Doses maiores

31 de maio de 2023

Fake news: afinal, o que é a verdade?

A epidemia de fake news é um sintoma. Mostra que a noção do que é real ou não está em profunda crise. Aponta para a questão de saber o que, afinal, é a verdade?

Uma resposta possível é que verdadeiro é aquilo que nos aparece como realidade concreta. E, segundo Marx, o “concreto é a síntese de múltiplas determinações".

O concreto de que estamos tratando aqui diz respeito à realidade social. A realidade não social também é resultado de múltiplas determinações: é o caso das estrelas, dos fenômenos geológicos e climáticos etc. Mas somente a realidade dos relacionamentos entre pessoas está ao alcance da intervenção humana, mesmo que, em regra, esteja longe de ser plenamente consciente e, muitas vezes, produza resultados muito diferentes dos projetados.

Voltando a Marx, os “homens fazem a história, mas não sabem que a fazem”.

A realidade social é produto de determinações que surgem a partir das relações estabelecidas entre as forças vivas da sociedade. Forças conservadoras, revolucionárias, reacionárias, disruptivas. Para continuar no registro marxista, a realidade de uma sociedade de classes é produto contraditório da luta das classes que a compõem.

Tal como as outras esferas da vida humana, a ciência e o jornalismo também estão imersos nessa luta, mas pretendem captar e interpretar a realidade tal como ela é, acima das divergências.

Por muito tempo, essa pretensão foi amplamente aceita. Já não é mais. Resta saber o que explica que esse fenômeno esteja acontecendo no atual momento histórico e porque os piores ataques partem de forças conservadoras e fascistas.

É essa questão que a próxima pílula tentará abordar.

Leia também: A economia política das fake news

30 de maio de 2023

A economia política das fake news

“Infocalipse” é um conceito criado por Aviv Ovadya, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Em 2018, ele descrevia esse fenômeno assim:

...à medida que a qualidade das informações no geral diminui, a inteligência de todos os membros da sociedade e de todas as diferentes organizações que a tornam funcional também diminui. E, se você vai muito fundo nisso, a sociedade basicamente desmorona.

Na época, Ovadya afirmou que só chegaríamos a esse ponto se coisas como a falsificação de áudios e vídeos se tornassem frequentes. Cinco anos depois, chegamos lá.

Estamos em plena era das fake news. Mas isso só ocorreu porque sua disseminação em larga escala foi viabilizada pelas redes virtuais. Estas, por sua vez, surgiram como resposta à necessidade de encurtar o tempo de circulação das mercadorias para realizar os lucros nelas embutidos. Google, Facebook, Youtube, Whatsapp, TikTok não são monopólios de interação social, mas de comercialização de publicidade. A principal função dos celulares não é agilizar a comunicação entre as pessoas, mas as trocas mercantis.

Desse modo, as informações sofreram a mesma metamorfose que já havia atingido outras bens sociais. Seu valor de troca vem eliminando seu valor de uso. A informação passou a ser valiosa apenas quando circula rapidamente. Se ela tem ou não alguma relação com fatos objetivos, pouco importa. Importam os cliques, retuítes, likes e zapeadas que movimentam a roda do consumo.

Assim, tudo indica que as fake news vieram para ficar. Pelo menos, enquanto a sociedade permanecer sob a lógica do capital.

Mas e os conceitos de realidade e verdade, como ficam? Bom, ficam para a próxima pílula.  

Leia também: As fake news e o jornalismo conservador

29 de maio de 2023

As fake news e o jornalismo conservador

Como já vimos, apelar às verdades científicas para combater as fake news é insuficiente e contraditório. O mesmo vale para o jornalismo.

Por décadas, a esquerda denunciou e combateu os monopólios de comunicação, controlados pelo grande capital e a serviço das classes dominantes. É o que mostram, por exemplo, o apoio à ditadura militar, o boicote às Diretas-Já, o favorecimento a Collor e a campanha pelo impeachment de Dilma. São episódios que evidenciam a atuação desse verdadeiro partido informal na defesa da ordem conservadora.

Ocorre que, à medida que a esquerda ganhava espaço nos governos e parlamentos, deixava de lado o combate aos impérios midiáticos, ao mesmo tempo em que se afastava do cotidiano das camadas populares. Confundimos luta contra-hegemônica com disputa eleitoral.

Livres para atuar, lideranças conservadoras se aproveitaram dessas contradições para convencer vastos setores populares de que os veículos da grande mídia são utilizados pelos comunistas para atacar os “sagrados” valores patriarcais, cristãos, nacionalistas e hierárquicos.

De modo oportunista, a extrema-direita declarou guerra contra algumas alas do partido midiático, como os grupos Globo e Folha. Diante disso, a defesa que muitos de nós, corretamente, assumem da atividade dos jornalistas é distorcida de modo a parecer cumplicidade com seus patrões. Para piorar, setores importantes da esquerda passaram a confiar à grande imprensa a tarefa de resistir às mentiras e distorções da extrema-direita.

