Doses maiores

30 de novembro de 2012

Terra para índios? Sete palmos bastam

“Muita terra para pouco fazendeiro” diz o título de artigo de Márcio Santilli, coordenador do Instituto Socioambiental (ISA), publicado na Folha em 29/11. O texto fala sobre pesquisa encomendada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A entidade dos latifundiários quer usar o estudo para desqualificar a luta dos indígenas por seus direitos.

Em primeiro lugar, pretende dizer que a utilização de bens de consumo pelas comunidades tribais desmentiria sua condição indígena. Santilli responde, dizendo que “os demais brasileiros, a começar pelos patrocinadores da pesquisa, têm interesse por bens importados e nem por isso deixam de ser brasileiros”.

Mas o objetivo principal da CNA é mostrar que os indígenas têm terras demais. Segundo o levantamento da entidade, 520 mil indígenas aldeados vivem em 113 milhões de hectares. O problema, diz Santilli, é que “98,5% dessa área estão na Amazônia, onde vivem 60% dos indígenas do país. Os outros 40% dispõem de apenas 1,5% de todas as terras, em geral em áreas exíguas”. Ao mesmo tempo, diz o artigo, o IBGE mostra que:

...os 67 mil maiores proprietários possuem 195 milhões de hectares, 72% a mais que os índios. Além disso, as terras indígenas preservam 98% da sua vegetação nativa e prestam serviços ambientais a toda sociedade.

Os maiores prejudicados, afirma Santilli, são os 45 mil Guarani-Kaiowá. Eles teriam direito a 95 mil hectares, mas suas terras continuam ocupadas por fazendeiros. Os Guarani-Kaiowá estiveram nas manchetes recentemente. Muitos deles cometeram suicídios diante dessa situação toda. E esta é a vontade de muitos fazendeiros: terra para indígenas, só a que cair sobre seus corpos sem vida.

29 de novembro de 2012

As maiores vítimas do julgamento do mensalão

Manchete do Globo de hoje (29/11): “O maior golpe na impunidade”. Uma gravura de Joaquim Barbosa mostra que o assunto é o mensalão. Um caderno especial estampa o título “Um julgamento para a história”.

A edição anuncia a definição das penas de todos os envolvidos no caso. Na verdade, comemora um julgamento que condenou lideranças históricas do PT. Antigos desafetos do jornal e de boa parte da classe dominante brasileira. Não se trata de acreditar na inocência dessas personalidades. Mas cabe desconfiar de uma disposição para condenar jamais vista naquela corte antes.

Por outro lado, oito dos onze juízes do Supremo foram indicados pelos governos petistas. O próprio Joaquim Barbosa foi nomeado por Lula. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também. Ambos foram decisivos na condenação dos envolvidos com o mensalão. Ao confiar na insitucionalidade burguesa, o PT acomodou-se dentro de uma armadilha.

Mas as maiores vítimas dessa armadilha não são os réus do mensalão. Muito menos as lideranças e a direção do PT. Estes últimos sabiam o que estavam fazendo. E seguem convictos de que estavam certos. Afinal, a popularidade de seu governo continua alta, apoiando-se na vocação corrupta da política oficial.

A verdadeira vítima da armadilha institucional é uma pequena parte da militância petista. Aquela que nunca concordou ou se fez cúmplice das sujeiras petistas. Permanece socialista e combativa. A ela resta a necessidade de refletir sobre uma frase atribuída à revolucionária Rosa Luxemburgo: “os socialistas não mudam o Estado. O Estado é que muda os socialistas”.

28 de novembro de 2012

Enem, mercado e racismo da inteligência

“Instituição paulista montou turma de ‘elite intelectual’”, diz notícia do Globo publicada em 27/11. Segundo a matéria, o Objetivo Colégio Integrado “tem aulas em período integral, ministradas por professores selecionados, em salas com poucos estudantes”. Resultado? Primeiro lugar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2011. Enquanto isso, das 50 escolas melhor colocadas no exame, apenas três são públicas.

Tudo isso tem pouco a ver com qualidade de ensino. Aparecer no topo da classificação do exame garante a cobrança de mensalidades caras. O Objetivo, por exemplo, cobra 1.800 por mês. Mas há aquelas, como o Vértice, cuja mensalidade ultrapassa os R$ 3 mil.

