Doses maiores

31 de outubro de 2015

A caminho da democracia empresarial-militarizada (2)

 Latuff
A Operação Bandeirante (Oban) foi criada durante a ditadura criada pelo golpe de 64. Promovia o sequestro, tortura e morte de militantes de esquerda e foi financiada por empresários e banqueiros. É por isso que está correto considerar o regime de 64 uma ditadura empresarial-militar.

A Oban daria origem aos esquadrões da morte, que passou a matar suspeitos que podiam ou não ser criminosos. Pobres e pretos eram quase todos.

A ditadura acabou, mas as torturas e mortes continuaram nas delegacias policiais. Além disso, comerciantes e empresários continuavam a pagar para livrar as redondezas de seus estabelecimentos de mendigos, crianças de rua, ladrões. Sempre com os mesmos métodos: a eliminação física.

Nos bairros pobres, os esquadrões da morte passaram a se chamar milícias. Nas regiões ricas, recebem o nome de operações conjuntas entre governos e setor privado. É o caso da recente iniciativa da Federação do Comércio do Estado do Rio, que patrocinará o policiamento de seguranças privados nas regiões da Lagoa Rodrigo de Freitas e Parque do Flamengo.

São R$ 44 milhões, 363 policiais e jovens que acabaram de deixar as Forças Armadas, fazendo patrulhas com bicicletas e viaturas. O governo estadual entra com armas e veículos. A população pobre e preta contribui com seus filhos sempre suspeitos, publicamente humilhados e muitas vezes julgados e executados.

Junte-se a isso o monopólio da liberdade de expressão para a grande imprensa, eleições dominadas pelo poder econômico e um judiciário a serviço dos ricos. Acrescente, finalmente, a tentativa de criar uma legislação “antiterrorista” que criminaliza os movimentos sociais. Está feita a transição da ditadura empresarial-militar à democracia empresarial-militarizada.
                 
Leia também: A caminho da democracia empresarial-militarizada

29 de outubro de 2015

Diante da crise social, mais repressão

Resumo feito pelo colunista Vinicius Torres Freire sobre dados do IBGE relativos a setembro, publicado na Folha em 23/10:

- Em um ano, o número de desempregados cresceu 56%. Antes, o pior número fora de 22%, em 2003. São mais 670 mil pessoas que não conseguem emprego.

- Ante setembro de 2014, o pessoal empregado caiu 1,8%, jamais registrado na série de dados nova do IBGE.

- A taxa de desemprego está em 7,6%. Na média de 2015, deve ficar perto de 7%. Para o ano que vem, as previsões ficam entre 9% e 10%. O desemprego médio do ano passado ficou perto de 5%”.

- O total dos rendimentos caiu mais de 6%. O rendimento familiar per capita, 4,8%. O nível médio dos rendimentos ainda é o melhor em muito tempo, mas já regrediu para o que era em 2012.

Ou seja, uma grande e grave crise social se aproxima, trazendo com ela a mais do que justa revolta popular. Diante disso, os “poderes da República” só têm uma resposta clara: mais repressão.

É o caso do projeto de “legislação antiterrorista” aprovada ontem no Senado. A proposta, que tem como verdadeiro objetivo a criminalização dos movimentos sociais, saiu dos gabinetes do governo. Está sendo piorada pelo Legislativo. E institucionaliza aquilo que o Judiciário já vem fazendo, ao manter 23 ativistas processados por participarem de manifestações durante as jornadas iniciadas em junho de 2013.

Recentemente, um general do Exército afirmou que uma "crise social" poderia levar à necessidade da intervenção das Forças Armadas. Calma, comandante, os civis já estão pavimentando o caminho que você quer seguir.

Leia também: Protestar não é crime. Governar pode ser

27 de outubro de 2015

Do carbono viemos, ao carbono voltaremos?

Em seu programa radiofônico “Supertônica”, de 23/09, Arrigo Barnabé entrevistou Amâncio Friaça. O professor da USP é Astrofísico, pesquisando temas como astrobiologia, cosmologia, evolução de galáxias, entre outros.

A entrevista foi intitulada “Um bilhão de gêmeos da terra”, inspirado na afirmação do cientista de que pode haver até um bilhão de planetas iguais ao nosso. Se parece exagero, sejamos modestos e fiquemos com uns 200 milhões apenas.

