Doses maiores

31 de janeiro de 2013

As mulheres como coisas à disposição da violência

O site R7 publicou matéria assustadora, em 17/01. Trata-se de “Conheça os cinco países mais perigosos para mulheres no mundo”. Há muitos casos de mulheres e meninas com os genitais mutilados, queimadas com ácido, estupradas, assassinadas, impedidas de estudar, casadas à força, perseguidas e humilhadas de várias formas.

Segundo a matéria, os cinco piores lugares para “ser mulher” são Afeganistão, República Democrática do Congo, Paquistão, Índia e Somália. A relação combina com a ideia que o senso comum tem sobre esses países. Eles seriam habitados por povos primitivos, supersticiosos, ignorantes e truculentos. Muito diferente das culturas ditas “civilizadas”.

Não é bem assim. É o que mostra matéria publicada pelo Estadão em 14/12/2012, cujo título é autoexplicativo: “Uma em 4 mulheres é vítima de violência nos EUA”. Dados do Instituto Europeu pela Igualdade de Gênero não são muito diferentes. Em 2012, entre 20% a 30% das mulheres europeias sofreram ou estiveram sujeitas a algum tipo de agressão física.

Ou seja, desenvolvimento econômico elevado não elimina a estupidez do patriarcalismo ancestral. Ao contrário, o machismo é muito conveniente às sociedades do livre mercado. Não só em relação ao pagamento de salários, sempre mais baixos para elas.

A dupla ou tripla jornada do trabalho feminino diminui a pressão sobre patrões e governos por creches e outros direitos sociais. A utilização das mulheres como objeto sexual movimenta bilhões em lucros. Todo o ódio acumulado por uma sociedade injusta se abate sobre elas.

A lógica capitalista tenta constantemente transformar pessoas em coisas. À maioria das mulheres reserva destino pior. Quer tranformá-las em coisas à disposição de suas muitas violências.

30 de janeiro de 2013

Uma grande ave de rapina sobrevoa Santa Maria

O incêndio que já matou mais de 230 pessoas em Santa Maria (RS) tornou-se comoção nacional. Não é para menos. O absurdo e estupidez da tragédia provocam dor, desespero e revolta mais do que justos.

Mas há um entusiasmo mórbido na cobertura que a grande mídia vem fazendo. É uma torrente inesgotável de informações, boatos, entrevistas, reportagens, animações, infográficos. São inúmeras investigações duvidosas e opiniões suspeitas ou levianas de especialistas ou de quem passa por sê-lo.

As mais de duas centenas de mortes transformaram-se num vasto material para a exploração sensacionalista. Cada óbito rende muitos depoimentos emocionados de parentes e amigos. São constantemente entrevistados, citados e incitados a chorar em frente às câmeras e diante dos microfones.

Foi assim com as enchentes na região serrana do Rio e o massacre na escola de Realengo. A grande imprensa provoca lágrimas para embaçar a visão, não para levar à ação popular organizada. Para usar a generosa solidariedade da população na disputa por pontos no milionário mercado de audiência.

Há muitos pássaros agourentos pousados sobre os corpos de Santa Maria. São políticos, autoridades, empresários, advogados, policiais, juízes. Mas uma enorme sombra paira acima deles todos. É a imensa ave de rapina da grande mídia, que sobrevoa tudo para tudo encobrir.

Leia também: Enxurrada de lágrimas

29 de janeiro de 2013

A Bíblia não é manual de instruções

Diante da ofensiva religiosa contra o casamento gay, nada como um pouco da lucidez de um católico. Trata-se de Clifford Longley, jornalista e importante liderança leiga da Inglaterra.

Em artigo publicado pela revista The Tablet, em 12/01, ele lembra que, em 2008, o Vaticano aceitou a compatibilidade da teoria da evolução com a Bíblia. Se é assim, diz Longlley:

...a Igreja aceita que a sexualidade humana evoluiu. Isto significa que nossos órgãos sexuais e a maneira como funcionam juntos não foram sempre assim como são agora. Eles são produto de milhões de anos de adaptação para melhorar as chances de sobrevivência da espécie.

Isso se aplica a todas as outras faculdades humanas (...). Elas evoluíram e, tanto quanto sabemos, ainda estão evoluindo. Nós abandonamos a ideia de que Deus criou o mundo de uma vez para sempre em seu estado final e perfeito e que, por isso, podemos descobrir como Deus queria que nos comportássemos olhando a forma como as coisas estão projetadas. Não houve um projetista mestre, e, por conseguinte, não há “instruções do fabricante” às quais possamos fazer referência. Num mundo pós-darwiniano, não há “ordem” divinamente sancionada em nossa biologia, de modo que nada pode ser “intrinsecamente desordenado”. Há simplesmente o estado até o qual a evolução nos trouxe, por um processo que Darwin chamou de seleção natural.

