Doses maiores

31 de maio de 2012

Cumplicidades entre universidade e mídia empresarial

Charles Ferguson ganhou o Oscar pelo documentário “Trabalho Interno". Em 27/05, a Folha de S. Paulo publicou um artigo dele. Em “A corrupção acadêmica e a crise financeira”, o diretor denuncia as relações promíscuas entre universidades e grandes empresas. Um trecho:

Hoje em dia, se você vir um célebre professor de economia depondo no Congresso ou escrevendo um artigo, são boas as chances de ele ou ela ter sido pago por alguém com grande interesse no que está em debate.

Poderíamos adaptar essa advertência para o Brasil, suas universidades e a mídia empresarial. É que de alguns anos para cá, a grande imprensa vem convidando professores universitários para debater questões polêmicas.

Antes, os convidados costumavam ser sindicalistas e lideranças populares. Não tinham muito tempo para debater e nem todos tinham posições combativas. Ainda assim, podiam causar algum desconforto para o pensamento único neoliberal.

Agora, esses dirigentes e lideranças costumam ser chamados apenas quando estoura uma greve ou um conflito mais grave. Na verdade, são muito mais convocados para dar explicações do que para defender o ponto de vista de seus representados.

Debates profundos, só com os doutores da academia. E esta, ao contrário do que parece, não forma rebeldes. A grande maioria dos diplomados é de um conservadorismo cheio de verniz.

De vez em quando, até convidam alguns acadêmicos de esquerda. Mas prevalece um ambiente cheio de pretensões neutras e científicas. É a valorização do que é dito na tranquilidade do ar condicionado. É a desqualificação dos argumentos que surgem do calor da luta.

Enfim, é um jogo sujo que, muitas vezes, é aceito com entusiasmo pela academia.

Leia também: A advogada sob a luz da mídia

Por que Dilma desligaria a motosserra?

O senador Luiz Henrique (PMDB-SC) é o relator da Medida Provisória sobre o novo Código Florestal editada pela presidenta Dilma. Quando foi governador de Santa Catarina, o parlamentar fez aprovar um código ambiental em seu estado que facilitava a destruição ambiental. Ele considera a MP boa. Deve saber do que está falando.

O Instituto Socioambiental, por sua vez, aplaude a criação das novas APPs. Antes havia apenas as Áreas de Preservação Permanente. Agora, diz a ONG, teremos também as Áreas de Plantação Permanente. A ironia refere-se a permissão para que possam ser usadas espécies exóticas para recuperar áreas de preservação permanentes. Ou seja, os eucaliptos, por exemplo, podem tomar conta de vez de nosso meio-ambiente.

Já o Geenpeace sentencia:

Dilma caminha para ser a pior presidente das últimas décadas para o meio ambiente. Após 18 meses no cargo, ela não criou uma única unidade de conservação. Mas diminuiu o tamanho de várias, sobretudo na Amazônia, para plantar nelas grandes hidrelétricas e projetos de mineração. Dilma tirou poderes do Ibama, órgão que fiscaliza crimes ambientais, e ainda permite o ataque da mesma bancada ruralista que retalhou o código às terras indígenas.

Diante disso tudo, será que a campanha pelo veto de Dilma não teria alimentado uma expectativa que ela nunca fez por merecer? Há quem diga que, pelo menos, serviu para desmascarar o governo petista. Mas havia alguma máscara a ser arrancada? É só olhar para as obras em andamento no Brasil todo. Muitas podem nem sair do papel, mas já provocam enormes estragos ambientais e sociais.

Com tanta desinformação sobre a questão ambiental, o único resultado concreto do “Veta Dilma” pode ter sido mais publicidade para a presidenta.

30 de maio de 2012

Quantos bytes fazem um monstro?

“O mundo está diante de um verdadeiro tsunami de informações”. A afirmação é de Ethevaldo Siqueira, em matéria publicada no Estadão em 20/05. Segundo ele, o “volume global de dados produzidos ou replicados em 2011, por exemplo, chegou a 1,8 zettabyte, segundo o IDC (International Data Corporation)”.

O título da reportagem é “Chegou a Era do Zettabyte”. Siqueira explica o que é um zettabyte:

Meu computador tem um disco rígido (HD) com capacidade para armazenar um terabyte, ou mil gigabytes. Pois bem: um sistema com a capacidade de um zettabyte (ZB) poderia armazenar o conteúdo de 1 bilhão de HDs iguais ao de meu desktop.

Segundo a matéria, é mais um fenômeno da ordem da “Teraescala”. Ou seja, aquela de grandezas gigantescas:

Na computação do passado, as arquiteturas de sistemas lidavam com centenas de processadores. No mundo virtual de hoje, trabalham com milhões.

Mas para que serve tanta informação? Claro que não se trata de informação pura. É informação como valor, como capital. E já sabemos o que acontece quando alguma coisa se torna capital. Não à toa, Siqueira diz que:

Para lidar com situações de elevada complexidade, os cientistas criaram até uma especialidade chamada engenharia do caos, cujos recursos lhes permitem controlar situações próximas da desordem total.

“Complexidade, no sentido tecnológico, diz o jornalista, refere-se à extrema diversidade de elementos”. Mas se tudo acaba sendo intercambiável na forma de valor, o que parece diversidade torna-se igualdade. Qualidades transformadas em quantidades.

