Doses maiores

28 de março de 2016

O PT e a pior das desmoralizações

Em 24/03, Malu Gaspar publicou “O que de fato divide os brasileiros (não é o impeachment)”, na revista Piauí. A matéria comenta pesquisa do Data Popular sobre as recentes manifestações contrárias e favoráveis ao governo.

O instituto, que é especializado em análises envolvendo as faixas de renda das chamadas classes C, D e E, teria concluído que “os mais pobres” não foram a nenhuma das manifestações. Primeiro, porque eles as consideram “coisa de rico”. Depois, por não acreditarem que a queda de Dilma traria mudanças radicais no cenário econômico e social.

Além disso, aqueles que apoiam o impeachment apontam como motivo principal o encolhimento de programas sociais como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Pronatec e Prouni, e não a corrupção.

Enquanto isso, em 23/03, ocorreu algo preocupante em uma assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. A diretoria da entidade teria tentado transformar o encontro em ato de defesa do governo.

Diante disso, alguns trabalhadores teriam abandonado a assembleia, ensaiando gritos de “Fora Dilma” e “Fora PT”. Talvez, trate-se de uma minoria. Mesmo assim, seria algo inimaginável alguns anos atrás.

São trabalhadores com um nível de organização e salários muito acima dos alcançados pelas chamadas classes C, D e E. Mas, neste momento, mais de 2 mil deles estão com seus contratos de trabalho suspensos.

As duas informações indicam que não é o moralismo da classe média que mobiliza os mais pobres ou os mais organizados. O que pode realmente indigná-los é a piora de suas condições de vida e as traições que desmoralizam o governo que ajudaram a eleger.

Leia também: Sobre planilhas e trabalho duro

Sobre planilhas e trabalho duro

“Planilhas da Odebrecht citam valores ligados a 316 políticos de 24 partidos”. Esta manchete da Folha resume o conteúdo das capas dos outros jornais de 24/03.

Na matéria assinada por meia dúzia de repórteres, aparecem as seguintes informações:

A lista inclui governistas e oposicionistas, muitos deles “integrantes da tropa de choque do impeachment”.

Os repasses foram feitos pela empreiteira nas campanhas eleitorais de 2012 e 2014.

Na relação, nomes de ministros, senadores, deputados e vereadores, além de “caciques” partidários, inclusive da oposição.

Aécio Neves é mencionado, assim como José Serra e Alckmin. Do PMDB, Eduardo Cunha, José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá. Entre os prefeitos Fernando Haddad, Eduardo Paes e ACM Neto.

Ao contrário do que fez há uma semana, ao divulgar os grampos telefônicos que agitaram o País, o juiz Sergio Moro decretou o sigilo das planilhas.

Moro também se mostrou menos apressado quanto a condenar suspeitos. Considerou prematuras conclusões sobre a “natureza desses pagamentos”, já que a Odebrecht “realizou, notoriamente, diversas doações eleitorais registradas nos últimos anos".

Jornais e autoridades judiciais dizem que os valores discriminados podem se referir a doação legal, caixa dois ou propina. Obviamente, os “planilhados” aceitam apenas a primeira possibilidade.

Difícil saber o que acontecerá daqui para diante. Mas é grande a probabilidade de que as planilhas sejam consideradas apenas patrocínio eleitoral previsto na legislação.

Esta seria a melhor saída para os envolvidos, mas a pior para a grande maioria da população, que vive do suor de seu trabalho e não da corrupção legalizada que coloca governos e parlamentos a serviço do grande capital.

24 de março de 2016

A atual situação da luta de classes no Brasil

Mais de 10% dos assassinatos registrados anualmente no planeta ocorrem no Brasil. Em 2014, foram 59.627 homicídios, tornando o País o mais letal do mundo em números absolutos.

Entre 2004 e 2007, cerca de 50 mil homicídios foram registrados. De 2008 a 2011, foram por volta de 53 mil assassinatos.

Desde 2014, aumentou em 18,2% a chance de um negro ser assassinado, enquanto houve uma redução de 14,6% na taxa de homicídios para o restante da população.

Das mortes de homens na faixa etária de 15 a 29 anos, 46,4% são causadas por homicídios. Entre homens com idade entre 15 e 19 anos, os assassinatos passam para 53%.

Dos atuais 53 mil homicídios anuais no Brasil, 30 mil envolveram jovens de 15 a 29 anos. Destes, 77% eram garotos negros.

Em 2014, um total de 4.757 vítimas de mortes por agressão eram mulheres. São 13 mulheres mortas por dia no País.

As polícias brasileiras matam anualmente o equivalente ao número de vítimas do 11 de Setembro.