Mas há outras afirmações que desafiam o senso comum. Por exemplo, a água é o terceiro elemento mais abundante no universo. Afinal, a molécula é formada por dois dos quatro elementos químicos mais encontrados no cosmos. São eles, além de hidrogênio e oxigênio, nitrogênio e carbono.  

Já esse último elemento, está na base de toda vida que conhecemos. Por isso, Arrigo lembrou um poema de Augusto dos Anjos, que começa dizendo que somos filhos do carbono.

Também surpreende saber que as primeiras formas vivas em nosso planeta dependiam do enxofre para sobreviver e não do oxigênio. Este último só apareceu porque surgiram as cianobactérias ou algas azuis.

Acontece que os novos organismos azuis começaram a produzir o gás que mataria muitos dos primeiros habitantes. Abriram caminho para surgir a grande maioria das atuais espécies, incluindo a nossa.

Quem diria que o oxigênio já foi tóxico para quase todas formas de vida. E quem imaginaria que, hoje, somos nós que intoxicamos a natureza com gases e outras substâncias venenosas.

A continuarmos assim, os versos finais do poema de Augusto ainda poderão nos fornecer um justo epitáfio:

E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

26 de outubro de 2015

Sonegação pode, né Coração Valente?

Em 2013, o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda lançou o Sonegômetro, placar online que mede a sonegação fiscal no Brasil. Em 26/10, os números chegavam a R$ 467 bilhões, desde janeiro de 2015.

Já o Impostômetro, foi inaugurado em 2005, pela Associação Comercial de São Paulo. Neste caso, mede-se quanto de impostos teriam sido arrecadados. Cerca de R$ 1,6 trilhão era o número em 26/10, desde janeiro de 2015.

A grande mídia prefere destacar o Impostômetro e ignorar o Sonegômetro. Talvez, porque seus proprietários, controladores e anunciantes estejam entre os responsáveis por grande parte dos números do primeiro.

É o que mostra reportagem de Cesar Vanucci, publicada em 20/10 na edição 873 do Observatório da Imprensa. Segundo a matéria “Governo ignora receita que poderia aliviar déficit orçamentário”, a dívida ativa da União é estimada, hoje, em R$ 1,460 trilhão.

A indústria, por exemplo, deve 236,5. O comércio, 163,5. O sistema financeiro, pobrezinho, meros 89,3. Os coitados dos ruralistas, 13,6. A própria mídia, já tão favorecida com isenções fiscais, 10,8. E por aí vai. Tudo em bilhões de reais.

R$ 1,460 trilhão equivale, segundo a matéria, mais ou menos à previsão orçamentária para o setor público em 2016. E Vanucci conclui:

...a recuperação de apenas 2% da bufunfa correspondente aos débitos asseguraria as condições essenciais para a equipe econômica cobrir o déficit fiscal anunciado. Com a vantagem de afastar as ameaças contidas, no ajuste projetado, aos respeitáveis direitos sociais e trabalhistas.

Dinheiro para o setor público sair do aperto, tem de onde tirar. Mas e a coragem pra ir buscar, né Coração Valente?

Leia também: Injustiça tributária e luta de classes

25 de outubro de 2015

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Trecho da reportagem “Novo julgamento de decapitada revisa histeria ao misticismo”, de Renato Grandelle, publicada no Globo, em 24/10:

Ninguém gostava da italiana Maria Bertoletti Toldini. Em 1715, ela era uma viúva sem filhos, recém-casada com um sacerdote e empenhada em disputar uma herança com sua antiga família. Os parentes deram o troco. Foram ao juizado da pequena cidade de Brentonico e a acusaram de bruxaria. Ela teria cozinhado um menino de 5 anos e, com seus feitiços, arruinado a lavoura local. Maria foi decapitada e teve o corpo queimado em praça pública.

Depoimento de uma presidiária negra na matéria “A justiça é branca e rica” publicada por Djamila Ribeiro na Carta Capital em 22/10:

Quando fui presa, trabalhava como carroceira e morava nas ruas, embaixo do viaduto do Glicério. Eu tava na cracolândia e o policial me levou. Eu engoli três pedras de crack pra não ser presa. Já perdi as contas de quantas vezes vim pra cá. A primeira vez foi com 17 anos quando fui para a Febem, e hoje tenho 49 anos. Já vivi mais aqui do que lá fora. O que eu quero hoje é poder ficar com minha filha mais perto e meu neto. O pai do menino a polícia matou e eles querem levar meu neto para a adoção, mas eu não vou deixar.