Ao que o jornalista chama de complexidade, poderíamos chamar de outra coisa. Lembremos que o prefixo “tera” vem da palavra grega “teratos”, que quer dizer "monstro". É a monstruosa desordem com que o capital e suas metamorfoses nos assombram.

Leia também:

29 de maio de 2012

Revolução egípcia: voto unitário contra Shafiq

Em 23 e 24 de maio, os egípcios foram às urnas para eleger um novo presidente. Nenhum candidato conseguiu mais da metade dos votos. Haverá segundo turno em 16 e 17 de junho.

Agora, a disputa é entre Ahmad Shafiq, ligado a Mubarak e o candidato da Irmandade Muçulmana, Mohammed Morsi. Este último não era a melhor opção. O candidato da esquerda revolucionária era Hamdeen Sabbahi, que conseguiu mais de 21% dos votos. Votação expressiva, mas insuficiente.

A Irmandade Muçulmana tem posições bastante ruins, é verdade. Mas é um movimento muito contraditório. Muitos de seus seguidores estiveram nas batalhas que derrubaram Mubarak. Lutaram lado a lado com os revolucionários. E o fato é que Shafiq representa a continuidade do odioso regime dos militares que governou o país por 40 anos.

Diante disso, a organização egípcia Movimento dos Socialistas Revolucionários, ligada à tendência Socialismo Internacional, declarou seu apoio ao candidato muçulmano. Mas apresentou as seguintes condições:

1. Formação de uma coalizão presidencial que inclua como vice-presidentes Hamdeen Sabbahi e Abd-al-Moneim Abu-al-Fotouh (candidato islâmico moderado).

2. A nomeação de um primeiro-ministro de fora das fileiras da Irmandade e a formação de um governo que inclua todo o espectro político, incluindo os coptas (cristãos egípcios).

3. Aprovação de uma lei sobre as liberdades sindicais que apoie claramente o pluralismo e a independência do movimento dos trabalhadores, ao contrário do que pretende projeto de lei proposto pela Irmandade.

4. Que a Irmandade e outras forças políticas lutem por uma Constituição que garanta justiça social, direito à saúde e educação gratuitas e de qualidade, direito à greve, manifestações e ocupações pacíficas, direitos públicos e individuais para todos os cidadãos, e a legítima representação de mulheres, coptas, trabalhadores e juventude na Assembleia Constituinte. Voltamos a apelar para que a Irmandade Muçulmana e todas as forças políticas coloquem a revolução acima de interesses partidários e se unam contra Shafiq, sob risco de torná-la presa fácil de seus inimigos.

A íntegra da declaração pode ser lida aqui, em inglês.


28 de maio de 2012

“Nova classe C” tende a ser conservadora, diz petista

Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao governo federal. Também deve disputar a prefeitura de Campinas pelo PT. Acaba se lançar o livro “A Nova Classe Média?”. Nele, o economista nega que a chamada “classe C” seja uma nova classe média. Seria formada por trabalhadores consumistas, individualistas e despolitizados.

Em entrevista publicada pela CartaCapital em 16/05, Pochmann apresenta vários argumentos em favor de sua tese. Dentre eles, destaca-se:

A classe média tem ativos e patrimônio. São várias características que infelizmente nós não conseguimos observar nesses segmentos que estão ascendendo. E são segmentos que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à classe trabalhadora, tal como foi o padrão de expansão do Brasil nesses últimos dez anos.

O conceito de classe média sempre foi muito difícil de definir. Na produção teórica de Marx, ela costuma ser apontada como sinônimo de “pequena burguesia”. Seriam aqueles setores que não precisam vender sua força de trabalho. Teriam sua própria fonte de sustento: pequenas propriedades rurais, pequenas empresas e comércios etc.

Tais empreendimentos seriam os “ativos” e “patrimônio” de que fala Pochmann. Se for assim, a “classe C” não pertence à “classe média”. Mas, talvez, compartilhe o horizonte ideológico dela. É o que se pode deduzir de palavras do próprio petista sobre seus integrantes:

...na questão dos valores mais amplos da política, como pena de morte, eles majoritariamente estão atrelados a visões muito ultrapassadas.

Para Pochmann, se esse tipo de ascensão social não “vem acompanhada de um processo de conscientização”, pode “ser encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente da que levou a uma ascensão social recente”.

Ou seja, parece que o petista teme a transformação desses setores em massa de manobra da direita conservadora. Um risco que só vem aumentando com o comportamento do partido de que Pochmann é membro. Triste exemplo é a recusa da maioria dos dirigentes do PT em apoiar lutas como o direito ao aborto e o combate à homofobia.

25 de maio de 2012

A cigarra grega nas garras das formigas capitalistas

A grande mídia gosta de culpar o povo grego por sua atual situação de crise. Há até quem use a fábula da formiga e da cigarra. A Grécia seria a cigarra, que só quer saber de diversão e não pensa no futuro. Representaria o oposto da formiga alemã, trabalhadora e previdente.

Para que fizesse sentido seria preciso mudar a fábula. Na vida real, a formiga fez suas provisões à custa da exploração da situação vulnerável da cigarra. Mas mesmo admitindo a irresponsabilidade da cigarra, foi a formiga que lhe emprestou a guitarra e incentivou suas farras.É o que podemos deduzir de um texto do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo.