Desde 2014, homicídios por arma de fogo no Brasil respondem por 44.861 mortes. Taxa bem superior à média dos países europeus.

Estes números são da mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do Atlas da Violência 2016, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Esta realidade não está na pauta de jornais, governos e parlamentos. Nem mesmo em locais de trabalho, sindicatos, associações, mesas de bar.

Mais que as próprias mortes, é essa apatia que determina quem são os grandes vitoriosos no massacre de classe que ocorre entre nós.

Leia também: A crise política e a apatia dos mais pobres

23 de março de 2016

A crise política e a apatia dos mais pobres

Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos. Em 19/03, publicou artigo comparando as manifestações dos dias 13 e 18, no portal Pragmatismo Político.

Utilizando dados do Datafolha sobre o perfil dos participantes das duas manifestações contra e a favor do governo, Gil concluiu que “as parcelas mais precarizadas e exploradas” não foram às ruas.

Afinal, diz ele, “em nenhuma das duas manifestações as pessoas com renda de até R$1.760,00 – que representam 29% da população paulistana – chegaram aos 10%”.

Raúl Zibechi é escritor e jornalista uruguaio. Em seus textos e depoimentos mais recentes, ele vem considerando que o ciclo de "governos progressistas" na América Latina está se esgotando.

Segundo ele, trata-se de uma forma de governo que usou a seguinte fórmula política: “Ante os ricos, apresenta-se como aquele que pode apaziguar os de baixo. E ante os de baixo, apresenta-se como o grande beneficiário com diversas políticas sociais”.

O problema, diz ele, é que “dissolvido esse cenário, os governantes não sabem como se manter”. O resultado são as atuais mobilizações de rua lideradas por setores de direita, de um lado, e a resposta insuficiente das esquerdas, de outro. No meio, a apatia dos maiores beneficiados pelas políticas públicas dos últimos anos.

Entre as principais razões dessa apatia, estaria o fato de que o “progressismo” melhorou os índices econômicos e sociais “promovendo o consumismo”. “Um desastre estratégico, pois anula a capacidade das camadas mais pobres de se tornarem classe”, diz Zibechi.

São explicações a serem debatidas. Mas uma coisa é certa: o precário ciclo progressista na região vai tendo um fim entre trágico e patético.

Textos de Zibech:
América Latina: as bases sociais da nova direita

A opção que não transformou e que perdeu o fôlego.

Leia também:
Emendas à Lei Antiterrorismo e outras notas

21 de março de 2016

Emendas à Lei Antiterrorismo e outras notas

As emendas à legislação antiterrorista aqui propostas receberam muitas críticas.

Os insatisfeitos dizem que quanto mais detalhes forem acrescentados à lei, menos eficiente ela será. Do jeito que está, a lei permite ampla margem para sua interpretação por parte de policiais e juízes. Autoridades que, como sabemos, são muito eficientes na determinação do que deve ser considerado crime, como qualificá-los e que penas lhes devem ser atribuídas.

Basta lembrar o caso do morador de rua de catador e latas Rafael Braga Vieira. O jovem foi sentenciado a cinco anos de prisão após ter sido “flagrado” portando um vidro de Pinho Sol durante as manifestações de junho de 2013.

Resumindo, a simples existência de uma lei contra o terrorismo é suficiente para deixar os agentes do Estado à vontade para enxergá-lo onde quiserem vê-lo.

Snowden e o amadorismo petista

Ao saber da conversa telefônica entre o ex-presidente Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff, o ex-agente de inteligência da NSA, Edward Snowden, postou em sua conta no Twitter: "... três anos depois das manchetes de escutas de Dilma, ela continua fazendo ligações não criptografadas".

Lula e o cidadão comum

Sobre os abusos legais cometidos contra Lula pela Lava-Jato, alguns dizem: “Se fazem isso com um ex-presidente, o que não farão com o cidadão comum?”. Ora, cidadãos considerados mais comuns que outros já são vítimas desse tipo de abuso há séculos. Basta ser preto e pobre, nesta ordem. Como Rafael.

E se houver uma legislação antiterrorista, fica tudo devidamente regularizado.

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Proposta de emendas à Lei Antiterrorismo

Lula e Dilma, de volta ao xadrez

20 de março de 2016

Lula de volta ao xadrez

Em “Os Assassinatos da Rua Morgue”, Edgar Allan Poe compara os jogos de damas e xadrez. Neste último, diz ele, com suas regras diversas e estranhas, a “complexidade é considerada profundidade”, equivocadamente.