Entre um e outro caso, 300 anos se arrastaram. E ainda há quem ache que a luta feminista não tem razão de ser. São os mesmos que estão prontos a reacender antigas fogueiras.

Leia também: Para bom entendedor, meia palavra bas...

23 de outubro de 2015

A caminho da democracia empresarial-militarizada

Está em debate no Senado uma “legislação antiterrorista”. Na verdade, o alvo da proposta é o direito de manifestação. É mais uma etapa na criminalização dos movimentos sociais, intensificada desde Junho de 2013. A proposta é assinada pelo ministro petista Eduardo Cardozo e seu colega tucano, Joaquim Levy.

Mas qual seria o interesse da área econômica do governo nessa aberração jurídica? Acontece que as tais agências de risco internacionais esperam a aprovação da nova legislação como parte da "avaliação institucional" do País. Se ela não for aprovada, o Brasil pode ter problemas em sua nota de crédito.

Vem aí uma grande crise social devido à depressão econômica causada pelos ajustes neoliberais em curso. Vêm aí as Olimpíadas que estão removendo comunidades, atropelando direitos, entregando o patrimônio público. Os protestos contra tudo isso vão se deparar com um aparato de repressão ainda mais violento. E é isso que grande capital quer ver garantido.

Estas iniciativas fazem parte da militarização generalizada da vida nas grandes cidades brasileiras. Um processo que prende, tortura e mata pretos e pobres, de um lado. De outro lado, reprime cada vez mais lideranças populares, grevistas e manifestantes. Tudo para que empresários, empreiteiros, banqueiros possam tocar seus negócios, legais e ilegais.

Há quem defenda, com razão, que o golpe de 64 implantou uma ditadura empresarial-militar. Afinal, por trás dos militares, estavam grandes capitalistas.

Com muitos sacrifícios, derrotamos a ditadura e conquistamos várias liberdades democráticas. Mas o poder econômico continua firme e vem reduzindo a democracia ao processo eleitoral por ele controlado. Como resultado, caminhamos rapidamente para nos tornar uma democracia empresarial-militarizada.

Leia também: A ditadura de 1964 era militar e empresarial

O hip-hop nasceu contra a barbárie

Era uma vez, centenas de jovens pobres e desempregados se matando nas ruas do Bronx e Harlem, em Nova Iorque, nos anos 70. Eram gangues formadas principalmente por negros, porto-riquenhos e não brancos em geral. Surravam-se e matavam-se disputando territórios cheios dos destroços produzidos por uma política urbana que queria destinar seus bairros a quem podia pagar altos aluguéis ou hipotecas.

Era uma vez, uma política de segurança que espalhava drogas entre jovens pobres das grandes cidades para que se afundassem no vício e na violência. Sem emprego, escola e família, eles injetavam e cheiravam e matavam-se com drogas e porradas.

Era uma vez, um país e uma época em que lideranças que procuravam estender direitos a negros e não brancos em geral eram assassinadas. Entre elas, Marthin Luther King e Malcolm X.  

Era uma vez, os “Irmãos do Gueto”, algumas dezenas de garotos e garotas que começaram a mirar-se no exemplo do partido dos Panteras Negras. Seu líder era um jovem mestre de caratê que iniciou um processo de pacificação junto às outras gangues.

Era uma vez, gangues que deixaram de se matar para se transformar em coletivos que disputavam competições de dança, música e grafite. O hip-hop surgia onde antes havia só barbárie. 

Esta é a história que conta o documentário "Rubble Kings", de Shan Nicholson. Uma prova de que mesmo os mais fodidos entre os fodidos são capazes de se organizar para buscar a paz entre si e promover o combate ao sistema que lhes declarou guerra.

Infelizmente, por enquanto, o filme só pode ser encontrado no youtube em cópia com legendas precárias.


22 de outubro de 2015

O comitê secreto que manda no País

“O Banco Central manteve a taxa básica de juros em 14,25% anuais”, avisam os jornais. A decisão foi tomada em 21/10 pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Como e por que decidiu assim cada um dos membros do órgão, ninguém sabe. As reuniões são secretas.