Mas o Vaticano não está disposto a aceitar esse tipo argumentação. Nem muitas das principais instituições religiosas. Elas continuam tratando a Bíblia como um manual de instruções que prescreve valores conservadores e autoritários.

28 de janeiro de 2013

O fim da escravidão nunca foi prioridade para Lincoln

O “Lincoln” de Spielberg concentra-se nos gabinetes do poder. A brutalidade da Guerra Civil fica em segundo plano. A resistência dos negros nem aparece. Lincoln é mostrado como um herói da luta por igualdade. Mas o combate à escravidão nunca foi sua prioridade.

É o que mostra Howard Zinn, em seu livro “Uma história do povo dos Estados Unidos”. Ele cita uma carta de Lincoln a Horace Greeley, editor do New York Tribune, escrita em agosto de 1862:

Meu maior objetivo nesta luta é salvar a União, não é salvar ou destruir a escravidão. Se eu pudesse salvar a União sem libertar nenhum escravo, eu o faria. Se eu pudesse salvá-la libertando todos os escravos, eu o faria. E se eu pudesse fazê-lo libertando apenas alguns, também faria isso. O que faço em relação à escravidão e às pessoas de cor, faço porque ajuda a salvar a União. E quando me calo, me calo porque acredito que assim ajudo a salvar a União... Manifesto meus propósitos de acordo com minhas obrigações oficiais, e não pretendo ceder a meus desejos pessoais, já bem conhecidos, no sentido de que todos os homens, em todos os lugares, sejam livres.

É por isso que, durante a guerra, uma lei libertou escravos apenas nas áreas que lutavam contra a União. Sobre isso, o jornal inglês "The Spectator" escreveu: "O princípio não é o de que um ser humano não possa possuir escravos. Ele pode possui-los, desde que seja leal aos Estados Unidos".

Depois que a Guerra Civil terminou, os negros continuaram a lutar por igualdade legal por 100 anos. Sozinhos.

Leia também: “Então, não sou uma mulher?”

25 de janeiro de 2013

Que Obama nos poupe da igualdade americana

A imprensa destacou o discurso de posse de Barack Obama em seu segundo mandato. Principalmente, a parte em que ele defendeu a igualdade de direitos para mulheres, gays e imigrantes.

Mas de que igualdade ele fala? Vejamos o que dizem Inês Castilho e Andrew Barker. Eles publicaram  o artigo “EUA: o aumento brutal da desigualdade” no site Outras Palavras, em 24/01.

O texto anuncia o documentário “Desigualdade para todos” do economista Robert Reich. A produção revelaria como 400 norte-americanos tornaram-se mais ricos que metade da população do país, ou melhor, 150 milhões de pessoas.

A matéria revela, por exemplo, que em 1978:

...um trabalhador homem norte-americano típico ganhava cerca de 48 mil dólares anuais, enquanto um profissional de elite recebia cerca de 393 mil dólares anuais. Em 2010, o trabalhador médio viu seus ganhos reduzidos a 33 mil dólares anuais, enquanto o profissional do topo pulou para mais que o dobro, aproximadamente 1,1 milhão de dólares anuais.

Tudo isso graças às políticas neoliberais, denuncia Reich. O problema é que ele foi secretário do Trabalho dos Estados Unidos durante o governo Clinton. Mas não cita o papel do democrata “na desregulamentação financeira que viria abalar a economia mundial uma década depois”, lembra a matéria.

O documentário parece achar que o sistema precisa de um bom conserto. Mas o capitalismo não está funcionando mal. Só está funcionando do jeito que sabe funcionar: produzindo desigualdades.

Nesse sentido, a igualdade para gays, mulheres e imigrantes já existe. Eles já fazem parte da grande maioria de americanos igualmente explorados. E não é para eles que Obama governa.

Leia também: Obama reeleito: mitos e realidade

24 de janeiro de 2013

O que está por trás da invasão do Mali

Mauro Malin escreveu artigo esclarecedor sobre o conflito no Mali. “Não são ‘islâmicos’” foi publicado no Observatório da Imprensa em 22/01.

O título refere-se à forma como a grande imprensa se refere aos pretensos terroristas que estariam dominando parte do país. Eles são sempre “islâmicos”, “muçulmanos”, “maometanos”. Adjetivações usadas como sinônimo de violência, fanatismo e intolerância.

Mas a grande mídia também ajuda a esconder os verdadeiros interesses envolvidos nessa invasão ao país africano.