Esses elementos mostram que a atividade jornalística, por si só, é incapaz de resistir às ofensivas mentirosas do fascismo. Afinal, como disseram Marx e Engels, nas sociedades de classe, as ideias dominantes tendem a ser as ideias das classes dominantes.

Leia também: Ciência e fake news: eugenia e negacionismo

26 de maio de 2023

Ciência e fake news: eugenia e negacionismo

A pílula sobre a relação entre a ciência e as fake news abordou algumas contradições e equívocos de uma referência importante como o Prêmio Nobel. Mas não é só isso.

É importante destacar a legitimação científica da eugenia. Por décadas, cientistas respeitáveis defenderam que a perfeição de nossa espécie seria garantida pela eliminação física ou seletiva de seres humanos sem certas qualidades e atributos que, não por acaso, combinavam perfeitamente com as que possuíam cientistas europeus e anglo-saxões.

Médicos fizeram propaganda dos benefícios do cigarro até os anos 60. Cientistas financiados pela indústria petroleira negaram o aquecimento global. Mulheres e não brancos só recentemente foram incluídos nos grupos a serem contemplados por análises clínicas.

Outro elemento importante é a própria especificidade da atividade científica, com suas certezas provisórias e sob constante debate e escrutínio. Algo perfeitamente legítimo, não fosse o isolamento das universidades, abertas apenas aos filhos da classe dominante e com raros egressos das camadas populares. O mesmo vale para as ciências humanas, mais acessíveis aos de baixo, mas ainda muito seletivas e sujeitas a fortes pressões de mecanismos de cooptação social.

É importante lembrar também as centenas de acadêmicos que escrevem diariamente nos grandes jornais para defender a economia neoliberal como ciência exata, inimiga de quaisquer ponderações sobre os terríveis efeitos sociais das políticas nela inspiradas.

Finalmente, junte-se a tudo isso a redução das políticas educacionais a técnicas de adestramento da população pobre para desempenho de tarefas braçais, alienadoras e mal pagas.

Eis aí, alguns dos principais ingredientes para a ampla aceitação de negacionismos e notícias falsas a serviço de projetos conservadores e fascistas.

Leia também: Como combater as fake news: a ciência segundo o Nobel

25 de maio de 2023

As big techs e a estagnação capitalista

Em artigo publicado em 2016, Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, afirmava:

Pense no impacto do Airbnb na construção de hotéis, do Uber na demanda por automóveis, da Amazon na construção de shoppings ou da tecnologia da informação na demanda de copiadoras, impressoras e escritórios.

Segundo Summers, houve uma redução drástica nos recursos econômicos destinados a diversas atividades tradicionais depois que elas foram capturadas por empresas de tecnologia. Daí o atual quadro de estagnação do capitalismo, com investimento escasso, pouca produção, consumo baixo e menos empregos, alimentando um ciclo vicioso.

Mas não é correto dizer que a estagnação começou com esse fenômeno. Na verdade, exceto por algumas decolagens abortadas, o capitalismo não sai do chão há uns 50 anos.

Dinheiro não falta. Mas ele está cada vez mais concentrado na especulação financeira e só residualmente vai para atividades produtivas. Só que no último período o destino dos investimentos foi as big techs. Conforme os números do artigo Como o big money moldou as big techs, recentemente publicado por Nils Peters, esse tipo de investimento aumentou de US$ 59 bilhões, em 2012, para mais de US$ 650 bilhões, em 2021.

A maior parte desse montante vem da derrama de dinheiro promovida pelos bancos centrais quando estourou a crise de 2008. O pretexto era reaquecer a economia. Mas os capitalistas ou voltaram a investir em especulação financeira ou ajudaram a criar imensos monopólios tecnológicos, que dizimaram empregos e ramos inteiros de negócios em troca de ocupações precarizadas e sub-remuneradas.

São os negócios de plataforma aprofundando a lógica de colapso social do capitalismo.

Leia também: A luta contra a exploração digital

24 de maio de 2023

Como combater as fake news: a ciência segundo o Nobel

Dizem que uma forma eficiente de combater notícias falsas é apelar para as certezas científicas. Será? Uma das referências mundiais nesse quesito é o Prêmio Nobel.

O alemão Fritz Haber recebeu o Nobel de Química em 1918. O problema é que o laureado desempenhou papel importante no primeiro ataque de gás em larga escala na Primeira Guerra Mundial. Foi na Bélgica, em 1915, resultando na morte de cinco mil soldados.

Em 1926, o dinamarquês Johannes Fibiger recebeu o Prêmio de Medicina após afirmar que uma lombriga causava câncer em ratos. Mais tarde, ficou claro que não havia qualquer relação entre os vermes e a doença dos roedores.

Outro prêmio foi para o químico suíço Paul Müller. Em 1948, ele defendeu o uso do pesticida DDT no cultivo de alimentos. A partir dos anos 1970, o produto seria proibido em grande parte do mundo por envenenar o meio ambiente.

