Doses maiores

29 de maio de 2020

Um golpe nas ruas e a cargo de milicianos

O governo Bolsonaro nega que esteja preparando um golpe, autogolpe ou intervenção militar. Pode estar mentindo, claro. Mas, talvez, algo desse tipo não seja nem necessário nem eficiente.

Vejamos o trecho abaixo de um instigante artigo do cientista político Luís Fernando Vitagliano:

Não estamos diante dos golpes institucionais (que podem ser mais lentos e custosos) ou dos golpes militares (que têm sua legitimidade previamente questionada). As milícias podem se camuflar do clamor das ruas, são militarizadas, mas bem menos burocráticas que os aparelhos estatais e conseguem se mobilizar rapidamente. Com uma faísca política acesa é possível acionar essa estrutura de violência que tem por objetivo provocar um choque que cala a própria democracia.
Em outro momento, Vitagliano cita o exemplo da Bolívia. Para ele:
Foram as milícias as responsáveis pelos atos que geraram a total desestabilização do sistema político boliviano. Nos dias que sucederam as eleições, inúmeros representantes do governo, do judiciário e dos parlamentares eleitos foram atacados em suas casas, com suas famílias, por milicianos e renunciaram aos seus mandatos. Não por pressão política, mas por violência explícita. O caso mais escandaloso noticiado pela imprensa brasileira é o da prefeita Patrícia Arce, da pequena cidade de Vinto, próxima a Cochabamba, que foi arrastada pelas ruas, agredida, humilhada e teve seu cabelo cortado. Considerou-se a sua renúncia, mas como se pode discutir renúncia nesse contexto de violência?
O artigo é de novembro de 2019, já em pleno caos do atual governo, mas ainda longe das oportunidades que a pandemia vem criando para o surgimento de muitas faíscas. Elementos de elevado poder de combustão social não faltam.

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28 de maio de 2020

A poderosa boiada de Bolsonaro já está passando

Um anúncio de página inteira assinado por 4 confederações e mais de 30 sindicatos patronais foi publicado nos principais jornais do país em 26/05/2020.

O manifesto defendia o ministro do meio ambiente Ricardo Salles, criticado por sugerir que o governo aproveite a pandemia para “passar a boiada”, flexibilizando leis ambientais. Uma das cenas mais reveladoras do mais famoso vídeo pornográfico exibido recentemente.

Ao lado de Paulo Guedes, Salles forma a dupla destacada por Bolsonaro para destruir o patrimônio público nacional, incluído nele os bens econômicos, ambientais e culturais.

No dia seguinte à divulgação do vídeo, a bolsa de valores fechou em alta. Afinal, também os rentistas não viram nada demais em uma reunião que só discutiu o covid como oportunidade para burlar legislações.

Trata-se de uma demonstração de força assustadora para um governo que muitos julgam ser apoiado apenas por seu gado.

Enquanto isso, as “instituições democráticas” vão aceitando bovinamente todas as ofensas e ataques do governo contra elas. No início de maio, o STF foi invadido por um rebanho de empresários pastoreado por Bolsonaro, mas foi recebido por seu presidente com cafezinho e reverências.

Os presidentes do Congresso respondem às ameaças e xingamentos dirigidos contra suas casas legislativas com gentis convites ao presidente para reuniões e almoços de entendimento.

Os governadores, por sua vez, têm muito a temer devido às muitas negociatas com dinheiro público que a pandemia lhes vem possibilitando. Eles também têm sua própria boiada.

Com quase 26 mil mortes pelo coronavírus no País, uma poderosa frente única do grande capital vai se formando. Em apoio a Bolsonaro, ao fascismo e ao abate.

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27 de maio de 2020

Fascismo é antes de tudo violência e muita covardia

“Do fascismo ao populismo” é o mais recente livro do historiador argentino Federico Finchelstein, ainda sem edição em português. A obra procura mostrar como é equivocado tratar esses dois fenômenos políticos como sendo a mesma coisa.

Ele admite, no entanto, que fascismo e populismo apresentam muitas semelhanças. Na verdade, diz Finchelstein, o populismo moderno seria uma espécie de adaptação do fascismo à democracia, após a derrota nazista na Segunda Guerra. Mas com uma grande diferença. O populismo depende das disputas eleitorais para conquistar e manter-se no poder. 