Para turbinar seu desempenho, muitas escolas particulares colocam para fazer a prova apenas alunos que estão acima da média. No exame de 2010, por exemplo, 60% dos estabelecimentos tiveram menos da metade dos alunos no Enem. E em apenas 7,6% deles mais de 90% dos alunos fizeram o exame.

Ou seja, quatorze anos depois de criado pelos tucanos, o Enem se consolida como mecanismo de disputa de mercado. Mas este é não é o pior lado do exame. Essa forma de classificação também vai impondo um modelo de educação restrita, elitista e voltada para o mercado. Vai reforçando o que Pierre Bourdieu chamou de “racismo da inteligência”.

Segundo o sociólogo francês, trata-se de um tipo de discriminação “característica de uma classe dominante cujo poder repousa em parte sobre a posse de títulos que, como os títulos escolares, são considerados como uma garantia de inteligência”. Na verdade, mais uma forma de justificar a dominação e a exploração da maioria pela minoria.

Leia também:
O problema do Enem é o próprio Enem

27 de novembro de 2012

O Maracanã é nosso. Os royalties, da galinha

O governador Sérgio Cabral convocou grande manifestação no centro do Rio de Janeiro. Dispensou servidores públicos do trabalho e garantiu transporte de graça para os manifestantes. O motivo para tanta mobilização é a tal redistribuição dos royalties do petróleo. Cabral diz que o Estado está sendo roubado em seus direitos. Especialmente, no caso da exploração do petróleo da camada pré-sal.

O problema é que o recurso nem começou a ser explorado. Ou seja, estão tentando fazer omelete com o ovo ainda dentro da galinha. Além disso, o óleo está localizado na plataforma continental, não em território fluminense. O Rio pode até ficar com uma parte maior dos royalties para compensar eventuais problemas ambientais. Mas não com a parte que caberia a um “estado produtor”, já que não é disso que se trata.

Por fim, alguém realmente acha que Cabral está preocupado com a população do Rio? Logo ele, que é amigão das empreiteiras? Que teve viagens pagas pela construtora Delta? Para o governador, os royalties são mais uma galinha que tem ovos de ouro para dividir com os grandes empresários.

Ao invés de participar dessas manifestações chapa-branca, vamos engrossar as mobilizações contra as remoções das populações pobres devido às obras para a Copa e Olimpíadas. Todos ao Maracanã em 01/12, às 10 horas. É o ato "O Maraca é nosso!", organizado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas. É o lançamento da campanha contra a privatização do Maracanã, já anunciada por Cabral.

Leia também: Tá vendo aquele estádio, moço? Ajudei a construir...

26 de novembro de 2012

É preciso deter o inverno árabe no Egito

É inverno no Egito. Mas as temperaturas médias dificilmente ficam abaixo dos 20º. Frio, mesmo, só no nível político. Os responsáveis são o presidente Mohamed Mursi e sua organização, a Irmandade Muçulmana. Eles acabam de adotar medidas que dão poderes ditatoriais ao chefe do governo.

Mursi alega que pretende “proteger a revolução”. Realmente, as medidas atingem juízes favoráveis a Mubarak. Verdadeiros carrascos de toga. Mursi também diz que soltará os milhares de revolucionários detidos e investigará a morte de dezenas deles.

Mas o governo Mursi está cheio de integrantes da época de Mubarak. É o caso do procurador-geral e do ministro do interior. O parlamento é governado com mão de ferro pela Irmandade Islâmica. Os membros da Assembleia Constituinte foram eleitos com regras que garantiram maioria esmagadora para o governo.

Nas ruas, o governo vem reprimindo as manifestações por mais liberdade e pela derrubada definitiva do antigo regime. Os partidários de Mursi defendem leis religiosas para governar o País. Enquanto isso, tentam se consolidar seu poder buscando a confiança dos capitalistas egípcios.  

A Revolução Egípcia chega a uma perigosa encruzilhada. Como aconteceu no Irã em 1979, forças conservadoras apoiadas no fanatismo religioso querem sequestrar e matar a revolução. Por outro lado, setores de direita que ficaram sem lugar no novo governo tentam voltar ao poder.