Segundo Malin, a ofensiva interessa à França “porque a maior parte do urânio usado para gerar energia no país vem de reservas situadas no Mali e no Níger”. Também “interessa aos Estados Unidos e à China porque entre os recursos da região estão sal, fosfatos, ferro, ouro, cassiterita, cobre, estanho, carvão e hidrocarbonetos”.

A Alemanha também apoia a invasão. Suas empresas planejam estabelecer na região “uma produção maciça de eletricidade solar”. Afinal, o Mali fica num continente com abundância de luz natural.

Tudo isso foi possbilitado por uma resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, em 2012. Ela autorizava intervenção militar externa para “garantir a integridade do território malinês”. Todos os membros votaram a favor. Todos estão entre os países citados acima.

A França lidera a invasão. Mas já conta com o “apoio logístico” inglês e estadunidense. Bélgica, Dinamarca e Alemanha prometem fazer o mesmo.

Não sabemos se a unidade territorial do Mali realmente está em risco. Mas, com certeza, a integridade de suas reservas minerais já está sob ataque.

Mais um capítulo na longa e interminável história dos massacres europeus em terras africanas.

Leia também: Na África, a carne mais barata

23 de janeiro de 2013

Troque sua saúde por uma geladeira nova

Em 2008, o Congresso Nacional acabou com o CPMF. O governo Lula fez o maior escândalo. Alegou que se tratava de uma vitória neoliberal. A Saúde perderia arrecadação. Os cofres públicos ficariam sem R$ 40 bilhões anuais.

Desde então, os governos petistas vêm se especializando em "desonerar a folha de pagamento". São várias isenções de tributos para os empresários. Eles prometem manter a produção e o nível de emprego. Garantidos, mesmo, só os milhões que deixam de pagar em contribuições sociais.

Em 22/01, o jornal Valor divulgou levantamento feito pela Receita Federal feito a seu pedido. O estudo revelou que esse tipo de isenção tributária deve somar R$ 53,2 bilhões neste ano e R$ 62 bilhões, em 2014.

Em 17/01, Viviane Tavares publicou artigo no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz. O texto chamado “Quem vai pagar a conta?” esclarece que, ao abrir mão de impostos como IPI, PIS e Cofins, o governo tem ”optado pelo incentivo ao mercado em detrimento das políticas sociais”.

O artigo cita dados da Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias. As renúncias das receitas da Cofins, por exemplo, chegaram a R$ 34,6 bilhões, em 2011. Isso equivale à metade de toda a despesa em Saúde.

Façam as contas. Tudo isso representa bem mais que os tais R$ 40 bilhões perdidos pelo fim da CPMF.

O artigo de Viviane coloca as coisas nos seguintes termos: entre geladeiras novas e saúde pública de qualidade, a escolha parece óbvia. Mas o governo federal prefere a primeira opção e vai colocando a maioria da população na maior fria.

Leia também: A saúde pública atropelada

22 de janeiro de 2013

A triste alegria que o dinheiro compra

Nos Estados Unidos, as empresas de cartões de crédito diminuem os limites de gastos de seus clientes quando eles se divorciam. As empresas alegam que recém-separados começam a ter problemas para pagar suas dívidas. Esta informação é de Alexandre Rodrigues em matéria publicada no Valor em 18/01.

A reportagem tem por título “Tristeza não tem fim, dinheiro sim” e fala de estudos que mostrariam que “pessoas tristes têm mais problemas com as finanças pessoais, dívidas do cartão de crédito e financiamentos, empréstimos e seguros duvidosos”.

Basicamente, trata-se de algo facilmente observável no cotidiano. Pessoas tristes começam a gastar para obter satisfação, prazer, alegria imediatos e concretos. A matéria cita vários estudos que comprovariam essa hipótese.

O mais sério disso tudo é a identificação do consumo com felicidade. Algo que se mostra ainda mais grave num momento da história humana em que a maioria acredita que a tristeza deve ser banida de nossas vidas. Felicidade como obrigação não pode ser felicidade.

Tudo indica que este é um fenômeno cada vez mais comum em nossa vida social. É o sintoma de que as relações humanas são cada vez mais intermediadas pelas coisas. Mais precisamente, pelas mercadorias. Marx já havia denunciado isso. Chamou de “fetichismo da mercadoria”. Trata-se de uma lógica social que esvazia de sentido a vida humana.

Mas nem por isso o revolucionário alemão achava que estávamos fadados a viver assim. Morreu acreditando que somos muito melhores que isso. E que poderíamos colocar tudo de cabeça pra baixo através da ação revolucionária. Portanto, nada de tristeza. Até porque chega uma hora em que o crédito acaba.