Populistas costumam corromper os processos democráticos, perseguir a oposição impiedosamente, combater o pluralismo partidário, mas fazem tudo isso com o objetivo de vencer as eleições.  Vitoriosos ou derrotados, jamais tentam eliminar totalmente a democracia.

Já os fascistas, até chegam a disputar eleições, mas, na primeira oportunidade, procuram destruir tudo o que lembra ou aparenta ser democracia. Exercer o poder para eles é impor uma ditadura violenta. Qualquer um que lhes faça oposição deve ser imediatamente aniquilado.

O fascismo toma o poder não apenas para monopolizar a violência, mas para voltá-la contra tudo e todos que se coloquem em seu caminho. Com a única exceção dos senhores do grande capital, a quem adoram bajular.

Ou seja, fascismo é antes de tudo violência. Mas violência e muita covardia. A expressão preferida de Mussolini e seus seguidores era “Me ne frego!”. Algo como “Pouco me importo!”. Era assim que respondiam quando eram surpreendidos cometendo os mais cruéis atos contra pessoas indefesas. Mas outra possível tradução para essa expressão fascista nos dias de hoje pode ser “E daí?”. 


Tristes dias!

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26 de maio de 2020

Contagem regressiva: revolução social ou barbárie

Em certa fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em seus entraves. Surge, então, uma época de revolução social. A transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura.

O trecho acima é do Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política”, de Marx. Desde 1859, quando foram escritas, estas poucas linhas já renderam muitos milhares de páginas e outro tanto de horas de debate.

Mas para efeitos dessa modesta pílula, digamos apenas que forças produtivas seriam algo como vapor, eletricidade, petróleo, energia nuclear, informática, internete, inteligência artificial, nanotecnologia, impressão 3d, sequenciamento genético, telefonia 5G...

Ou seja, são tecnologias e recursos capazes de eliminar muito trabalho indesejável. De diminuir ou acabar com dores, doenças, sofrimento. De possibilitar deslocamentos rápidos e comunicação instantânea. Enfim, de assegurar um nível de bem-estar inédito à espécie humana.

Aí, entram as relações de produção. No capitalismo, elas limitam todo esse bem-estar a uma minúscula minoria que pode comprá-lo e ainda lucra monopolizando o acesso a ele.

É esse enorme desequilíbrio que, nos tempos de Marx, ameaçava a vida social. Mas desde então, essa instabilidade também se manifestou no nível ambiental. A natureza vem tendo seus limites tensionados ao extremo. Podem surgir catástrofes climáticas, colapsos alimentares, pandemias terríveis. E pode surgir tudo isso junto.

É a “época da revolução social” de que Marx falava, mas com prazos cada vez mais apertados. Ou nos apressamos ou grande parte da humanidade pode perecer.

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25 de maio de 2020

Sobre artrópodes, gado e nazismo

Em seu livro “Cibernética e Sociedade”, de 1950, Norbert Wiener afirma que os fascistas aspiram “a uma sociedade humana construída com base no modelo das formigas”. Um coletivo fortemente hierarquizado, com tarefas rigidamente definidas e imutáveis, obedecendo cegamente a um único ser superior.

Um dos problemas dessa concepção, diz Wiener, é que na condição de artrópodes, as formigas possuem um esqueleto externo que precisa ser trocado periodicamente porque não cresce junto com o corpo.

Já outros animais, possuem um esqueleto interno que acompanha o desenvolvimento do restante do organismo. É o caso dos seres humanos, obviamente.

Essa circunstância, afirma ele, é um dos motivos que impediria os artrópodes de desenvolverem capacidade cerebral suficiente para ter uma vida social complexa, como a de outros animais. Incluindo as pessoas, evidentemente.

Outros exemplos de artrópodes são cigarras, borboletas, caranguejos, aranhas, lacraias, piolhos-de-cobra... Não, gado não é artrópode.

Ora, o fascismo representa o extremo a que pode chegar o modo de produção que domina a humanidade atualmente. Funciona como um dispositivo de segurança acionado pela burguesia quando o capitalismo encontra-se ameaçado pelos explorados ou por si mesmo.