Segundo o escritor estadunidense, no xadrez, uma simples desatenção pode causar um erro que determina uma perda importante ou a derrota. Isso acontece porque os movimentos possíveis são não somente variados como “desiguais em força”, o que multiplica bastante as possibilidades de enganos. Desse modo, “em nove casos de dez, é o jogador mais atento que ganha e não o mais hábil”.

Já no jogo de damas, continua Poe, os movimentos simples e as peças equivalentes entre si favoreceriam a vitória pela “perspicácia superior”.

Tudo isso apenas para dizer que de nada adiantou a volta de Lula ao tabuleiro na condição de peça poderosa, se continua com os movimentos paralisados pelo cerco de muitas peças, todas executando movimentos cada vez mais complexos e combinados para neutralizá-lo.

O pior é que nem está claro quais são as peças inimigas e quais as aliadas, se é que estas últimas existem.

Esta seria o momento de dizer que o melhor seria lutar por um espaço institucional semelhante ao jogo de damas, com suas regras mais simples e o caráter igualitário de suas peças, sem reis, bispos, cavalos etc.

Mas seria outra metáfora binária e inadequada ao momento atual. Se há alguma esperança de acumular forças para derrotar a direita, ela está bem longe de qualquer tabuleiro. Está nas ruas, às quais Lula foi apenas para pedir que seus inimigos não o tratem como inimigo.

Leia também: Lula dentro da armadilha

18 de março de 2016

Proposta de emendas à Lei Antiterrorismo

Nem bem foi aprovada a Lei Antiterrorismo, já é hora de aperfeiçoá-la. Abaixo, algumas propostas de emendas:

- Proibido usar vestimentas ou portar bandeiras da cor vermelha ou predominantemente vermelha na proporção de 70% (setenta por cento).

Obs.: A determinação acima não se aplica aos que tenham cabelos ruivos, desde que estes sejam naturais.

- Interditado o porte de recipiente contendo solução líquida com os seguintes componentes: Ricinoleato de Sódio, Óleo de Pinho, Hipoclorito de Sódio, Corante Castanho Pinho Sol e Água. Conhecido comercialmente como “Pinho Sol”.

- Será punido o cidadão que se recusar a receber e exibir bandeiras ou outros símbolos pátrios, que lhes forem ofertados em qualquer ambiente público ou privado.

- Será punido o cidadão que recusar-se a cantar os hinos pátrios. Aos portadores de deficiências auditivas será exigida a utilização da versão em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

- Proibido tratar a mulher eventualmente investida no cargo de chefe do Executivo nacional como “Presidenta” no lugar de “Presidente”.

- Proibido entoar cantos em que apareçam os termos “trabalhador” ou “povo”, como em “Trabalhador unido, jamais será vencido”. Em seu lugar recomenda-se obrigatoriamente a palavra-de-ordem “Sou brasileiroooo, com muito orgulho, com muito amoooor”.

- Proibido declarar-se a favor de direitos, incluindo cotas e legislações especiais de proteção, para minorias, como homossexuais, povos indígenas, portadores de necessidades especiais; e maiorias, como mulheres.

- Ficam autorizados a garantir o cumprimento das presentes determinações legais quaisquer grupos que ostensivamente exibam símbolos pátrios, autodenominem-se combatentes da corrupção e defensores dos valores nacionais e tenham desenvolvido habilidades físicas como jiu-jitsu, karatê, boxe entre outras, necessárias para assegurar a aplicação eficiente das medidas repressivas.

17 de março de 2016

Lula dentro da armadilha

Diferente das classes dominantes anteriores, a burguesia não controla diretamente as forças repressivas e o aparelho judicial. O Estado faz isso por ela e, assim, aparenta ser uma instituição neutra.

Outros aparelhos de dominação que também atuam tendo por base uma suposta imparcialidade são aqueles que constituem a grande imprensa.

A operação Lava-Jato é resultado da eficiente articulação entre polícia, judiciário e monopólios de comunicação. Todos voltados para varrer o PT do governo e as esquerdas do cenário político nacional.

De forma inédita, Sérgio Moro mandou prender alguns dos homens mais ricos e poderosos do mundo. Sacrificou uma pequena parte da classe dominante para preservar os interesses de seu conjunto.

Forneceu o álibi perfeito para que a imprensa lhe desse cobertura ampla e favorável, omitindo vários abusos legais cometidos pelo caminho.

Estava montado o cenário para a operação finalmente atingir seu grande alvo. O anúncio da volta de Lula ao governo acionou o mecanismo.

Horas antes de virar ministro, Lula foi vítima de uma ilegalidade escandalosa. Provavelmente, a primeira de muitas outras que virão.

