Doses maiores

3 de julho de 2024

As abstrações criminosas da austeridade neoliberal

Sob o capitalismo, as coisas tendem a se tornar abstratas. O trabalho humano, que produz coisas úteis e concretas, se transforma em abstração mercadológica. Mero valor de troca descarnado.

Aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, por idade rural, por idade urbana, por incapacidade permanente. Auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-maternidade, pensão por morte e benefício de prestação continuada.

A relação acima elenca alguns dos benefícios pagos a mais de 39 milhões de segurados do INSS. Pessoas concretas, cuja força de trabalho é superexplorada pelas minorias que controlam os meios de produção do País.

Mas tudo isso é abstraído quando jornalistas, governantes e economistas a serviço do capital reclamam que no primeiro quadrimestre deste ano, os gastos previdenciários somaram R$ 80,7 bilhões, aumentando 17% em relação ao mesmo período do ano passado. Por outro lado, esses mesmos capachos do controle das contas públicas jamais dão a mesma ênfase aos R$ 116 bilhões que o governo federal pagou de juros da dívida pública em igual período. Só de juros! Nenhum centavo serviu para abater o principal do débito.

Eles também alertam para o fato de que o déficit da previdência atingiu R$ 306 bilhões em 2023, mas nada dizem sobre a dívida pública federal ter ultrapassado R$ 6,5 trilhões no mesmo ano.

Fato concreto: despesas previdenciárias se destinam a pessoas que trabalham duro, ganham pouco e têm seus direitos constantemente suprimidos. Outro fato concreto: a dívida pública alimenta uma minúscula elite que parasita os recursos públicos.

Essa dura realidade é ocultada pelas abstrações criminosas impostas pelos carrascos da austeridade neoliberal, encarniçados em seu empenho para cortar ainda mais direitos sociais.

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2 de julho de 2024

Festas juninas, festejos indígenas

O mês de junho recém partiu, levando embora os festejos de arraial. Mas como as brasas das fogueiras continuam quentes, ainda há tempo de trazer uma informação que, talvez, seja desconhecida por muita gente. As festas juninas têm a ver mais com tradições indígenas do que com costumes europeus.

É o que mostra recente reportagem do portal G1, segundo a qual:

Antes da chegada dos colonizadores, o mês de junho já era especial para indígenas que viviam pelo Nordeste. Por isso, diversos elementos do São João nordestino são associados à ancestralidade originária.

Os povos Cariri, Tarairiú e Tupi, por exemplo, agradeciam os frutos da colheita com festejos organizados, em geral, por volta de junho.

Mas para os cariris, assim como para os tarairiús, a festa também comemorava o início de um novo ano, marcado pelo aparecimento das estrelas plêiades. Era a festa de Batí ou festa da “Estrela”, no idioma cariri.

Claro que os colonizadores fizeram tudo para suprimir essas tradições locais. Como, de resto, aconteceu com muitas outras características culturais fundamentais dos povos originários.

Mas na própria Europa, houve um processo parecido em relação às tradições populares consideradas pagãs, incluindo as próprias festas juninas de lá. A reportagem cita o professor da Universidade Federal da Paraíba, Ângelo Antônio:

A gente sabe que ali nos primeiros séculos do cristianismo houve uma acoplagem desse calendário pagão, que estava muito ligado aos ritos de passagem das estações, das colheitas, rituais de fertilidades, e que vão sendo de uma maneira ou de outra reapropriados pela lógica católica.

E assim caminha a chamada civilização. Atropelando e apagando importantes tradições populares.

Leia também: Os idiomas artificiais e o extermínio das línguas indígenas

1 de julho de 2024

Plano Real: democracia tutelada e fascismo

Os 30 anos do Plano Real estão sendo comemorados com muita festa e unanimidade pelas grandes mídias. Segundo os promotores dessas celebrações, o único objetivo da política econômica é controlar a inflação, mesmo que isso implique manter uma das piores concentrações de riqueza do planeta.

Um bom texto para entender esse fenômeno é “Por outra história do Real”, publicado por Luiz Filgueiras no portal Outras Palavras. Mas lembremos rapidamente a que finalidades realmente serviu o surgimento do Real.

Na época da inflação galopante da década de 1980, as lutas sindicais estavam no centro do cenário social, com greves grandes e frequentes. Os trabalhadores se envolviam em conflitos diretos com um adversário visível, os patrões.

Quando a inflação diminuiu drasticamente, em meados dos anos 90, as greves também se reduziram e a defesa de conquistas e direitos contra a lógica dos mercados mudou para a arena eleitoral.

Logo a seguir, impôs-se a austeridade fiscal, que levou a vida de milhões a depender de decisões de entidades multilaterais, grandes corporações financeiras e outras instituições semelhantes. Todas situadas em lugares isolados da experiência cotidiana e totalmente impenetráveis à pressão popular.

A democracia foi definitivamente dissociada da economia. O mandato dos bancos centrais tornou-se mais importante que os dos governantes e parlamentares. A já limitada vontade popular expressa pelo voto quase completamente tutelada pelos dogmas do neoliberalismo.

Era a mais recente metamorfose de uma democracia que sempre foi de fachada. Uma dominação secular autoritária que continua a convocar as feras do fascismo para defendê-la, cada vez que suas promessas de prosperidade se revelam falsas e despertam a revolta popular.

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