O médico português António Egas Moniz foi premiado em 1949 por defender a lobotomia como tratamento para transtornos mentais. Trata-se de mutilar ou retirar os lobos frontais do cérebro. Técnica que causa graves lesões cerebrais.

Mahatma Gandhi foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz cinco vezes, sem sucesso. Já, o presidente Barack Obama conquistou o seu em 2009. Ocorre que sua administração conseguiu travar mais guerras do que a de seu antecessor, o nada pacífico George Bush.

Por fim, é sempre bom lembrar que o cobiçado prêmio foi instituído por Alfred Nobel, um homem que enriqueceu com o patenteamento de mais de 300 tipos de explosivos. Entre eles, a dinamite.

Voltaremos a estas questões.

Leia também: A lenda dos cinco macacos e um cacho de banana

23 de maio de 2023

Fascismo atualizado por algoritmos

Há um movimento chamado "transumanismo", que defende o uso da tecnologia e da inteligência artificial para superar as limitações humanas.

Elon Musk, um de seus adeptos, pretende conectar o cérebro humano a computadores para libertá-lo do corpo e permitir uma vida digital para além da morte. Jeff Bezos, da Amazon, investe em uma startup destinada a impedir o envelhecimento humano.

Em recente artigo, Muniz Sodré discute o “infra-humano entre nós”.  O sociólogo alerta que “a palavra a ser levada mais a sério nas análises recorrentes sobre os efeitos colaterais de redes e plataformas é desumanização”. Lembra que a ideia de humanidade surgiu para se adequar ao domínio europeu em escala planetária. Era fachada ideológica para a “legitimação da pilhagem dos mercados do Sudeste Asiático, dos metais preciosos nas Américas e da mão de obra na África”.

Ou seja, ser humano era um atributo que não se aplicava aos humanos não brancos cuja escravização foi necessária à acumulação capitalista. Como tal acumulação nunca cessou de existir, sua lógica se mantém firme e operante.

Assim, qualquer abordagem sobre tecnologias de aperfeiçoamento do ser humano nada mais é que “o brutalismo das tecnologias de ponta, cujo horizonte é o menos humano”, segundo as palavras de Sodré. É o que provam o apoio de Musk a Trump e a enorme exploração a que são submetidos dezenas de milhares de trabalhadores precarizados nos imensos galpões da Amazon.

Mas nada disso é novidade. O além do homem de Nietzche foi transformado pelos nazistas em justificativa para extermínio racista. Transumanismo é o infra-humano fascista atualizado por algoritmos a cada fração de segundo.

Leia também: Racismo estrutural, racismo algorítmico

22 de maio de 2023

As “massas” não são ingratas, ignorantes ou traidoras

“Políticas sociais mudam a cabeça do povo?”, pergunta o título do artigo que Frei Betto publicou, recentemente, no “Le Monde Diplomatique”.

Logo no início, o autor diz que a resposta à questão é não. Lembra, por exemplo, os vários direitos sociais conquistados “em setenta anos de União Soviética”. Mesmo assim, o povo russo deu boas-vindas ao capitalismo.

Depois, recorda os 13 anos de governos do PT, que asseguraram à população de baixa renda benefícios como Bolsa Família, salário mínimo acima da inflação, cotas nas universidades e redução da miséria, da pobreza e do desemprego. No entanto, Dilma Rousseff foi derrubada e Bolsonaro foi eleito. Lula voltou, mas venceu por apenas 2 milhões de votos.

Betto usa esses e outros argumentos para afirmar, com razão, que “é real o risco de a direita voltar à presidência da República em 2026”. Mas discorda de quem considera “as massas” ingratas. Por isso, propõe duas medidas: um intenso trabalho de educação popular pelo método Paulo Freire. Para isso, defende a utilização da Empresa Brasileira de Comunicação, “poderoso sistema de comunicação em mãos do governo federal”.

São propostas corretas, mas insuficientes. Por outro lado, a constatação do articulista sobre o comportamento das massas está correta. Elas não são ingratas, ignorantes, traidoras. Não precisam de boas intenções ou lições de moral. Querem respostas concretas para os terríveis problemas causados por uma sociedade profundamente injusta e violenta.

O fascismo já apresentou suas respostas. Elas aprofundam e radicalizam os males sociais. Já nós, se insistirmos em consertar um sistema irrecuperável, estaremos fadados ao fracasso e a nos tornar alvo preferencial da ira popular.

Leia também: A besta do fascismo continua fora da jaula

19 de maio de 2023

A besta do fascismo continua fora da jaula

Não nos enganemos, o governo Lula é uma ponte a ser queimada. E, se for necessário, ainda durante a travessia.

Bolsonaro não foi um raio num céu azul. A possibilidade de sua vitória foi um ponto cego até meses antes da eleição, mas apenas para as forças de esquerda e setores da direita tradicional. A maior parte da burguesia graúda começou a apostar suas fichas no capitão fascista logo que ele se tornou competitivo.