O artigo, cujo título é “França, Grécia e a ‘grande armadilha’”, lembra que para fazer parte da Zona do Euro, a Grécia precisou comprovar certas condições econômicas. Para isso, seus governantes contrataram a consultoria do Goldman Sachs. O banco maquiou números e viabilizou a adoção do euro pelo país, em 2002.

Veio a crise de 2008. O inverno chegou e pegou a cigarra desabrigada. A Grécia pediu ajuda ao Banco Central Europeu. A instituição é presidida atualmente por Mário Draghi. Por estranha coincidência, Draghi era vice-presidente do Goldman Sachs em 2002. Moral da história:

...o mesmo Banco Central Europeu que na semana passada deixou de oferecer liquidez financeira a alguns bancos gregos, em meio a uma grande quantidade de saques da população, é presidido por alguém que já teve alto cargo de direção no mesmo banco responsável pelos problemas atuais da Grécia.

24 de maio de 2012

Fim da crise? Em um ou dois séculos...

A crise não voltou porque nunca foi embora. É o que diz o economista James K. Galbraith, professor de Economia na Universidade de Austin, no Texas. Em entrevista à Agência Estado publicada em 23/05, ele explica:

O risco é o mesmo de 2008, de que haja corrida, de que haja pânico. Nem chegamos a sair da crise anterior. Ainda estamos nela.

Os últimos acontecimentos confirmam. A saída da Grécia da Zona do Euro torna-se cada vez mais provável. Ontem, houve uma “reunião extraordinária dos dirigentes europeus”. O impasse continua.

Alguns dos governantes defendem menos dureza em relação aos gregos. Entre eles, o recém-eleito presidente francês, Francois Hollande. Mas a chanceler alemã Angela Merkel discorda. De concreto, apenas um aviso para que os países da região se preparem para uma eventual saída da Grécia do Euro.

Além disso, há temor em relação à situação dos bancos espanhóis. A origem do problema é a desvalorização dos imóveis. Algo muito parecido com o que ocorreu nos Estados Unidos, em 2008. Um deles, o Bankia, está precisando de ajuda urgente. O governo espanhol promete socorrer. Só que isso incharia ainda mais a enorme dívida pública espanhola.

Foi o bastante para que as bolsas do mundo todo desabassem. Mas isso foi ontem. Hoje, O Globo traz matéria cujo título é “EUA recebem alerta de recessão para o primeiro semestre de 2013”. O encolhimento econômico viria devido ao fim do socorro financeiro oficial.  

Voltando à entrevista com Galbraith, à pergunta sobre quanto tempo o mundo levaria para sair da crise, ele respondeu:

Acho que um século ou dois. Acho que meus bisnetos talvez vejam isso.

23 de maio de 2012

Rio+20: fiasco ou sucesso? Depende

Faltam menos de 30 dias para a cúpula no Rio de Janeiro. Trata-se da "maior conferência ambiental da história", diz o governo brasileiro. O problema é que o encontro das Nações Unidas que pretende discutir desenvolvimento sustentável parece destinado ao fracasso.

Cerca de 50 mil pessoas devem comparecer. Entre elas, 135 chefes de Estado. Vladimir Putin, presidente da Rússia, o premiê chinês, Wen Jiabao, e o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh confirmaram presença. O recém eleito presidente da França, também.


Mas Obama ainda não deu nenhum sinal de que pode vir. Ao contrário da chanceler alemã, Angela Merkel, e do primeiro ministro David Cameron, da Inglaterra. Estes deixaram claro: não virão.

Nada disso quer dizer que a Rio+20 será necessariamente um fracasso. Principalmente se a pauta de debates continuar a se direcionar para a chamada “economia verde”.

É como disse Pat Mooney, diretor da ONG canadense ETC Group. Suas declarações estão em reportagem de Raquel Júnia para o site da Fiocruz, publicada em março passado. Depois de afirmar que o mercado já controla 23,8% das espécies biológicas existentes, Mooney afirma:

O que o capitalismo vem buscar aqui são os 76,2% que restam. Essa é a batalha do Rio. Com a crise das hipotecas em 2007, nós já demos aos banqueiros 14 trilhões de dólares. Agora, se aceitarmos essa nova proposta de financeirização da natureza, o que estamos dizendo para aqueles mesmos bancos é que eles podem vir e brincar em nosso jardim.

O capital não precisa mandar seu time titular para ganhar esse jogo. E nem precisam ser representantes apenas dos bancos. O governo brasileiro, por exemplo, prefere entregar a natureza à ação destruidora das empreiteiras.

Tudo indica que do ponto de vista ambiental, o fiasco é certo. Já quanto aos interesses do capital, o sucesso é muito provável.

22 de maio de 2012

De olho nos ovos dourados da galinha grega

Há algumas semanas, a economia grega era o patinho feio da Zona do Euro. Recusava-se a adotar as medidas neoliberais. Pior, seu povo não saía das ruas e praças, exigindo respeito a seus direitos. Agora, a coisa mudou. É o que vem dizendo a grande imprensa:

O Estado ouviu analistas, representantes de governos, bancos e acadêmicos. Todos, de forma unânime, têm a mesma opinião: uma saída da Grécia terá um impacto global pelo menos equivalente à quebra do banco americano Lehman Brothers, em 2008, e o euro, ainda que sobreviva, não será o mesmo (O Estado de S. Paulo, 20/05).