Aos revolucionários resta a dura tarefa de defender as conquistas da Primavera Árabe. Conquistar o apoio da maioria dos explorados para fazer avançar a revolução. Derrotar Mursi e os saudosistas de Mubarak. Afastar o abraço gelado dos capitalistas locais e seus aliados imperialistas.

23 de novembro de 2012

Classe média, conservadorismo e conformismo

“Classe média prefere eficiência a democracia”, diz o título de reportagem de Lisandra Paraguassu, publicada no Estadão, em 13/11. Trata-se de uma pesquisa feita pelo instituto Data Popular voltada para esse suposto grupo social.

Segundo a matéria, a enquete mostrou que 51% dos entrevistados concordam com a frase: "Prefiro uma ditadura competente do que uma democracia incompetente". Por outro lado, 67% dos entrevistados concordariam com a afirmação: “meu voto pode melhorar a política brasileira”.

O diretor do Data Popular, Renato Meirelles, conclui que se trata mais de “uma cobrança pela ineficiência do Estado do que um saudosismo da ditadura." De fato, uma pesquisa desse tipo está sujeita a todo tipo de interpretações e imprecisões. A começar pela definição do que seja “classe média”.

Mas o estudo sinaliza um fenômeno perigoso. A chamada “classe média” não é necessariamente conservadora. Expressivas parcelas dela ajudaram no crescimento do próprio PT. O problema é quando esse setor é conquistado pelo individualismo consumista. Passa a desprezar as saídas coletivas e a solidariedade às lutas dos explorados.

De um lado, o crescimento da capacidade de consumo, do emprego e da renda familiar. De outro, o individualismo consumista impera. Ninguém mais exige serviços públicos de qualidade. O objetivo é ganhar o bastante para pagar plano de saúde, escola particular, previdência privada, transporte individual.

Os governos petistas têm grande responsabilidade nisso. Alegam que pode haver harmonia entre empresários e trabalhadores. Os problemas virão quando os poderosos resolverem romper esse namoro fajuto na base da porrada. Poderão contar com a omissão e a cumplicidade de milhões de explorados desmobilizados e acomodados.

22 de novembro de 2012

Consumo e conservadorismo convivem muito bem

Da coluna de Ancelmo Gois, publicada no Globo em 18/11:

O site de compras de passagens Vai Voando começará, em 2013, a vender bilhetes aéreos em quiosques em 150 favelas do Rio. Fechou parceria com a Central Única de Favelas.

O Banco do Brasil, a 20 dias de completar um ano na Rocinha, comemora a abertura da milésima conta corrente no morro. As agências da Cidade de Deus e do Complexo do Alemão, abertas em janeiro de 2011, já superaram a marca. O volume de empréstimos nas três favelas, acredite, chega a R$ 8 milhões.

Ainda segundo Gois, a Rocinha “vai ganhar a sua primeira sexshop”. Tudo isso sinaliza um expressivo aumento na renda dos mais pobres. Mas não é algo que mereça muita comemoração.

Ao contrário, a ampliação do direito de consumir pode levar a uma espécie de conformismo que mantém os direitos mais básicos no péssimo patamar em que se encontram. Estamos falando de saúde pública, educação de qualidade, respeito às leis trabalhistas e aposentadoria digna.

Ao mesmo tempo, o lado perverso de nossa sociedade continua forte e vigoroso. É o que mostra o título de reportagem de Raimundo Oliveira, publicada pela Rede Brasil Atual, em 19/11: “Ascensão social faz aumentar casos de racismo em shoppings e universidades”.

Segundo a matéria, “pessoas negras enfrentam discriminação e preconceito em ambientes antes frequentados apenas por brancos”. Na verdade, o capitalismo convive muito bem com o conservadorismo. Ambos se alimentam e preservam um ao outro.