Não é lá muito agradável acompanhar as atividades das Câmaras de Deputados, Senado, Supremo Tribunal etc, mas suas sessões são transmitidas ao vivo e em cores. Por que o mesmo não pode acontecer em relação a oito pessoas que jamais foram eleitas e decidem os destinos da economia do País?

Uma das fontes de informação que o Copom utiliza, por exemplo, é o relatório Focus, que traz projeções econômicas de instituições do setor privado que ninguém sabe quais são. Mas, provavelmente, são as mesmas a quem interessa manter a especulação girando em alta velocidade, impulsionada por um dos juros mais altos do planeta.

Os efeitos nas contas públicas são desastrosos. Até agosto, o déficit do setor público chegou a R$ 339 bilhões. Mas deste total, R$ 338 bilhões são juros. O restante é a tal “gastança” do setor público, incluída a “lama da corrupção”.

As consequências para os mais pobres também são catastróficas. Em 12 meses, até junho, a dívida pública custou R$ 417 bilhões em juros. Por mês, são R$ 34,7 bilhões contra os R$ 25 bilhões gastos por ano com o Bolsa-Família.

Enquanto isso, cada elevação dos juros enriquece ainda mais as 20 mil famílias que possuem o grosso dos títulos da dívida pública. As mesmas que pagam as campanhas eleitorais daqueles que zelam pelos segredos do Copom.

19 de outubro de 2015

Injustiça tributária e luta de classes

Em meio ao debate sobre o retorno da CPMF, pouco se discute a enorme injustiça tributária que reina no País. Uma estrutura fiscal que pune os que ganham menos e poupa os que têm enorme patrimônio.

Uma entrevista da IHU-Online com Antônio Albano Freitas, publicada em 19/10, ajuda esclarecer a situação. Segundo o economista que é doutorando em Economia da UFRJ, há muito tempo sabemos que há uma enorme desigualdade de renda no Brasil. Mesmo assim, ela é ainda maior do que parece porque grande parte dela esconde-se por trás das desigualdades de patrimônio.

Isso começou a mudar com a recente liberação pela Receita Federal dos dados das declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física. Essas informações mostram que a metade mais pobre dos declarantes tem um rendimento total “per capita líquido mensal de R$ 1.810, enquanto o segmento 1% mais rico apresenta um rendimento de aproximadamente R$ 120.881”, afirma Freitas.

É por aí que deveriam começar alterações que realmente aumentariam a arrecadação. E não se trata de adotar medidas socialistas ou coisa parecida. Freitas cita o caso do imposto sobre heranças e doações. Hoje, no Brasil, essa tributação é de 3,73%. Se fosse elevada para os 29% adotados nos Estados Unidos, a arrecadação passaria dos atuais R$ 4,7 bilhões para R$ 36,6 bilhões.

Só com esse tributo seria obtida metade da arrecadação que o governo diz que precisa para acertar suas contas. Mas os que mandam preferem cortar programas sociais que beneficiam milhões a enfrentar alguns milhares de bilionários do País. Na luta de classes, optaram pela rendição aos ricos e poderosos.

Leia também: Quem paga imposto no Brasil são os pobres

18 de outubro de 2015

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Crise?

“Elite paulistana mantém hábitos e faz de estabelecimentos ilhas sem crise”, diz reportagem da Folha, publicada em 18/10. Abaixo alguns exemplos:

O empresário Antônio Thamer Butros frequenta o restaurante “A Figueira Rubaiyat”. Costuma beber de seis a 12 garrafas por dia quando está acompanhado. Entre os favoritos, o vinho Dom Pérignon, vendido a R$ 1.028,00 a garrafa.

Francisco Chagas gerencia a churrascaria Rodeio, onde o gasto médio dos clientes é de R$ 162,00. Mas “o prato mais pedido é a picanha fatiada: R$ 228,00 para duas pessoas”.

A advogada Beth Mange foi a manifestações contra o governo na Paulista. Ela culpa Dilma e Lula pela crise, pois se “antes comprava um presente de R$ 800,00”, agora “compra de R$ 300,00”.