Lula não aceitou ser ministro para fugir da prisão. Tornar-se alvo do mesmo Supremo Tribunal que condenou inúmeros petistas poderosos não seria muito inteligente.

Na condição de ministro, Lula pretende salvar o governo do impeachment e o PT do desastre eleitoral. Na verdade, enfiou-se dentro da armadilha criada pela Lava-Jato e voltou a vestir a casaca do poder, tão elegante quanto paralisante.

Quando liderava greves, Lula costumava ficar à frente dos trabalhadores diante das forças repressivas. Agora, está entre estas e a classe dirigente. São muito maiores as chances de acabar esmagado.

Leia também:
O fracasso da “Lava-Jato” italiana
Algumas pílulas sobre como chegamos à atual crise


15 de março de 2016

O fracasso da “Lava-Jato” italiana

Em 12/03, o Estadão publicou a entrevista “Mãos ainda sujas”, feita por Andrei Netto com o juiz italiano Antonio Di Pietro. Trata-se do principal organizador da famosa operação “Mãos Limpas”, que teria inspirado a operação “Lava Jato”.

Iniciada em 17 de fevereiro de 1992, a operação também começou por uma empresa pública-privada da indústria petroquímica. E também envolveu o pagamento de gordas propinas a líderes de partidos políticos.

No total, foram 3.200 pessoas julgadas e 2.500 condenadas. Mas, em 2000, apenas quatro delas estavam presas ou cumpriam penas por sentenças definitivas. Segundo o depoente:

Mais de 40% dos processos contra parlamentares foram anulados porque o Parlamento manteve a imunidade de seus pares, e outros tantos porque Berlusconi criou e alterou leis que resultaram na anistia de acusados ou na prescrição de crimes.

Pietro ainda diz que “a Itália de 1992 e a Itália de 2016 são a mesma”. Nada mudou. Isso só foi possível, diz ele, “porque a Itália é cheia de Berlusconis”. Mas alertou: “Brasília também é”.

Pode ser, mas o entrevistado usa um conceito que pode explicar melhor essa persistência da corrupção. É o de “ação ambiental”. Segundo ele:

...o dinheiro circulava como o sol nasce toda manhã. Não era mais necessário que uma empresa oferecesse, nem que um político pedisse dinheiro. Era automático.

Automatismos desse tipo não faltam na política contemporânea. Nos Estados Unidos, por exemplo, são até legalizados. É assim que a política institucional se relaciona com a economia de mercado.

No máximo, a Lava-Jato pode limpar alguma sujeira. Jamais a lama em que está mergulhada a democracia controlada pelo grande capital. 

14 de março de 2016

Genoino, profeta do próprio apocalipse

Em 10/03, Mauro Iasi publicou no blog da Boitempo o ótimo artigo “A crise do PT: o ponto de chegada da metamorfose”. Iasi é autor de uma tese de doutorado que se transformou no livro “As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o amoldamento”, lançado em 2006.

No artigo, Iasi volta a fazer uma citação que aparecia em seu estudo:

Genericamente, na sociedade industrial moderna, os partidos políticos da ordem nascem e atuam fundamentalmente no terreno das instituições representativas do Estado. O seu modo de ser e sua atuação política têm como referência e destino estar aí, operando em algum dos aparatos do Estado. A forma como estes partidos se organizam e se estruturam já vem marcada por este objetivo interesseiro, o de conservar a funcionalidade do estado de coisas estabelecido. Ou, no máximo, moldando as exigências de mudanças a um esquema de representações significativas que não abalem os alicerces das relações sociais determinadas pelo conservadorismo. Estes partidos mantêm uma relação com as massas populares essencialmente manipulatória, fazendo-as crer que a sociedade (e o Estado) só terá garantias de funcionamento se determinados limites não forem ultrapassados e se determinados esquemas funcionais forem mantidos. E não poucas vezes, a manipulação e a mentira são revestidas com discursos moralizantes para encobrir a sua descarada hipocrisia.

Seu autor é José Genoino e está no livro “Pra que PT?”, organizado por Moacir Gadoti.

A publicação é de 1989. O que era para ser uma análise sobre as fileiras inimigas tornou-se uma profecia que se voltou contra seu autor e o partido que viria a presidir.

Leia o artigo, aqui.

Algumas pílulas sobre como chegamos à atual crise

Na grande tragédia que se abate sobre o PT e seu governo, alguns comentários publicados desde a reeleição de Dilma.


Pela quarta vez, os petistas voltam a se eleger como representantes das forças de esquerda para governarem atendendo aos interesses da direita. Sem novidades, portanto. Muito mais grave foi o firme reforço do governo federal à repressão às manifestações de junho de 2013.