Reportagem de Assis Moreira para o Valor, publicada em 21/05, traz aviso semelhante. Compara a saída grega do Euro às crises russa, de 98, e argentina, de 2002. É por isso que a recente reunião da cúpula do G-8 decidiu fazer tudo para impedir que isso aconteça.

Mas não se trata apenas de contágio. Artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros, publicado no Valor de 21/02, ajuda a entender. Segundo ele, quando o euro foi criado, seu valor representava 1,96 marcos alemães. No caso da Grécia, cada euro valia 340 dracmas.

Trocando em miúdos, a economia alemã era muito mais graúda que maior parte das economias do continente. A adoção do euro significou a transformação delas em mercados cativos do capitalismo germânico.

Por outro lado, se a melhor decisão é sair do Euro, o preço a ser pago será alto. A catástrofe econômica para os gregos é quase certa. E já sabemos quem sofreria mais.

É por isso que há setores do empresariado grego que já admitem abandonar a união monetária. Eles sabem que podem transferir a conta dos prejuízos para a classe trabalhadora.

Se for necessário matar a galinha para chegar a seus ovos de ouro, não hesitarão. Por isso, o desfecho dessa situação não se dará no campo econômico. Será decidido pela luta de classes.
 

21 de maio de 2012

A transposição da seca

A pior seca em 30 anos castiga o sertão do Nordeste. Já são 1.100 municípios atingidos. Mas a maior crueldade é de origem humana. E não estamos falando apenas dos caminhões pipas que percorrem o sertão para distribuir água em troca de votos.

O artigo “A Transposição e a Seca” de Roberto Malvezzi foi publicado pelo site “São Franscisco Vivo”, em 16/05. O texto critica a lentidão quase paralítica que vem caracterizando a obra. Diz que o custo do empreendimento:

...já supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram, aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de suas vidas.

Pior que isso foi a opção que o governo Lula fez quanto à região a ser atingida pela obra. Segundo o autor, governos e parte da mídia:

...afirmavam que a Transposição iria levar água para o “semiárido”, desconhecendo totalmente a pertença da Bahia, Sergipe, Alagoas, Piauí, Maranhão e Norte de Minas ao mesmo semiárido.

Mas a atual seca, diz Malvezzi:

...começou em território baiano, onde qualquer estudante de geografia do Brasil, ensino primário ou médio, sabe que estão 40% do semiárido brasileiro. A Transposição, mesmo que funcionasse ou venha funcionar um dia, aponta na direção exatamente contrária ao território baiano. Aponta para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

Ele afirma ainda que todas “as águas estocadas na Bahia cabem num único açude do Ceará”. Ao mesmo tempo, 70% dos açudes cearenses estão cheios. Lá, o problema não é a falta de água, mas sua distribuição.

Distribuir seria o objetivo da obra do São Francisco. Transferir água de um lugar em que ela sobra para onde faz muita falta. Do modo como vem sendo feita, a transposição não combate a escassez de um lado e agrava a seca do outro.

18 de maio de 2012

A música clássica brasileira já foi negra

Em 1780, o desembargador português José João Teixeira Coelho alertava os futuros governadores de Minas Gerais:

Aqueles mulatos que não se fazem absolutamente ociosos, se empregam no exercício de músicos, os quais são tantos na Capitania de Minas que, certamente, excedem o número dos que há em todo o Reino.

Os músicos de que fala o texto produziam obras eruditas. Eram filhos de pai português e mãe africana, coisa comum no Brasil Colônia. Mas como se tornaram músicos? Segundo o musicólogo Paulo Castagna:

Na primeira metade do século XVIII ainda vigorava, no Brasil, o monopólio dos músicos portugueses. Mas com o desenvolvimento urbano, enriquecimento e proliferação das irmandades, a demanda de música aumentou fantasticamente na segunda metade desse século. Passou a não haver suficiente número de profissionais brancos para atender ao enorme aumento das encomendas de música. Foi assim que os afrodescendentes entraram para esse mercado novo e promissor, atendendo com eficiência às urgentes e numerosas solicitações das irmandades.

Entre os mais talentosos estavam José Maurício Nunes Garcia, Lobo de Mesquita e Castro Lobo. Todos vítimas de grandes humilhações e constrangimentos.

Castro Lobo, por exemplo, tornou-se padre. Mas antes precisou dar um jeito de provar que seus pais e avós eram “inteiros e legítimos cristãos velhos, limpos de sangue, sem fama alguma de judeus, mouros, mulatos ou mouriscos, ou de alguma outra infecta nação”.

Em relação a Lobo de Mesquita, Castagna afirma que ele “viveu no mesmo período de Mozart, Haydn e Beethoven, que compuseram música de uma beleza sonora incomparavelmente maior ao de toda a música de seus contemporâneos no Brasil e no continente americano da época”. Mas, diz o musicólogo:

...é preciso considerar que esses compositores não foram descendentes de escravos africanos, nem nascidos em uma possessão europeia na América; não foram tratados com devastador preconceito pela sociedade branca da época, e não tiveram que aprender música em condições precárias, a partir de poucos recursos e com escassos mestres; não enfrentaram a forte competição profissional e a luta pela sobrevivência em meio a condições de vida bem mais desfavoráveis que as do Velho Mundo; não enfrentaram a rejeição do próprio Estado e não tiveram a maior parte de suas composições perdidas ou mutiladas e nem impressas somente dois séculos após sua morte.