21 de janeiro de 2013

Tarantino atira no racismo, mas só pega de raspão

Como todo filme de Tarantino, “Django livre” é tão violento que chega a ser divertido. Mas, desta vez, as gargalhadas valem o ingresso.

Com uma exceção, todos os personagens brancos são racistas da pior espécie. Quando Django massacra cada um, só nos resta vibrar de alegria. Inclusive, quando entre os mortos está um velho negro nojentamente puxa-saco.

O grande problema é exatamente a exceção branca. Trata-se do alemão Schultz, responsável por dar a Django a chance de executar sua vingança por anos de cruel cativeiro. Daí, a justa indignação de muitos críticos. O benfeitor do filme é um europeu. E ainda por cima, alemão!

Mas Tarantino deixa alguns recados. Schultz é caçador de recompensas. Diz que só se diferencia dos mercadores de negros porque negocia corpos mortos. Dá a entender que é tão movido pelo dinheiro como os escravocratas.

O personagem interpretado por Leonardo Di Caprio é um racista mimado e cruel. Adora a sofisticação francesa. É fã dos Três Mosqueteiros, mas permite que seus cães comam vivo um escravo rebelde. Quando Schultz lhe explica que Alexandre Dumas era negro, fica com cara de Homer Simpson.

O final do filme costuma arrancar aplausos da plateia. Mas entre os que aplaudem podem estar muitos que só desprezam um racismo explícito demais. Preferem sutilezas discriminatórias mais eficientes, com resultados igualmente cruéis. É o caso de nosso racismo. É mais discreto, mas mata jovens negros aos montes.

O fato é que o racismo não será derrotado com tiros e explosões. Nem as revoluções mais radicais conseguiram isso. E esta é uma das razões de terem sido derrotadas.

Leia também: “Mortes de negros não chocam”

18 de janeiro de 2013

Conciliar capitalismo e consumo consciente não dá

O relatório “Riscos Globais 2013”, do Fórum Econômico Mundial, foi divulgado recentemente. Segundo o estudo, “o fracasso da adaptação à mudança climática” aparece “como o risco ambiental que terá o maior impacto na próxima década".

Ou seja, os grandes capitalistas começam a se preocupar. Mas é muito provável que não possam fazer nada. Um artigo publicado na página do IHU-Online ajuda a explicar. Chama-se “O capitalismo e a economia política da mudança climática”, de Rob Urie, economista estadunidense.

O texto é um tanto confuso, mas alguns trechos merecem destaque. Ele diz, por exemplo, que diante do aquecimento global, o princípio capitalista de que as pessoas agindo “segundo seus interesses individuais produzam bons resultados coletivos, é comprovadamente falsa”.

Urie refere-se à tese do economista inglês Adam Smith, a mais respeitada da doutrina capitalista. Com base nela, os ideólogos da burguesia defendem soluções individuais para os desequilíbrios ecológicos. Ou seja, consumo consciente para salvar o planeta.

Mas o problema começa na esfera produtiva. Como diz Urie, o lucro só pode se realizar se os custos de produção forem empurrados para os outros. Começa pelo trabalhador diretamente explorado, mas também inclui o meio ambiente e populações inteiras. É a fumaça que sai da chaminé e envenena tudo em volta.

Os ecocapitalistas não estão apenas pedindo às pessoas que paguem mais por produtos limpos em nome de um bem maior. Estão querendo que os empresários arquem com os custos de uma produção limpa. Isso vai contra séculos de egoísmo econômico pregado pelo capitalismo. Ou seja, não vai rolar.

16 de janeiro de 2013

A cereja e o bolo dos programas sociais federais

Os petistas consideram os programas sociais a cereja do bolo de seus governos. Eles têm razão. Infelizmente.

Michelle Amaral publicou matéria no “Brasil de Fato” que aborda a política educacional governo federal. Intitulada “Educação avança de forma tímida“ e publicada em 14/01, a reportagem ouviu lideranças populares do setor.

Clara Saraiva, da Comissão Executiva da Assembleia Nacional dos Estudantes Livre, é uma delas. Ela traz dados do Programa Universidade para Todos (Prouni), que oferece vagas nas universidades particulares. Em muitos casos, são vagas ociosas concedidas em troca de isenção fiscal.

Clara diz que desde sua criação, em 2005, o programa já disponibilizou mais de 1 milhão de bolsas de estudo, mas renunciou a cerca de R$ 3 bilhões em tributos. É possível que muitos estudantes pobres tenham se beneficiado. Mas é inegável que os grandes premiados foram os poderosos empresários da educação.