Não há nada de muito decepcionante nas escolhas econômicas do governo Dilma. O fato é que do 1º ao 12º ano de mandatos petistas no governo federal, o PT jamais rompeu com os fundamentos da economia neoliberal.


Sobre traições amorosas e projetos políticos

As medidas neoliberais propostas pelo governo petista começam a ser aprovadas. O clima na esquerda não poderia ser pior. Mas, a rigor, é errado dizer que Dilma Roussef traiu a militância que apoiou sua reeleição.


Sobre a crise do lulismo - 1

A proposta política que passou a governar o país em 2003 não quis acabar com o neoliberalismo, apenas suavizá-lo. Com seu fracasso, é hora de voltar ao neoliberalismo puro-sangue.


Sobre a crise do lulismo - 2

A resposta neoliberal à crise de seu reformismo é sua versão autêntica. Mas como seus representantes legítimos perderam as últimas eleições, sobrou para o lulismo a tarefa de preparar a resposta puro-sangue.



Como todo reformismo, o débil reformismo petista também fracassou. Mas como diria Rosa Luxemburgo, a ação revolucionária também precisa das lutas por reformas.

Março de 2016

Leia também: Lula no xadrez

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Os “terroristas” não gostaram

Uma nota técnica divulgada por 13 organizações defende que presidenta Dilma Rousseff vete o na íntegra o PL 2016/2015, mais conhecido como “lei antiterrorista”. O projeto aprovado a toque de caixa pelo Congresso Nacional é classificado pelo documento como o “maior retrocesso político-criminal desde a redemocratização em 1988”.
 
Um exemplo dos absurdos da proposta é criminalizar o ato de compartilhar uma publicação no Facebook apoiando um protesto. Detalhe: a pena é maior que a imposta a um homicídio culposo.

Assinam a nota as seguintes organizações: Conectas, Rede Justiça Criminal, Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Associação pela Reforma Prisional, Justiça Global, Instituto Sou da Paz, DDH, AJD, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, Processo de Articulação e Diálogo, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Plataforma de Direitos Humanos. Tudo terrorista, claro.

O adeus de Lula

Em novembro de 2002, já eleito, Lula se reuniu com 500 sindicalistas no Hotel Hilton, na capital paulista. Em maio de 2003, participou da 41ª Assembleia Geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, em Indaiatuba, interior paulista.

Ambos os encontros simbolizavam as principais e mais importantes forças sociais responsáveis pela trajetória vitoriosa de Lula e pela formação do PT: os trabalhadores organizados e os movimentos sociais.

Mais de uma década depois, fica claro que aqueles encontros serviram para que Lula desse um agradecido, mas definitivo, adeus a suas bases sociais.

Não foi por falta de aviso. Em junho de 2002, plena campanha eleitoral, a chamada “Carta aos Brasileiros” deixou tudo muito óbvio. Pelo menos, para os bons entendedores.

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PT e PMDB. Migalhas e cusparadas

Em 30/10, o PMDB lançou o documento “Uma ponte para o futuro”. Deveria se chamar “Ponte para o atraso neoliberal”. Não à toa, Folha e Globo gostaram. E compararam a proposta à “Carta aos Brasileiros”, lançada por Lula em 2002.

Basicamente, a carta petista prometeu respeitar o essencial do neoliberalismo. Em especial, o pagamento da pornográfica dívida pública, que sangra os orçamentos das áreas sociais todos os anos. Como o cumprimento da promessa ficou ameaçado nos últimos meses, os peemedebistas se propõem a renová-la.

Afinal, os dois jornalões consideraram a proposta positiva no que diz respeito à “política econômica”. Por política econômica entenda-se manter o pagamento diário de mais de R$ 1 bilhão somente em juros da dívida pública.

Os pilares da tal “ponte” são o fim dos gastos obrigatórios com saúde e educação e a idade mínima para a aposentadoria. A primeira medida diminuiria o “engessamento” do orçamento federal, dizem os jornalões. É verdade. No lugar do gesso, a fratura exposta dos serviços públicos. Já quanto à aposentadoria, mais uma vez as mudanças pretendem atacar direitos dos trabalhadores.

Para a Folha a proposta permitiria ao PMDB “apresentar-se, em algum momento, como alternativa viável de poder”. Só teria que se livrar do fisiologismo que empesteia o partido. Como isso é impossível, o Globo sugere que o PT assuma a proposta.

Incapazes de resistir às pressões vindas de cima, é muito provável que os petistas aceitem a empreitada. Para permitir travessia segura para o grande capital, assumiriam a construção da “ponte” peemedebista. Sob ela, ficariam os explorados de sempre. Agora, a receber mais cusparadas que migalhas.