E conclui:

Se Mozart, Haydn e Beethoven tivessem nascido e vivido como mulatos em Minas Gerais no século XVIII, provavelmente não teriam feito mais do que lá fez Lobo de Mesquita.

As informações acima são da série de programas “Alma Latina: Música das Américas sob domínio europeu”, de Paulo Castagna. Ela é transmitida pela Rádio Cultura FM de São Paulo. Também disponível na página http://paulocastagna.com/alma-latina.

17 de maio de 2012

Doping mental e capitalismo

Em 11/05, o jornal Valor publicou uma reportagem sobre drogas para turbinar a inteligência. Escrita por Diego Viana e Flavia Tavares, a matéria recebeu o título “A cabeça infatigável”.

O texto trata do uso de medicamentos nootrópicos. Em grego antigo, "noos" significa intelecto. Eles são diferentes dos psicotrópicos, que atuam sobre a “psyche”, que diz respeito às emoções. Mas as coisas não param por aí:
Além dos medicamentos, também se dissemina o tratamento de choque feito em casa. Quem obtiver uma receita médica nos EUA pode adquirir, por US$ 600, um aparelho que estimula diretamente o cérebro, mais precisamente o córtex frontal, por meio de eletrodos e uma corrente contínua de até nove volts.  
O assustador nem é o caráter artificial de tudo isso. Nossa espécie vive tentando superar seus limites naturais, incluindo os da percepção. O problema é que já não se trata de buscar novas sensações, como no caso dos alucinógenos. A finalidade é puramente competitiva.

A matéria mostra o caso de um candidato ao cargo de diplomata. Ele diz que “em concursos como este, em que cada décimo de ponto faz toda a diferença, se eu puder atribuir uma única resposta certa aos remédios, já valeu a pena." Também diz que esse doping mental:
... apareceu nos anos 1990, com estudantes universitários americanos. Eles passaram a tomar modafinil e metilfenidato (que combate o déficit de atenção) para obter notas melhores. Hoje, começam a aparecer indícios de propagação para o mercado de trabalho. No californiano Vale do Silício, onde a velocidade de raciocínio é de longe o maior ativo profissional, o modafinil ficou conhecido por "droga do empreendedor" e "cocaína do século XXI".
Ou seja, a meta é produzir mais e por mais tempo. Elevar a produtividade mesmo que isso leve a dependência, doenças e sequelas. Ao contrário de outras drogas, o doping mental afunda o usuário na vida profissional. Enterra sua existência na ordem social competitiva, mais conhecida como capitalismo.

16 de maio de 2012

O esculacho das meias verdades

Dilma Rousseff instala hoje a chamada Comissão da Verdade, que investigará as violações dos direitos humanos ocorridos principalmente sob a ditadura instalada pelo golpe de 1964.

Militares saem das catacumbas para reclamar. Querem que a Comissão também apure os atos cometidos pelos que lutaram contra a ditadura. Escondem que eles mesmos já fizeram isso. Prenderam, torturaram, mataram centenas, sem julgamento ou em processos secretos.

Esses portadores de almas sujas não deveriam se preocupar. A tal comissão não foi criada para fazer justiça. É o que garante um de seus mais respeitados membros. Em 15/05, Paulo Sérgio Pinheiro afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que:

A comissão não acusa, não pronuncia nem julga, o que seria um despautério. A comissão seguirá o que está na lei e apresentará um relatório, ao fim de dois anos.

Pinheiro disse também que a Comissão respeitará a lei da Anistia em vigência. Aquela que foi feita pelos ditadores para perdoar seus próprios crimes. Diante disso, melhor priorizar outro tipo de atividade. É o que vem fazendo o Levante Popular da Juventude.

O movimento promove esculachos públicos de torturadores e agentes da repressão da ditadura. Já organizou protestos em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro, Belém e Curitiba. Seu objetivo é desmascarar esses criminosos que circulam impunes pelas ruas.

A Comissão pretende identificar os crimes e as vítimas. Não, os carrascos e seus mandantes. Portanto, dela só podemos esperar meias verdades. O que também não deixa de ser um esculacho. Só que este é contra as vítimas, suas famílias e os lutadores em geral.

Leia também:
A podre lei da Anistia
Viva os mortos-vivos chilenos

15 de maio de 2012

A caixa-preta dos lucros capitalistas

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos acaba de lançar “A situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000”. O capítulo 17 focaliza a distribuição da renda no País na primeira década do século 21. Em caráter provisório, o estudo conclui que:

Existe hoje um relativo consenso entre os analistas de que a desigualdade no Brasil no período recente tem, de fato, se reduzido e de forma razoavelmente rápida. Também há concordância sobre a necessidade de se garantir a continuidade dessa trajetória.

Mas ainda haveria “um acirrado debate” sobre os fatores que motivaram tal redução. Talvez, as razões para essa polêmica devam-se às diferentes maneiras de encarar o problema. Segundo o texto:

A desigualdade de renda pode ser analisada sob duas perspectivas distintas, a da distribuição funcional da renda e a da distribuição pessoal ou familiar (ou domiciliar) da renda. A perspectiva da distribuição funcional examina a apropriação da renda gerada numa sociedade pelos proprietários do capital e pelos possuidores da força de trabalho. No caso da distribuição pessoal ou familiar (ou domiciliar) da renda, trata-se de analisar como a renda se distribui entre os indivíduos ou entre as famílias (ou domicílios).

