Doses maiores

20 de dezembro de 2010

Papai Noel não é de esquerda, mas existe!

Antes de sair voando por aí em seu trenó, Papai Noel era apenas São Nicolau. Filho de pais ricos, acabou com sua herança distribuindo dinheiro aos pobres e presenteando crianças de famílias sem posses. Com o tempo transformou-se no Papai Noel.

Em 1931, a Coca-Cola tornou Papai Noel uma figura totalmente humana. Até a cor vermelha foi escolhida para combinar com os logotipos da empresa. Mas, não adianta só questionar a origem mercantil da gorda figura vermelha. O problema é saber o que leva pessoas de todas as idades a precisar de um mundo do faz de conta.

Todos os povos, em todos os lugares sempre precisaram dessa dimensão fantasiosa. Principalmente, em sua função pedagógica junto às crianças. São formas de introduzir os pequenos aos problemas da vida usando imagens claras e situações atraentes.

A indústria transforma essa necessidade em pacotes quantificáveis. A deliciosa experiência de ouvir ou de contar contos de fada passa a ser acompanhada pela necessidade de comprar os brinquedos, jogos e filmes a ele correspondentes. Ao “era uma vez...”, as crianças respondem cada vez mais com “compra pra mim”.

A esquerda tem que se dedicar a esse aspecto da luta ideológica. Ouvir pedagogos, psicólogos, especialistas. Ouvir principalmente o próprio povo. Recuperar a história oral, prestar atenção à literatura de cordel e outras manifestações da narrativa popular. Criar um ambiente cultural menos marcado pela escravidão material a que o capitalismo nos condena.

Mas até para fazermos isso sem perigo de produzir ou reproduzir esquemas de dominação, é preciso dar asas à imaginação.

Doses suspensas até começo de janeiro. Saudações festivas e aladas!

18 de dezembro de 2010

Facebook: solidões acompanhadas

O filme “A rede social”, de David Fincher, conta a história de Mark Zuckerberg, um dos criadores do Facebook. O retrato que a produção faz dele não é nada positivo. Segundo o filme, Zuckerberg não é bom apenas em computação. Seus talentos incluem puxadas de tapete e rasteiras em amigos e sócios.

Até aí tudo bem. Ninguém chega a faturar bilhões sem se emporcalhar. Na economia “pontocom” não seria diferente. O que assusta mesmo é o vazio do personagem principal.

As maiores ambições de Zuckerberg são fazer parte de clubes exclusivos, ser um alto executivo, transar com lindas mulheres, ganhar bilhões. Mas nada parece lhe dar mais prazer do que vencer. Preocupado com isso, ele não tem muito tempo para curtir clubes, cargos, mulheres e dinheiro.

O filme começa e termina sem que o talentoso jovem tenha feito ligações duradouras com quem quer que seja. Neste caso, não seria coincidência que um solitário tenha criado a mais ampla rede de contatos do mundo.

O filósofo francês Jean Paul Sartre dizia que no capitalismo vivemos em uma sociedade serial. Usava o exemplo das filas de ônibus. As pessoas estão juntas, mas não estão acompanhadas. É um ajuntamento de solidões.

Ao que parece, redes virtuais acabam sendo mais seriais que sociais. Ajudam a aprofundar uma lógica que produz intimidades remotas e multidões solitárias. É a fila do ônibus que invade a casa ou o escritório. Alguém que tem 235 contatos e acha que são todos seus amigos está tão sozinho quanto Zuckerberg em “A rede social”.

16 de dezembro de 2010

Seis milhões de casas assombradas

Centenas de famílias que vinham ocupando prédios do INSS nas capitais paulista e fluminense já receberam seus presentes de Natal. Despejos violentos, com ou sem determinação judicial. Esta última é facilmente fornecida por juízes a serviço do poder econômico. Mas pode ser desnecessária quando o aparelho policial faz uso de seus cassetetes sem maiores formalidades.

O fato é que milhões de pessoas estão longe de conquistar o direito básico a uma moradia digna no Brasil. Para garanti-lo seria preciso construir cerca de 5,8 milhões de casas. Em resposta a essa situação, o Ministério das Cidades criou o programa “Minha Casa, Minha Vida”. O objetivo é construir 1 milhão de unidades.

Mas, segundo o último censo, há cerca de 6 milhões de domicílios vagos no País. Pelo menos 200 mil a mais do que o necessário. Além disso, o Ministério da Previdência possui mais de 5 mil imóveis. Todos confiscados de devedores da Previdência Social. Destes imóveis, quase 3.500 estão vagos.

Ou seja, seria possível zerar o déficit habitacional nacional sem construir uma única casa. O problema é que desocupar imóveis implica brigar com proprietários. Entrar em choque com o poder econômico. Já criar programas habitacionais oferece oportunidades de lucros para empreiteiras, financiamentos para bancos, eventos espetaculares na grande imprensa. Resumindo, fazer do jeito que o poder econômico quer.

A tradição popular sempre povoou as casas vazias com assombrações. Talvez, porque a existência de moradias sem moradores atraia a condenação eterna para quem a provoca. Que assim seja!

15 de dezembro de 2010

Vida é biomassa. Vida é mercadoria

Estranha a preocupação dos manda-chuvas reunidos na COP-16 em relação à preservação das florestas. Uma entrevista com a pesquisadora Silvia Ribeiro para o Brasil de Fato ajuda a entender. Ela trabalha para a organização internacional Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC).

Silvia diz que trata-se de mais um passo para mercantilização da natureza. Segundo ela, quando os chefões do mundo pensam em florestas, não se trata de plantas, insetos, animais. Não é vida. É biomassa. Matéria prima para uma nova geração de combustíveis. A pesquisadora explica qual é a lógica:
Hoje, nós vivemos em uma civilização baseada no petróleo, não só para combustíveis, mas toda a agricultura está petrolizada, sejam nos agrotóxicos, nas embalagens, nos plásticos. E o petróleo é matéria orgânica, ou seja, carbono. São hidrocarbonetos que estiveram milhões de anos na terra, é uma energia condensada muito forte. Das cadeias de hidrocarbonetos fazem outros polímeros. Então, a idéia é usar os carboidratos (...), fermentá-los com açúcares e, assim, produzir os polímeros que se formam através do petróleo. E já estão fazendo combustíveis e plástico, por exemplo, com milho. Não deixarão de usar petróleo, porque as petroleiras são enormes empresas, vão seguir usando até que não haja mais e, além disso, vão usar biomassa como nova fonte.
Assim, a demanda de biomassa será enorme no futuro e isso significa demandas enormes de terra e água. De onde vão tirar? Vão tirar de onde estão os camponeses e indígenas. No Brasil isso é muito claro. O país já é um retalho: em um lado milho, em outro eucalipto, em outro soja etc.
É assustador, mas não passa do aprofundamento da lógica capitalista. Tudo se transforma em mercadoria. Como diz Silvia, “tudo é biomassa. Até nós”.

Leia a íntegra da entrevista aqui.

Leia também COP-16: “Planeta ou Morte”, diz Evo

14 de dezembro de 2010

A moto-serra de Aldo ataca novamente

Enquanto o Wikileaks vaza e a COP-16 faz água, Aldo Rebelo volta a ligar sua serra elétrica. O relatório do deputado federal do PC do B que modifica o Código Florestal voltou ao debate. A bancada ruralista colocou em votação requerimento de urgência para que a proposta entre na pauta de votação na Câmara.

Nota do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA) diz que a aprovação do relatório:
“...prejudicará milhares de produtores familiares e campesinos, estimulará o desmatamento florestal, comprometerá as fontes de água doce, degradará ainda mais o solo brasileiro e anistiará as empresas madeireiras, as mineradoras, as empresas de celulose, os pecuaristas e os monocultores de soja, entre outras atividades predadoras dos recursos naturais”.
Segundo o FNRA, “iscas” foram lançadas para pescar o apoio dos pequenos produtores. Uma delas é o fim da obrigatoriedade de manter uma reserva de vegetação original nas propriedades. Isso ampliaria a área de plantio, mas a nota explica que:
“A agricultura familiar e camponesa produz mais por hectare que a patronal porque é diversificada, possui modo próprio de uso da terra e conserva os recursos naturais”.
Outra isca é reduzir de 30 metros para 15 metros a área de preservação mínima para rios. Medida que aumentaria a poluição dos rios, causando problemas de abastecimento. Já a liberação do desmatamento no alto dos morros, colocará em risco a vida dos que vivem nos vales. Aumentariam as ameaças de deslizamentos e desabamentos. Tudo isso, sem falar na anistia que premia criminosos ambientais. É por isso que o FNRA convoca à mobilização para barrar o relatório de Rebelo.

A bancada ruralista vem contando com apoio até do líder do governo, Cândido Vaccarezza. O deputado petista quer ser presidente da Câmara e busca o apoio dos representantes do agronegócio. Mais um pra turma da moto-serra.

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13 de dezembro de 2010

COP-16: “Planeta ou Morte”, diz Evo

A Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP-16) terminou. Grande imprensa e autoridades comemoram. Como representantes da destruição capitalista, só podiam ficar felizes. Felizmente, houve uma honrosa exceção. O governo boliviano foi o único entre os 194 representados em Cancún a denunciar o acordo final como mais uma fraude.

Entre os itens comemorados está a manutenção do Protocolo de Kyoto, que prevê a redução de emissão de gases estufa. Aquele que quase ninguém cumpre. Principalmente os países que mais poluem. O mesmo que os Estados Unidos nunca assinaram, apesar de possuírem as chaminés mais porcas do mundo.

Outra “vitória” é a criação de um Fundo Verde para financiar “ações de combate ao aquecimento global”. Mais um passo para a formação do “mercado de carbono”. Também foi criada uma premiação em dinheiro para países que preservarem suas florestas.

Combater a destruição ambiental com mecanismos de mercado só pode ser piada de mau gosto. É como combater tumor maligno com substâncias cancerígenas. Afinal, é o funcionamento do capitalismo que vem destruindo o meio-ambiente. Além disso, ficar negociando carbono pode ser mais uma chance de formar outra bolha especulativa.

É por isso que Evo Morales estava coberto de razão quando declarou: "converter a natureza em mercadoria é garantir a sobrevivência do capitalismo". E completou, afirmando que não basta gritar “Pátria ou morte”. “Temos que dizer planeta ou morte porque ou morre o capitalismo ou morre a Mãe Terra”.

Ideal mesmo seria que reuniões como estas fossem soterradas pela ação organizada dos povos do planeta.