Leia também: Preconceito racial e consumo

21 de novembro de 2012

Diversão popular tem que ser perigosa

Rugendas
Em seu livro “Antologia Do Negro Brasileiro”, Edison Carneiro cita o Conde dos Arcos, que foi o último Vice-Rei do Estado do Brasil e Governador da Bahia, no século 19. Os proprietários de escravos desaprovavam os batuques dos negros. Seriam momentos roubados ao trabalho na lavoura. Mas o Conde dos Arcos discordava:

O governo (...) olha para os batuques como para um ato que obriga os negros, insensível e maquinalmente, de oito em oito dias, a renovar idéias de aversão recíproca que lhes eram naturais desde que nasceram (...). [Se] os dahomey vierem a ser irmão com os nagôs, os gêges com os haúças, os tapas com os ashantis, e assim os demais, grandíssimo e inevitável perigo desde então assombrará e desolará o Brasil. E quem haverá que duvide que a desgraça tem o poder de fraternizar os desgraçados.

Hoje, algumas festas ou divertimentos populares podem ter efeito parecido. É o caso das brigas entre torcidas ou em votações de escolas de samba. Lutas ligadas a tragédias sociais também podem ser transformadas em alegres feriados.

O Dia da Consciência Negra corre este risco. Nesta data, festividades oficiais podem dar a impressão de que a dívida histórica com o povo negro vem sendo saldada. Na verdade, acumula-se e aprofunda uma situação cada vez mais dolorida.

Mas, diferente do que pensava o Conde dos Arcos, momentos festivos podem fortalecer a luta dos explorados e humilhados. Desde que sejam organizados por nós e representem perigo para os poderosos. Reforcem o espírito de união, solidariedade, orgulho das tradições e respeito mútuo.

14 de novembro de 2012

Na Europa, greve geral contra a barbárie

No Manifesto Comunista, Marx e Engels defendem o socialismo como necessidade histórica. Mas isso não quer dizer que ele virá de qualquer modo. Eles também se referem a outra possibilidade. Não se viabilizando uma saída revolucionária, dizem eles, é possível que aconteça a "ruína comum das classes em conflito".

Rosa Luxemburgo resumiria brilhantemente esse dilema: “socialismo ou barbárie”. Podemos dizer que é essa escolha que está em jogo na Europa, hoje. O “velho continente” está no centro da crise que começou em 2008. O desemprego supera os 10% na região. Mas na Espanha, é de 25%. Na Grécia, chega a 24% e, em Portugal, quase 16%. A miséria também ataca os ainda empregados.

Essa situação criou um clima perfeito para o crescimento do racismo e do ódio aos estrangeiros. O conservadorismo vai se transformando em fermento para o fascismo. Diante disso, não adianta esperar reações dos governos. Desde que o fascismo surgiu, os aparelhos estatais toleram sua existência se isso servir para acuar os movimentos populares.

A saída, então, só pode ser a unidade e a luta dos trabalhadores. É por isso que, hoje, 14 de novembro, pode haver uma grande greve geral na Europa. Os trabalhadores de Portugal, Espanha, França, Grécia, Itália, Chipre e Malta prometem cruzar os braços. É preciso dar um basta às medidas que penalizam os povos europeus.

É famosa a primeira frase do Manifesto Comunista: “Um espectro ronda a Europa”. Infelizmente, não se trata do comunismo, atualmente. O que vem assustando os europeus e o mundo é o fascismo. É preciso esmagá-lo. Lá e onde mais surgir.

Leia também: O lixo de que se alimenta o fascismo

13 de novembro de 2012

Uma “classe média” para a população negra

“Negros já somam 52% da classe média brasileira” diz título de reportagem de Sergio Leo, publicada pelo jornal Valor, em 09/11. Os números são da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), ligada à Presidência da República.

O órgão se especializou em divulgar números que fazem acreditar que o País se aproxima rapidamente de uma situação de invejável justiça social. Mas a realidade verificável no dia a dia não parece levar a tal conclusão. Muito provavelmente, trata-se de problemas de metodologia.

Para a SAE, são de classe média famílias com renda entre R$ 291 e R$ 1.019 por pessoa. Os valores já são questionáveis por si só. Mas, além disso, a definição não considera outras variáveis, como acesso a certos serviços e direitos, nível de escolaridade etc.