Ou seja, este último critério deixaria escapar os ganhos dos donos ou controladores dos meios de produção. Para obter estas informações a publicação propõe:

... a publicização dos dados da Receita Federal, sob condição de garantia do sigilo, para disponibilizar informações mais precisas sobre as rendas do capital e sobre a distribuição da riqueza.

O problema é que isso equivaleria a abrir uma caixa-preta que esconde interesses tão grandes quanto são os lucros do capitalismo local.

A manutenção do sigilo sobre tais dados reforça uma hipótese bastante provável. A de que a melhor distribuição de renda no País deve-se a uma divisão do bolo entre os próprios trabalhadores. O grande capital permaneceria de fora desse empenho em direção à justiça social. Enquanto isso acontecer, todo esforço será vão.

14 de maio de 2012

Igrejas e empresários: diabólica aliança

“Parceria CNI-igrejas derruba votação para tributar fortunas” diz reportagem de Evandro Éboli publicada pelo Globo, em 09/05. A matéria refere-se a parceria entre a entidade que representa grandes empresários e parlamentares católicos e evangélicos. Seu objetivo? Impedir a aprovação de uma contribuição sobre grandes fortunas pelo Congresso Nacional.

A reportagem explica que a nova contribuição geraria recursos que seriam destinados exclusivamente para a saúde. O interesse dos religiosos seria evitar a chegada desses recursos para outro projeto, que tramita há anos no Congresso e que cria direitos previdenciários para dependentes de homossexuais.

Já a CNI pretende impedir a taxação das fortunas de seus associados, obviamente. Éboli explica que a proposta cria nove faixas de contribuição. A primeira atinge patrimônios acima de R$ 4 milhões e a última atinge os que ultrapassam R$ 115 milhões.

O que mais espanta é o minúsculo número dos que seriam atingidos: 38 mil pessoas. Ainda segundo a matéria, o novo tributo renderia “R$ 14 bilhões a mais para a saúde por ano”. Mas desse total, R$ 10 bilhões viriam de apenas 600 pessoas.

Opor-se à taxação de milionários em nome do bloqueio à cobertura previdenciária para homossexuais. Eis aí uma causa nada nobre a unir as cúpulas católica e evangélica ao grande capital. Por outro lado, entre os patrimônios ameaçados podem estar os de muitas instituições religiosas.
 

Difícil imaginar pacto mais carregado de pecados. Talvez, ajude a explicar a secular injustiça social que atinge um país que se orgulha de ter Deus como conterrâneo.

11 de maio de 2012

Extremista é o mercado

A grande mídia alerta. O extremismo político avança na Europa.

Na França, apesar da vitória do moderado François Hollande, a direita fascista obteve 18% dos votos. A Frente de Esquerda, de Mélenchon, conquistou 11%.

Na Grécia, as urnas rejeitaram os dois partidos que dominavam as eleições no país há décadas. O maior vencedor foi o Syriza, considerado de extrema esquerda, com quase 17% dos votos.

Foi o bastante para deixar as bolsas em estado de profunda depressão. Os investidores temem pela nova situação política. Mas não deveriam se preocupar tanto.

Hollande não disse que é contra a austeridade imposta pelos banqueiros. Só afirmou que não será necessariamente do jeito que eles querem. O líder do Syriza, Alexis Tsipras, já andou declarando que a saída da zona do euro prejudicaria o país.

Além disso, acaba de desistir da formação de um governo de esquerda: “Vou devolver o mandato confiado pelo presidente da República e vamos continuar a participar dos procedimentos previstos na Constituição” (Valor, 08/05).

O problema é que as forças de esquerda têm se limitado a ocupar as pontas de uma democracia dominada pelo mercado. Ao invés do extremismo de gabinetes, é preciso priorizar o radicalismo das lutas populares.

Enquanto isso não acontecer, o vencedor continuará a ser o extremismo do mercado. Aquele que não teme a direita fascista, como prova a tranquila convivência entre Hitler e empresas como Ford, IBM e Coca-Cola.

Estranhas formas de viver

A TV paga anda exibindo as coisas mais bizarras. É o caso do programa “As mais estranhas formas de morrer”, do Discovery. Um exemplo:

Mortes estranhas acontecem quando estudantes de engenharia competem para ver quem cospe mais longe; uma mulher fica em segundo lugar em uma prova de beber água; e um casal fica abraçado por 86 horas.

Outro caso curioso é o do “homem-tronco”. Seu corpo desenvolve tantas e tão grandes verrugas que suas mãos e pés ficam com aspecto de galhos de árvore. Também há uma mulher cujo pé cresce tanto que sua perna pesa mais de 44 kg.

“Histórias de Pronto-Socorro”, da Discovery, mostra um homem que grita o tempo todo sem motivo aparente. Enquanto a equipe médica socorre um homem com uma ereção de quatro dias, uma mulher aparece com uma faca enterrada no peito.

Em matéria de doenças há tumores de todos os tipos. Um deles atacou um português. Uma pequena lesão nos lábios evoluiu para um enorme tumor que cobre seu rosto inteiro e cai pelo peito.

Muito provavelmente, todas essas doenças, distúrbios e casos estranhos sempre ocorreram. A diferença é que hoje são mais visíveis. Mas há alguns casos que podem ser mais recentes.

Um exemplo é a atração erótica que duas mulheres sentem por pontes. Mas uma delas também faz sexo com cercas. Ela realiza seu grande sonho ao acariciar as ruínas do Muro de Berlim.