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10 de dezembro de 2010

Os Estados Unidos e suas mentiras de guerra

Circula pela internete uma mensagem do editor-chefe do WikiLeaks. Entre outras coisas, Julian Assange, diz:
“Há quem diga que sou anti-guerra: para que conste, não sou. Por vezes os países precisam ir à guerra e há guerras justas. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir ao seu povo (...). Se uma guerra é justificada, então digam a verdade e o povo decidirá se a apóia”.
Assange refere-se às mentiras criadas pelos americanos para justificar as invasões de Iraque e Afeganistão. Mas a história estadunidense tem muitos outros relatos sobre falsas justificativas para provocar guerras. É o que nos diz o livro “Uma história do povo dos Estados Unidos”, de Howard Zinn:
“Não foram os ataques de Hitler aos judeus que levaram os Estados Unidos a entrar na Segunda Guerra Mundial. (...). O ataque da Itália à Etiópia, a invasão da Áustria e a anexação da Tchecoslováquia por Hitler, assim como seu ataque à Polônia. Nenhum desses eventos levou os Estados Unidos a entrar na guerra (...). O que colocou os Estados Unidos na guerra efetivamente foi o ataque japonês a Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941”.
Mas o ataque à base americana não foi uma surpresa total. Segundo Zinn:
“Pearl Harbor foi apresentado ao público americano como uma ação surpreendente, chocante, imoral. Imoral foi mesmo, como qualquer outro bombardeio. Mas não foi surpreendente ou chocante para o governo americano”.
Zinn cita, então, uma série de atos de agressão mútua entre os dois países, cujo início foi marcado por sanções econômicas americanas contra o Japão. Na verdade, os Estados Unidos vinham perdendo o controle de áreas importantes do Oceano Pacífico para os japoneses. Daí, tomar iniciativas para preparar um conflito militar.

O livro relata ainda uma conferência realizada na Casa Branca duas semanas antes de Pearl Harbor. Os registros do evento mostram que a guerra era considerada iminente e necessária. O debate central era como deveria ser justificada. O bombardeio chegou na hora certa. O resto foi feito pela grande imprensa, exagerando, distorcendo informações e escondendo o longo jogo de provocações que antecedeu o ataque japonês.

Leia o texto de Assange aqui

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9 de dezembro de 2010

COP-16: desastre ambiental e social

Longe do calor de Cancún, o continente europeu vem batendo os queixos de frio. Também vem sofrendo solavancos econômicos que provocam o ranger dos dentes de milhões de trabalhadores e estudantes.

Temperaturas que chegam a 40 graus negativos. Quase 50 centímetros de neve. Estradas, aeroportos e ferrovias paralisados. Centenas de mortos. Já se fala no pior inverno europeu das últimas três décadas. Meses depois do que se considerou um dos piores verões.

Enquanto isso, em Portugal, a maior greve geral de sua história. Na Inglaterra, os estudantes protestam nas ruas diariamente. O mesmo ocorreu na França há pouco. Os irlandeses também começam a se revoltar. O alvo são medidas governamentais que reduzem salários, aumentam mensalidades escolares, inviabilizam aposentadorias, cortam direitos.

É a crise que continua a abalar a Zona do Euro. Em nome do combate a ela, a maioria da população é punida. Os verdadeiros responsáveis pela crise nada sofrem e ainda recebem ajuda. Desde 2008, na Grécia, ondas de lutas se sucedem. Muito antes disso, ondas de frio e calor abalam o planeta.

As tragédias climáticas e os desastres sociais são produto do mesmo sistema. O capitalismo atinge novos e piores níveis de desequilíbrio em sua busca cega por lucros. Invade cada canto do planeta. Afeta leis naturais. Ameaça a vida em suas várias formas.

A Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP-16) está em andamento no México. Reúne representantes dos principais responsáveis pelo colapso ambiental que vivemos. Únicos causadores das crises sociais. Por isso, não vão chegar a qualquer acordo que interesse à maioria da população mundial.

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8 de dezembro de 2010

Industrialização sem empregos

O Brasil produz a todo vapor? Sim, claro. Significa mais empregos? Nem sempre. Em Manaus, a produção de TVs LCD cresceu mais de 150% de janeiro a outubro de 2010. Já, a Gatsby do Brasil deverá fechar o ano sem dois terços de seus funcionários. A empresa fabrica cabos para televisores na capital amazonense. Terá um faturamento 40% menor porque os aparelhos LCD não utilizam o sistema de cabos que a empresa produz.

Outro exemplo? A forte expansão da produção agrícola fez disparar a venda de tratores e máquinas agrícolas. Crescimento de 28% até outubro, em relação a 2008. A Engrecon fabrica engrenagens para tratores. Deve terminar o ano com produção 30% menor. E um terço a menos de trabalhadores.

Estes números estão na reportagem de Marta Watanabe, publicada hoje pelo Valor. Mostram que desindustrialização não que dizer necessariamente queda na produção industrial. Pode ser “a perda relativa de dinamismo da indústria na geração de renda e emprego". É o que admite um estudo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, também publicado pelo Valor, em 17/10.

Para o ministério, esta ameaça vem cercando a economia do país desde 2007. Momento em que a participação dos produtos manufaturados começou a cair. Estamos falando de máquinas, veículos, eletrodomésticos. Já, a exportação de commodities sobe. Principalmente, ferro, soja, alumínio. Para ter uma idéia, uma tonelada de minério de ferro custa cerca de 160 dólares. Este valor mal dá para comprar um par de tênis importado. Pergunta-se, quantos empregos giram em torno da produção e circulação de um e de outro?

7 de dezembro de 2010

Wikileaks: o capitalismo vaza. E fede

O assunto do momento é o Wikileaks, site dedicado ao vazamento de documentos governamentais secretos. Desde julho, já foram revelados quase 350 mil papéis. A Secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse que se trata de “um ataque ao mundo”. A cúpula sobre mudanças climáticas do México estaria sendo afetada pela divulgação dos documentos. Julian Assange, fundador do Wikileaks, acaba de ser preso em Londres sob acusação de crimes sexuais.

Nada disso parece ser o que aparenta. É verdade que o mundo vem sofrendo os ataques de que fala a Sra. Clinton. Mas, os documentos vazados revelam que seu maior autor é o governo que ela representa. São milhares de telegramas e memorandos cheios de instruções para espionar, caluniar, mentir, omitir, atacar, sabotar. Seus alvos principais: governos rebeldes, movimentos sociais e partidos de esquerda.

O vazamento de documentos oficiais sobre a questão climática seria uma boa desculpa para justificar a impossibilidade de que se chegue a algum acordo decente. A prisão de Assange também é muito suspeita. Assim como é errado considerá-lo um terrorista anarquista e irresponsável.

Assange já disse que é a favor dos mercados. Além disso, o Wikileaks vem mantendo uma parceria informal com cinco grandes publicações mundiais: "Times", "Guardian", "Der Spiegel", "Le Monde" e "El País". Jornalões que nada têm de anarquistas ou terroristas. Tudo indica que o perigo representado por Assange é sua própria crença de que no capitalismo pode haver liberdade de expressão.

A avalanche de informações continua sendo administrada pelas grandes corporações da mídia. Difícil é esconder seu fedor. Já vale alguma coisa.

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6 de dezembro de 2010

Carta ao século 16: imagens vazias

Irmãos, cá estou. Ainda, no século 21. Cada vez mais espantado com os costumes desta época. Há algum tempo fui levado para o centro de uma de suas grandes cidades. Esqueçam nossos maiores burgos. Não passam de vilarejos se comparados ao menor dos ajuntamentos urbanos por eles chamados de metrópoles.

Dentre muitas outras de suas maravilhas, é impressionante a onipresença de imagens pela urbe. Ruas, praças, fachadas de edifícios, paredes em geral, veículos, postes, cercas. Quase tudo coberto de cartazes coloridos. Quase todos, retratando homens e mulheres bonitos, brancos e sorridentes. Aliás, bastante distintos da população que por entre eles circula.

Diante disso, indaguei um contemporâneo desta época cheia de maravilhas excêntricas. Questionei-o sobre os segredos que se escondem sob tais imagens? Afinal, em nosso tempo, as criações pictográficas requeriam um grande esforço de interpretação. Lembro de Piero della Francesca e suas pinturas cheias de enigmas. O ovo de avestruz sobre a cabeça da Virgem em “A Sacra conversação”. O “Flagelo de Cristo” e a dúvida sobre quem seriam os cavaleiros que se apresentam em primeiro plano.

Pensei que tamanha profusão de representações também guardasse seus segredos. Mais do que isso, fossem provas de que finalmente a figura humana tornara-se central em nossa civilização. Evidências de que o humanismo finalmente triunfara sobre o obscurantismo fanático das igrejas.

Mas não é o que meu interlocutor acabou por me explicar. Disse-me ele que as imagens que vi por todos os lados pouco significam. Não são mais do que anúncios para vender coisas. Longe da celebração do humano, representam um novo fanatismo. São cultos estéreis prestados a simples mercadorias.

Leia também Carta ao século 19: selvagem igualdade

3 de dezembro de 2010

Pro dia nascer feliz, em Manari

Em 2006, João Jardim lançou o documentário “Pro dia nascer feliz”. O filme acompanha o sistema educacional brasileiro desde a miséria dos sertões até o ensino dirigido aos filhos das famílias mais ricas do País. Mostra que em todos esses níveis é difícil ver alguma coisa que possa ser chamada de pedagogia. Ou seja, a formação de indivíduos capazes de desenvolver plenamente seus potenciais criativos e sociais.

O documentário poderia levar o espectador mais sensível ao desespero. Mas, esse sentimento dá lugar à esperança que surge da grande capacidade de resistência dos jovens envolvidos. Entre eles, Valéria Fagundes, nascida no município pernambucano de Manari, o mais pobre do Brasil. A produção de Jardim mostra a talentosa jovem de 17 anos enfrentando a dura realidade sertaneja com ajuda da leitura de Vinícius, Bandeira e Drummond. Transformando sua determinação em belos textos poéticos, cheios de sensibilidade e coragem.

Quatro anos depois, Valéria continua na luta. Faz faculdade de jornalismo em Recife. Não esquece sua sofrida Manari. A vida melhorou um pouco por lá. A exposição na mídia como cidade mais pobre do País trouxe algum investimento. Nada que modificasse muito a situação. É isso que Valéria quer mostrar em um documentário que está dirigindo. Mas não só. Ela diz que seu lugar de nascimento tem muitas e belas histórias para contar.

Lá, de onde menos se deveria esperar, é que surgem as mais bonitas certezas. Entre elas, aquela que cantou Cazuza. “Pro dia nascer feliz” não se pode ter medo de viver “por um triz”.

Leia mais em http://www.cartacapital.com.br/cultura/manari-por-ela-mesma

Sobre o documentário de João Jardim: Pro dia nascer feliz, quando parece impossível

2 de dezembro de 2010

COP-16 reúne manda-chuvas desastrados

A Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP-16) está em andamento no México. Os temas principais são o aquecimento global e problemas climáticos. Mas as pessoas comuns estão mais acostumadas com os boletins meteorológicos. Previsões diárias, famosas por sua grande margem de erro. De fato, a ciência do clima é tão complexa que inspirou a teoria do caos.

No entanto, os meteorologistas da imprensa falam do clima como se funcionasse em função da raça humana. Dizem “tempo instável”, “tempo bom”, “dia ruim”, etc. Instável, bom, ruim em relação ao quê e a quem? Chuvas, tempestades, raios, céu sem nuvens, são parte do sistema do planeta. Se causam aborrecimentos ou alegria para uma de suas espécies, pouco importa. Os fenômenos climáticos estavam por aí muito antes de nós. Devem continuar funcionando a seu jeito, depois que desaparecermos.

Ao mesmo tempo, é comum a utilização de imagens climáticas para descrever as incertezas da economia: "turbulências no mercado financeiro" ou "nuvens escuras no horizonte da economia". Quando se fala em crises econômicas, as previsões costumam ser tão inseguras quanto as dos boletins meteorológicos. Ora, crises econômicas são produto das relações humanas. Deveria estar a nosso alcance sua prevenção ou controle.