Era uma aposta que tinha seus riscos, mas o baronato capitalista nacional preferiu isso a aceitar o petismo liberal da candidatura Haddad por causa da sombra de Lula que pairava sobre ela.

É costume dizer que o fascismo é uma fera que a burguesia mantém na jaula até que seja preciso libertá-la. Mas, quando solto, todo animal desembestado pode causar tantos problemas que não há exorcismo que dê jeito. Foi o que aconteceu com a besta de plantão. Alguns de seus cuidadores, como a Globo e alguns outros monopólios de comunicação, chegaram a ter as mãos mordidas pela ingrata criatura.

Mas se Bolsonaro acabou se dando mal, o bolsonarismo continua vivo e operante. No Congresso, no governo de estados importantes como São Paulo, Rio e Minas, nos parlamentos pelo país afora e na própria base de apoio do governo petista.

A tarefa das classes dominantes agora é se livrar de Lula o quanto antes. Com menos de seis meses de governo, os editoriais dos grandes jornais não deixam dúvidas sobre isso. Incluindo aqueles cujas patas dianteiras ainda estão envolvidas em ataduras.  

A besta recuou, mas não voltou pra jaula. Está disponível.

Leia também: Os neoliberais têm um comunismo pra chamar de seu

18 de maio de 2023

A inteligência artificial é só mais uma forma de roubo

“ChatGPT não é 'inteligência artificial'. É roubo”. Este é o título de um artigo de Jim McDermott, recentemente publicado. Ele é escritor e, como roteirista de cinema, está envolvido na atual greve da categoria em Los Angeles.

Uma das questões da paralisação, afirma ele, é se os estúdios e as redes devem ter permissão para usar programas como o ChatGPT para criar esboços ou roteiros completos, que os escritores simplesmente reescreveriam ou revisariam.

Para McDermott, o famoso aplicativo não passa de uma forma muito complexa do tipo de previsão de texto que você encontra usando o Gmail ou o Google docs. Assim, enquanto os documentos do Google podem sugerir o restante de uma frase quando você começa a digitar a primeira palavra, o ChatGPT tem tantos dados à sua disposição que pode sugerir um parágrafo ou uma redação inteira.

Para o articulista, ao chamar esses programas de “inteligência artificial”, “concedemos a eles uma reivindicação de autoria que é simplesmente falsa”. Cada um desses elos usados por programas como o ChatGPT, continua ele, representa um minúsculo pedaço de material criado por outra pessoa.

Por isso, o autor compara esse tipo de aplicativo a uma espécie de desmanche, no qual o material roubado de seus criadores é cortado em partes tão pequenas que ninguém pode rastreá-las e, em seguida, reaproveitado para formar novos produtos.

Assim, conclui McDermott, o ChatGPT e seus semelhantes são a forma mais elevada de separar os trabalhadores do fruto de seu trabalho. Verdade. Mas esta é uma das características fundantes do atual sistema social.

Não é inteligência. É a velha esperteza gatuna do capitalismo.

Leia também: É preciso expropriar os robôs também

17 de maio de 2023

Eletrobrás: privatização foi sacanagem, sim

“Lula chama de 'sacanagem' modelo de privatização da Eletrobras”, diz título de reportagem da Folha, de 11/05/2023.

Privatização é quase sempre uma sacanagem. Mas nesse caso, capricharam. O “governo ficou com 43% das ações da Eletrobrás, mas no conselho só tem direito a 1 voto”, explica Lula.

Os especialistas dizem que esse arranjo vem se tornando comum na “governança empresarial”. Ele impediria que o controle das empresas fique com quem possui o maior número de ações. No lugar disso, os acionistas minoritários escolhem entre si uma espécie de comitê diretor para gerir os negócios.

Seria uma forma de dar mais poder aos acionistas minoritários e, no caso de estatais, impedir seu uso político, incluindo o perigo de tornar-se cabide de emprego e fonte de corrupção.

Pode até ser. Mas a possibilidade de abrigar corruptos e apadrinhados políticos foi trocada pela certeza de colocar a estatal a serviço dos tubarões do mercado e pilantras da especulação. Isso para não falar que uma estatal nacional de energia elétrica é estratégica demais para ter como principal missão servir de fonte de lucros para acionistas privados. Essa gente para quem rentabilidade é sinônimo de cortes d
e custos não pretende investir na ampliação da rede elétrica ou em formas de energia ambiental e socialmente sustentáveis.

Afinal, no caso da Eletrobrás, recaiu sobre o fundo 3G Radar a função de dirigir a estatal. E quem controla a 3G Radar? Nada menos que Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. O mesmo trio acusado de ser responsável pelo rombo na rede varejista Americanas.

Sacanagem e das grandes!