Já o segurança Iacov Caldas, resolveu contextualizar: "Que crise, irmão? Crise é para quem ganha salário mínimo."

Mas o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo discorda:

...é como se fosse um Titanic. Os ocupantes da terceira classe se afogam primeiro, porque estão mais próximos da água. No entanto, quem fica nas cabines mais altas também pode afundar se o navio continuar naufragando.

Ingenuidade?

O Congresso não regula Wall Street. Wall Street regula o Congresso. E nós temos que quebrar esses bancos. Ir aos bancos e pedir para agirem corretamente é meio ingênuo.

Estas palavras são de Bernie Sanders, pré-candidato à presidência dos Estados Unidos. Foram ditas em debate com outros concorrentes do Partido Democrata, realizado em 13/10.

Há muita verdade nas palavras de Sanders. Difícil é enxergar qualquer dose de ingenuidade quando o alvo de seus comentários é a elite política estadunidense.

Leia também: Para bom entendedor, meia palavra bas...

16 de outubro de 2015

Um ajuste neoliberal, muito antes de Levy


Antes das tentativas atuais de aprovar um ajuste neoliberal, o governo Dilma já havia feito algo muito parecido em 2010/2011. Vamos refrescar a memória:
- Em fevereiro de 2010, com medo da elevação da inflação, o governo começou a subir a taxa básica de juros, que foi de 7,5% a 13,5% em agosto de 2011.

- No final de 2010, o governo apertou as contas para cumprir uma meta de superávit primário de 3,1% do PIB, quando poderia ter se limitado aos 2,42% “obrigatórios”.  O arrocho foi resultado da redução de:

- Gastos públicos, que cresceram apenas 0,4% em 2011 diante dos 5,8% de média 2004-2010.

- Investimentos da Administração Pública, com queda real de 12% contra a média de 14,8% entre 2004-2010.


- Investimento das empresas estatais, que caíram 8,6% comparado à média positiva de 14% entre 2004-2010.
- No início de 2011, o governo resolveu encarecer o crédito ao consumidor . Os empréstimos a pessoas físicas desaceleraram de 11,6% em 2010 para 5,9% em 2011.

Todas essas medidas levaram à queda no consumo das famílias e do investimento privado em máquinas e equipamentos. Aí estão as principais causas de uma queda do PIB de 7,5% em 2010, para 0,1% em 2014.


Quando as consequências da crise de 2008 finalmente chegaram, encontraram a economia arriada. Ajoelhada diante do altar neoliberal.


Essas informações são pouco divulgadas ou lembradas pelos neoliberais da grande imprensa e por seus equivalentes no governo.  


A nenhum deles interessa mostrar que a direção da economia do País jamais se afastou totalmente da ortodoxia neoliberal. Afinal, pretendem aplicar novas doses do mesmo veneno.


Fontes:

Ajuste fiscal: 2015 não pode repetir 2011
Ajuste fiscal e de ideias

Leia também: A ortodoxia econômica asfixia a sociedade





14 de outubro de 2015

Robotização, para nossa alegria e a dos cavalos

Em seu samba “Deu pane em São Paulo”, Luiz Tatit imagina uma cidade que finalmente funciona como um lugar feito para pessoas viverem. É o que mostram os versos:

O povo todo delira / E nem acredita que está em São Paulo / Uma hora de trampo / E o resto do dia é só intervalo / E pro trabalho pesado / Cavalo, cavalo / E ainda assim / Com todo o cuidado / Para poupá-lo

Pois bem, no artigo “Quem tem medo dos robôs?”, publicado na Folha em 13/07, Ronaldo Lemos cita um estudo dos professores Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Eles “alertam sobre a possibilidade de que os robôs possam fazer com que o trabalho humano fique tão obsoleto quanto o dos cavalos”.

Não seria má ideia. Melhor que na canção de Tatit, tanto nós como os cavalos seríamos poupados das cansativas obrigações que envolvem “trampar”. Mas a razão de ser do capitalismo é precisamente a exploração do trabalho humano.

É por isso que diante da possível robotização em massa, o economista-chefe do Financial Times, Martin Wolf, propôs a possível redistribuição de “renda e riqueza em larga escala”.

O problema é que o capitalismo é cada vez mais incompatível com uma solução como a proposta pelo velho neoliberal. Ao invés de renda mínima, precisamos nos livrar da minoria parasita que explora o restante de nós.