O fato é que os problemas que o clima nos causa estão diretamente relacionados à forma como a humanidade organiza sua produção no planeta. Talvez, o clima não seja caótico. O caos causado pelo capitalismo é que não combina com o meio em que vivemos.

Os dirigentes reunidos na COP-16 não vão resolver esse problema. Representam o capitalismo caótico. Falam em nome dos manda-chuvas mais desastrados da história humana.

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1 de dezembro de 2010

China e Estados Unidos: uma encrenca só

Em Cancún, no México, está começando a Conferência da ONU sobre Mudança Climática. Novamente, não deve haver avanços no estabelecimento de metas para redução dos gases que provocam mudanças climáticas.

Um dos maiores obstáculos para um acordo é um impasse entre Estados Unidos e China. Esta última só admite reduzir sua emissão de poluentes se os americanos derem o exemplo. Os Estados Unidos dizem que até fariam sua parte, mas desconfiam da transparência dos dados chineses. Tudo isso é conversa fiada. Essa briga é só a ponta de uma encrenca muito maior.

A verdade é que o parque industrial da China é multinacional. O grosso dos lucros de sua enorme produção vai para grandes empresários do mundo todo. Magnatas que transferiram seus negócios para lá. Muitos deles, americanos. Ao mesmo tempo, as compras chinesas movem as economias de meio mundo. Por fim, boa parte dos papéis da enorme dívida americana está aplicada em negócios chineses.

Uma diminuição do ritmo de produção na China poderia paralisar o comércio mundial. Também reduziria a remessa de lucros para a já enfraquecida economia estadunidense. O governo americano seria levado a emprestar mais a seus empresários. Sua dívida chegaria a níveis próximos do calote. E o calote afetaria a economia chinesa.

Enquanto isso, os problemas ambientais se acumulam. A vida humana no planeta vai chegando a níveis insustentáveis. E apenas uns 120 milhões dos 6 bilhões de membros da família humana lucram algo com isso tudo. Enfim, uma encrenca em que só o capitalismo poderia nos meter. E da qual não tem como nos tirar.

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30 de novembro de 2010

Capitão Nascimento e Dona Flor

Faltam 700 mil ingressos para “Tropa de elite 2” passar “Dona Flor e seus dois maridos” como o maior campeão de bilheteria do cinema nacional de todos os tempos.

Baseado em romance de Jorge Amado, “Dona Flor” conta a história de uma viúva que volta a se casar, mas tem saudade do falecido. O fantasma deste reaparece nu somente para ela, causando situações engraçadas. A produção de Bruno Barreto foi lançada em 1976, driblando a censura da ditadura militar.

A ditadura, hoje, já não é política. Como em todo regime sob o capitalismo, o autoritarismo é, antes de tudo, econômico. Mas, uma característica marca os tempos atuais. É a ditadura do espetáculo. Ela entope nossos sentidos com informações, imagens, sensações. Chama isso de liberdade de expressão.

Na verdade, é um barulho que abafa as vozes discordantes. Efeitos especiais que impedem a visão crítica. Não é preciso mais censurar. A opinião divergente acaba sendo ignorada pela avalanche de dados que só interessam aos de cima. Além disso, lança mão de recursos dramáticos, típicos das novelas e do cinema. O raciocínio soterrado sobre lágrimas ou gargalhadas histéricas.

É o caso da edição de hoje do jornal “Bom dia, Brasil”, da Globo. No encerramento, um texto comovente de Edney Silvestre. Lido sobre a imagem da bandeira brasileira tremulando contra o sol nascente, falava sobre a inauguração de uma era de paz. Referia-se à violenta e estúpida ação da polícia no Rio de Janeiro.

Não se trata de ficar ao lado do falecido marido boêmio de Dona Flor. Só não deveríamos tornar o amargo capitão Nascimento nosso herói da vida real.

Leia também: Janete Clair chegou aos telejornais da Globo

29 de novembro de 2010

Uzalemão, uzerói e os otários

Os traficantes de drogas no Rio de Janeiro costumam chamar seus inimigos de “alemão”. Dizem que o costume vem dos filmes de guerra americanos, em que os vilões eram sempre os soldados alemães.

Os garotos das comunidades pobres cariocas assistiam à TV. Depois, brincavam de tiroteio pelas ruelas. De um lado, “uzalemão”. Do outro, “uzerói”. Eram John Wayne, Robert Mitchun, Gregory Peck. Depois, Stallone, Schwarzenegger, Bruce Willis. Mais recentemente, é o capitão Nascimento.

A TV também ensinou que para conquistar respeito nada como roupas bonitas, tênis de marca e uma arma na cintura. O caminho mais curto para conquistar tudo isso não era a escola. Muito menos um emprego. Coisa pra otários como seus pais, que trabalhavam muito por uma miséria e ainda eram humilhados por seus patrões brancos.

O comércio ilegal de drogas era a resposta. Ofício bem pago, com direito a esculachar uns playboys de vez em quando. Eles até sabiam que sua vida seria curta. Mas antes viver pouco como herói, que muito sendo otário. Poucos desses traficantes se deram conta de que também fazem papel de otário. A parte do leão desse comércio lucrativo fica bem longe de suas mansões improvisadas no meio dos morros.

Toda essa lógica serve para justificar uma política de segurança pública na base do bangue-bangue. Milhões assistem pela TV a execução e prisão de gente pobre e negra. Vibram como se assistissem a filmes de ação. Multidões de otários ligados nos telejornais, vendo os heróis massacrando outros otários. Muitos deles, seus próprios vizinhos e parentes. Os verdadeiros alemães sorriem, confortáveis em seus gabinetes e escritórios.

26 de novembro de 2010

Tiro ao alvo no Rio de Janeiro

Desde o dia 21/11, quase uma centena de automóveis e ônibus queimados. Tiros contra bases policiais. Dezenas de mortos e centenas de feridos. Pânico entre a população. Mas há perguntas que disparam contra a lógica mais básica.

Os ataques são atribuídos à reação de traficantes contra as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Mas, por que atacar agora e não durante as eleições? Não seria o melhor momento para atingir o governador Sérgio Cabral, principal responsável pelas UPPs e candidato à reeleição?

Dizem que a transferência dos chefes do tráfico para fora do Rio é uma resposta à violência de suas organizações. Mas, esta não seria uma providência ágil demais para um judiciário vagaroso como o nosso? Não seria antes uma provável causa dos ataques, em vez de sua conseqüência?

A Vila Cruzeiro vem sendo o alvo principal das operações da repressão. Seria uma das localidades para onde fugiram traficantes expulsos de outras regiões da cidade. A onda de ataques não forneceria um bom pretexto para atacar a comunidade do velho modo? Ou seja, atirando e matando a torto e a direito? Usando as Forças Armadas e tropas treinadas no Haiti?

São muitas as dúvidas. Já as raras certezas são difundidas pela mídia grande. TVs, rádios e jornais não hesitam em aprovar as ações militares do governo nas favelas. Afinal, a margem de erros fatais só inclui pobres.

Outra certeza é a de que no próximo sábado começa o Campeonato Mundial Militar de Tiro, no Rio de Janeiro. Momento bastante propício para o evento. Não participe, se puder.

25 de novembro de 2010

Bolcheviques contra o racismo

A esquerda costuma ser acusada de colocar em segundo plano a luta contra o racismo. Infelizmente, é verdade. Grande parte dos partidos que se assumem socialistas ou comunistas consideram esse combate como algo menor e “divisionista”. Talvez, uma herança do desprezo dos primeiros marxistas em relação aos povos não brancos.

Não foi o caso dos bolcheviques. Os revolucionários russos que tomaram o poder em 1917 eram grandes defensores das lutas anticoloniais. Por isso, conquistaram o apoio dos povos do antigo império russo. Em 1920, o 2º congresso da Internacional Comunista aprovou as “Teses sobre a questão colonial”.


O documento dizia que a “revolução proletária e a revolução nas colônias são complementares para a vitória de nossa da luta”. E que a “Internacional Comunista” deveria trabalhar “pela destruição do imperialismo nos países economicamente e politicamente dominados.” Lênin foi duro com seus antecessores. Ele dizia que para a Segunda Internacional o “mundo só existia dentro dos limites da Europa”. Desse modo, “tornaram-se eles próprios imperialistas.”


Em 1922, ocorreu o último congresso da Internacional antes de Stalin assumir o controle do partido russo. Nele, aprovou-se a “Tese sobre a Questão Negra”. Era a primeira vez que o tema seria discutido no movimento socialista mundial.


Entre suas resoluções, estava “a necessidade de apoiar qualquer forma de resistência dos negros que busque minar e enfraquecer o capitalismo ou o imperialismo, ou barrar a sua expansão”. Além disso, lutar para “assegurar aos negros a igualdade de raça e a igualdade política e social.”


Como se vê, a luta contra o racismo faz parte da tradição revolucionária dos socialistas.

Leia a "Tese sobre a Questão Negra"

24 de novembro de 2010

Viva a internete, abaixo a web!

Ao contrário do que muita gente pensa, internete e web não são a mesma coisa. A internete nasceu descentralizada e livre. A web chegou para centralizar e submeter a rede mundial aos interesses das grandes empresas de comunicações e produção cultural.

Quem afirma isso é Dmytri Kleiner em seu “Manifesto Telecomunista”. Fazendo uso de categorias marxistas e tendo como referência o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, ele procura demonstrar que a internete realmente livre e democrática é incompatível com o capitalismo.

Segundo Kleiner, em seu início, a internete baseava-se nas ligações “pessoa a pessoa”. Assim, a conexão à internete até meados de 1990 era feita através de pequenos servidores locais. Mas, há cerca de dez anos, quase todo o acesso à rede mundial vem sendo monopolizado por empresas gigantes de telecomunicações. Esta mudança teria sido possível graças à invenção da web. Um formato de conexão que colocou a rede sob controle dos monopólios do setor.

Referindo-se à chamada Web 2.0, o autor diz que trata-se da antiga web transformada em fonte de lucros abundantes graças ao trabalho de dezenas de milhões de internautas. São milhares de postagens por minuto despejadas nos servidores das poderosas empresas que controlam portais como Google, Youtube, Facebook, Flickr, Orkut etc. Material rico e variado, obtido gratuitamente e processado a custos próximos do zero.

Este é apenas um dos aspectos abordados pelo texto de Kleiner. Sua proposta, porém, acaba entrando em contradição com alguns princípios defendidos por Marx e Engels. Ainda assim, sua leitura e debate são fundamentais para a luta anticapitalista.

Leia mais em Manifesto Telecomunista: importante contribuição ao debate

23 de novembro de 2010

Abolição: sob controle do monstro

A luta dos escravos negros foi fundamental para a conquista de sua liberdade. Mas a classe dominante brasileira soube retardar e controlar o processo pelo alto.

O primeiro passo importante foi o fim do tráfico negreiro, em 1850. A elite branca já contava com uma população escrava grande o suficiente à sua disposição. No mesmo ano, foi aprovada a Lei de Terras. A transferência de terras públicas só poderia ser feita através de compra e venda. Medida que excluía a população pobre e os negros libertos do acesso à terra.

Em 1871, a Lei do Ventre Livre libertou filhos de pais escravos. As crianças poderiam ficar aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou ser entregues ao governo. A maioria dos senhores preferiu a primeira opção, garantia de mão-de-obra escrava por duas décadas.