Na área da habitação, a pesquisadora da Unicamp, Francini Hirata, concedeu entrevista à IHU-Online, publicada com o título “Minha Casa, Minha Vida: urbanização sem cidade”. Ela admite que o programa pode ter entregue quase um milhão de moradias. Mas denuncia o favorecimento das faixas de renda mais altas.

Os dados são da própria Caixa Federal. A segunda fase do programa começou em outubro de 2011. Apenas 1,9% de unidades contratadas foram entregues para quem ganha até R$ 1,6 mil contra 50% na faixa entre R$ 1,6 mil e R$ 5 mil mensais. Ou seja, as empreiteiras determinaram as prioridades.

Tanto na moradia, como na educação, a população pobre pode ter ficado com a cereja. Mas quem devorou o bolo foram os agentes do mercado.

Leia também Dilma: retrocessos e permanências vergonhosos

A crise europeia e o gato Orlando

Marcelo Justo publicou “Multinacionais, Europa e austeridade” na Carta Maior. Ele dá um quadro pessimista para a crise na União Europeia (UE). Logo nos primeiros 15 dias de 2013, a Ford, na Bélgica, e a Honda, no Reino Unido, anunciaram fechamento de fábricas e demissões.

Cita estudo da consultoria McKinsey: “O investimento anual nos 27 países da UE caiu em aproximadamente 350 bilhões de euros entre 2007 e 2011, uma queda 20 vezes superior à registrada no consumo privado e quatro vezes maior do que a queda do conjunto da economia”.

A maior economia da região é a alemã. Em 2012, amargou um crescimento de apenas 0,8%. O órgão de estatísticas Eurostat acusa desemprego de 11,8%, mas o índice chega a 25% em países como Grécia e Espanha.

Apesar disso tudo, alguns otimistas comemoram crescimento de 12% nas bolsas de valores do continente no ano passado. Nesse caso, talvez fosse bom prestar atenção no gato Orlando. Recente matéria do jornal britânico “The Observer” destacou o felino como “o investidor de faro mais aguçado em 2012”.

A matéria explica como ele escolhe as melhores ações para investimento. Orlando atira o seu rato de brinquedo na direção de um número que representa uma empresa. Seus palpites se mostraram melhores que os de profissionais de investimento e alunos de economia.
 
O experimento provaria uma tese do economista Burton Malkiel. Para ele, “os preços das ações sobem de modo completamente aleatório, tornando as bolsas de valores totalmente imprevisíveis”. 

Mas nem tudo é tão acidental. Os índices de desemprego e pobreza europeus mostram quem são as vítimas inevitáveis da crise capitalista.

Leia também: Macacos e economistas amestrados

14 de janeiro de 2013

O enorme Ícaro que voa sobre nós

Em meio à confusão sobre a rolagem da dívida americana, surgiu a delirante ideia da moeda de 1 trilhão de dólares. Ela ficaria depositada no banco central americano, servindo como garantia para os gastos do governo do país.

Ninguém levou essa ideia muito a sério. Ela serviria apenas para mostrar a que ponto surreal chegou a economia dos Estados Unidos. Mas algo muito mais absurdo e delirante já vem acontecendo há muito tempo. E está na raiz da atual crise capitalista.

A partir de 1944, o comércio capitalista mundial adotou como moeda-padrão o dólar lastreado em ouro. Ou seja, para cada dólar haveria uma quantidade de ouro nos cofres americanos. Na prática, qualquer um que tivesse moeda americana poderia trocá-la pelo valioso metal junto ao governo estadunidense.

Isso já representava um poderio enorme nas mãos do império estadunidense. Mas, em 1971, o governo americano decidiu acabar com a equivalência dourada. Desde então, o dólar é garantido pela palavra do tesouro ianque. Ou melhor, por sua enorme e poderosa economia.

Mas o delirante da situação não está aí. A grande loucura foi a definição de que as moedas já não teriam qualquer equivalência real. Tornaram-se literalmente papel pintado ou metal gravado. Foi neste momento, que o capital finalmente ganhou asas. Virou “capital volátil”. Aquele que voa para qualquer lugar, a qualquer momento.

Como Ícaro, voa cada vez mais alto. Tão alto que o sol pode derreter a cera que prende as penas de suas asas. E o que parece a sombra de uma nuvem passageira, pode ser seu imenso corpo desabando sobre nós.

Leia também: Crise: O bode saiu. Ficou a bosta

Para o capital, fome é um problema estético

Esther Vivas é uma das principais lideranças do partido Izquierda Anticapitalista, da Espanha.  Em 01/01, ela publicou artigo no site “Público”, com o título “Alimentos para comer ou jogar fora?”.