A humanidade os cavalos e muitas outras formas de vida cederiam tranquilamente seus fatigantes postos de trabalho aos incansáveis seres de lata.

Leia também: Robôs não ficam desempregados

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Honestidade

O romance “Número zero”, de Umberto Eco, cita o livro “A liga dos honestos”, que Giovanni Mosca publicou em 1945. A obra é sobre um coletivo que pretendia revolucionar a política institucional através de uma atuação pautada pela mais estrita honestidade. Uma de suas táticas era infiltrar-se entre os desonestos e convertê-los à retidão moral. Mas o que acaba acontecendo é o oposto. São os corruptos que ganham novos sócios e cúmplices.

Camaleão

O primeiro volume de “Quem Foi Que Inventou o Brasil”, escrito por Franklin Martins cita um lundu composto por Xisto Bahia e gravado em 1902. Trata-se de “Camaleão”, cuja letra diz o seguinte:

Eu conheço muita gente,
Igual a um camaleão,
Com a cabeça diz que sim,
Com o rabinho diz que não.

(...)

As virtudes deste bicho
São de grande estimação
Ele é filho do patronato
É sobrinho da eleição.

Democracia

A origem da palavra democracia seria a junção das palavras gregas “demo” (povo) e “kracia” (governo). Governo da maioria, certo? Errado.

José Hildebrando Dacanal, professor aposentado da UFRGS, avisa que “demos”, em grego, não significa povo, mas departamento, distrito, cantão. Povo seria melhor designado por palavras como “laos”, “oklos”, “etnos”, diz ele.

Assim, aqueles que compareciam à Ágora, a assembleia geral, para decidir os rumos do povo ateniense não apenas eram uma minoria, como representavam somente uns 10% da população. Ficavam de fora escravos, mulheres, estrangeiros e trabalhadores isolados.

O fato é que tanto naquela época como hoje, aqueles que mais trabalham são os que menos decidem.

Leia também: Stephen Hawking descobre o buraco negro do capitalismo

13 de outubro de 2015

Stephen Hawking descobre o buraco negro do capitalismo

Ninguém melhor que Stephen Hawking para falar sobre inteligência artificial. É o que ele fez em um programa de perguntas e respostas chamado “Pergunte-me qualquer coisa” do site Reddit. Segundo suas palavras:

Todos podem desfrutar de uma vida de luxo e lazer se a riqueza produzida pelas máquinas for compartilhada, ou a maioria das pessoas pode acabar miseravelmente pobre se os proprietários das máquinas conseguirem fazer lobby contra a distribuição da riqueza. Até agora, a tendência parece acompanhar a segunda opção, com a tecnologia aumentando cada vez mais a desigualdade.

Hawking é especialista em buracos negros. Mas parece estar começando a descobrir uma nova versão desses fenômenos estelares. A mesma que o engenheiro e escritor Dmitry Orlov descreveu em artigo publicado na Carta Maior, em 02/09, referindo-se à atual crise econômica:

O buraco negro suga a medula de famílias (embora às vezes também sugue cidades inteiras como Detroit, Michigan ou Bakersfield, na Califórnia, e Camden, em New Jersey). Ele suga casas, e as regurgita cheias de dívidas podres. Com a ajuda da indústria médica, suga os doentes e os cospe de volta arruinados. Com a ajuda do extorsivo ensino superior, suga a esperança dos jovens, e os cospe de volta com diplomas e presos a uma dívida estudantil vertiginosa. Com a ajuda do complexo industrial-militar, o buraco negro suga praticamente tudo o que há pela frente, e regurgita cadáveres, inválidos, desastres ambientais, terroristas e a instabilidade mundial.

Tal como seu equivalente cósmico, o buraco negro capitalista continua a devorar luz e a defecar trevas.

9 de outubro de 2015

Os Estados Unidos e seu terrorismo doméstico

Em 30/04, nove pessoas foram mortas e sete feridas por um atirador em uma faculdade de Oregon, Estados Unidos. O assassino foi morto pela polícia.

Em 2/10, reportagem da BBC-Brasil informa: “Em 10 anos, EUA têm mais mortos em massacres do que em ataques terroristas”. Mais exatamente, são 40 vezes mais mortes.