Leia também: O velho golpe das novas privatizações

16 de maio de 2023

É preciso expropriar os robôs também

Os dilemas de nossa convivência com os robôs estão por aí há muito tempo. Em 1942, o escritor de ficção científica Isaac Asimov começou a escrever o best-seller “Eu, Robô”. No livro, ele apresenta três leis para proteger os seres humanos dos robôs:

1 - Um robô não pode ferir um ser humano.

2 - Deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto se entrarem em choque com a primeira lei.

3 - Deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou segunda lei.

Inspirado por proposta de Asimov, o professor Richard Freeman da Universidade de Harvard formulou três leis da economia dos robôs. Elas estão em um artigo publicado em 2016:

1 - A inteligência artificial cria substitutos robóticos ao trabalho humano (maior elasticidade de substituição).

2 - O custo dessas tecnologias é decrescente (como mostra o ChatGPT) e tende a se tornar menor do que o custo do trabalho humano.

3 - A questão passa ser quem será o dono dos robôs que vão nos substituir. Se você é dono dos robôs, isso vai melhorar sua renda e sua vida. Mas, se você não for dono, prepare-se para o pior.

Nos final do século 19, dois revolucionários alemães fizeram um alerta parecido. Se você não for dono dos meios de produção, prepare-se, não apenas para o pior, mas também para revoltar-se. E apresentaram uma proposta que ficou famosa e continua atual: “Proletários do mundo, uni-vos!”. Assumam o controle dos meios de produção.

Incluindo robôs e inteligência artificial, muitas décadas depois.

Leia também: Nós e os robôs, os robôs e nós. Os robôs e os robôs

15 de maio de 2023

Mais uma história suja: ginecologia racista

O estadunidense James Sims é considerado o pai da ginecologia. Ainda hoje, costuma ser homenageado por seus feitos no exercício da medicina voltada para a saúde das mulheres, durante o século 19. Não deveria.

Seus métodos de investigação incluíam fazer experimentos em mulheres escravizadas. Uma delas foi Anarcha Westcott, jovem de 17 anos. Grávida, ela sofria de raquitismo crônico, condição que dificultava o parto.

Sims se ofereceu para ajudar no nascimento da criança e Anarcha sofreu por três dias em suas mãos. Apesar de métodos anestésicos já estarem disponíveis, a intervenção foi feita a sangue frio.

Na época, acreditava-se que as mulheres negras sentiam menos dores. Ainda hoje, muita gente crê nisso, incluindo médicos.

A criança nasceu saudável, mas a jovem escravizada continuou servindo de cobaia para Sims. Foram mais 30 operações experimentais. Sempre sem anestesia.

Somente depois de aprovadas como seguras e eficientes, as intervenções cirúrgicas eram feitas em mulheres brancas, devidamente anestesiadas.

Estima-se que cerca de 75 mulheres escravizadas passaram pelo mesmo tormento. Foi o caso das também jovens Betsy e Lucy. Hoje, as três estão representadas em um conjunto de esculturas no Central Park. O monumento substituiu a estátua de James Sims, retirada em 2018, após as denúncias contra ele ganharem maior publicidade.

Ainda que trágico e revoltante, esse é só um pequeno capítulo da história racista da medicina e da ciência em geral. Seria necessário instalar muitos tribunais de Nuremberg. No lugar disso, há muitos genocidas espalhados pelas datas comemorativas de nossos calendários.

Leia também: A suja história da eugenia: a vitória nazista

12 de maio de 2023

A suja história da eugenia: a vitória nazista

Em 1924 , os Estados Unidos aprovaram a Lei Johnson-Reed que impedia a entrada de imigrantes da Ásia e estabelecia cotas para aqueles vindos do sul e do leste da Europa.

Em seu livro “Mein Kampf”, Hitler saudou a lei como o início “de uma perspectiva que é específica da concepção racista de Estado”. Não à toa, as relações entre eugenistas estadunidenses e alemães eram estreitas desde antes da Primeira Guerra.

Em nome dessas relações amistosas, a Fundação Rockefeller contribuiu financeiramente para o movimento eugenista tanto nos Estados Unidos como na Alemanha, inclusive entre 1933 e 1939, período de auge do poder de Hitler.

Em 1934, o diretor de Ciências da Natureza da Fundação Rockefeller, Warren Weaver, perguntava “se será possível desenvolver uma genética tão extensiva e bem fundamentada que possa viabilizar a criação, no futuro, de homens superiores”. Era precisamente a esta questão que Hitler pretendeu responder do modo que ficou tragicamente notório nos anos seguintes.

Em 1932, quando era previsível a tomada iminente do poder pelos nazistas, o Eugenical News, verdadeiro órgão oficial do movimento eugenista norte-americano, publicara dois artigos em louvor ao programa racial de Hitler.