A própria reportagem avisa que a definição adotada pelo governo “pouco tem a ver com o conceito sociológico de ‘classe média’, tradicionalmente ligado aos chamados trabalhadores de ‘colarinho branco’ e nível médio de instrução”.

Afinal, diz a matéria, 64% dessa nova “classe média” tem, no máximo, ensino fundamental completo. Por outro lado, o extrato populacional que mais contribui para o aumento desse setor intermediário é formado por negros.

Segundo a SAE, em 2002, a população negra correspondia a 31% dessa nova “classe média”. Em 2012, ela teria chegado a 52%.

Resumindo, é bem provável que uma grande parte da população que ganhou renda nem por isso conquistou melhores condições de vida. Não à toa, a maioria dessa parcela é formada por negros. O racismo brasileiro continua muito eficiente.

Leia também: Música feita para queimar as entranhas

12 de novembro de 2012

Obama reeleito: mitos e realidade

Somos uma família americana. Cairemos ou nos levantaremos juntos, como uma só nação e um só povo”. Este trecho do discurso da vitória de Obama foi destacado por Anindya Bhattacharyya, colaborador do jornal Socialist Worker, no artigo “Reeleição de Obama: mitos e realidade”.

O jornalista diz que se aprofundam as divisões na sociedade estadunidense. O desemprego continua elevado. A distância entre ricos e pobres aumenta. A polarização política nunca foi tão grande. Por isso, Obama venceu com uma diferença de apenas 2%.

De um lado, multidões raivosas com banqueiros e empresários. De outro, espalha-se o ódio racista a negros e imigrantes. Parte da esquerda votou em Obama temendo Romney. E este não soube entusiasmar a direita.

Obama também se beneficiou do perfil de seu eleitorado. Ele ficou com os votos de setores majoritários: os pobres e moradores das grandes cidades. Também cresceu entre os eleitores hispânicos e asiáticos.

É importante destacar os referendos organizados em cinco estados. Quatro deles legalizaram o casamento gay e dois, o consumo recreativo da maconha. Resultados que mostram um avanço na luta contra o conservadorismo.

Mas nada é tão significativo como a enorme abstenção eleitoral. Dos 206 milhões de eleitores americanos, 84 milhões não votaram. Trata-se de um sistema político cada vez mais desacreditado. Pode sinalizar uma disposição militante para fazer política nas ruas. Tal como aconteceu com o movimento Occupy.

A nação mais poderosa do mundo continua em crise, dividida e reserva muitas surpresas. Tomara que sejam daquelas que colocam o mundo de pernas para o ar. Por debaixo, os poderosos e aqueles que se aliaram a eles.

Leia o artigo em inglês, clicando aqui

9 de novembro de 2012

Os índios e o anjo desesperado

O conceito de “progresso” é tão desastroso que Walter Benjamin o retratou da seguinte forma:

Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de fatos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e as lança a seus pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já não as consegue fechar. Esse vendaval arrasta-o irresistivelmente para o futuro, para o qual está de costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval. (Teses sobre filosofia da história – 1940)

Neste exato momento, o olhar espantado do “anjo da história” também estaria voltado para os indígenas brasileiros. Eles simbolizam as vítimas de um progresso que só serve aos interesses de grandes grupos econômicos.

Também causaria espanto ao anjo ver os governos cultuadores do “desenvolvimento” abrindo caminho para o desrespeito a direitos e a destruição de culturas. Desprezando os riscos de semear tempestades.

Que seja como na música de Caetano: “Depois de exterminada a última nação indígena”, o Índio virá. “Impávido que nem Mohammed Ali”. “Tranquilo e infalível, como Bruce Lee”.

8 de novembro de 2012

PCC é criação do conservadorismo tucano

Em 23/01/2010, o blog “Crimes no Brasil”, do Estadão, entrevistou quatro pesquisadores que estudaram o PCC em prisões e na periferia paulistana. Trata-se de Gabriel Feltran, Karina Biondi, Camila Nunes e Adalton Marques. O texto intitulado “16 perguntas sobre o PCC” é enorme, mas vale a leitura.