Em 1885, foi aprovada a lei que libertava os escravos com mais de 60 anos. Idade em que os poucos negros sobreviventes já eram pouco úteis a seus senhores. A Lei Áurea viria três anos depois. A elite branca já havia acomodado seus investimentos e garantido o monopólio da terra. Grande parte de seus capitais investidos em lavouras de café entregues ao trabalho mal pago de colonos europeus.

É por isso que Florestan Fernandes dizia que os negros não foram libertos, mas expulsos do sistema produtivo. Daí, a situação secular de opressão e exploração que continua mais acentuada para os que têm a pele escura.

É como disse José Murilo de Carvalho, em 1988:
Hoje, como no século 19, não há possibilidade de fugir para fora do sistema. Não há quilombo possível, nem mesmo cultural. A luta é de todos e é dentro do monstro.
De preferência, para causar-lhe uma congestão fatal.

Leia também: Os vários racismos

22 de novembro de 2010

A chibata continua a castigar

Há um século, em 22 de novembro, dois mil marinheiros de uma esquadra de navios estacionada nas águas da Guanabara se rebelaram. Era a Revolta da Chibata. Os revoltosos apontaram seus canhões para a cidade do Rio. Sua exigência: o fim dos castigos físicos na Marinha. Em especial as surras de chibatas. Mais de 20 anos após a abolição, os açoitamentos eram comuns nos navios militares. Suas vítimas eram quase sempre os muitos marujos negros. Só mais um exemplo de que o fim da escravidão não resultou em liberdade e dignidade para os negros.

O motim foi bem sucedido. Um acordo foi assinado. Previa o fim dos castigos e anistia para os revoltosos. Logo depois, os líderes do movimento foram presos à traição. Muitos morreram. Seu líder maior sobreviveu. João Cândido viveu até 1969, pobre, esquecido e considerado traidor pela Marinha. Somente em 2008 foi anistiado junto com seus companheiros, sem direito a indenização.

Mas a Marinha não reconhece seus erros até hoje. Diz que o episódio não passou de quebra de disciplina. Uma postura que diz muito sobre as Forças Armadas e as forças policiais brasileiras. Se recusam a submeter seus crimes a julgamento. Se pudessem estariam utilizando a chibata oficialmente até hoje. Como não podem, o fazem ilegalmente nos porões ou protegidos pela escuridão das ruas e pelo medo secular da população pobre.

19 de novembro de 2010

Carta ao século 19: selvagem igualdade

Concidadãos, volto a escrever diretamente do século 21. Desta vez, para dizer-lhes que o livre comércio domina o globo. Dão-lhe o nome de capitalismo, hoje em dia. Um sistema que levou a humanidade a passar por uma verdadeira revolução.

Nunca se viu tamanha mobilidade social. Um sujeito pode nascer na pobreza e tornar-se milionário! É raro que lhe sejam interpostos obstáculos ligados a parentesco, ofício, casta, estamento, etc. Mas é enganoso pensar que os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade imperam.

Ocorre que a possibilidade de fazer fortuna é regulada pela competição. E esta é cada vez mais selvagem e cruel. São poucos os que sobrevivem a ela com dignidade. Por outro lado, são menos ainda os que têm condições de ao menos competir, tão enormes e poderosos são os monopólios que disputam o mercado.

O planeta chegou a uma população de vários bilhões de pessoas. Destas, apenas cerca de 2% controlam quase toda a riqueza produzida pelo restante. Assim, a igualdade nivela a grande maioria pela exposição à mais brutal exploração. A fraternidade inexiste entre os de cima e é recurso extremo a que apelam os de baixo para sobreviver e resistir. A liberdade transformou-se em desamparo e fragilidade em um ambiente tão eivado pelas hostilidades.

Verdade que a vergonhosa instituição da escravidão deixou de existir. Mas, um dos elementos mais utilizados na cruel competição que vigora são os preconceitos de raça. Já quase não há quem os defenda abertamente. No entanto, os não brancos, especialmente os negros, figuram entre as vítimas mais atingidas pela feroz exploração imposta pelo livre comércio.

Assusta ver como princípios tão belos transformaram-se em pesadelo.

Leia também: Cartas ao século 16

18 de novembro de 2010

O problema do Enem é o próprio Enem

Na recente polêmica sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a maioria tem insistido em olhar as árvores e esquecer a floresta. Em 17/11, o deputado Ivan Valente fez um discurso na Câmara Federal que pode ajudar a enxergar melhor a questão.

O deputado do PSOL-SP lembra que o Enem foi criado no governo Fernando Henrique. Na época, a prioridade passou a ser a avaliação do sistema de ensino em prejuízo de sua qualidade. Os tucanos conseguiram a proeza de esconder as péssimas condições da educação nacional por trás de uma avaliação que as confirmava. A responsabilidade passou a ser de estudantes e professores. O histórico desprezo dos vários governos pela educação pública e de qualidade continuou, mas sumiu em meio a essa poeira toda.

Ivan diz que o Enem é produto dessa mesma lógica. Segundo o deputado, o exame:
...minimiza o papel do Estado na promoção de uma educação de qualidade e maximiza o caráter individualista e competitivo na educação, importando uma lógica de mercado e incentivando a adoção de modelos de gestão privada, cuja ênfase é posta nos resultados ou produtos do sistema educacional.
O atual governo não só manteve o Enem, como ampliou sua utilização. Transformou-o num grande vestibular nacional, discriminatório e excludente. Atualmente, o exame é responsável por pouco mais de 100 mil bolsas do PROUNI e cerca de 83 mil vagas em universidades federais. De um lado, serve aos empresários da educação. De outro, a maioria daqueles que chegam às universidades públicas continua a ser formada pelos que cursaram as melhores escolas pagas.

Leia a íntegra do discurso, aqui

Leia também Universidade: negros pela porta dos fundos

17 de novembro de 2010

O destino fatal dos gays

No começo de novembro, o Rio de Janeiro ganhou o título mundial de Destino Mais Sexy pelo público gay. A votação foi organizada pelo site TripOutGayTravel.com e pelo Logo, canal da MTV americana. Há um ano, a cidade já havia sido eleita o Melhor Destino Gay do Mundo.

Agora, em meados de novembro, aconteceu a 15ª Parada do Orgulho Gay, no Rio. Cerca de 250 mil pessoas desfilaram em Copacabana. O tema do evento era a luta contra a perseguição e violência contra os homossexuais.

No mesmo dia e local da Parada, um dos participantes do evento levou um tiro na barriga. Ele está fora de perigo e alega ter sido agredido por um militar. Em São Paulo, nenhum evento gay acontecia na Avenida Paulista. Quatro adolescentes de classe média agrediram jovens homossexuais.

Segundo o Grupo Gay da Bahia, 198 gays são assassinados no Brasil, por ano. À frente do México com 35 casos e dos Estados Unidos, com 25. A média é um homossexual é assassinado a cada dois dias, vítima da homofobia. O que nos dá o primeiro lugar nesse tipo de violência.

Tem algo de muito errado nisso tudo. O melhor lugar para exercer a liberdade sexual não pode ficar no país que é campeão mundial de homicídios contra gays. Pergunta ingênua: será que tem a ver com a indústria do turismo?

Leia também A Bíblia, o aborto, a homossexualidade

O cólera e a cólera no Haiti

As mortes por cólera no Haiti já ultrapassaram os mil casos.

Cena mostrada no Jornal das Dez, da Globo News, em 28/10/2010: uma equipe de autoridades sanitárias fazia testes nas águas de um córrego. Procuravam a origem do vírus causador da doença. Um caminhão tanque encostou e começou a despejar um líquido. As autoridades perguntaram o que era aquilo. O motorista disse que eram dejetos vindos de uma base de soldados da ONU do Nepal. Detalhe: o cólera que vem provocando tantas mortes no Haiti é típico do Nepal.

Em janeiro, um terremoto matou mais de 200 mil haitianos. As tropas da ONU agiram rapidamente. Mas para resgatar funcionários da própria ONU. É o que diz o professor de Antropologia da Unicamp, Omar Ribeiro Thomaz. Ele estava presente no país quando aconteceu a tragédia. Em seu relato, Thomaz diz que as tropas da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) são chamadas de turistas pela população local.

A verdade é que a presença das tropas da ONU, lideradas pelo Exército brasileiro, só têm causado problemas e revolta entre os haitianos. Uma manifestação popular contra a Minustah deixou duas pessoas mortas e pelo menos 25 feridas na segunda-feira, dia 15. Se não estão causando o cólera, com certeza estão provocando a cólera popular.

Leia aqui o relato de Omar Ribeiro Thomaz.

16 de novembro de 2010

G-20 representa 2% da humanidade

A reunião do G-20, realizada na Coréia do Sul, acabou sexta-feira sem acordos concretos. Mas, digamos que tivesse sido vitorioso, a quem interessaria? Vejamos. O G-20 é formado pelas 19 maiores economias do mundo, mais a União Européia. Seus membros respondem por 90% de toda a riqueza mundial, 80% do comércio internacional e 2/3 da humanidade.

Mas esses números não ajudam muito. Um estudo sobre a concentração da riqueza no planeta pode nos esclarecer melhor as coisas. Trata-se de dados sistematizados pelo Instituto Mundial de Pesquisa Econômica do Desenvolvimento, da Universidade das Nações Unidas. Segundo a pesquisa, em 2000, os 2% mais ricos da população adulta detinham mais de 50% da riqueza do planeta.

Ora, 2% da população do planeta são algo em torno de 120 milhões de pessoas. Por outro lado, os países do G-20 reúnem uma população de quase 4 bilhões de almas. O estudo já tem 10 anos. Mas, é muito provável que continue atual. Talvez, o quadro tenha até piorado, depois das crises econômicas de 2000 e 2008. Assim, pergunta-se: a quem defendiam os governantes reunidos na Coréia? Os 120 milhões de ricos ou os 3,8 bilhões restantes?

Uma dica: Lula é considerado uma liderança que fala em nome dos pobres no mundo. Mesmo assim, suas comitivas para tais eventos estão sempre recheadas de grandes empresários. Gente que está longe de pertencer aos 98% da população menos rica do planeta.

Leia mais sobre o estudo aqui (em inglês)

12 de novembro de 2010

No mês da Consciência Negra, poesia

Charqueada Grande

Um talho fundo na carne do mapa:
Américas e África margeiam.
Um navio negreiro como faca:
mar de sal, sangue e lágrimas no meio.

Um sol bem tropical ardendo forte,
ventos aliseos no varal dos juncos
e sal e sol e vento sul no corte
de uma ferida que não seca nunca

Oliveira Silveira
Publicado em A Razão da Chama, Edições GRD, São Paulo, 1986 – Oswaldo de Camargo (Org.)



Presentinho

Maio,
treze,
mil oitocentos e oitenta e oito,
me soam como um sussurro cósmico.
A noite sobressaltada
por sirenes me sacode.
Reviro os bolsos à procura do passe
que me permite, São Paulo, cruzar ruas
em latente paz.
A Princesa esqueceu-se de assinar
nossas carteiras de trabalho.
Desconfio, sim, que Palmares vivo
é necessário.

Paulo Colina
Publicado em O Negro Escrito (Apontamentos sobre a Presença do Negro na Literatura Brasileira), Imprensa Oficial do Estado, São Paulo, 1987 – Oswaldo de Camargo (Org.)