Se definirmos o nacional-socialismo como a aplicação à política de critérios procedentes da biologia, então as leis eugenistas promulgadas por vários governos “democráticos” no mundo não foram menos hitlerianas. Com certeza, os princípios eugenistas continuam por trás do racismo e das políticas que o sustentam pelo mundo. O nazismo foi derrotado, mas não algumas de suas principais ideias.

Com essa pílula, encerram-se os comentários sobre eugenia a partir do livro “Labirtintos do Fascismo”, de João Bernardo.

Leia também: A suja história da eugenia nas “democracias”

11 de maio de 2023

A suja história da eugenia nas “democracias”

Em 1928, o parlamento da província de Alberta, no Canadá, aprovou uma lei permitindo esterilização em certos casos. Mas foi remodelada nove anos mais tarde de modo a admitir a esterilização forçada. Até a lei ser cancelada em 1972, de um total de 4.700 procedimentos desse tipo, 60% haviam sido autorizadas.

Na Suíça, uma lei permitindo a esterilização sexual compulsiva de deficientes mentais manteve-se em vigor no cantão de Vaud de 1928 até a década de 1970. Enquanto isso, no resto do país, mesmo sem cobertura legal, havia médicos que executavam esterilizações sob pretextos terapêuticos.

Na Dinamarca, uma lei de 1929 garantiu a esterilização de cerca de 11 mil pessoas até 1967. Na Suécia, legislação semelhante foi aprovada em 1934. Quando ela foi abolida, em 1976, haviam sido praticadas cerca de 63 mil operações, na maioria em mulheres. Na Noruega, a lei é do mesmo ano. Quando foi revogada em 1977, já haviam sido feitas 41 mil intervenções desse tipo.

A partir das primeiras décadas do séulo 20, racistas germânicos e eugenistas estadunidenses estabeleceram relações amistosas e de colaboração. Era possível encontrar na correspondência acadêmica trocada entre cientistas de ambos as origens descrições em que as chamadas “raças inferiores” eram comparadas a bactérias infecciosas ou ratos e suas migrações a invasões de animais pestilentos.

As informações acima estão no livro “Labirintos do Fascismo”, de João Bernardo. Mostram como aquilo que seria tratado como uma aberração nazifascista após a Segunda Guerra era muito comum entre governantes e cientistas do chamado mundo democrático.

Na próxima pílula, mais detalhes sobre a suja colaboração germano-norte-americana no campo da eugenia.

Leia também: A suja história da eugenia: Estados Unidos

10 de maio de 2023

A suja história da eugenia: Estados Unidos

Continuamos destacando algumas das terríveis consequências da eugenia, descritas no livro “Labirintos do Fascismo”, de João Bernardo. Os casos abaixo ocorreram nos Estados Unidos.

Em 1896, em Connecticut, a legislação local proibia o casamento de deficientes mentais, alcoólicos, pessoas com doenças venéreas e dos considerados anormais, caso a noiva estivesse em idade de procriar.

Em 1907, uma lei de Indiana permitia a esterilização sexual forçada dos deficientes mentais, presos e residentes em abrigos para indigentes. Dois anos depois, o estado de Washington adotou medidas de esterilização compulsiva para criminosos reincidentes e estupradores. O mesmo fez a Califórnia em relação a criminosos e crianças com deficiências mentais. Nevada seguiu o exemplo e autorizou a esterilização de criminosos reincidentes, e Iowa de criminosos, deficientes mentais, bêbados, drogados, epilépticos e dos pervertidos moral ou sexualmente. Nova Jersey promulgou legislação idêntica em 1911, assim como Nova Iorque, no ano seguinte.

Finalmente, em 1927, a Suprema Corte admitiu a esterilização sexual dos criminosos e dos deficientes mentais. Desse modo, de 1907 à década de 1960, cerca de 70 mil pessoas teriam sido esterilizadas sexualmente contra sua vontade. A grande maioria delas, mulheres.

A eugenia encontrou toda essa aceitação em terras americanas porque a doutrina que justificou a fundação dos Estados Unidos era o “Destino Manifesto”, segundo a qual os brancos daquele país formavam o povo eleito por Deus para civilizar o mundo. De modo que expandir territorialmente os Estados Unidos era “realizar a Providência Divina”.

Tudo isso muito antes de Hitler com sua defesa da criação de um “espaço vital” para os arianos, às custas do massacre de “povos inferiores”.

Leia também: A suja história da eugenia: Darwin

9 de maio de 2023

A suja história da eugenia: Sócrates e Platão

24 séculos atrás, no quinto livro da “República”, Platão colocou na boca de Sócrates a seguinte passagem:

É necessário (...) que as relações sexuais sejam o mais possível frequentes entre as pessoas de elite de ambos os sexos e o mais possível raras entre as pessoas inferiores. Além disso, é necessário cuidar dos filhos dos primeiros e educá-los, mas não dos segundos, se quisermos garantir a excelência do rebanho.

O trecho acima está no livro “Labirintos do Fascismo”, de João Bernardo, no capítulo dedicado à eugenia. O autor acha importante lembrar os ensinamentos de Platão, dada “a enorme importância que os estudos filosóficos tiveram nas escolas médias e superiores ocidentais”.