De 2001 a 2011, diz a matéria, o país teve 130.347 pessoas mortas em incidentes envolvendo armas de fogo. No mesmo período, houve 3 mil mortes relacionadas a atos de terrorismo. Destas, 2.689 ocorreram nos atentados de 11 de Setembro.

A comparação já foi feita outras vezes. Mas, desta vez, foi Barack Obama que a lembrou logo depois do massacre do Oregon como parte de sua campanha pelo controle de armas nos Estados Unidos.

A dúvida que fica é por que qualificar de terrorismo algumas mortes e outras não? Pelo fato de que os autores dos primeiros são cidadãos estadunidenses? Ou, pior, pela grande frequência com que as chacinas acontecem em escolas e universidades?

Obama defende a exigência de antecedentes criminais dos compradores de armas, por exemplo. Mas muitos dos autores dos massacres tinham como antecedentes sua própria ficha escolar nos lugares em que cometeram seus crimes.

Quando lugares considerados centros de estudo e reflexão abrigam a constante ameaça de chacinas, não há como negar que há algo de muito doente na nação imposta ao mundo como modelo de democracia e justiça.

Ao invés de olhar para si mesmo, o império estadunidense vigia o mundo. Considera-se a polícia do planeta. E como todo aparato repressivo, alimenta o próprio crime que diz combater. 

Leia também:
Velociraptor! Mas pode chamar de Estado Islâmico
Massacres nos EUA: por que em escolas?

8 de outubro de 2015

Deus e o diabo na terra da energia solar

No Ano Internacional da Luz, não é possível ignorar a abundância de energia oferecida pelo Sol.
 
Em seu livro “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, Yuval Harari diz que a Terra recebe 3.766.800 exajoules de energia solar por ano. Um joule, diz ele, é uma unidade de energia mais ou menos equivalente ao que gastamos para erguer uma maçã pequena a um metro. Um exajoule é 1 quintilhão de joules. Pois bem, afirma o autor:
 
Todas as plantas do mundo capturam apenas por volta de 3 mil desses exajoules solares através da fotossíntese. Todas as atividades e indústrias humanas reunidas consomem cerca de 500 exajoules anualmente, o equivalente à quantidade de energia que a Terra recebe do Sol em apenas 90 minutos.

Apesar dessa abundância toda, nossa espécie insiste em priorizar as fontes de energia fósseis, poluentes, destruidoras e limitadas. Por quê? Pergunte às companhias petrolíferas e seus poderosos representantes nos governos em praticamente todo o planeta.
 
Para ficar no caso brasileiro, somos um dos poucos países no mundo que recebe mais de 3 mil horas de sol por ano. E na região Nordeste essa incidência é ainda maior.
 
Apesar disso, para falar apenas da energia elétrica, a capacidade instalada no Brasil, levando em conta todos os tipos de usinas, é superior a 130 gigawatts. Mas deste total, menos de 0,0008% é produzida com sistemas que transformam a luz solar em energia elétrica.
 
Além disso, o Plano Decenal de Energia brasileiro para 2015-2024 prevê que mais de 70% de todos os investimentos no setor serão em fontes fósseis.
 
Na terra do sol, manda o Diabo.

Leia também:
O iluminismo árabe e o obscurantismo ocidental

6 de outubro de 2015

O iluminismo árabe e o obscurantismo ocidental

A Unesco declarou 2015 como o Ano Internacional da Luz. A data marca 100 anos da publicação do estudo de Albert Einstein sobre a Teoria da Relatividade Geral.

A luz como sinônimo de pensamento racional e inteligência é tida pelo Ocidente como seu monopólio. Suas grandes potências seriam produtos e herdeiras do iluminismo europeu. Do lado escuro, estariam as sociedades orientais.

Mas a outra razão para a homenagem da Unesco mostra o quanto isso é falso. Trata-se da comemoração dos mil anos da obra de um árabe. Nascido na antiga Pérsia em 965, Abu Ali Alhazen lançou o “Livro de ótica” em 1015, inaugurando a moderna ciência da luz.

Mas as contribuições árabes para a vida contemporânea não ficam nisso. As sequências utilizadas em computadores e em quase tudo que envolve regras para a realização de tarefas foram inventadas pelo matemático Alcuarismi no século 9. De seu nome deriva o conceito de algoritmo.

