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10 de maio de 2024

Não há revolução possível sem a luta das mulheres

Segundo o livro “Parteiras da Revolução”, de Jane McDermid, muitos historiadores costumam considerar a Revolução de Fevereiro de 1917 como uma explosão espontânea. Afinal, ela foi produto de uma greve dirigida por mulheres e elas seriam demasiado atrasadas politicamente para se organizar conscientemente.

Ou seja, a ”espontaneidade” seria produto da ausência dos partidos políticos na organização e direção dos acontecimentos. Na verdade, as organizações socialistas nem mesmo previram aqueles momentos decisivos. Uma exceção importante eram algumas revolucionárias, incluindo as do partido bolchevique.

No período anterior à revolução, as militantes bolcheviques haviam criado núcleos de organização de trabalhadoras em toda a Petrogrado. Foram elas que decidiram transformar o Dia Internacional da Mulher em manifestação anti-guerra. As direções revolucionárias não esperavam que o resultado fosse a queda do czarismo, mas as operárias e mulheres do povo de Petrogrado já haviam percebido que a revolução estava na agenda. Não estava relegada a um futuro indeterminado, esperando a aprovação das direções partidárias.

A historiografia que adotou o ponto de vista das lutas travadas no “rés do chão”, demonstrou que, em cada fase do processo revolucionário, a sorte dos bolcheviques e de outras organizações socialistas dependia da massa de trabalhadores com pouca qualificação profissional, entre os quais estavam as mulheres trabalhadoras.

Jane afirma que sua obra “pretende mostrar que as mulheres foram parte integrante do processo revolucionário russo, desafiando as suposições de que serviram apenas para desencadear uma revolta essencialmente masculina”.

Ela cita a historiadora francesa Dominique Godineau, para quem, muitas vezes, as mulheres são apresentadas à parte dos processos revolucionários. Mas não há revolução possível sem a luta das mulheres.

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9 de maio de 2024

As revolucionárias russas subestimadas pelos revolucionários russos

No início de 1917, com a Rússia mergulhada na Primeira Guerra, a polícia secreta czarista considerava as mulheres pobres a maior ameaça ao regime. Exaustas, ocupando intermináveis filas de pão racionado e sofrendo ao ver seus filhos esfomeados, elas formavam “uma massa inflamável que só precisaria de uma faísca para explodir”. Além disso, houve um forte aumento do número de mulheres nas fábricas, em substituição aos homens convocados para a guerra.

Essa situação passou quase despercebida pelas organizações socialistas. Mesmo os bolcheviques investiam pouco na organização da militância feminina. Uma das poucas exceções foi um panfleto escrito pelo partido para o Dia Internacional da Mulher, em 1915. A publicação chamava as trabalhadoras a parar “de sofrer em silêncio e agir para proteger seus homens”, adotando o lema “Abaixo a Guerra!”

Em vários momentos, os bolcheviques até enfatizaram que a luta por aumento salarial e redução da jornada só seria possível com a plena participação das trabalhadoras. Mas viam na luta pelas questões especificas das mulheres uma ameaça à unidade operária.

Em fevereiro de 1917, a direção bolchevique orientou as trabalhadoras a priorizar a organização do 1º de Maio em prejuízo do Dia Internacional da Mulher. Pois foi exatamente este o dia escolhido por operárias têxteis para iniciar uma grande greve, que detonaria a primeira fase da Revolução Russa.

Nem assim, a luta das mulheres conquistou o respeito que merecia. Aquela paralisação decisiva ainda é considerada por muitos apenas uma explosão social espontânea.

O relato acima está no livro “Parteiras da Revolução”, de Jane McDermid. Obra que voltaremos a comentar, em breve.

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8 de maio de 2024

Solidariedade popular e valorização do capital

“Com experiência da pandemia, empresas agem rápido”, diz reportagem publicada no Globo, em 08/05/2024. Vejamos um trecho:

O desastre que atinge o Rio Grande do Sul gerou uma rápida resposta das empresas. Ancoradas na experiência que enfrentaram na pandemia de Covid-19, as empresas se mobilizaram para fazer chegar aos gaúchos doações de recursos, alimentos, kits de higiene, entre outros itens.

O Movimento União BR, organização especializada em criar hubs de emergência, já arrecadou mais de R$ 8 milhões de empresas e pessoas físicas, com mais de 200 mil itens entregues, entre refeições desidratadas (de fácil armazenamento), kits de higiene pessoal e filtros purificadores de água. Tudo em prol das vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul.

A matéria cita parcerias de empresas com ONGs como a Central Única de Favelas e o Instituto da Criança. Petrobrás, Itaú, Ambev, Bradesco, Santander, Latam são algumas das corporações envolvidas.