É desse modo que, durante o século 19 e início do século 20, as medidas introduzidas pela eugenia faziam parte do horizonte ideológico da classe dominante, justificadas por Platão, considerado pela cultura burguesa como o pai de toda a filosofia. Em especial, na nação cuja maior patologia é  acreditar ser destinada a dominar o mundo.

Em 1911, foi criado um comitê especial nos Estados Unidos, cujo objetivo era defender a eliminação de dez grupos populacionais: “retardados mentais, indigentes, alcoólicos, criminosos, epiléticos, loucos, os fisicamente débeis, os predispostos a certa doenças, aleijados e, finalmente, os portadores de deficiências como cegueira e surdez”.

Várias figuras conceituadas no meio científico norte-americano consideravam que o pauperismo era congênito e podia ser transmitido hereditariamente. Ao mesmo tempo em que se acreditava na existência de ligações genéticas entre epilepsia e pobreza e deficiência mental.

Eis aí mais nomes de prestígio utilizados para colocar em prática os ensinamentos nada saudáveis da eugenia.

Leia também: A suja história da eugenia: Darwin

8 de maio de 2023

A suja história da eugenia: Darwin

Entre os selvagens, são rapidamente eliminados os indivíduos física ou mentalmente fracos. E os sobreviventes demonstram geralmente uma saúde vigorosa. Nós, os civilizados, pelo contrário, fazemos todo o possível por travar o processo de eliminação. Construímos hospícios para os atrasados mentais, os aleijados e os doentes, promulgamos leis de auxílio aos pobres e os nossos médicos empenham-se com toda a habilidade em salvar a vida de cada um até ao último momento. (...) Assim se propagam os membros fracos das sociedades civilizadas. Ninguém que tenha participado na criação de animais domésticos pode duvidar de que isto é forçosamente muito prejudicial à raça humana.

(...)

Se os vários obstáculos mencionados (...), e talvez outros ainda desconhecidos, não impedirem os imprevidentes, os depravados e os restantes membros inferiores da sociedade de aumentar a uma taxa mais rápida do que a dos homens de melhor categoria, a nação retrocederá, como sucedeu já tão frequentemente na história do mundo. Devemos lembrar-nos de que o progresso não é uma regra invariável.

Os trechos acima são do livro “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”, de Charles Darwin. Mostram que até um gênio pode acabar por colaborar, mesmo que inconscientemente, para o surgimento de uma das teorias fundamentais para formação da ideologia nazifascista. Trata-se da eugenia, cujo objetivo principal era promover a “melhoria genética” da humanidade. Seu criador foi Frances Galton, primo de Darwin, que organizou e levou às últimas e piores consequências alguns equívocos espalhados pelas obras de seu famoso parente.  

Na próxima pílula, mais sobre essa doutrina que emporcalhou e ainda emporcalha a história humana.

Leia também: A suja história da eugenia: Frances Galton

5 de maio de 2023

A suja história da eugenia: Frances Galton

A eugenia foi uma disciplina acadêmica que contribuiu decisivamente para a formação da ideologia e prática nazistas. Segundo essa concepção, as contradições sociais seriam patologias e a política, um ramo da medicina.

Francis Galton, considerado o fundador da eugenia, desenvolveu o racismo em dois aspectos que teriam grandes repercussões. Em primeiro lugar, ele entendia que haveria diferenças biológicas não só entre os povos, mas também no interior deles. Desse modo, as classes dominantes seriam superiores física e mentalmente em relação ao restante da sociedade.

Nesse contexto, a Comuna de Paris, por exemplo, foi considerada uma prova da degenerescência biológica do proletariado.

Em segundo lugar, Galton considerava necessário aperfeiçoar a raça por meio de matrimônios entre os membros das elites, ao mesmo tempo em que defendia medidas para condenar à extinção as famílias consideradas social, moral e biologicamente indesejáveis.

A difusão destas concepções nos meios científicos foi facilitada pela notoriedade das investigações do médico Cesare Lombroso. Pressupondo que os criminosos eram biologicamente degenerados, Lombroso propôs condenar à morte todos aqueles que sofressem desde o nascimento de características regressivas. Para ele, este era o caso de cerca de um terço da população carcerária.

É assim que a futura política hitleriana estava traçada em suas linhas fundamentais já no século 19.

As informações acima estão no livro “Labirintos do Fascismo”, de João Bernardo, e esse autor alerta que a eugenia não interessou apenas a setores marginais ou alheios ao pensamento científico. Galton era primo de ninguém mais do que Charles Darwin e, segundo Bernardo, suas ideias racistas estão presentes na obra do ilustre parente. Mas veremos isso mais adiante.