Por fim, também é importante citar Ibn Khaldun, que viveu no século 14 e é considerado o fundador da sociologia moderna. Ele, por exemplo, foi responsável por análises políticas mais de 130 anos antes de Maquiavel.

Apesar de tudo isso, os povos árabes se tornaram sinônimo de fundamentalismo e ignorância. Bilhões de pessoas envolvidas com atividades produtivas, científicas, artísticas são vistas como seguidoras de terroristas fanáticos.

Na verdade, o terror de um Estado Islâmico só é possível graças às armas que recebeu das potências ocidentais, pretensas herdeiras do iluminismo ocidental. As mesmas que transformaram as geniais equações e princípios descobertos por Einstein na trágica luz de Hiroshima e Nagasaki.

Leia também: Rasgando o véu do preconceito contra muçulmanos

A ortodoxia econômica asfixia a sociedade

Dilma no Brasil, Tsipras na Grécia. A ideia de traição política vem logo à mente de muitos socialistas. Mas qual seria o elemento estrutural a provocar esse tipo de fenômeno político? Como explicá-lo sem nos limitar ao campo da ética?

Talvez, uma entrevista do ganhador do Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, publicada no El País, em 01/10, ofereça algumas pistas.

No depoimento “Os Estados Unidos criaram a classe média e agora a estão destruindo”, o professor da Universidade de Columbia, em Nova York, denuncia principalmente a desigualdade nas sociedades mais ricas.

Afirma que não há recuperação da economia americana, a não ser para 1% de sua sociedade. Afinal, diz ele, “os afro-americanos não se recuperaram, os salários norte-americanos não se recuperaram... “

Stiglitz também cita a Espanha, afirmando que é um absurdo dizer que o país deixou a crise porque o desemprego passou de 25% para 23%. “O Banco Central Europeu só está preocupado com a inflação, diz ele, ao passo que o problema são os 50% de desemprego juvenil”.

E o que está na raiz da crise europeia? Um pedaço de papel chamado euro, afirma o entrevistado. E qual é o resultado da circulação desse pedaço de papel? “Recessão, um desastre econômico e divisão”, conclui.

Na Grécia, esse modelo fracassado foi rejeitado por seu povo. Mas a vitoriosa e vergonhosa reviravolta do Syriza mostrou que a crença no “pedaço de papel” continua forte. É a lógica da circulação do capital estrangulando outras possibilidades que não sejam as ditadas pela ortodoxia do mercado.

Enquanto nos limitarmos à política dos gabinetes, a economia continuará sufocando a sociedade.

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5 de outubro de 2015

O túmulo da luta socialista


O momento, em suma, é o da maior derrota das forças progressistas no Brasil após o golpe de 1964. E uma parcela considerável da responsabilidade recai sobre um partido que não soube ou não quis aproveitar as oportunidades de que dispôs para consolidar algum tipo de avanço político e social.

A frase acima é de Luis Felipe Miguel em artigo publicado pelo blog da Boitempo, em 25/09. Obviamente, o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília refere-se ao PT e seu governo.

Em 29/09, o portal Outras Palavras publicou entrevista com Guilherme Boulos, coordenador dos Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. Uma frase merece destaque:

É preciso recuperar algo que tivemos com força na década de 1980, com um ascenso da mobilização social no Brasil, que o neoliberalismo matou e que o PT sepultou.

Enquanto isso, a reportagem “Alckmin estabelece relação com o MST”, publicada no Estadão, em 27/09, anuncia uma “lua-de-mel” vivida entre os sem-terra e o governador paulista.

O principal motivo seriam “avanços” muito maiores nas negociações em nível estadual do que acontece no âmbito federal. Uma proximidade que, segundo o dirigente do MST, Gilmar Mauro, contaria com a aprovação do ex-presidente Lula.

Ainda segundo Mauro, “nossos princípios não estão na mesa de negociação. Além disso, há muitos PSDBs. Há setores do partido contrários ao MST, mas o Alckmin nos abriu uma porta.”

A porta citada pelo dirigente do MST é a mesma que dá acesso à “sepultura” mencionada por Boulos. Para a luta socialista, trata-se da morte lenta, mas certa, causada pela aposta em uma institucionalidade completamente controlada pelo grande capital.

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