Segundo o texto, a produção alimentar triplicou desde os anos 60. No mesmo período, a população mundial apenas dobrou. A ONU diz que 870 milhões de pessoas no planeta passam fome, mas 1 milhão e 300 mil toneladas de alimentos são desperdiçadas anualmente.

Esther diz que tanto desperdício deve-se basicamente a um problema estrutural e de fundo:

...os alimentos se tornaram mercadorias de compra e venda e sua função principal, nos alimentar, ficou em segundo plano. Desta maneira, se o alimento não cumpre determinados critérios estéticos, sua distribuição não é considerada rentável, se deteriora antes do tempo ... é rejeitado.

É isso mesmo. Alimentos que não cumprem “determinados critérios estéticos” são simplemente descartados. Talvez, porque milhões de pessoas famintas não afetem os tão rigorosos “critérios estéticos”.

Quando causas e soluções relacionadas a um determinado problema são conhecidas, sua superação passa a ser de natureza ética. Ou seja, a opção entre resolvê-lo ou não é definida pelos valores envolvidos.

A ditadura do livre mercado chegou ao ponto de jogar fora alimentos devido a sua aparência. Mas isso não tem a ver com estética. Envolve os valores que regem a ética capitalista. E esta, sim, é muito feia!

11 de janeiro de 2013

Índia: brutalidade ancestral e crueldade capitalista

Voltamos ao artigo da secretária geral da Associação Progressista Pan-Índia de Mulheres, Kavita Krishnan. Em “Temos que defender o direito das mulheres sem medo!”, ela denuncia a violência contra as mulheres na Índia.

Além das ocorrências de estupro, Kavita relata vários casos de mulheres assassinadas por seus próprios pais ou irmãos. Principalmente, por se envolverem com homens que não são de sua casta.

A divisão por castas é baseada no nascimento. O relacionamento entre os membros de castas diferentes é sujeito a restrições severas. Mas esse tipo de discriminação é ilegal desde os anos 1970. Ela atrapalharia a liberdade de mercado.

Em 1853, Marx escreveu uma carta sobre o domínio inglês na Índia. Ele saudava a chegada do capitalismo ao país. Dizia que as “indústrias modernas” iriam dissolver as castas, “esses obstáculos decisivos ao progresso indiano e à potência indiana”.

Mais tarde, o revolucionário alemão iria rever essa posição infeliz. Diria que o capitalismo mostrou-se mais sangrento que qualquer outro sistema social. Responsável pelo massacre de milhões de seres humanos, não poderia representar qualquer progresso.

A prova é o que acontece na Índia, hoje. As leis contra a discriminação são amplamente ignoradas. Ainda assim, o país se tornou uma das economias mais fortes do planeta.

O mesmo acontece em muitos cantos do mundo. Machismo, racismo, homofobia, intolerância em geral. Nada disso é problema se não atrapalhar os lucros. Em geral, até ajuda porque enfraquece a luta dos explorados.

O capitalismo pretende levar os avanços da civilização aos povos atrasados. Na verdade, usa as brutalidades mais ancestrais para reforçar suas modernas formas de crueldade. 

Leia também: Estupro não envolve desejo. É ódio às mulheres

10 de janeiro de 2013

A prosa dos petistas e o pau dos latifundiários

O governo Dilma é responsável pelos piores números da Reforma Agrária desde 1994. Gerson Teixeira é ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária. Ele deu um depoimento muito esclarecedor à IHU On-Line sobre essa vergonhosa situação.

Na entrevista intitulada “O agronegócio e o abismo agrário-ambiental”, ele diz que com FHC tivemos “muito pau e pouca prosa”. O período Lula teria sido marcado por “muita prosa e pouco pau”. Sob Dilma, estaria valendo “pouco pau e nenhuma prosa”.

FHC teria como limite político o latifúndio. Os limites de Lula eram impostos pelo agronegócio. Mas Dilma teria ignorado todos os limites. Como não podia com eles, juntou-se a eles. É o que se deduz do que diz o entrevistado:

...chegamos a um estágio em que a política agrária e a política ambiental passam a ser instrumentais à expansão do agronegócio. Perdeu o caráter de administração de conflitos e se transforma em instrumento do próprio agronegócio.

Mas não é justo responsabilizar apenas o atual governo. Teixeira revela que o esvaziamento da Reforma Agrária foi definido por “um processo político interno do PT”, já em 2002. O objetivo seria evitar que desgastes comprometessem a “governabilidade” petista junto a uma parte da base aliada.