11 de novembro de 2010

Universidade: negros pela porta dos fundos

O Estatuto da Igualdade Racial acaba de ser aprovado. Ficou valendo a proposta do senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O mesmo que afirmou que o estupro de escravas negras aconteceu “de forma muito mais consensual”.

Coerente com o racismo dessa afirmação, o senador tirou a palavra “raça” do Estatuto. Alega que não há raças na espécie humana. É verdade. Mas isso não impede a existência do racismo. E este saiu fortalecido com a proposta aprovada. Ela deixou de fora iniciativas importantes, como os programas de saúde pública voltados para a população negra e as políticas de cotas.

No caso das cotas nas universidades, dados recentemente divulgados poderiam justificar sua exclusão do Estatuto. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, o número de “pretos ou pardos” com nível superior dobrou desde 1999. Um problema: apesar do aumento, a proporção dos dois grupos ainda representa um terço do total de brancos graduados.

Outro problema: um estudo do antropólogo José Jorge de Carvalho diz que 45% dos alunos beneficiados pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) são pretos ou pardos. Para o professor da Universidade de Brasília, esta teria sido a principal razão para o aumento do número de graduados entre a população negra.

O Prouni é mais um daqueles golpes geniais do governo Lula. Através de bolsas de estudo, o programa preenche as vagas ociosas de cursos menos concorridos da rede particular. Faz de conta que está investindo no ensino superior para os mais pobres. Na realidade, financia os empresários da educação. Ao mesmo tempo, pode exibir estatísticas bonitinhas sobre a população negra. O racismo brasileiro agradece.

Leia também: Um racista escreve a lei contra o racismo

10 de novembro de 2010

Banco Central da Felicidade

O assunto do dia é a quebra do Banco Panamericano, que pertence ao Grupo Silvio Santos. Para salvar a “instituição” o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) fez um empréstimo de R$ 2,5 bilhões. O valor ultrapassa em muito o atual patrimônio do banco, que é de R$ 1,6 bilhão.

O FGC faz parte do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional. Mais conhecido como Proer, este programa foi criado pelo governo FHC para salvar bancos à custa de dinheiro público.

Perguntado sobre o que acha da operação, Lula declarou: "Isso não é assunto de presidente da República. É assunto comercial do Banco Central". Muito coerente. No início do primeiro governo petista, houve um grande debate sobre a autonomia do Banco Central. Muita gente era contra. Alguns eram a favor.

Lula não quis nem saber. Não oficializou a autonomia do BC. Mas, ela foi mantida na prática. Desde a época dos tucanos, o Banco Central faz o que quer. Dirigido por gente que nunca recebeu um voto e manda na economia. Paga os maiores juros do planeta. Faz a alegria dos bancos e especuladores do mundo todo. Por enquanto, vai garantindo a felicidade do dono do Baú.

Pode até ser que a operação venha a ser questionada. Mas, ficamos por conta do governo econômico do País. O governo político lavou as mãos há muito tempo.

Leia também: As tetas do BNDES

9 de novembro de 2010

Misérias da estatística

Erradicação da miséria. Diminuição da pobreza. Crescimento da classe C. Estas são algumas das expressões mais usadas, ultimamente. Em geral, para comemorar uma suposta queda na desigualdade social.

Em termos estatísticos, pode até ser. Já a realidade, é bem mais complicada. É o que mostra, por exemplo, a reportagem “O Brasil duro de acabar”, publicada pelo jornal paranaense Gazeta do Povo, em 07/10/2010.

Os jornalistas Mauri König e Heliberton Cesca comparam a situação econômica de duas famílias na Vila Pantanal, bairro pobre da periferia de Curitiba. Elza vive com o marido e filho pequeno. Luiz mora com a mulher, dois filhos, nora e neta. Uma cerca de arame separa as casas das duas famílias. Mas, para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma família é pobre, a outra é miserável.

Segundo os critérios do órgão governamental, pobre é quem tem renda mensal de até meio salário mínimo: R$ 255. Miserável é quem ganha metade disso: R$ 127,50. A família de Elza sobrevive com menos de R$ 300 mensais. São R$ 100 por cabeça. Abaixo da linha da miséria, portanto. Já a família de Luiz conta com R$ 1.475 mensais. Com rendimento de R$ 245 por pessoa, aparece na faixa da pobreza.

Para deixar de ser pobre, cada membro da família de Luiz só precisaria receber mais R$ 10. Ainda pelos critérios estatísticos, Luiz pertence à classe C. Sua família está entre as que recebem de R$ 1.115 a R$ 4.807 por mês. Faixa que reuniria mais de 100 milhões de brasileiros.

Estatísticas são assim. Podem mostrar coisas bonitas ou feias. Depende do ângulo de observação.

Leia também: Justiça social que interessa aos exploradores

8 de novembro de 2010

Tempero bom em carne podre

Dizem que, antigamente, os temperos eram usados para disfarçar o gosto da carne podre. Parece um pouco a propaganda comercial, hoje em dia.

Pesquisa da agência Tool Box revelou que 6.300 novos produtos foram colocados em supermercados brasileiros no primeiro semestre deste ano. Números da ONU indicam 1 bilhão de famintos no mundo. O que explica tanto consumismo ao lado de tamanha miséria?

Uma parte da resposta se relaciona ao mercado publicitário. São horas de anúncios muito bem produzidos na TV e no rádio. Quilômetros de imagens em cartazes, faixas, expositores, outdoors, vitrines, fachadas, etc. Um mercado que movimenta uma fortuna em dinheiro.

Tudo isso para nos convencer de que consumir é bom. Nos torna mais felizes. E é verdade. Por alguns segundos, se for um sorvete. Horas, no caso de uma roupa. Meses, em se tratando de um carro. Alegria que dura até que apareça outro objeto de desejo, que não passa disso. De mais um objeto. Isso é capitalismo.

Mas é só imaginar o capitalismo em seu início. Bairros, cidades, pessoas, tudo muito cinzento de fuligem. Já havia anúncios, mas eram pequenas manchas coloridas no meio do monocromático acúmulo de tijolos das fábricas e galpões. Empórios cheios de mercadorias sem graça.

Aí, a publicidade foi se desenvolvendo. Enfeitando e inventando personalidades para as mercadorias. Hoje, na TV, ela ganhou qualidade cinematográfica. Fome e miséria? Esquecidas. Inclusive, por suas vítimas. Parece o tal tempero de que falamos no início.

Injustiça? Bem, temperos são feitos a partir de especiarias deliciosas. A publicidade é produto da maravilhosa criatividade humana. Nenhum dos dois deveria ser usado para esconder podridão.

Leia também: Desastre aéreo e cobiça

29 de outubro de 2010

Carta ao século 19: estranhas viagens

Concidadãos, vocês bem sabem que gosto de acompanhar os avanços das ciências e técnicas. Sempre fui um otimista em relação às invenções humanas.

Dessa forma, não me surpreendi em demasia com as maravilhosas máquinas feitas para voar que encontrei aqui, no século 21. São aparelhos fantásticos, que carregam milhões de pessoas de um lado a outro, a enormes velocidades e com grande conforto. São os aviões.

Recentemente, me deixei transportar num deles. Maravilhosa experiência. Cobrimos cerca de 3 mil quilômetros em poucas horas. Tempo bem ocupado com excelente serviço de refeições e refrescos.

Mas algumas coisas me espantaram negativamente. Em primeiro lugar, o deslocamento rápido torna a viagem simples transferência. Sem paisagens para se ver, lugares por onde passar, pessoas a quem conhecer. A isso mal podemos chamar de viagem.

E o pior é que chegados ao destino, nos deparamos com um cenário muito parecido com o que deixamos há milhares de quilômetros. São as mesmas construções, casas de negócio e comércio, modos de vestir, formas de falar.

São os mesmos apetrechos, aparelhos, equipamentos. Em tudo e por todos os lugares reencontramos idênticas marcas comerciais, expostas em grandes cartazes.

Parece que as pessoas do século 21 deslocam-se a grande velocidade para alcançar um destino que é praticamente igual ao lugar de onde saíram. E lá chegando, não têm muito o que aprender com os hábitos e costumes da gente local. Por isso, gastam grande parte do tempo despendendo dinheiro.

É por isso que viajar tornou-se um negócio bastante promissor. Chamam-no de turismo.

Leia também: Cartas ao século 19

Mortes desejáveis

Dia de Finados. Lembramos a triste partida de José Saramago. Uma boa homenagem é citar uma de suas obras. Em “Intermitências da Morte”, o autor imagina uma situação em que a morte cessa. Ninguém mais finda seus dias. São muitas as conseqüências. A vida social é atingida por todos os lados.

“As religiões, todas elas, por mais voltas que lhes dermos, não têm outra justificação para existir que não seja a morte...”, diz. A filosofia também “precisa tanto da morte como as religiões, se filosofamos é por saber que morreremos”.

Mas “as primeiras e formais reclamações vieram das empresas do negócio funerário”. Ramo que ficou sem sua principal “matéria-prima”. Logo depois, vieram os alertas da federação das companhias seguradoras. Igualmente privadas do insumo fundamental para sua atividade econômica.

Mais uma vez genialidade de Saramago deixa nua toda a crueldade e o vazio de nossa sociedade. Momento e lugar em que a vida pode ser ameaçada pela ausência da morte.

A realidade mal consegue contradizer a bela ficção de Saramago. Mas, não se trata da morte ausente. É seu atraso que incomoda. Em vários países, mais gente está morrendo mais tarde. Os neoliberais gritam. Dizem que o falecimento tardio está comprometendo a Previdência Social. Viver tornou-se um problema para o orçamento!

Que fazer com esses velhos cuja vida sobra depois de acabada sua utilidade econômica? Isso é o que incomoda Sarkozy, na França. E tantos outros governos empenhados em reformas de aposentadorias e pensões. Certamente, cuidam para que nossa morte seja leve e rápida, tornando mais pesada e longa nossa vida de explorados.

28 de outubro de 2010

A bomba-relógio do dólar

Os economistas não falam de outra coisa. O dólar não para de baixar e assusta. Dizem que uma nova bolha pode estourar a qualquer momento. É deve ser no próximo governo.

Parece que o problema é o seguinte. A crise que estourou em 2008 é resultado da crise de 2000, em que quebraram empresas como a Enron. Para impedir uma recessão, o banco central americano baixou os juros. Com isso as compras a crédito dispararam. Principalmente, no mercado de imóveis. O mesmo que viria a quebrar em 2008, arrastando meio mundo.

Para sair dessa nova crise, o governo americano desvalorizou o dólar para que seus produtos ficassem mais baratos no mercado mundial. Só que o Estado chinês acompanhou o movimento americano. Não deixou que sua moeda se valorizasse frente ao dólar. O resultado é uma enxurrada de produtos americanos e chineses na economia do planeta.

Com a Europa em crise, é muito duvidoso que haja consumo suficiente para tanta oferta. Pode haver uma nova rodada de quebradeiras e falências.

Enquanto isso, houve uma inundação de dólares na economia brasileira. O resultado foi aumento das importações. O que vem levando à diminuição da produção interna. Menos produção levaria a menos empregos. Com menos empregos, é difícil manter o elevado consumo das famílias brasileiras.