Segundo os entrevistados, o PCC tem uma hierarquia pouco tolerante a lideranças autoritárias. Seria responsável pela diminuição dos homicídios nas prisões e nas comunidades pobres. Também teria banido o crack nos presídios e em muitos lugares da periferia. Tudo isso em nome de alguns valores morais. Quase uma ideologia.

Podem-se tirar as conclusões mais sensatas ou delirantes disso tudo. Mas uma coisa ficou bem clara na entrevista. Perguntados sobre o que poderia enfraquecer ou acabar com o PCC, as respostas foram parecidas: “... seu fortalecimento está diretamente ligado às formas de opressão que o Estado dirige à população carcerária”, diz Karina.

Gabriel destaca o “desemprego e a fragilidade da garantia do direito à segurança dos mais pobres”. Mas, conclui, “radicalizar a repressão e o encarceramento só me parecem colocar mais água nesse moinho”.

Camila afirma que não sabe como “acabar com o PCC”, mas tem uma certeza:

...o aumento da repressão dentro e fora das prisões, a carta branca que parece ter a polícia para matar na periferia e outras formas mais de desrespeito aos direitos da população pobre da periferia e dos presos, são elementos que fortalecem o PCC...

Ou seja, é a política de segurança ultraconservadora dos últimos governos paulistas que fortalece o PCC. Os tucanos dão de comer às feras que ajudaram a criar.

6 de novembro de 2012

EUA e China: tranquilidade política, terremotos econômicos

O mundo concentra sua atenção nas eleições americanas. Mas deveria olhar também para a China. Agora, em novembro, acontece o 18º Congresso do Partido Comunista Chinês. Muito provavelmente, Xi Jinping será nomeado secretário-geral do Partido e assume a presidência do país no início de 2013.

A grande mídia costuma fazer comparações tortas dos dois processos. Nos Estados Unidos, a democracia. Na China, a ditadura. Num, o capitalismo. Noutro, o comunismo. Na verdade, há mais paralelos que oposições. A ditadura é comum a ambos. Mas a chinesa, é política. A estadunidense, é de classe. Em ambas, a oposição a partir de baixo não tem vez.

Outra característica compartilhada é a base econômica. Só acredita que a China é comunista quem ignora o que é o capitalismo. Os Estados Unidos são os maiores compradores de manufaturados chineses. A China é a principal credora da dívida pública americana. Juntas e integradas, as duas economias são responsáveis por 30% da produção mundial.

Tamanha conexão impede graves desentendimentos entre os dois governos, mesmo em momento de transição. Essa mesma integração aumenta os riscos de novos e piores abalos econômicos. Basta uma forte redução na atividade econômica na China para afetar seu poderoso parceiro. Uma crise da dívida americana abalaria a enorme economia chinesa..

É assim que funciona o sistema capitalista. A relativa tranquilidade na superfície política pode esconder sinais subterrâneos preocupantes. Geograficamente, China e Estados Unidos ficam em lados opostos. Mas as placas tectônicas da economia ligam as duas potências e se movimentam perigosamente.

Sociólogo bom é sociólogo chato

Em seu livro “O que falar quer dizer”, Pierre Bourdieu diz que os sociólogos devem ser “desmancha-prazeres”. Realmente, pouca gente aguenta conversa de sociólogos. Mas não é a isso que Bourdieu se referia. O trecho abaixo ajuda a esclarecer:

Levar à consciência os mecanismos que tornam a vida dolorosa, inviável até, não é neutralizá-los; explicar as contradições não é resolvê-las. Mas, por mais cético que se possa ser sobre a eficácia social da mensagem sociológica, não se pode anular o efeito que ela pode exercer ao permitir aos que sofrem que descubram a possibilidade de atribuir o seu sofrimento a causas sociais e assim se sentirem desculpados; e fazendo conhecer amplamente a origem social, coletivamente oculta, da infelicidade sob todas as suas formas, inclusive as mais íntimas e as mais secretas.

A passagem acima é do livro “A Miséria do mundo”, também de Bourdieu. De origem pobre, Bourdieu tornou-se um dos mais prestigiados cientistas sociais do mundo. Dedicou grande parte de sua produção a mostrar como diferenças sociais consideradas naturais não passam de imposições da estrutura de dominação.