Quase uma década depois, já sabemos qual a governabilidade que se buscava. O agronegócio e outros setores do grande capital não poderiam estar mais tranquilos. Enquanto isso, o último relatório anual da Comissão Pastoral da Terra mostra um aumento de 24% nos conflitos no campo entre 2010 e 2011.

O atual governo petista realmente é de pouco prosa. Mas os latifundiários continuam a baixar o pau.

Leia também: Muitos sem terra, poucos sem iate

9 de janeiro de 2013

Estupro não envolve desejo. É ódio às mulheres

Em “A Sagrada Família”, Marx disse que o progresso da mulher e de sua liberdade mostrariam o grau em que “a natureza humana” é capaz de triunfar sobre a bestialidade.

Bestialidade é uma palavra suave para o que aconteceu na Índia, recentemente. Em 18/12, cinco homens estupraram uma jovem num ônibus. Seria só mais um caso, não tivesse provocado um grande protesto popular por punições severas, em Nova Déli.

A secretária geral da Associação Progressista Pan-Índia de Mulheres, Kavita Krishnam, escreveu o artigo “Temos que defender o direito das mulheres sem medo!”. Ela revela que os casos de estupro no país aumentaram 791% de 1971 a 2010. Mas o número de condenados baixou de 41% para 27% no mesmo período.

As vítimas são sempre consideradas culpadas pelas autoridades. É muito comum exigir que as mulheres demonstrem que não “provocaram” seu próprio estupro. Governo, polícia e grande mídia tentam responsabilizar trabalhadores imigrantes pelos crimes. Mas Kavita diz que 90% dos casos de estupro são cometidos por pais, irmãos, tios e vizinhos da vítima.

Tudo indica que a jovem do ônibus não foi estuprada por conhecidos. Mas a tolerância em relação à violação sexual no ambiente doméstico banaliza esse tipo de selvageria.

Por outro lado, Kavita condena propostas como a castração química dos culpados. Elas se baseiam na ideia de que o estupro é motivado por desejo sexual. Não é. “O estupro é motivado pelo ódio às mulheres, não pelo desejo por elas”.

A violência sexual contra mulheres é uma regra maldita e antiga em quase todas as sociedades. Enquanto não for extinta, permaneceremos na pré-história mais tenebrosa.

7 de janeiro de 2013

O “Estado Social” e as emboscadas capitalistas

Boaventura de Sousa Santos publicou o artigo “Estado social, estado providência e de bem-estar” no jornal português Diário de Notícias, no final de dezembro. Para ele, o “Estado social” seria “o resultado de um compromisso histórico entre as classes trabalhadoras e os detentores do capital”. Uma espécie de acordo que permitiria combinar “desenvolvimento econômico e proteção social”.

Este modelo, diz o texto, começou a receber ataques dos neoliberais “a partir dos anos 1970 até chegar a seu cume nos anos 1990”. Eram ataques ideológicos, travestidos como “uma nova racionalidade econômica”.

O artigo aponta questões importantes, mas deixa dúvidas igualmente consideráveis. A primeira delas é quanto ao tal “compromisso” entre classes. Se ele existiu, mostrou-se muito mais vantajoso para os capitalistas, que continuaram proprietários dos meios de produção. Portanto, muito mais capazes de “trair o compromisso”. Foi o que fizeram assim que possível.

Além disso, por que somente a falsa “racionalidade econômica” dos ataques ideológicos neoliberais teria força para derrubar um acordo tão vantajoso para todos? Seria muito mais lógico acreditar que o próprio “Estado social” mostrou-se incapaz de se consolidar como saída para as contradições capitalistas.

Nessa questão, tanto neoliberais como anticapitalistas revolucionários concordariam. Para uns e outros, justiça social e capitalismo são incompatíveis. A enorme diferença é que os neoliberais defendem a manutenção dos dois e os revolucionários, o fim de ambos.

Esta é a verdadeira racionalidade econômica vigente. Ela não existe apenas sob o neoliberalismo. É a própria essência do capitalismo. Querer manter este sem aquele é escolher um caminho que vai dar no beco cego em que nos esperam as emboscadas capitalistas.

6 de janeiro de 2013

“Nosso imperialismo” chega a Cuba

“Odebrecht chega a Cuba”, diz Fernando Caulyt em reportagem publicada no Deutsche Welle, em 03/01. A empreiteira brasileira recebeu a concessão de uma empresa açucareira por 13 anos. Trata-se do primeiro investimento estrangeiro no setor agrícola desde a Revolução de 1959. Seria a “abertura do agronegócio no país”, segundo o artigo.