Pra piorar, pagamos os maiores juros do mundo. Investidores estrangeiros trocam seus dólares fracos pelos generosos títulos da enorme dívida interna brasileira. É por isso que o governo faz de tudo para valorizar o dólar e não consegue. Está enxugando gelo.

Se tivéssemos rompido com a dependência do dólar criada pelo Plano Real, talvez a história fosse outra.

Para mais informações, leia a seção sobre a crise capitalista no site do Revolutas

27 de outubro de 2010

A agricultura como mineração

Em 1936, Sérgio Buarque de Hollanda lançou seu grande livro “Raízes do Brasil”. Um trecho sobre agricultura diz o seguinte:
A verdade é que a grande lavoura, conforme se praticou e ainda se pratica no Brasil, participa, por sua natureza perdulária, quase tanto da mineração quanto da agricultura.
Passados 64 anos, a “grande lavoura” continua a imperar. De acordo com dados do IBGE, de 2006, as unidades rurais com até 10 hectares ocupam menos de 2,7% das terras do País. Já, as propriedades com mais de mil hectares concentram mais de 43% do total.

Agora, os latifúndios pertencem ao agronegócio. Por isso, seriam produtivos. Mas tudo depende dos objetivos da produção. Fábricas de armas também são produtivas. O fato é que as pequenas propriedades do campo empregam quase 75% da força de trabalho e produzem cerca de 60% dos alimentos.

Uma das prioridades do agronegócio é a produção de ração animal. Esta alimenta o gado, que destrói matas nativas e abre caminho para mais monoculturas. Outra prioridade é o agrocombustivel, para substituir o petróleo e o carvão. Com isso conseguimos a proeza de trocar combustíveis fósseis por combustível biológico, mantendo a lógica da destruição ambiental.

Em setembro, foi realizado o plebiscito popular sobre o limite da propriedade da terra. Cerca de meio milhão de pessoas votaram. Mais de 95% delas concordaram com a necessidade de limitar o tamanho das propriedades rurais. Uma vitória, se considerarmos o boicote da grande mídia e a vergonhosa omissão dos governos. Mas mostra que a reforma agrária será resultado da luta dos explorados e feita de baixo para cima.

26 de outubro de 2010

Biodiversidade e mesquinharia capitalista

Desde 19/10, vem acontecendo a COP-10, em Nagoya, no Japão. É a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica. O tema mais debatido da reunião é o estabelecimento de regras para a exploração comercial de recursos genéticos. A confusão é grande.

O Brasil e outros países ricos em diversidade natural defendem que os ganhos econômicos sejam repartidos com o país de origem das espécies envolvidas. Por exemplo, parte do lucro resultante da comercialização de um remédio feito a partir de uma planta brasileira deve ficar com o Brasil. Os países mais industrializados são contra, claro. Eles têm os maiores e mais modernos laboratórios. Querem ficar com todo o lucro para suas empresas.

Mas entre os países pouco industrializados também não há consenso. Os representantes africanos, por exemplo, acham que o acordo deve ter efeito retroativo. Aí, é a delegação brasileira que se diz contrária. Afinal, nossa agricultura é quase toda baseada em espécies vindas de outros países e continentes. Entre eles, arroz, feijão, soja, cana, milho, carne. Seria preciso pagar por séculos de exploração de espécies como estas.

Na verdade, estão em discussão somente os interesses de uma minoria da espécie humana. Aquela que controla a exploração econômica dos recursos naturais mundiais.

De um lado, a enorme biodiversidade planetária. Para ter uma idéia, entre 1999 e 2009, foram registradas mais de 1.200 novas espécies somente na Amazônia. Um novo achado a cada três dias. Do outro lado, os interesses de algumas dezenas de poderosas empresas. Uma parte muito pequena de apenas uma das espécies do planeta.

É o retrato da mesquinharia capitalista.

Leia também O comunismo sob ameaça, no Brasil

25 de outubro de 2010

Bichos: entre a estima e a crueldade

Segundo a Associação de Produtos e Prestadores de Serviços ao Animal (Assofauna), 63% das famílias das chamadas classes A e B possuem animais de estimação. Na “classe C”, são 64%.

As razões para tamanha procura pela companhia dos bichos precisam ser melhor investigadas. A princípio, parece ser uma afirmação da necessidade humana de doar carinho. Algo cada vez mais difícil numa sociedade que gira cada vez mais em torno do interesse material.

Por outro lado, o chamado mercado “pet” também é um grande negócio. O setor movimentou cerca de R$ 9,6 bilhões no Brasil, em 2010. São produtos, equipamentos, serviços, que muitas vezes são desnecessários. E segundo muitos ambientalistas, tornaram-se novas fontes de poluição.

Mas muito pior que isso é a forma com que a indústria de alimentos tem tratado animais criados para abate. São inúmeras as denúncias de extrema crueldade com que bois, porcos, frangos, patos, coelhos são torturados antes de morrer. Em nome da produtividade, são criados em condições terríveis, cheios de dor, em lugares minúsculos e abafados.

Uma questão como essa pode parecer distante da luta dos socialistas. No entanto, a relação do ser humano com outros animais deveria ser um indicador de nosso desenvolvimento como criaturas inteligentes e sensíveis.

É o que pensava Rosa Luxemburgo, por exemplo. Isso fica claro em uma carta que ela escreveu em dezembro de 1917 para Sonia Liebknecht. Em plena prisão, a grande revolucionária lamentava a situação de um búfalo, usado como animal de carga:

“...o estábulo sombrio, o feno mofado, repugnante, misturado com a palha apodrecida, os homens desconhecidos, assustadores, e as pancadas, o sangue que corre da ferida aberta... Oh! meu pobre búfalo, meu pobre irmão querido, aqui estamos os dois tão impotentes e mudos, mas somos só um na dor, na impotência, na saudade”.

22 de outubro de 2010

O teatro colonizado pela indústria da diversão

Procurando Nemo, Família Adams, Backyardigans, Era do Gelo, Aladdin, Branca de Neve, Rei Leão, High School, Pinocchio, Shrek, Toy Story, A Bela e a Fera. Estas são algumas das adaptações teatrais para crianças em cartaz em várias capitais e cidades brasileiras. Na verdade, são imitações das grandes produções de Hollywood.

Quem já levou crianças para assistir peças como essas deve ter sentido um certo alívio. É um grande risco levar os pequenos ao teatro. É uma linguagem que costuma ser diferente daquela a que eles estão acostumadas, quando assistem TV ou vão ao cinema. Mas neste caso a semelhança entre as peças e os filmes em que se baseiam é grande. Não assusta.

Por outro lado, não há surpresas nem experiências novas. Trata-se de uma padronização que só empobrece as possibilidades artísticas do teatro. Restringe ainda mais as experiências estéticas que chegam a crianças e adolescentes. Assista ao filme, compre o DVD, o CD, a mochila, a merendeira, o boneco, o game, assista à peça. Tudo muito igual. E muito comercial.

E isso não vem acontecendo apenas no teatro infantil. Multiplicam-se peças com atores, roteiro, ritmo, drama e humor típicos da dramaturgia e do espetáculo produzidos para as telas. É a colonização do teatro pelo mundo da distração cinematográfica e televisiva.

A arte teatral é uma das que mais valorizam o desempenho humano ao vivo e de perto. Ela é o contrário das gravações e regravações das cenas de filmes e novelas. O oposto da atuação humana escondida por trás de efeitos especiais milagrosos. Infelizmente, também vem se rendendo à lógica do mercado da diversão.

Leia também: Janete Clair chegou aos telejornais da Globo

21 de outubro de 2010

O preço sujo do dinheiro

O Comitê de Política Monetária decidiu manter a taxa anual de juros em 10,75%. A decisão foi tomada por quem nunca recebeu um voto em urna. Há 14 anos é assim.

Juros nada mais são que o preço do dinheiro. Parece estranho, e é. Aristóteles, por exemplo, achava moralmente condenável produzir algo para ser trocado no mercado. A principal função do trabalho deveria ser a produção de bens de uso e não de troca.

Dinheiro é um bem que só tem valor de troca. Viver de sua venda cheira a parasitismo. Na Bíblia há várias passagens em que a usura é condenada. Juro em espanhol é “interés”. Em inglês, “interest”. Nada simpático.

Vivemos no capitalismo, em que a troca é o centro da lógica social. Mesmo assim, agiotagem é considerada crime. A não ser para aqueles estabelecimentos cujas luxuosas sedes ficam, por exemplo, na Av. Paulista.

O que nos traz de volta à Selic. A taxa de juros praticada no Brasil é a maior do mundo. Grandes investidores compram dinheiro lá fora por quase zero e aplicam no mercado brasileiro para lucrar cerca de 10 vezes mais. Sem criar um único posto de trabalho.

O principal produto negociado são papéis da dívida pública brasileira. São mais de R$ 2 trilhões parasitando os cofres públicos. Retirando recursos dos orçamentos da Saúde, Educação, Previdência etc. Aumentando a desigualdade social.

Por outro lado, os juros ao consumidor estão em cerca de 90% anuais. Enquanto isso, o BNDES tem escolhido alguns ramos econômicos para emprestar bilhões pela metade da taxa Selic.

Capitalismo é assim. Cheira mal. No Brasil, fede muito.

Leia também: Dívida pública: pirata e cara!

20 de outubro de 2010

Velhice e juventude na França em greve

A França está de pernas para o ar. Trabalhadores de várias categorias paralisam o país contra a reforma da previdência proposta por Sarkozy. Principalmente, contra o aumento da idade mínima para aposentadoria de 60 para 62 anos.

Além deles, milhares de jovens desafiam a polícia em vários lugares do país. Usam paus e pedras. Incendiaram uma escola, destruíram automóveis, quebraram lojas e equipamentos urbanos.

As autoridades dizem que se trata de desordeiros. Ainda que fosse verdade, isso não responde a uma questão: por que jovens se envolvem em algo que afeta diretamente apenas os mais velhos, com empregos regulares?

Talvez uma parte da resposta esteja na marginalidade que atinge as duas pontas da vida humana sob o capitalismo. A juventude e a velhice se tornam cada vez mais descartáveis.

Reformas da previdência vêm sendo feitas há décadas em várias partes do mundo. A desculpa é uma só. As pessoas estão vivendo mais. Aposentam-se no auge da vida produtiva. Como se vida produtiva e vida humana fossem uma só. Como se a enorme maioria dos trabalhadores não estivesse louca para se livrar de suas ocupações cansativas, doentias, chatas e mal pagas.

Enquanto isso, os jovens atolam suas vidas num limbo. Ficam entre uma infância mal acabada e a vida adulta adiada pela falta de uma ocupação profissional. Anseiam por entrar no mundo do trabalho, do qual lutarão para sair pela estreita porta da aposentadoria.

Somos cada vez mais parecidos com animais criados para o abate. Só importa o período em que damos bons cortes. Mas, quando a revolta explode, boi é uma coisa, estouro da boiada é outra.

Leia também: Greve Geral na França

19 de outubro de 2010

EUA: a sangrenta alternativa civilizada

Mais um trecho do livro “Uma história do povo dos Estados Unidos”, de Howard Zinn.

Os primeiros colonizadores brancos da América do Norte não conseguiram forçar os índios a trabalhar para eles. Os nativos estavam em maior número e conheciam bem aquela terra desconhecida dos europeus. Mesmo com armas superiores, os invasores não se arriscavam a iniciar um massacre.