Leia também: O comitê secreto que manda no País

10 de março de 2016

Ainda há esperança para as redes virtuais

Numa comunidade industrial na China, onde os habitantes vivem em dormitórios compartilhados com outros trabalhadores, as redes sociais são dos poucos locais privados.

O trecho acima faz parte da matéria “Pesquisa mostra diversidade do uso das redes sociais pelo mundo”, de Sérgio Matsuura, publicado no Globo em 07/03. Trata-se do “maior estudo antropológico já realizado sobre as redes sociais”, diz a reportagem.

Foram 15 meses, em que uma equipe de nove pesquisadores da Universidade College London fez observações presenciais para saber como membros de pequenas comunidades se relacionam on-line em oito países: Brasil, Turquia, Trinidad e Tobago, Chile, Itália, Índia e China.

Os resultados do estudo ajudam a moderar a visão apocalíptica que muitos de nós temos das redes virtuais. Na Índia, por exemplo, a internete permite colocar em contato pessoas que pertencendo a castas diferentes são proibidas de dividir o mesmo espaço físico.

Algo parecido ocorre na Bahia, onde “membros de igrejas evangélicas podem se tornar amigos de seguidores do candomblé pelo Facebook, apesar de encontros pessoais serem recriminados socialmente”.

Ao mesmo tempo, o estudo mostra que a utilização desses recursos digitais não consegue maiores alterações quanto aos problemas de exclusão e segregação social no mundo real.

O Brasil é citado novamente como exemplo: “Funcionários podem ter os mesmos smartphones que seus empregadores, mas isso não faz com que se tornem amigos ou se adicionem em redes sociais”, diz a matéria.

Na verdade, tal como acontece com outras tecnologias, muita coisa depende de quais forças sociais as controlam. E tudo o que os conservadores querem é que deixemos as redes sob seu domínio absoluto.

Leia também: Vem aí o apocalipse digital. Que bom!

Lula no xadrez

A propósito da comparação do momento político atual com uma partida de xadrez, seria interessante lembrar um movimento muito singular dentro do jogo. Trata-se da promoção do peão.

Peões, em geral, são destinados ao sacrifício. Na grande maioria das vezes, eles só podem andar uma casa por vez e apenas para frente. Dificilmente, protagonizam jogadas decisivas.

Mas na promoção, um peão que consiga chegar à última casa poderá ser trocado por outra peça. Em geral, a escolha recai sobre a rainha, por seu alto valor no jogo.

Inevitável comparar Lula ao peão que atravessou o campo adversário. O problema é que uma vez elevado à condição de rainha, insistiu em colaborar com as manobras do campo inimigo.

Passados inúmeros lances em que deslocou-se com alguma desenvoltura, a rainha teria sido finalmente cercada por quem jamais deixou de considerá-la um desprezível peão.

É verdade que falta clareza quanto aos próximos lances. Por enquanto, há fortes indícios de que um dos cavalos inimigos fez uma manobra precipitada, complicando os movimentos de seus aliados.

Talvez, por isso, a rainha sob sítio avalie que ainda tenha algumas boas jogadas preparadas. Pelo menos, é o que indica uma recente declaração a ela atribuída: “Se me prenderem, eu viro herói. Se me matarem, viro mártir. E se me deixarem solto, viro presidente de novo".

É bem possível. Mas o primeiro movimento do ex-presidente após sua detenção para interrogatório pela Polícia Federal não deixa dúvidas. Lula foi a Brasília, encontrar-se com Renan Calheiros.

O peão parece conhecer apenas a jogada que permite sua entrada e permanência entre as forças inimigas.

Leia também: A política no xadrez

8 de março de 2016

“Sejamos todos feministas”, convida Chimamanda

Chimamanda Ngozi Adichie é uma jovem revelação da literatura nigeriana. Publicou com sucesso “Meio sol amarelo”, “Hibisco roxo” e “Americanah”. Romances que tratam de temas como a violência contra a mulher, preconceito racial e imigração.

Outro livro seu é “Sejamos todos feministas”, um relato sobre a importância do feminismo em sua vida. Conta, por exemplo, que ouviu a palavra pela primeira vez ainda na adolescência.

Foi numa conversa acalorada com um amigo. De repente, ele a chamou de feminista. Não como um elogio: “Percebi pelo tom da voz dele; era como se dissesse: Você apoia o terrorismo!”. E segue a narrativa:

Naquele dia, quando cheguei em casa e procurei a palavra no dicionário, foi este o significado que encontrei: “Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos”.

