, nossas dificuldades para ficar longe desses “apêndices” tecnológicos deve-se ao fato de que eles:

... não são mais apenas ferramentas de comunicação, mas moduladores do nosso estado emocional. A forma como as mídias sociais são desenhadas propicia um sistema de pequenas recompensas (e frustrações) que interfere diretamente na nossa sensação de bem-estar.

Essa escravidão aos aparelhos eletrônicos não está diretamente ligada ao fenômeno a que se referiu Marx. Mas grande parte das “recompensas” proporcionadas por nossos “gadgets” fazem parte da lógica daquela produção.

De um lado e de outro, doenças parecidas. A maior diferença é que na ponta do consumo, a retirada do apêndice consegue piorar a apendicite.

10 de janeiro de 2016

PT, reformista no pior sentido

A luta por reformas era uma bandeira de esquerda até o começo dos anos 1990. Reforma agrária para democratizar a propriedade da terra. Tributária, para fazer os muito ricos finalmente pagarem impostos no Brasil. Educacional, para universalizar educação de qualidade. Estas e muitas outras eram as reformas populares.

Desde que o neoliberalismo chegou ao poder, defender reformas virou sinônimo de destruir conquistas e direitos populares. O resultado foi mais concentração fundiária, ampliação da injustiça fiscal, mercantilização da educação e restrição e revogação generalizada de direitos, entre outras mazelas.

Antes de chegar ao governo do País, o PT era um grande defensor das reformas populares. Uma vez eleito, a única grande reforma que o partido fez foi na Previdência Social, da pior maneira possível. Restringiu direitos dos servidores e liberou o setor público à especulação do mercado segurador.

Essa trajetória chegou ao auge no ano de 2015, quando o governo petista conseguiu a proeza de não emitir um único decreto de desapropriação de terras para a reforma agrária.

Mal começa 2016 e Dilma fala em nova reforma da previdência. Mas a disposição para fazer uma reforma trabalhista ao gosto dos patrões também aparece com frequência em pronunciamentos do governo petista.

O PT jamais foi um partido revolucionário. Mas, durante algum tempo, seu reformismo conseguiu alimentar lutas radicais e arrancar conquistas importantes porque tinha como horizonte a necessidade de fazer grandes transformações.

No entanto, bastou enveredar de vez pelo caminho eleitoral para que o PT abandonasse qualquer expectativa de ruptura radical e passasse a implementar o mais conservador dos reformismos. O reformismo neoliberal.