As grandes crises representariam a fase em que o exoesqueleto das relações capitalistas começa a rachar. Quando a casca finalmente se rompe pode surgir uma nova criatura. Uma mutação para melhor, quem sabe. Um animal que desta vez tenha um esqueleto interno que lhe permita se desenvolver mais livremente.

Mas essa metamorfose também pode dar origem à mesma criatura, muito piorada. Um exemplo desse tipo de acontecimento foi a crise econômica de 1929. E a criatura que emergiu da casca foi o nazismo.

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23 de maio de 2020

O covid mata cada vez mais. A polícia também

Latuff
João Pedro Matos Pinto, 14 anos, foi morto em uma ação policial, em São Gonçalo, município pobre da Grande Rio. Foram disparados 72 tiros contra a casa onde estava brincando com seus primos.

No dia seguinte, João Vitor da Rocha, 18 anos, voluntário no trabalho de prevenção contra a Covid-19 em Cidade de Deus, foi morto durante uma operação policial.

Mas não são casos isolados. Segundo Pablo Nunes, coordenador da Rede Observatórios de Segurança:"As operações e as mortes decorrentes de intervenção policial estão se intensificando. Os escândalos políticos e a pandemia estão desviando a atenção da sociedade para essa escalada de violência. Isso é grave".

O depoimento está em recente artigo de Flávia Oliveira, no Globo. É nele também que estão outros casos atribuídos a forças policiais, como a chacina de 13 pessoas no Complexo do Alemão e o assassinato de Iago César dos Reis Gonzaga, de 21 anos, torturado e morto na Favela de Acari. Todos ocorridas em abril passado.

Flávia apresenta ainda os seguintes números também relativos a abril: 30 homicídios em operações policiais, 11 a mais que um ano antes. Nesse mesmo mês, em 19 dias, a polícia matou 35, contra 30 durante todo o mês de maio de 2019.

Em 2018, incluindo os dez meses de intervenção federal, as forças de segurança mataram 1.534 pessoas. Em 2019, foram 1.814 homicídios, recorde da série histórica iniciada em 1991. Em abril e maio deste ano, o total de vítimas fatais saltou 57% e 16%, respectivamente.

As mortes não param nas favelas e bairros pobres. E estão longe de serem provocadas apenas pela pandemia.

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21 de maio de 2020

A pandemia e a dose necessária de pessimismo inteligente

A frequente comparação das consequências do coronavírus com aquelas da Segunda Guerra Mundial são simplesmente descabidas. Pois se acerta na constatação de que o Estado é tragado pelo espaço vago deixado pelo mercado, ignora um fator crucial para os efeitos distributivos de uma maior participação estatal na economia. A saber, a correlação de forças entre os grupos sociais em conflito. Em 1945, a União Soviética despontava como potência global, os operários fabris constituíam parcela importante dos trabalhadores europeus, se organizavam em grandes sindicatos e faziam greves regulares, e os partidos comunistas e social-democratas estavam entre as principais forças políticas do mundo ocidental. A formação dos Estados de bem-estar não era resultado exclusivo de programas de investimento público coordenados pela burguesia.

O coronavírus, por sua vez, não parece capaz de alterar a correlação de forças por trás da nossa ortodoxia econômica. Ao contrário, o que temos visto é a ampliação de índices já elevados de desemprego, o aprofundamento da flexibilização das legislações trabalhistas e o rebaixamento das expectativas dos trabalhadores quanto ao escopo dos direitos que podem reivindicar e ao futuro com que podem sonhar. A pandemia tem provocado mortes, doenças, confinamentos. Pouco mais que isso.

O trecho acima é apenas uma amostra do artigo “O vírus e a ilusória redenção automática”, de Philippe Scerb, publicado aqui. A leitura integral é altamente recomendável.

Basicamente, o autor está tentando desenganar aqueles que contam com a pandemia para desmascarar as políticas neoliberais, desmoralizar as classes dominantes e despertar a resistência dos explorados.

Falta ao texto apontar propostas mais concretas, mas oferece a dose necessária do imprescindível pessimismo da inteligência.