Por fim, uma dona de casa americana que não pode ficar longe de seu secador de cabelo. O aparelho fica ligado o tempo todo, inclusive na cama. O marido reclama da enorme conta de luz. E de um princípio de incêndio.

Casos como esses fazem pensar na sociedade de consumo. Não chegamos todos a fazer sexo com objetos. Mas o grupo de risco é grande.

Leia também: Steve Jobs prova a atualidade deMarx

10 de maio de 2012

As cotas e nosso racismo colorido

O sociólogo Alberto Carlos Almeida é autor de um livro mais que polêmico. Publicado em 2007, "A Cabeça do Brasileiro" defende teses que podem levar à perigosa conclusão de que muitos dos problemas brasileiros são culpa de seu próprio povo.

Mas em recente artigo, ele apresenta dados interessantes sobre o racismo brasileiro. Em “A decisão do STF e a realidade brasileira”, publicado no Valor em 04/05, Almeida defende a adoção das cotas raciais em universidades. Citando pesquisa que faz parte de seu livro, ele afirma:

O preconceito de cor no Brasil é forte e bem arraigado. Além disso, é variado, atingindo de maneira diferente pardos, pretos e brancos. Avaliamos também, por meio de um experimento em que a cor não variava, mas variava a classe social, se o preconceito é de cor ou de classe. Isolados os efeitos estatísticos da cor e da classe social, provamos, como sempre, o óbvio: o preconceito é de cor, não é de classe.

O experimento a que ele se refere envolveu oito fotos. Eram retratos de homens com tons de pele variando do mais claro ao mais escuro. A escolha desse método deve-se ao fato de que o “brasileiro não diferencia as pessoas pela raça, mas pela cor”. Segundo o sociólogo, diferente do que acontece nos Estados Unidos, “os brasileiros não consideram importante a descendência, mas a cor da pele”.

O estudo traz resultados óbvios: “quando se analisa a cor das pessoas, nada é melhor no Brasil do que ser branco”, diz Almeida. E nem tão óbvios:

Em primeiro lugar, o preconceito é maior contra os pardos do que contra os pretos. Uma política de cotas que venha a favorecer mais as pessoas mais pretas, e um pouco menos as pessoas mais pardas, estará favorecendo aqueles que são menos prejudicados pelo preconceito. Em segundo lugar, apesar de o preconceito ser maior contra os pardos, a população afirma que os mais pobres e os que têm menos chances e oportunidades na vida são os pretos.

Outro dado importante é o preconceito contra nordestinos. Segundo Almeida:

... detectamos que ser nordestino (ainda que branco) pode ser uma barreira importante para a melhoria de vida. Se compararmos a avaliação que a população faz dos brancos não nordestinos (...) com o branco nordestino (...), será notado que o branco nordestino é vítima de preconceito.

Resumindo, o artigo defende que “políticas de cotas funcionariam melhor com adaptações para as condições brasileiras, e não simplesmente copiando-se a divisão americana entre somente duas cores”. Faz sentido.

Faz ainda mais sentido entender que as cotas são muito importantes, mas muito limitadas para dar conta do racismo colorido que atormenta a sociedade brasileira.

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9 de maio de 2012

A robotização na época de Marx

Ethevaldo Siqueira publicou o artigo “Revolução industrial 3.0” em O Estado de S. Paulo, em 29/04. O texto traz informações sobre o nível de automação alcançado pela indústria de ponta:

Há pouco mais de um ano, visitei uma fábrica inteiramente robotizada, sem operários, na Coreia do Sul. Dedicada à produção dos mais modernos displays e monitores de televisores, essa unidade fabril não emprega nenhum trabalhador na área de manufatura: conta apenas com uma dúzia de supervisores de qualidade e software.

Ele também cita reportagem da revista britânica “The Economist”, que apresenta como exemplo a unidade inglesa da Nissan, em Sunderland. Segundo a publicação, a fábrica “produzia 271 mil carros com 4.600 pessoas em 1999. No ano passado, a mesma fábrica produziu 480 mil veículos com apenas 5.462 empregados”.

“Para onde vão os empregos eliminados nesse processo?”, pergunta o jornalista. Ele mesmo oferece uma resposta mais que duvidosa:

Vão para as áreas de serviços, começando pelos mais sofisticados, como os de educação, pesquisa, projetos, controle de qualidade, saúde, entretenimento, artes, comunicações e os de cuidados pessoais. Por isso, a fábrica sem operários não traz, necessariamente, o pesadelo do desemprego inexorável e epidêmico.

No final, Siqueira cita Marx:

Imagino aqui como seria uma versão 2012 do Capital, de Marx, reescrita depois do desmoronamento do comunismo soviético, da ascensão da China e, principalmente, da revolução digital. Será que ele ainda faria uma proposta socialista?

Talvez, a resposta esteja no próprio Capital. No volume I, no capítulo 13, Marx diz:

Quando a máquina-ferramenta, ao transformar a matéria-prima, executa sem ajuda humana todos os movimentos necessários, precisando apenas da vigilância do homem para uma intervenção eventual, temos um sistema automático, suscetível, entretanto, de contínuos aperfeiçoamentos.

Ou seja, a robotização já era uma possibilidade concreta. Nem por isso, Marx deu qualquer sinal de que a proposta socialista estaria superada. Ao contrário, é exatamente esse tipo de avanço tecnológico que permitiria uma sociedade livre do trabalho alienado, cansativo e mórbido. É que a época de Marx é a nossa época.

