Doses maiores

31 de janeiro de 2025

Illuminati: uma brincadeira que deu muito errado

Em 1967, os jornalistas Kerry Thornley e Robert Anton Wilson começaram a enviar cartas falsas de leitores à revista Playboy, onde trabalhavam. A correspondência era sobre uma organização secreta de elite chamada Illuminati.

A Ordem dos Illuminat realmente existiu na Alemanha do século 18. Ela reunia um grupo de intelectuais que defendiam a substituição da religião pela ciência como principal elemento de orientação da sociedade. A proposta era ousada demais para a época, os membros foram perseguidos e a organização não durou muito tempo.

Quando Thornley e Wilson decidiram usar o nome dos Illuminat a ideia era ridicularizar as teorias que atribuíam a conspirações organizadas por seitas e confrarias problemas, frustrações, fraudes e crimes que sempre foram obra dos aparelhos públicos e privados da classe dominante. Imaginavam que a ideia era louca demais para ser levada a sério.

Quase 60 anos depois, já sabemos que a ideia deu muito errado. Mas não se trata de atribuir a atual enxurrada de mentiras, falsificações e delírios perigosos a serviço do fascismo a uma brincadeira de dois jornalistas. Eles só não sabiam que sua iniciativa se combinaria com os elementos da paranoia que já tomava conta da sociedade e contribuiria para acelerar a reação em cadeia que veio a dar nos desatinos e aberrações contemporâneas.

Para entender melhor essa história toda, vale a pena ver um documentário de Adam Curtis chamado “Can't Get You Out of My Head” (Não consigo tirar você da minha cabeça). Clique aqui para assistir.
 
Leia também: Sem saber, participamos da mais óbvia conspiração

30 de janeiro de 2025

Trump, Debord e a prevalência do falso

No mundo realmente invertido, a verdade é um momento do falso.

(...)

O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. As suas diversidades e contrastes são as aparências desta aparência organizada socialmente, que deve, ela própria, ser reconhecida na sua verdade geral. Considerado segundo os seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, isto é, social, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; como uma negação da
vida que se tornou visível.

Os trechos acima são do livro “A sociedade do espetáculo” do marxista francês Guy Debord. A obra é de 1967. Na época de seu lançamento, muita gente deve ter sentido dificuldades em entender os fenômenos que a obra abordava. Desde então, sua compreensão ficou bem menos difícil. Nos últimos dez anos, suas afirmações são quase uma descrição da realidade objetiva. A recente volta de Donald Trump à frente do governo mais poderoso do mundo deve tornar os momentos verdadeiros ainda mais raros, enquanto promove catástrofes e tragédias cada vez mais reais e concretas.

Leia também: A sociedade do espetáculo é capitalismo atualizado

29 de janeiro de 2025

A Estátua da Liberdade e o supremacismo branco

Há um poema inscrito em uma placa instalada no interior da Estátua da Liberdade. É "O Novo Colosso", da poeta estadunidense Emma Lazarus. Abaixo um trecho:

Aqui nos nossos portões banhados pelo mar e dourados pelo sol, se erguerá
Uma mulher poderosa, com uma tocha cuja chama
É o relâmpago aprisionado e seu nome
Mãe dos Exílios. Do farol de sua mão
Brilha um acolhedor abraço universal; os seus suaves olhos
Comandam o porto unido por pontes que enquadram cidades gêmeas.
"Mantenham antigas terras sua pompa histórica!", grita ela
Com lábios silenciosos: "Dai-me os seus fatigados, os seus pobres,
As suas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade
O miserável refugo das suas costas apinhadas.
Mandai-me os sem abrigo, os arremessados pelas tempestades,
Pois eu ergo o meu farol junto ao portal dourado”.

Os versos são considerados uma declaração de acolhimento da nação estadunidense aos foragidos e exilados do mundo todo.

A
estátua foi inaugurada apenas 20 anos depois do fim da escravidão nos Estados Unidos. Sem a força de trabalho de milhões de africanos escravizados, era necessário atrair os que não tinham outra opção além de serem explorados pelos capitalistas ianques. Após o jugo que submeteu pessoas cativas por séculos, surge o abraço “acolhedor” discriminatório e xenófobo que vitimou irlandeses, italianos, judeus e chineses e, mais recentemente, alcançou latinos e muçulmanos. Isso para não falar dos territórios indígenas ocupados a ferro e fogo.

Trump pode ser acusado de tudo, menos de não ser coerente com a tradição racista e genocida que tornou grande a América supremacista branca.

Leia também: Trump e o ancestral racismo da América

28 de janeiro de 2025

Lênin e as civilizações alienígenas

Juan R. Posadas foi um líder trotskista argentino, que viveu entre 1912 e 1981, e ficou conhecido principalmente por algumas de suas ideias envolvendo a possibilidade da existência de civilizações extraterrestres, cujo avanço tecnológico só poderia ter sido alcançado pela adoção do socialismo em seus mundos.

A.M. Gittlitz publicou recentemente uma biografia de Posadas chamada “Eu quero acreditar: posadismo, OVNIs e comunismo apocalíptico”. Entre os vários trechos curiosos está este:

Em uma visita à Rússia em 1920, H.G. Wells, embora um crítico do marxismo, ficou impressionado com o progresso soviético em direção a um comunismo que Lênin havia recentemente definido como sovietes mais eletrificação, e a inspiração que Lênin aparentemente havia tirado de seu trabalho. Wells afirma que Lênin elogiara seu livro “A máquina do tempo” por ajudá-lo a perceber "que as ideias humanas são baseadas na escala do planeta em que vivemos (...). Se tivermos sucesso, teria dito o revolucionário bolchevique, em fazer contato com outros planetas, todas as nossas ideias filosóficas, sociais e morais terão que ser revistas, e neste caso essas potencialidades se tornarão ilimitadas e porão fim à violência como um meio necessário para o progresso...”

Pois é, de repente, até para Lênin a verdade podia estar lá fora. Mas, ao que se sabe, ele jamais ampliou o conceito de revolução internacionalista para o nível intergaláctico em sua obra.

Leia também: Lênin: organização ampla e flexibilidade tática

27 de janeiro de 2025

Um palpite utópico sobre São Paulo

São Paulo fez 471 anos sábado, com direito a uma tempestade e inundação que só não foram apocalípticas porque o fim do mundo continua a ser adiado. Mas de adiamento em adiamento, ainda podemos chegar lá.

Esta é uma pílula que leva a um texto de 2004, cujo tema é um palpite utópico sobre a cidade mais populosa do hemisfério ocidental. Eram tempos em que se podia pensar mais em utopias do que distopias. Bem diferentes dos atuais.

Leia aqui: Um palpite utópico sobre São Paulo aos 600 anos