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20 de maio de 2020

Na guerra contra o vírus, não estamos todos do mesmo lado

O neurocientista Miguel Nicolelis está à frente do projeto Monitora Covid-19, que começou a ser implantado no Nordeste do País. Em recente entrevista ao jornal Zero Hora ele usou metáforas bélicas para explicar como tudo começou:
Conseguimos ver claramente a migração dos casos: a covid-19 chegou por voos internacionais e adentrou nossas fronteiras, instalando-se nas grandes cidades, primeiro nos bairros de classe média-alta, e dali se espalhou por meio dos entroncamentos rodoviários. A imagem, no mapa do Brasil, é a de uma guerra: há invasão pela costa rumo aos centros maiores para, a partir deles, ocupar de todo o território. É como se estivéssemos sendo invadidos.

(...)

Nos mapas que temos feito, há as regiões que concentram mais casos e a partir das quais o vírus se espalhou. E há aquelas onde ainda há muito pouca incidência da doença. É nessas que as Brigadas Emergenciais têm de ir. É uma estratégia de guerra, mesmo: você domina um território, finca sua bandeira nele e dali tenta se espalhar, tomando os territórios vizinhos.

O projeto merece todo o apoio. Mas ele é iniciativa de governos. E governos costumam fracassar vergonhosamente quando se trata do bem-estar e da vida da maioria.

Sim, o coronavírus-19 entrou pelas portas de luxo do País. Mas são principalmente os mais pobres que estão morrendo. E não, não estamos todos do mesmo lado.

A esquerda e os movimentos sociais precisam entrar nessa guerra contra o covid, mas também contra seus maiores aliados. Aqueles que estão em palácios e mansões. As “brigadas emergenciais” precisam do apoio de brigadas de solidariedade de classe.

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19 de maio de 2020

Pandemia: a Inteligência Artificial e a estupidez do capital

Nos últimos anos, uma das ameaças que vinham sendo apontadas como provável elemento para desemborcarmos em um cenário apocalíptico era a Inteligência Artificial.

Alguns especialistas previam a escravização da raça humana por robôs. Outros imaginavam nossa vida social reduzida a algoritmos que ditariam nossas escolhas.

Chegou a pandemia e essas possíveis ameaças passaram a ser saudadas como ferramentas valiosas.

Agora, elas nos permitem trabalhar de maneira remota. De repente, algoritmos, big data e rastreamento digital passaram a ser fundamentais para o combate ao coronavírus.

Certo, mas onde estava toda essa tecnologia antes desse e outros vírus surgirem?

A capacidade de processamento e simulação de cenários utilizando as massas de dados que começaram ficar disponíveis nas últimas décadas é enorme. Poderia ter antecipado e impedido muitas das consequências desastrosas por que passa grande parte da população mundial.

Mas todo esse poder tecnológico estava a serviço de outros objetivos: aumentar o consumo, acelerar a circulação das mercadorias, manter a acumulação capitalista e favorecer movimentos especulativos. Tudo isso para concentrar imensa riqueza nas mãos de minorias cada vez mais minúsculas.

Além disso, com tanta desigualdade social, os avanços digitais também estão voltados para aperfeiçoar os sistemas de vigilância e repressão necessários para impedir ou esmagar qualquer tentativa de mudar essa situação profundamente injusta.
   
Tecnologia é técnica mais ideologia. Esta definição é perfeita para entendermos muito do que está acontecendo. E não vale apenas para dispositivos digitais.

Grande parte do veloz desenvolvimento técnico atual está a serviço única e exclusivamente dos lucros. A verdadeira ameaça apocalíptica que ronda a humanidade não é a Inteligência Artificial, mas a estupidez do capital.

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18 de maio de 2020

Bolsonaro, governadores, prefeitos: uma aglomeração genocida

Quarentena, isolamento social e lockdown somente serão o que essas palavras pretendem denominar se atenderem a alguns requisitos:
- Renda mínima digna para todos os que não têm como se sustentar sem sair às ruas. Impostos e Estado existem para isso. Para colocar os recursos públicos a serviço da coletividade e da grande maioria.