Leia também: Robôs não ficam desempregados

8 de maio de 2012

Marx, sobre xenofobia e racismo

“Nove países europeus já têm partidos de extrema direita em suas coalizões de governo central ou como peças fundamentais nos Parlamentos”. É isto o que diz notícia publicada pela Agência Estado, em 29/04. Muito desse crescimento deve-se a sua defesa do ódio racial e aos estrangeiros. Mas xenofobia e racismo são antigas maldições. Tal como se apresentam hoje, têm, pelo menos, a mesma idade do capitalismo.

Vejamos o que disse Marx sobre essas pragas. Começando pela xenofobia:

Cada centro industrial e comercial na Inglaterra possui uma classe trabalhadora dividida em dois campos hostis, proletários ingleses e proletários irlandeses. O trabalhador inglês comum odeia o trabalhador irlandês como um competidor que rebaixa seu padrão de vida. Em relação ao trabalhador irlandês ele se sente um membro da nação dominante e, assim torna-se num instrumento dos aristocratas e capitalistas de seu país contra a Irlanda, fortalecendo a sua dominação sobre ele próprio. Ele aprecia os preconceitos sociais, religiosos e nacionais contra os trabalhadores irlandeses. A sua atitude é muito parecida com a dos brancos pobres em relação aos negros nos antigos estados escravistas dos Estados Unidos. O irlandês lhe paga com juros na mesma moeda. Ele vê no trabalhador inglês ao mesmo tempo o cúmplice e o instrumento estúpido do domínio inglês na Irlanda. (Carta a Meyer e Vogt, agosto de 1870)

Agora, sobre o racismo:

Nos Estados Unidos da América todo o movimento operário autônomo ficou paralisado enquanto a escravatura desfigurou uma parte da república. O trabalho de pele branca não se pode emancipar onde o de pele negra é estigmatizado. (O Capital, volume I, capítulo 8 - 1867)

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7 de maio de 2012

Capitalismo verde X código agroflorestal

“O código dos empresários” é o título de matéria publicada por Daniela Chiaretti, Vandson Lima e Vera Brandimarte no Valor Econômico, em 04/05. O tema da reportagem é o novo código florestal.

O texto registra uma conversa entre representantes de alguns setores empresariais de peso: Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin; Pedro Passos, conselheiro da Natura; Paulo Nigro, diretor-presidente da Tetra Pak e Roberto Oliveira de Lima, ex-presidente da Vivo.

A matéria está acessível no site do jornal. É importante ler. Os participantes defendem o veto de Dilma ao novo Código Florestal. Nigro, por exemplo, diz que o texto aprovado no Congresso "deixou o Brasil na era medieval." E explica seus motivos:

O Brasil tem a chance, de liderar uma nova pauta. Chame-a de economia verde, chame de novo capitalismo, é uma pauta calçada em uma economia de menor carbono, com melhor eficiência de como os recursos estão sendo utilizados e com inclusão social.

Passos é mais claro:

Acho que o Brasil ainda não soube encarar a Amazônia como uma fonte de riqueza e está tentando tratá-la como se fosse igual às demais regiões do país.

O Brasil deve ter 14% de sua área em unidades de conservação. Quanto o país extrai de valor delas? Zero.

E Piva completa:

Através do business, do negócio, você pode atacar em uma outra frente. Eu posso recuperar o que já perdi ganhando dinheiro.

O apoio ao veto pode até ser bem-vindo. Mas o objetivo é aprofundar a mercantilização da natureza. Se não queremos o código agroflorestal, também não nos interessa um capitalismo pintado de verde.

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4 de maio de 2012

O regime sírio não é progressista

Há forças de esquerda que insistem em tratar como amigos governos que são inimigos do imperialismo americano ou europeu. É o caso do regime sírio, que luta para se manter através de uma sangrenta repressão a seu povo

Em favor do governo sírio, costuma-se citar seu apoio à causa palestina. Não é o que pensa o primeiro-ministro do movimento palestino Hamas, em Gaza, Ismail Haniyeh. Em fevereiro, ele saudou a resistência armada a Bashar Al Assad: “Saúdo o heróico povo da Síria que busca a liberdade, a democracia e a reforma”.

Mas Alex Callinicos, em recente artigo, refere-se a alguns episódios significativos também ligados à questão palestina. Lembra, por exemplo, que o pai do atual ditador:

...enviou o exército sírio ao Líbano em março de 76 para impedir a aliança da esquerda libanesa ao movimento palestino na guerra civil contra a direita cristã e mandou suas tropas bombardearem os combatentes palestinos do Fatah em Trípoli, em dezembro de 83.

Callinicos também considera abusivo chamar de anti-imperialista um regime que participou da coalizão contra o Iraque durante a Guerra do Golfo, em 1991. E conclui:

Novamente a luta no Oriente Médio coloca frente a frente as potências imperialistas (e seu cão de guarda de Israel) e as classes dominantes locais. O caso da Síria é a mais recente manifestação dessa dialética, e a forma que assumir pode destruir a revolução em curso na região. Mas isso não é motivo para alterar a postura que tomamos desde a queda de Ben Ali na Tunísia: ao lado das revoluções árabes e contra a intervenção ocidental.

Leia a íntegra do artigo de Callinicos, clicando aqui