Minha bisavó, pelas histórias que ouvi, era feminista. Ela fugiu da casa do sujeito com quem não queria se casar e se casou com o homem que escolheu. Ela resistiu, protestou, falou alto quando se viu privada de espaço e acesso por ser do sexo feminino. Ela não conhecia a palavra “feminista”. Mas nem por isso ela não era uma. Mais mulheres deveriam reivindicar essa palavra. O melhor exemplo de feminista que conheço é o meu irmão Kene, que também é um jovem legal, bonito e muito másculo. A meu ver, feminista é o homem ou a mulher que diz: “Sim, existe um problema de gênero ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar”. Todos nós, mulheres e homens, temos que melhorar. 

Sejamos todas e todos, um pouco como Chimamanda!

Leia também: Dia Internacional da Luta Feminista

Dia Internacional da Luta Feminista

Pelo menos 35,5 milhões de menores de cinco anos passam mais de uma hora por dia sozinhos ou sob a supervisão de outra criança com menos de 10 anos.

Os números são da pesquisa “Trabalho de Mulher: Mães, Crianças e a Crise na Assistência à Infância”, realizada pela organização britânica “Overseas Development Institute” e publicada pelo El País, em 06/03.

Trata-se de “uma crise mundial de assistência à infância que atinge em cheio os mais pobres”, dizem os autores do estudo.

O “trabalho não remunerado de atenção à criança representa 10 bilhões de dólares por ano”, conclui o levantamento. O valor representa 13% do PIB mundial.

A pesquisa constatou também uma diferença salarial de 42% a menos para as mães trabalhadoras em “países em desenvolvimento”, 37% na China e 21% no Reino Unido.

Por fim, o levantamento descobriu que somadas as responsabilidades remuneradas e não pagas, as “mulheres trabalham, em média, cinco semanas a mais por ano do que os homens”.

Na verdade, quem está ganhando com essa situação são os patrões, que livram de seus custos de produção os desembolsos com creches, auxílio-escolar e isonomia salarial.

No Brasil, não poderia ser diferente. Acabamos de saber pelo IBGE, por exemplo, que a jornada de trabalho semanal feminino ultrapassa em 5 horas a jornada masculina.

E é no Brasil, também, que temos uma mulher na presidência disposta a negociar mudanças na Previdência que prejudicam as trabalhadoras. Especificamente, com o aumento do tempo para a aposentadoria.

A resposta só pode ser feminista. Com mais resistência e mais luta!

6 de março de 2016

A política no xadrez

Como se sabe, a rainha é a peça mais poderosa do xadrez. Costuma ser o recurso mais eficiente na proteção ao rei, a peça mais valiosa do jogo.

Mas o rei é uma peça cujos movimentos são limitados. Exatamente por sua importância, não pode ser exposto.

No tabuleiro atual da política nacional a paralisia de Dilma a transforma num rei tão importante quanto desajeitado. Lula é a própria rainha.

Talvez, a mais recente e bombástica operação da Lava-Jato tenha como objetivo anular os movimentos da rainha para expor ainda mais o rei.

A jogada pode ser perigosa. A rainha tem muitos recursos.

Mas há outras peças em movimento.

O cavalo estaria ameaçando dar alguns coices?

A sorte é que bispo e torre não se entendem.

Na verdade, a confusão é grande.

Difícil manter um tabuleiro quieto em meio a uma tempestade formada por economia em depressão e altas taxas de desemprego.

De repente, tudo balança e peças caem.

Há vários momentos em que não se sabe nem mesmo quais são as peças pretas e quais as brancas. Ou quem exatamente as está movimentando.

Ninguém tem clareza sobre como buscar o xeque-mate.

Difícil saber como e quais serão os próximos movimentos.

Um dos lances mais ousados do xadrez é o sacrifício da rainha. Mas isto é para os melhores jogadores.

No nível em que se encontra a atual partida e seus contendores, certo, mesmo, só o sacrifício dos peões.

Leia também: Ajuste neoliberal às custas da Seguridade Social

4 de março de 2016

Sociedades simples, sociedades complexas e pura sacanagem

O que diferencia sociedades complexas de sociedade simples? Segundo a sociologia clássica, as primeiras são mais diferenciadas socialmente, hierarquizadas e apresentam grande diversidade de crenças, valores, costumes etc. Nas sociedades simples, pouca diferenciação social, valores e crenças que todos compartilham.

São exemplos das primeiras sociedades as da antiguidade egípcia, grega, romana e a nossa, claro. Exemplo das segundas? As populações indígenas. É o caso dos tupi-guaranis. Ou não?