- Rigorosa fiscalização do cumprimento das restrições impostas e punição aos que insistem em ignorá-las apenas para manter seus lucros. Sabotadores que atacam fiscais e agentes de saúde devem ser imediatamente detidos e processados.

- Realização em massa de testes confiáveis e seguros.

- Prioridade máxima aos serviços de saúde e seus trabalhadores, garantindo sua segurança. Integração imediata da rede hospitalar privada à rede pública sob gestão do SUS, com fila única de atendimento.
Sem as medidas acima, isolamento, quarentena ou lockdown continuarão a ser palavras ocas utilizadas por muitos governadores e prefeitos para efeitos meramente publicitários.

Restringir a circulação de automóveis sem assegurar capacidade máxima no transporte público, por exemplo, só mantém a superlotação de passageiros. É o tipo de medida que permite a Bolsonaro dizer que o isolamento social não funciona.

Com isolamento, quarentena ou lockdown falsos, o coronavírus continuará a se espalhar e Bolsonaro e sua tropa de coveiros doentes manterão o discurso de que a diminuição da circulação de pessoas e mercadorias não detém a doença e ainda mata de fome.

A atual situação de restrição frouxa mostra que autoridades locais irresponsáveis e um homicida que ocupa o governo central estão juntos e aglomerados. São igualmente cúmplices de uma política genocida voltada contra grande maioria do povo.


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9 de maio de 2020

A pandemia e os gatilhos do caos

Desde 2016, pelo menos, vários especialistas preveem a ocorrência de um novo surto da crise de 2008. Não se trata apenas de analistas marxistas ou de esquerda. Muita gente do mercado financeiro e do próprio FMI vinha alertando para uma nova e poderosa recessão mundial.

Afinal, todas as causas que levaram ao colapso de 2008 seguem em plena operação. E os empregos continuaram sendo poucos ou muito mal pagos ou ambos. A desigualdade social mantém firme trajetória ascendente.

A dúvida era sobre qual seria o gatilho que detonaria essa nova etapa da crise: dívidas empresariais, guerra comercial entre Estados Unidos e China, estagnação chinesa, novas bolhas especulativas, ausência de demanda por petróleo?

Só não se considerava a possibilidade de um colapso ambiental. Pelo menos, não em prazo tão curto.

E eis que chegou o coronavírus-19.

Trata-se de um fenômeno causado pela destruição ambiental promovida pelo capitalismo e potencializado por suas características perversas. Entre elas, a enorme desigualdade social e o lucro acima de tudo retardando ou bloqueando a adoção imediata das medidas sanitárias necessárias.

A questão é que a pandemia não substituiu ou cancelou os outros problemas. Ao contrário, há muitos outros gatilhos prontos para disparar.

Por exemplo, essa crise pandêmica pode levar ao deslocamento definitivo do eixo geopolítico mundial para a China graças a sua aparente recuperação econômica rápida. Um personagem como Trump estaria disposto a aceitar tal mudança?

Tudo isso lembra bastante a situação causada pela crise de 1929, à qual o capitalismo respondeu da única maneira que sabe: a sangrenta barbárie da Segunda Guerra Mundial. Não nos faltam nem os fascistas no poder.

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O coronavírus e o fetichismo do aplicativo

7 de maio de 2020

O coronavírus e o fetichismo do aplicativo

Há alguns anos, vários cientistas passaram a entender que vivemos uma nova era geológica: o Antropoceno. Esse período se caracterizaria pelo forte aumento da influência de nossa espécie sobre o planeta.

Uma vez aceita essa caracterização, começam as polêmicas. Em seu livro “Homo Deus”, Yuval Harari considera que o Antropoceno corresponde aos últimos 70 mil anos, quando o Homo sapiens começou a extinguir inúmeras outras espécies animais.

Já outros autores consideram que esse período começou 12 mil anos atrás e corresponderia ao surgimento da agricultura, que teria possibilitado domesticar a natureza para melhor destruí-la.

Mas há ainda aqueles que consideram que o Antropoceno começou mesmo com a Revolução Industrial. Teria sido nesse momento que a humanidade iniciou um processo de destruição em escala semelhante à dos terremotos e erupções vulcânicas.