A situação causava irritação. Edmund Morgan descreve esse estado de ânimo em seu livro “Escravidão Americana, Liberdade Americana”:

Se você fosse um colono, consideraria sua tecnologia superior à dos índios. Teria a certeza de que você é o civilizado e eles, os selvagens ... Ainda assim, sua tecnologia superior se revelou incapaz de obter grande coisa. Já os índios, mantinham-se bem, rindo de seus métodos superiores, vivendo da terra com abundância e trabalhando menos que você... E quando o seu próprio povo começou a desertar para viver com eles, aí foi demais ... Você resolveu matar os índios, torturá-los, queimou suas aldeias, queimou suas plantações. Isto provou sua superioridade, apesar de tudo. E você fez o mesmo com qualquer um de seu próprio povo que se rendesse ao modo de vida dos selvagens. Mesmo assim, você continuou sem conseguir cultivar alimento suficiente...

A escravidão negra foi a resposta para este dilema dos invasores europeus. Esta era a alternativa civilizada diante da superioridade selvagem no trato com a natureza. Afinal, 50 anos antes de Colombo chegar por aqui, os portugueses já haviam levado dez escravos africanos para Lisboa. Era o começo de um negócio muito lucrativo. O início do capitalismo. Sua certidão de nascimento suja do sangue indígena e negro. Mancha que nunca cessou de aumentar.

Leia também: Helen Keller: surda, muda, cega, socialista

18 de outubro de 2010

Mineiros viraram mina de ouro

Semana passada, muita gente acompanhou o resgate dos mineiros chilenos, com lágrimas nos olhos. Mas, vamos à vida real. Cerca de 1 bilhão de pessoas acompanhou por TV e internete. O mesmo número a assistir a posse de Barack Obama. Um pouco mais que as 800 mil que viram a abertura das Olimpíadas de Pequim.

A fabricante de óculos escuros Oakley não perdeu a oportunidade. Doou aos homens os óculos especiais que usaram durante o resgate. Cada um custa US$ 200. Dizem que a gentileza da Oakley rendeu uma economia de US$ 41 milhões. Este seria o custo de uma campanha publicitária que pretendesse chegar à audiência alcançada pela transmissão da operação.

Outro que lucrou foi o presidente chileno. O governo de Sebastian Piñera tinha 46% de aprovação antes do acidente. Subiu 10% depois de coordenar a operação, devidamente assessorado por especialistas em comunicação e marketing.

Os próximos negócios devem vir na forma de livros, filmes, especiais para a TV. Os mineiros resgatados já se entenderam. Dizem que vão dividir a renda que virá dos direitos sobre os produtos de forma igualitária. Bom pra eles.

O fato é que o grande negócio das minas não são os minérios. É a exploração de seus trabalhadores. Sua força de trabalho custa pouco, mas os lucros que ela gera são enormes. E sempre para uma minoria. Mesmo que os 33 heróis da mina São José realmente sejam beneficiados, aqueles que usarão sua história de resistência e coragem ficarão com a parte do leão.

Não há tragédia que não possa ser aproveitada pelo capitalismo. Aliás, tragédias são sua especialidade.

Leia também: Os mineiros chilenos, entre abutres e predadores

15 de outubro de 2010

Marx apaixonado

“Amadinha do meu coração”. É assim que Marx começa uma carta a sua mulher, Jenny, em junho de 1856. Algo surpreendente para quem o vê como alguém incapaz de tais delicadezas. Vejamos outro trecho:
Basta que estejas longe e meu amor por ti aparece tal como ele é: como um gigante, no qual se acham reunidas toda energia do meu espírito e toda a vitalidade do meu coração. Sinto-me outra vez um homem, na medida em que me sinto vivendo uma grande paixão. A complexidade na qual somos envolvidos pelos estudos e pela educação modernos, bem como o ceticismo com que necessariamente relativizamos todas as impressões subjetivas e objetivas, tudo isso nos leva, muito eficazmente, a nos sentir pequenos, fracos, indecisos e titubeantes. Porém, o amor – não o amor feurbachiano pelo ser, não o amor moleschottiano pela transformação da matéria, não o amor pelo proletariado, mas o amor pela amada (no caso, o amor por ti) – torna a fazer do homem um homem.
Nada disso o desculpa de ter engravidado Helene Demuth, criada da família. O filho foi assumido por Engels, companheiro de todas as horas, para o bem e para mal.

De qualquer maneira, o que a carta revela é o que Marx imaginava serem as relações afetivas em uma sociedade justa. Aquela em que o amor tornasse cada um mais humano. Sem os obstáculos econômicos, as imposições sociais, os preconceitos. Inclusive, o machismo a que Marx fazia concessões em sua vida pessoal.

Um debate bem atual. Em pleno 2º turno eleitoral, as candidaturas abordam relações amorosas da maneira mais conservadora. Principalmente, as relações homoafetivas.

14 de outubro de 2010

Jovens: consumo, participação e revolta

Recentemente, foi realizada uma pesquisa por estudantes de Sociologia da PUC-RJ. Trata-se de "Juventude, cultura cívica e cidadania", de Mariana Gago, Michele Ferraz e Julia Ventura. Foram feitas entrevistas em 15 escolas públicas e particulares da Zona Sul, Barra e Tijuca. Entre 2004 e 2008, foram ouvidos mil alunos com idade entre 16 e 18 anos.

Alguns dados merecem atenção. É o caso de uma questão sobre cidadania. Quase 40% dos estudantes das escolas públicas identificaram o exercício da cidadania com a condição de consumidor. Apenas 19% dos entrevistados em escolas particulares responderam o mesmo.

Igualar cidadania a consumo é tudo o que o capitalismo quer. No entanto, a resposta faz sentido. Em geral, as pessoas são valorizadas pelo que têm. Não em relação a como agem e o que defendem como valores, idéias, convicções. Natural que os estudantes mais pobres sintam-se distantes da cidadania na mesma medida em que estão longe do mercado consumidor.

Ao mesmo tempo, há a participação restrita oferecida de cima para baixo. A política eleitoral que nos convoca ao ato solitário e escondido do voto. Esta, torna-se cada vez mais uma gincana publicitária. Mais um dos circuitos em que circulam produtos para consumo.

Tudo isso parece muito ruim. Ainda mais, quando falamos de jovens. Por outro lado, as contradições sociais nem sempre se deixam canalizar apenas pelos caminhos que o sistema de dominação impõe.

O caráter superficial da disputa eleitoral e o acesso restrito ao consumo podem levar a juventude pobre e explorada a descobrir a cidadania que lhe interessa. Aquela da revolta e da contestação coletiva e organizada.

Mais detalhes: http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2009/relatorio/soc/mariana_b.pdf

13 de outubro de 2010

Greve Geral na França

Três milhões e meio de pessoas participaram de mais de 200 manifestações em toda a França, em 12 de outubro. Foi mais uma demonstração da radicalidade da luta dos trabalhadores na Europa.

Os protestos acontecem no quarto dia de greves e manifestações, iniciados em junho. O principal alvo do movimento são as propostas do governo em relação à previdência social. Principalmente, o aumento da idade mínima para aposentadoria de 60 para 62 anos.

Para nós, parece estranho. Afinal, no Brasil, os trabalhadores vêm perdendo direitos previdenciários há uns 20 anos. Aposentar aos 62 anos de idade, já seria um luxo. Mesmo assim, não temos greves gerais há muito tempo.

Será que somos um povo passivo? Covarde? Conformista? Não, mesmo. Até uns 15 anos atrás, éramos exemplo de povo guerreiro. Diretas-Já, Greves Gerais, Fora Collor. Muita gente no mundo nos considerava rebeldes.

A resposta é muito complicada. Pra ajudar a pensar, duas questões importantes.

Primeiro, nosso atual governo nada fez para reverter os ataques contra os direitos dos trabalhadores. Foi eleito com grande apoio da esquerda, mas joga na retranca o tempo todo. É um recuo atrás do outro. A direita deita e rola. No futebol, já seria arriscado. Na política revolucionária, é desastre certo.

Segundo, a França tem uma história diferente da nossa. Lá, eles cortaram cabeças de reis. Construíram enormes organizações de trabalhadores. Enfrentaram o fascismo e duas guerras mundiais. Mas também passaram por governos de esquerda que trabalharam para a direita. Continuam tentando aprender com tudo isso.

É o que temos que fazer. Aprender sempre. Sem parar de lutar, jamais.

11 de outubro de 2010

O voto conservador dos pobres

A eleição de Marcelo Freixo (PSOL) foi uma enorme vitória para os que lutam contra a violência do Estado nas comunidades pobres do Rio. No entanto, Freixo foi campeão de votos na zona sul carioca. Região dominada pelo eleitorado de classe média.

Já o apresentador Wagner Montes, defende o oposto de tudo o que representa o mandato de Freixo. É favorável às ações violentas da polícia. Em seu programa de TV espalha valores conservadores que beiram o fascismo. Apesar disso, Montes foi bem votado em toda a cidade, principalmente nas comunidades pobres.

Que conclusões tirar desses números? São muitas e complexas. Mas, é importante lembrar o que disse o revolucionário Karl Marx há mais de 150 anos: as idéias dominantes em uma sociedade são as idéias da classe dominante. A defesa da ordem, mesmo que de forma truculenta, é bem aceita até nos lugares que mais sofrem com isso. Se não fossem, já teríamos vivido enormes motins nas principais cidades brasileiras.

Manter elevada a desigualdade social, restringir o acesso da população mais pobre à educação e à informação crítica, distanciá-la de formas coletivas e solidárias de resistência. Tudo isso causa grandes estragos. Por outro lado, não é verdade que a “classe média” só tenha ouvidos para propostas conservadoras.

Os setores mais pobres devem ser o alvo principal de nossa disputa pela hegemonia. Mas a luta de ideias não pode ser refém de preconceitos sociológicos e eleitorais. Recusar prioridade à luta pelo voto é um bom começo. Respostas, mesmo, só com muito trabalho de base e propaganda socialista junto aos explorados nos vários cantos da sociedade.

8 de outubro de 2010

Cartas ao século 19

Caros concidadãos dos anos 1800, não sei como vim parar no século 21, mas cá estou. Aos poucos enviarei notícias deste momento em que a humanidade conta com conquistas técnicas que o industrialismo de nossa época mal sonhava alcançar. Antes de tudo, algumas curiosidades.

Notei que, diferente da sociedade de nossa época, muitos dos ricos são magros. E despendem muito esforço e dinheiro para sê-lo. Os mais abastados comem pouco em lugares caros. E para manterem sua aparência esquálida também utilizam academias de ginástica. Nestes estabelecimentos gastam boa parte de seu tempo fazendo todo tipo de atividade física. A mais curiosa destas é feita em aparelhos em que o usuário corre sem sair do lugar. São as esteiras. Mecanismos parecidos com as rodas que costumamos colocar nas gaiolas utilizadas por ratos e esquilos de estimação.

Já os menos favorecidos, se alimentam em estabelecimentos que vendem comida barata, mas rica em gordura. Costume nada favorável à saúde. Além disso, gastam grande parte de seu dia em ocupações pouco favoráveis ao dispêndio saudável de energia física. Incluindo horas de deslocamento para suas casas, usando meios de transporte, que, apesar de modernos e velozes, amontoam-se por ruas, avenidas e estradas. Deste mal também sofrem muitos dos ricos. Às vezes, são os mesmos que correram quilômetros nas tais esteiras que levam a lugar nenhum. Acabam permanecendo horas sentados em seus veículos potentes, rastejando a caminho de algum lugar.