Talvez, não. É o que mostra reportagem de Glauce Monteiro no Portal “Raizes”, publicada em 02/03. Nela, a professora de Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Denise Schaan, afirma:

...a arqueologia na Amazônia mostra a importância da correlação entre biodiversidade e sociodiversidade, na medida em que as sociedades que viviam na região desenvolveram estratégias eficazes para manejar e preservar os recursos de forma sustentável.

Agora, um exemplo de sociedade complexa. Digamos, a brasileira. Citemos a notícia mais recente sobre a tragédia ambiental e social causada pela Samarco em Mariana. Trata-se de um acordo sacramentado com a aprovação governamental para que a empresa que faz parte da Vale repare os danos que causou.

O Movimento dos Atingidos por Barragens resume o que ele significa:

As vítimas terão que provar que são atingidos e os agressores terão o poder de decidir quem é atingido e o que deve ser a reparação. Uma total violação de direitos que agora terá conivência dos governos e do judiciário. 

Ou seja, Entre os indígenas, uma simplicidade social que sabe lidar com a complexa relação com a natureza. Entre nós, uma complexidade imoral que resulta em pura sacanagem.

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3 de março de 2016

Donald Trump: tragédia nada acidental

A possibilidade de o bilionário ultraconservador Donald Trump ser eleito assusta até os ultraconservadores. Há quem o compare a Hitler ou Mussolini, com alguma razão.

Afinal, um e outro também chegaram ao poder por meios eleitorais. E em sistemas parlamentaristas, considerados mais equilibrados e confiáveis.

Ao contrário do que muita gente pensa, o sistema político estadunidense é mais parlamentarista do que presidencialista quanto a seus mecanismos eleitorais. E dos mais restritos, aliás.

Em primeiro lugar, o presidente não é eleito diretamente, mas por um colegiado formado por 538 delegados escolhidos nos estados. Para ser considerado vitorioso, o candidato precisa levar a este colegiado 270 representantes.

O problema é que o colégio eleitoral é composto de forma a favorecer os estados menos populosos. Assim, o presidente pode ser eleito sem ter obtido a maioria dos votos diretos. Foi o que aconteceu com George Bush, em 2000.

Há mais de 140 partidos legalizados, mas o sistema distrital favorece apenas republicanos e democratas. Na verdade, duas alas de um partido único. Só divergem quanto à melhor maneira de preservar os interesses da classe dominante.

Grande parte dos eleitores está encarcerada. São os pobres e negros que formam a grande maioria dos 2,3 milhões de presos americanos. A maior população carcerária do mundo.

A agravar todo esse quadro, a economia em frangalhos. Um exemplo: as vagas de trabalho no setor industrial caíram 36%, de 19,3 milhões, em 1979, para 12,3 milhões, em 2015. Enquanto isso, a população cresceu 43%, de 225 milhões para 321 milhões.

Se Trump for eleito, não será algo acidental, portanto. Ainda que venha a ser trágico.

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1 de março de 2016

No Rio de Janeiro, o alcaide gentileza

Na fundação do Rio de Janeiro, Estácio de Sá levou a população para fora dos muros da cidade e os portões foram fechados. O fundador bateu três vezes. Os portões se abriram e a população entrou.

451 anos depois, o episódio poderia se repetir. Claro que como farsa.

Postado na Praça Mauá, à beira da Baía, e fantasiado de alcaide colonial, Eduardo Paes bateria no portão cenográfico oferecido pelas Organizações Globo. À frente de um cordão de puxa-sacos, entraria cenário a dentro.

No interior da cidade, casas populares sendo demolidas, seus moradores despejados. Pretos e pobres perseguidos encarniçadamente pela polícia. Trens, ônibus e metrô circulando lotados e quentes, a preços tórridos. Comerciantes de rua apanhando da Guarda Municipal. Manifestantes sendo surrados pela Tropa de Choque. No ar uma nuvem de mosquitos.

Assustados, alguns convidados e companheiros de desonra do senhor prefeito tentariam recuar. Mas seriam impedidos pelo medo de cair nas águas podres da Guanabara, logo ali atrás deles.

O prefeito e sua comitiva abririam caminho em meio àquela confusão toda, rumo ao palco principal. Nele estariam vários sobrenomes importantes como Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Carvalho Hosken, além dos Barata e Marinho. Não poderiam faltar os representantes de empresas como OAS, Inverpar e CCR.

Todos prontos a receber a cidade de presente para sua livre e exclusiva exploração, já na condição de verdadeiros e únicos vencedores dos Jogos Olímpicos que ainda nem começaram.

À frente desse belo espetáculo, dança e gira um idoso senhor. Com sua longa barba branca, envergando a mais alva das batas, ele gritaria em grande êxtase e delírio: “Gentileza gera gentileza”!

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