Por Revolução Industrial entenda-se nascimento do capitalismo. Um sistema que para produzir lucros destrói o que vê pela frente, incluindo vidas consideradas descartáveis e que são contadas cada vez mais aos bilhões.

Ora, no capitalismo, impera o fetichismo da mercadoria. Essa metáfora criada por Marx descreve uma sociedade onde são as coisas, transformadas em mercadoria, que estabelecem relações sociais, não as pessoas.

Pois bem, cá estamos em plena crise causada por um vírus surgido da selvageria capitalista em seu processo de destruição ambiental. Produto acabado do Antropoceno.

Foi assim que atingimos um estágio da humanidade em que nos isolarmos fisicamente uns dos outros tornou-se medida obrigatória para tentar garantir nossa sobrevivência biológica.

E é assim que chegamos a um momento em que literalmente passamos a nos relacionar quase exclusivamente por meio de coisas. Coisas digitais, mas coisas.

Leia também: Pandemia: o Brazil acima de todos

6 de maio de 2020

Pandemia: o Brazil acima de todos

“O Brazil tá matando o Brasil”, dizia o verso de Aldir Blanc, escrito em 1978.
Como um preso vai ficar a dois metros de distância do outro em uma cela onde não há espaço nem para deitar e dormir? Como os presos vão se higienizar se há um racionamento de água constante em muitas unidades? Como eles vão ter imunidade, se a comida que recebem é azeda?
Estas palavras são de Petra Silvia Pfaller, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária.
...três quartos da população têm acesso a só metade dos leitos de UTI no Brasil. A outra metade está reservada ao quarto da população que tem planos de saúde.
O trecho acima faz parte de matéria da BBC Brasil, de 23/04/2020.

Em recente reportagem da Folha, ficamos sabendo que cerca de R$ 15 bilhões que as empresas privadas de saúde são obrigadas a manter em caixa foram flexibilizados pela agência reguladora do setor. Com isso, elas poderiam permitir que clientes inadimplentes pudessem continuar sendo atendidos por mais algum tempo. Mas os administradores dos planos não pretendem fazer isso. Um deles disse que esses recursos “aliviam o caixa” em apenas 15 dias.

O recente lockdown declarado em Belém do Pará deixa de fora as trabalhadoras domésticas, consideradas como prestadoras de serviços essenciais.

“Pico de Covid-19 nas classes altas já passou; o desafio é que o Brasil tem muita favela”, diz o presidente da XP, uma assessoria de investimentos financeiros.

Estes são só alguns exemplos a demonstrar que hoje, como quarenta anos atrás, o Brazil continua matando o Brasil. Agora, com a ajuda de uma pandemia.

Leia também: Nas trevas da pandemia, velas, lanternas e um lança-chamas

5 de maio de 2020

Nas trevas da pandemia, velas, lanternas e um lança-chamas

Em 05/05/2020, foram registrados 7.921 óbitos e 114.715 casos confirmados de coronavírus-19 no País. Nas 24 horas anteriores, o número de mortes chegou a 600.

Três capitais já haviam adotado “lockdown”: Belém, Fortaleza e São Luiz. Nestes lugares o sistema de saúde está em colapso ou muito próximo dele. Mas não são os únicos.

Lockdown é o fechamento completo dos estabelecimentos comerciais e de serviços, exceto aqueles considerados essenciais. Mas mesmo estes terão seu acesso controlado para impedir aglomerações.

A adoção desse tipo isolamento começa a ser recomendado por muitos especialistas sérios. Entre eles, Átila Iamarino, o biólogo especializado em microbiologia e virologia, cujo canal no youtube vem batendo recordes de acessos.

Em seu mais recente vídeo, Iamarino afirma que o Brasil iniciou no momento certo a adoção do isolamento social. Mas acabou permitindo o seu afrouxamento.

Assim, persistindo a atual situação, devemos ultrapassar 1 milhão e 100 mil mortes, nos restando apenas a esperança de atrasar ao máximo a chegada a este número.

Quando as autoridades sanitárias brasileiras começaram a adotar as primeiras medidas, diz Iamarino, a pretensão era substituir a vela, que ilumina apenas suas proximidades, pela lanterna, capaz de clarear mais longe e em várias direções. Mas concretizar essa troca dependia da realização em massa de testes e do reforço do isolamento.