Voltarei a dar notícias, em breve. Talvez, sobre o estranho costume que os daqui têm de queimar a pele à luz do sol. Coisa de que todos procuram fugir em nossa época.

Leia também: Cartas ao século 16

7 de outubro de 2010

Tiririca sem preconceito

Com mais de 1 milhão e 350 mil votos, a eleição de Tiririca é um sinal grave. Mostra como a política está desmoralizada para grande parte do povo. Mas só é grave porque não há alternativa em formação. Não há conselhos e entidades populares, partidos enraizados para que a população possa atuar politicamente a partir de baixo e contra o sistema.

A eleição de Tiririca mostra que reina uma enorme despolitização. Mas muitos dos questionamentos a sua eleição estão contaminados por preconceitos. Estão baseados no fato de ele ser pouco letrado e ser de origem nordestina e pobre. Não é este o problema.

A eleição de Tiririca é o símbolo de um congresso dominado por mercadores. Gente que negocia favores para as empresas que financiaram suas campanhas. O mesmo vale para os governos em seus vários níveis. Uns mais, outros menos, todos se dobram ao que exigem os donos da riqueza.

Muito provavelmente, Tiririca terá uma atuação apagada no Congresso. Como tiveram outros campeões de voto do mesmo tipo, como Enéias e Clodovil. Só vai servir como um sintoma capaz de esconder a doença que é a democracia de fachada em que vivemos.

P.S. (ou P.P.): pelo que diz a grande imprensa, o 2º turno virou uma competição para ver quem se coloca contra o direito ao aborto de forma mais firme. Uma vitória inegável do conservadorismo.

6 de outubro de 2010

Queimadas mostram que não existe capitalismo verde

As queimadas aumentaram 357% desde setembro de 2009. Resultado da pouca chuva, explicam especialistas. O fato é que mais de 95% delas acontecem em áreas já desmatadas. Principalmente, para criação de gado e plantio de soja, cana e outras monoculturas.

Na verdade, faz séculos que os índios usam o fogo para preparar a terra para o cultivo. É um modo de limpar o terreno sem arrancar as raízes das plantas nativas. Depois de plantar e colher, a área é deixada em descanso por anos para que se recupere. É a chamada “coivara”.

Esta técnica faz parte de uma lógica oposta à da exploração capitalista. Os índios não produzem para acumular. Produzem para viver. No capitalismo, a acumulação é o objetivo. É por isso que nossas crises acontecem quando há produção demais, não de menos. E quem sofre toda essa pressão produtiva é a natureza.

A terra não pode descansar por anos porque precisa gerar lucro. No capitalismo, não produzimos alimentos para alimentar, roupas para vestir, casas para morar. Fazemos todas essas coisas para que alguns fiquem com os lucros de sua venda.

Infelizmente, a sabedoria indígena está dando lugar à selvageria capitalista. Pela entrega de milhões de hectares para o agronegócio. Pela inundação e destruição de enormes áreas para construir hidrelétricas que só vão servir às grandes empresas.

Não se trata de adotar as técnicas dos índios, pura e simplesmente. É preciso combiná-las com a capacidade científica que a humanidade alcançou. Mas essa combinação só será possível se abandonarmos a busca pelo lucro. Não existe “capitalismo verde”. O capitalismo é cinzento como as florestas mortas pelas chamas.

Leia também: O comunismo sob ameaça, no Brasil

5 de outubro de 2010

Helen Keller: surda, muda, cega, socialista

Helen Keller nasceu em 1880, no Alabama, Estados Unidos. Ficou cega, surda e muda aos dois anos de idade. Mesmo assim, aprendeu a se comunicar, freqüentou a escola e formou-se em filosofia. Escreveu vários livros, recebeu prêmios e medalhas. Costuma ser citada como exemplo bem sucedido da luta contra limitações físicas. O que pouca gente sabe é que ela era socialista.

Em 1913 publicou “Out of the Dark” (Saindo da Escuridão). Era uma série de textos em defesa do socialismo. Foi o bastante para passar a ser alvo de ataques dos conservadores. Um jornal chamado “A Águia do Brooklyn”, de Nova Iorque, costumava tratá-la como heroína. Depois da publicação do livro, passou a dizer que Keller cometia "erros causados pelas limitações em seu desenvolvimento físico." A resposta dela:

Oh, como é ridícula a "Águia do Brooklyn"! Que pássaro deselegante! Socialmente cego e surdo, defende um sistema intolerável. Um sistema que é a causa de grande parte da cegueira e surdez que estamos tentando evitar. (...) Odeio o sistema que ela representa (...). Não é justo usar o argumento de que eu não posso ver nem ouvir. Sou capaz de ler livros socialistas em inglês, alemão e francês. Se o editor do Águia pudesse ler alguns deles, talvez fosse mais sábio. Seu jornal poderia ser melhor. Se eu puder contribuir com o movimento socialista com o livro que sonho escrever, vou dar-lhe o título “A cegueira e a surdez sociais em escala industrial".

Helen Keller morreu em 1968, aos 87 anos. Mais uma combatente a aparecer no livro “Uma história do povo dos Estados Unidos”, de Howard Zinn.

Leia também: EUA: uma idosa que fazia os poderosos tremerem

4 de outubro de 2010

Cartas ao século 16

Caros irmãos, trago novidades. A primeira delas, estou no século 21. Uma outra, é que vocês estão no século 16. Século é o mesmo que 100 anos. No começo não entendi bem para quê contar o tempo desse modo. Mas logo ficou claro.

A gente aqui, nesta época, faz tudo muito rápido. Ninguém é capaz de ficar muito tempo em paz. Todos estão sempre correndo, fazendo coisas, andando pra lá e pra cá. Horas, dias, meses parecem cada vez mais curtos. Só que não entendi bem a que serve toda essa pressa.

Outra coisa curiosa é que muitos deles trabalham diante de caixas que soltam luzes e mostram imagens. São acionadas através de botões que são apertados com um frenético movimento dos dedos. Passam grande parte do dia nessa atividade.

E quando finalmente vão para suas casas, é para ficar contemplando outras dessas caixas. São maiores e ficam no centro de suas habitações. As famílias cercam os artefatos e passam horas a olhar para eles. Todo tipo de coisa é mostrado neles.

Aparentemente, a maior conseqüência disso é que as pessoas quase não falam umas com as outras. E quando conversam, o assunto é aquilo que foi mostrado nas tais caixas luminosas. Não sei quem opera esses aparelhos, mas devem ser muito poderosos. Será que são divinos? Será que esta é a religião deles por aqui?

Mais tarde, mando outras notícias. Agora, tenho que correr. Não sei pra onde...

1 de outubro de 2010

A vitória do lulismo está garantida

Se as eleições presidenciais forem definidas este final de semana, ganha o lulismo e ganha Lula. Mesmo se houver segundo turno, qualquer resultado garante a vitória do lulismo. O lulismo vence com Lula ou contra ele.

O lulismo é um mecanismo que foi colocado em movimento com muito sucesso. É produto do carisma e do gênio político de seu criador. Vem do PT, mas ultrapassa o petismo. Tem muitos seguidores entre os trabalhadores em geral, mas sua força está na miséria dos mais pobres. Conquistou os setores populares organizados. Garantiu essa conquista através dos burocratas que dominam a maioria deles. Chegou aos cantos mais abandonados fazendo alianças com caciques regionais de sua principal máquina: o PMDB. O lulismo é o uso da estrutura governamental para manter a paz social que interessa aos de cima.

O lulismo são programas sociais limitados aplicados com eficiência. É a recuperação do salário mínimo, muito abaixo do necessário, ainda que acima do esperado. É a vitória da conciliação de interesses que só podem ser conciliados com a condição de que um lado seja derrotado.

O lulismo é a derrota da reforma agrária e de medidas democráticas radicais. É a manutenção de uma estrutura social injusta. É o convívio pacífico com velhas e novas lideranças da classe dominante. São os lucros inéditos de banqueiros e empresários. É o respeito ao sagrado direito capitalista de explorar gente e destruir a natureza.

O lulismo tornou-se necessário aos ricos e poderosos contra sua vontade. Por isso, querem se livrar dele o quanto antes. Derrotar o lulismo só interessa, mesmo, aos lutadores populares.

30 de setembro de 2010

Os efeitos nulos do voto nulo

Defender o voto nulo é uma tentação para os lutadores populares. O sistema eleitoral é uma máquina viciada e um campo minado. Costuma atrair para os ambientes agradáveis da burguesia aqueles que estavam nas trincheiras desconfortáveis dos explorados. A recente experiência do PT não nos deixa duvidar.

O problema é que participar das eleições costuma ser a porta de entrada para muitos dos que querem transformar o mundo. Responder a essa expectativa com o voto nulo costuma fechar essa porta sem abrir outras.

É por isso que o voto nulo somente se justifica quando todas as opções apresentadas nas eleições são tão negativas como a negação do voto. É o caso da escolha reduzida a candidaturas do campo conservador.

É verdade que nas atuais eleições, as candidaturas mais fortes disputam o direito de continuar o lulismo. Um projeto que se rendeu ao esquema de dominação que impera no País. Também é verdade que os três partidos de esquerda que combatem o lulismo cometeram o grave erro de se dividir. Inclusive pela valorização exagerada da luta eleitoral.

Mas, nada disso é motivo suficiente para que PSOL, PSTU e PCB sejam considerados forças rendidas ao campo burguês. Cada um deles conta com propostas e companheiros dignos da confiança dos socialistas. Virar-lhes as costas é facilitar o trabalho dos opressores e seus aliados lulistas.

Afinal, defender o voto nulo pode ter o efeito oposto ao pretendido. Participar de eleições não é o caminho para o socialismo. Mas, nada garante que anular o voto avance nessa direção. Mais fácil ser confundido com a condenação de toda e qualquer atividade política.

29 de setembro de 2010

Quase 200 mil eleitores presos

Nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório. Por outro lado, em alguns estados americanos, qualquer problema com a justiça suspende o direito de votar. Geralmente, são lugares em que o racismo impera. Onde ser negro pode ser motivo bastante para ter problemas legais. A população carcerária estadunidense é a maior do mundo. Nesse caso, o voto opcional torna-se proibido. Principalmente, para pobres, negros e hispânicos.

No Brasil, só está impedido de votar quem tiver condenação criminal definitiva e ainda esteja cumprindo pena. Mas, somente a partir de 2002, presos sem sentença definitiva começaram a votar. E somente 20 mil deles terão esse direito nas próximas eleições. São menos de 10% dos 220 mil detidos em caráter provisório no País.

Para agravar o problema, chegamos ao terceiro lugar em número de presos no mundo, logo atrás da China. São mais de 494 mil detidos. Com certeza, muitos deles negros e de origem pobre. Certamente, a criminalização da pobreza tem ajudado a aumentar esse número. É o investimento público em penitenciárias substituindo as verbas para educação, saúde, criação de empregos etc.

Não é que o sistema penal brasileiro não funcione. Ele funciona, trancando milhares de pessoas que se tornaram descartáveis. Votar não é o mais importante dos direitos. Mas o bloqueio de seu exercício para tantas pessoas revela o caráter excludente da democracia de fachada em que vivemos.