Não há como acreditar na boa fé desses poderosos CNPJs do PIB nacional. E não se trata apenas de hipocrisia.

Tal como na pandemia, essas iniciativas certamente servirão para aperfeiçoar a logística de muitos desses gigantes capitalistas. A legítima e heroica ajuda da população, muito provavelmente, será usada para incrementar a agilidade e precisão das técnicas de embalagem, transporte e entregas. A solidariedade popular canalizada para o aperfeiçoamento do ciclo de valorização das mercadorias.

A implantação desses novos métodos e tecnologias, geralmente, pressupõe mais precarização da força de trabalho justificada pela emergência da situação, mas tornada definitiva, posteriormente.

O capitalismo ajuda a causar tragédias com as quais embolsa lucros graúdos. De quebra, veste a máscara hipócrita da responsabilidade social.

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7 de maio de 2024

Combatendo o bolsonarismo sem moderação

“Bolsonarismo moderado”. Essa expressão anda provocando debates nas redes virtuais nos últimos dias. Teria surgido a partir de uma coluna publicada por Joel Pinheiro da Fonseca, na Folha de S. Paulo.

Moderação e bolsonarismo são incompatíveis. Mesmo assim, há quem acredite nessa possibilidade e acha que um dos candidatos a encarná-la seria o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Mas basta observar o desempenho do governador na segurança pública para constatar que o bolsonarismo é incapaz de ser moderado. O número de pessoas mortas por policiais militares em São Paulo mais que dobrou no primeiro trimestre deste ano. Tarcísio também promoveu no Guarujá a maior chacina desde a matança do Carandiru. Atrocidades que ele cita com orgulho.

Tarcísio sabe que qualquer moderação é eleitoralmente suicida para quem quer manter os votos bolsonaristas. O governador sustenta altos níveis de aprovação popular, não apesar da truculência de sua política de segurança, mas graças a ela.

O Bolsonarismo é uma espécie de fascismo. E o fascismo não se deixa moderar porque se alimenta de uma realidade social cujas consequências catastróficas castigam a grande maioria sem qualquer comedimento.

Foi assim no século passado, quando o liberalismo capitalista causou crises que mergulharam o mundo no fascismo e em duas grandes guerras. O mesmo está acontecendo agora, com o neoliberalismo provocando novas e maiores catástrofes, não só econômicas, mas humanitárias, sanitárias, ambientais e bélicas.

Combater o bolsonarismo é combater o fascismo. Mas só é possível derrotar ambos atacando o sistema que alimenta essas bestas feras. Quem fala em luta antifascista sem falar em luta anticapitalista ou está enganado ou está enganando.

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6 de maio de 2024

O Primeiro de Maio em meio às vitórias do neoliberalismo

“Conceito de ‘trabalhador’ ficou no passado” diz o título de editorial do Globo, publicado em 05/05/2024. Segundo o texto, o “fracasso” da manifestação do Primeiro de Maio em São Paulo, que contou com a presença do presidente da república, “é sinal de que realidade econômica não é a que Lula e os sindicatos imaginam”.

O trabalhador enquanto conceito teria perdido sentido porque, atualmente, “um em cada quatro brasileiros trabalha como autônomo ou por conta própria”, sem patrão, muito menos vínculo sindical. Afinal, afirma o texto, “em dez anos, essa parcela da população cresceu de 20,8 milhões para 25,6 milhões”.

Apesar de admitir que “parte dessa tendência resulta da falta de opção de emprego, que leva muitos a fazer bicos para sobreviver”, o editorial prefere atribuir o fenômeno aos muitos “brasileiros que identificaram demandas de consumidores, viram oportunidades e abriram negócios”.

Aí cita um tal de Paul Donovan, segundo o qual “o 1º de Maio deveria celebrar o lucro, não o salário”, uma vez que a “renda dos produtores de conteúdo do TikTok aparece nos dados de lucros”. No lugar de assalariados, influencers. Ao invés de empresas e patrões, plataformas digitais.

Seria essa realidade que estaria sendo ignorada por Lula, conclui o jornalão. Pode até ser. O neoliberalismo realmente foi vitorioso ao promover a precarização e, principalmente, fragmentação entre os trabalhadores.

Mas ainda há grandes parcelas de trabalhadores nos setores formais e tradicionais da economia. Nesses casos, sua capacidade de mobilização foi neutralizada muito mais pelas diversas vitórias ideológicas do neoliberalismo, que conseguiu cooptar grande parte das lideranças sindicais e políticas. Muitas delas, nas fileiras da esquerda.
 
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