Ou seja, trata-se de estragar a festa dos poderosos, que justificam sua dominação com todo tipo de discriminação. Desde preconceitos óbvios como os de cor, até conceitos aparentemente neutros como “inteligência”, “bom gosto”, “vocação”, “sofisticação” etc.

Mas não basta ser chato. Segundo Bourdieu, também é preciso ser “cúmplice da utopia”. O sociólogo francês morreu há dez anos. Durante sua vida travou muitas batalhas contra a grande mídia e o neoliberalismo. Algo que costuma dar muito prazer aos sociólogos que não abrem mão de um bom combate.

5 de novembro de 2012

A limitada democracia americana

As eleições presidenciais americanas se aproximam. A grande mídia costuma considerá-las uma festa da “maior democracia do mundo”. Não é bem assim.

Em primeiro lugar, a eleição para presidente não é direta. O ocupante do Executivo é escolhido por um colegiado formado por delegados eleitos nos estados. Para ser eleito, o candidato precisa obter 270 votos nesse colegiado. 

Mas a representação do colégio eleitoral é composta de forma a favorecer os estados menos populosos.  Assim, o presidente pode ser eleito sem que tenha obtido a maioria dos votos diretos. Foi o que aconteceu com George Bush, em 2000.

O pluralismo político é uma farsa. Há cerca de 70 partidos legalizados. Mas o sistema distrital favorece apenas republicanos e democratas. Na verdade, duas alas de um partido único. Só divergem quanto à melhor maneira de preservar os interesses da classe dominante americana.

Outro mecanismo limitador da democracia é o encarceramento em massa de pobres e negros. Eles formam a maior parte dos 2,3 milhões da população carcerária dos Estados Unidos. A maior do mundo.

Por fim, vale lembrar o livro “Democracia contra o capitalismo”, da marxista canadense Ellen Wood.  A democracia americana, diz ela, é “formada por muitos indivíduos particulares e isolados”. Eles elegem seus representantes e voltam a sua passividade privada. Impera o que a autora chama de “cidadania passiva e despolitizada”.

Ou seja, o sistema político da nação mais poderosa é uma das mais perfeitas ditaduras de classe que já existiu. Por isso, espalha guerra e tragédias sociais pelo mundo. A “festa democrática” americana é chata, para poucos e muito perigosa.

Leia também: A ditadura eleitoral estadunidense

1 de novembro de 2012

Diante dos índios, nossas vergonhas à mostra

"Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”, escreveu Pero Vaz de Caminha na famosa carta. Referia-se aos nativos da terra que os europeus iriam saquear pelos séculos seguintes.

Foram necessários quase 500 anos para que se reconhecesse o direito deles a viver em seus territórios. Está na Constituição atual. Mas jamais saiu do papel. O recente caso dos Guarani-Kaiowá é mais uma prova disso.

Na tradição indígena os pactos e acordos baseiam-se na palavra empenhada. O “homem branco” só confia no que está escrito. Mas não se envergonha de ignorar suas próprias leis.

Tamanha frouxidão moral faz lembrar o cacique Mario Juruna, primeiro índio brasileiro a se tornar deputado federal. A liderança xavante costumava carregar um gravador para onde ia. Usava o aparelho para registrar as promessas que as autoridades brancas faziam e nunca honravam.

Mesmo isolado no parlamento, Juruna conseguiu criar a Comissão do Índio do Congresso e a presidiu pela primeira vez. Também defendeu a nomeação de representantes das comunidades indígenas para dirigir órgãos como a Funai.

Mas quase todos nós, brancos de várias cores, de esquerda e de direita, só sabíamos rir do cacique e seu gravador. Juruna morreu esquecido e doente, em 2002. Mas o preconceito de que foi vítima continua vivo. Nunca mais um indígena foi eleito deputado federal.

Alguns de nós, a duras penas, aprendemos a respeitar os indígenas. Muitos outros continuam a zombar deles. Humilham suas lideranças, desprezam suas tradições, são cúmplices de suas mortes, roubam suas terras.

Cinco séculos de dominação branca acumulam vergonhas demais para serem escondidas.

Índio demais, atrapalha. De menos, não tem direitos