Especialistas divergem sobre o real significado da medida. Mas o professor da Universidade de Brasília, Carlos Eduardo Vidigal, é otimista. Ele acredita numa abertura progressiva e calculada ao mercado internacional. E cita como exemplo a China, que teria desenvolvido “seu projeto de potência econômica sem abandonar o comunismo".

O fato é que os cubanos precisam encontrar uma saída para uma crise que já dura décadas. Não apenas devido ao criminoso boicote estadunidense. A ilha está pagando um preço muito elevado pela equivocada dependência em relação à falecida União Soviética.

Mas apostar no caminho chinês não é a saída. A China tornou-se uma potência econômica às custas de trabalho superexplorado, direitos mínimos e pouca liberdade. Quase tudo para benefício das poderosas multinacionais lá instaladas. De comunismo, só o nome fantasia.

A matéria diz que a empreiteira brasileira já executa obras no valor de mais de 900 milhões de dólares no porto de Mariel. E 85% do projeto são financiados pelo BNDES. Parcerias como esta já fazem estragos aqui, no restante da América Latina, além de Oriente Médio e África. É uma das alavancas do terrível “imperialismo jr.” brasileiro.

O governo dos Estados Unidos pode ficar tranquilo. Parece que seu parceiro na invasão do Haiti também começa a ajudá-lo em Cuba.

Leia também:

4 de janeiro de 2013

Pouco dinheiro no bolso, saúde só pra vender

Recentemente, a revista médica "Lancet" publicou vários estudos sobre a expectativa de vida da humanidade. Os principais resultados estão na reportagem “Anos a mais de vida têm menos qualidade”, de Débora Mismetti, publicada na Folha em 14/12. Eles mostraram que as pessoas estão vivendo mais e pior.

Um artigo de Joshua Salomon, da Escola de Saúde Pública de Harvard, por exemplo, comparou as condições de saúde entre 1990 e 2010 em 187 países. “Os resultados mostram que um ano a mais de vida corresponde, na verdade, a 0,8 ano vivido com saúde”, diz a matéria.

A culpa é de doenças crônicas, causadas por hábitos ruins e péssimas condições de vida. A reportagem cita Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde: "Se não atacarmos as doenças crônicas, as pessoas vão viver mais, mas com sequelas de AVC (acidente vascular cebral), amputação por causa de diabetes, diálise."

Do ponto de vista da dignidade das pessoas, é muito ruim. Ser idoso já é uma condição sujeita a discriminações sociais e apertos econômicos. Doenças e limitações físicas só pioram a situação. E ainda há a pressão sobre o sistema público de saúde.

Mas nem todo mundo tem razão para se queixar. É o caso da poderosa e bilionária indústria farmacêutica. Acabamos dedicando nossas vidas mais longas a consumir seus produtos caros e de eficiência muito questionável.

“Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”, é o que se costuma desejar. Mas as indústrias de medicamentos têm ficado com o dinheiro e nos vendido caro uma saúde precária. Apesar disso, Feliz Ano Novo “pra geral”!

3 de janeiro de 2013

Dilma: retrocessos e permanências vergonhosos

A página do Instituto Humanitas Unisinos publicou um balanço político de 2012. O título diz tudo “Um ano de retrocessos e permanências na agenda ambiental, social, econômica e política”. O documento é extenso, mas vale a leitura.

Em relação ao governo Dilma, aponta muitos recuos e em todas as áreas. É o caso do Código Florestal “feito sob medida do agronegócio” e da Transposição do São Francisco, “obra boa para a indústria da seca”. Na Reforma Agrária, o primeiro ano do mandato de Dilma registrou “o pior desempenho desde a Era FHC”.

Muitos podem lembrar o desemprego em queda e o consumo em alta sinalizando ganhos de renda. Mas a distância entre a “questão social” e a pauta socioambiental mostra que os petistas só romperam com o neoliberalismo tucano onde se aproximou do desenvolvimentismo da ditadura militar. Eis uma das permanências de que fala o título do texto.

Outra permanência ruim aparece no quadro político: “O maior partido de esquerda brasileiro e o seu governo reproduziram, com poucas exceções, o mais do mesmo que sempre se viu na política nacional desde a Velha República”.

Não poderia ser diferente tendo uma base partidária liderada por figuras como Sarney, Barbalho, Jucá, Geddel, Collor, entre outras. Mas nada disso impediu que o PT fosse sangrado por seu estúpido envolvimento com o Mensalão criado pelo PSDB. A mais feia das permanências.

Por fim, a permanência estrutural. Mesmo com maior mobilidade social, diz o documento, o Brasil continua combinando um dos maiores Produtos Internos Brutos com os piores Índices de Desenvolvimento Humano.

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