Como nada disso ocorreu, diz ele, “não só voltamos a ficar no escuro, como estamos começando a tropeçar em corpos”.

Diante dessa situação, resta pouco a dizer. A não ser que precisamos urgentemente arrancar de Bolsonaro o lança-chamas com que ele vem transformando grande parte do País em um campo calcinado.

Leia também: Nas trevas do culto à morte e à estupidez

4 de maio de 2020

Nas trevas do culto à morte e à estupidez

José Millán Astray foi um general franquista que lutou na guerra civil espanhola. Em 12 de outubro de 1936, ele participava da cerimônia de abertura do ano letivo da Universidade de Salamanca. Após um discurso de Miguel de Unamuno, respeitado intelectual, ele gritou: “Abaixo a inteligência, viva a morte!”

Desse modo, ele procurava comemorar a vitória das tropas fascistas de Franco na conflito que havia dividido a Espanha.

Em recente entrevista, o filósofo Vladimir Safatle denunciou o caráter “suicidário” dos seguidores de Bolsonaro. Segundo ele, o Brasil:

... sempre teve o Estado como operador da morte e do desaparecimento das classes vulneráveis, sempre foi gestor de uma guerra civil não declarada. Só que agora você tem um dado completamente diferente, novo: não é só uma máquina necropolítica, é uma máquina suicidária. Quando você faz manifestação com caixão e buzinaço na frente de hospital, não é só desprezar a morte do outro ou zombar da morte do outro. Essa pessoas aceitaram se colocar em risco.
Por fim, em artigo publicado na Folha, o artista e escritor Nuno Ramos afirmou:
...o patrimônio político de Bolsonaro não é propriamente político, é a violência estrita. Sua entronização, no limite, vem do crescimento progressivo, até 63 mil por ano, dos mortos por assassinatos que assombraram, por mais de duas décadas, os governos democráticos, sem que nada fosse feito. São esses mortos que se cansaram de nós, ligaram o foda-se e entronizaram seu próprio carrasco.
No Brasil de Bolsonaro surge o mesmo culto à morte e à estupidez da Espanha franquista. Mas, aqui, a guerra civil nunca foi oficializada nem jamais interrompida.

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1 de maio de 2020

O primeiro 1º de Maio do século 21: janelas e windows

Nos Primeiros de Maio durante a ditadura Vargas, anunciavam-se os benefícios concedidos aos trabalhadores pelo regime. Na ditadura empresarial-militar, a data era comemoração cívica que celebrava o “milagre econômico”.

Num e noutro período, militantes de esquerda, lideranças populares e sindicais eram torturados nos cárceres.

Grandes manifestações do Primeiro de Maio marcaram a ofensiva dos trabalhadores contra a ditadura dos generais na virada dos anos 70 para 80. Negociada pelo alto, a Nova República conviveu com Primeiros de Maio em que os explorados ainda assustavam os exploradores com sua disposição de luta.

Num e noutro período, o Dia Internacional de Luta dos Trabalhadores era a culminância de um processo de mobilização em fábricas, escritórios, bairros, escolas e universidades. A partir desses lugares, foram construídas as maiores greves gerais da história nacional.

Veio o neoliberalismo. Veio a ofensiva ideológica. As lutas e grandes mobilizações tornaram-se rarefeitas. E o dia de luta foi transformando-se em feriado de show. Os setores da resistência sindical e popular ainda eram significativos, mas crescentemente marginalizados.

Vieram os governos de esquerda. O show atraiu celebridades, mais verbas oficiais e muitos discursos chapa-branca. Os poucos e minoritários setores de esquerda não alinhados, cada vez mais acanhados em suas manifestações paralelas.

Tanto uns como outros, oficiais ou alternativos, já não eram eventos organizados. Eram apenas convocados. Não eram mobilizações. Eram... aglomerações.

Já havia algo no ar.

A pandemia nos trouxe finalmente o Primeiro de Maio que inaugura o século 21. Informalidade e precarização generalizadas, servidão de aplicativo, desemprego eternizado. Tudo isso bate às nossas portas.

E nós? Nós, aqui, presos a performances em janelas e “windows”.

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