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4 de maio de 2023

Os neoliberais têm um comunismo pra chamar de seu

O fantasma alardeado pela direita fanatizada é o comunismo. A mera defesa de direitos básicos, liberdade de comportamento, diversidade religiosa e sexual, combate à desigualdade, a estupidez fascista transforma em silenciosa e sistemática revolução comunista. Segundo esses maníacos-repressivos, nossos ordeiros partidos de esquerda defenderiam programas tão radicais quanto o repertório dos primeiros discos dos Titãs ou dos Racionais.

Mas os fanáticos da direita neoliberal também têm um comunismo pra chamar de seu. É o “populismo econômico”, no qual se enquadra qualquer um que ouse apenas desconfiar da “austeridade fiscal”. Uma fórmula econômica grosseira que se resume ao “não pode gastar mais do que se arrecada”. Mantra que só não serve quando se trata de pagar a impagável dívida pública.

Sob essa ladainha presente na grande maioria dos textos editoriais e colunas de especialistas medíocres, esconde-se o escoadouro de recursos públicos para a roleta do cassino das Letras do Tesouro Nacional, em torno da qual sentam-se banqueiros e grandes empresários em geral. Tanto locais como alienígenas.

É isso que explica a teima do BC em manter os juros altos, apesar das humildes genuflexões petistas diante desse altar da ortodoxia neoliberal. Esse episcopado zeloso dos interesses de seitas como a da Faria Lima. Com mandato todo-poderoso, sem um único voto popular.

De modo que o governo Lula continuará acossado pelo fanatismo fascista e pela intolerância neoliberal. O primeiro atacou em 8 de janeiro e não pretende parar. O segundo faz o mesmo há décadas e deve continuar. Ambos mal disfarçam sua simpatia mútua, baseada no ódio aos pobres e a qualquer política com cheiro de redistribuição de renda.

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3 de maio de 2023

A automação remove o humano do trabalho humano

Luke Munn é um especialista em comunicação neozelandês e acaba de lançar o livro “Automation is a Myth”, ainda sem tradução. Em entrevista ao portal DigiLabour, ele explica que o mito a que o título de seu livro se refere é a ideia de que os sistemas “automatizados” dispensam quase completamente trabalho humano.

Na verdade, diz Munn, esses processos são “sustentados por imensas quantidades de trabalho humano”. Trata-se de trabalhadores que preenchem “as lacunas, os pontos fracos dos sistemas técnicos”. Pessoas que usam suas capacidades “afetivas ou cognitivas para fazer as coisas funcionarem”.

Desse modo, afirma o entrevistado:

...podemos começar a ver como os sistemas automatizados são menos sobre o trabalho em si e mais sobre a embalagem do trabalho – como ele pode ser fatiado e transferido para o elo mais baixo. Para alguém que está legal e operacionalmente distanciado o suficiente da empresa original para evitar qualquer responsabilidade. E no livro, defendo que essa é realmente a maneira pela qual a automação “remove” o humano do trabalho. Ele remove o trabalhador pleno, com pagamento integral, com plenos direitos (seguros, benefícios e assim por diante). E são esses tipos de impactos, ao mesmo tempo mais sutis e patológicos, que passam despercebidos pelo mito da automação, mas que devem exigir nossa atenção.

Esse fenômeno fica muito claro no trabalho por plataformas como Uber, Ifood, Rappi. O objetivo delas, diz o entrevistado, “não é usar mão de obra, mas extraí-la de forma parasita”. Essas empresas conseguem ficar com o “trabalho sem o trabalhador”, explica.

Quando não elimina trabalho humano, a automação capitalista o desumaniza ainda mais.

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2 de maio de 2023

Racismo estrutural, racismo algorítmico

Até meados das décadas de 1970, as máquinas fotográficas produziam imagens incapazes de definir com nitidez os rostos e feições de pessoas não brancas, como negros, indígenas e indianos. Isso mudou com uma inovação feita pela Kodak na gama de marrons de suas imagens fotográficas.

Mas a mudança só ocorreu porque uma empresa de chocolates reclamou que em seus anúncios os tons dos chocolates amargo, meio amargo e ao leite não se diferenciavam. Nada a ver com preocupações quanto a atender uma parte considerável do público consumidor de câmeras fotográficas. Tudo a ver com o racismo estrutural prevalecente na maior parte da indústria de publicidade. Para mais detalhes sobre essa história, clique aqui.

Cinquenta anos depois, a indústria publicitária move-se à base de algoritmos pretensamente refinados. Um dos desdobramentos desse avanço tecnológico foi a criação dos aplicativos de reconhecimento facial, cada vez mais desenvolvidos por meio do aprendizado de máquina. O problema é que a pedagogia robótica se baseia em parâmetros definidos geralmente por pessoas brancas, com seus conceitos e, principalmente, preconceitos.

Resultado, os aplicativos apresentam grande dificuldade no reconhecimento de rostos não brancos, causando constrangimentos e restrições em muitas das áreas em que são utilizados. Mas as consequências mais graves surgem quando o reconhecimento facial é empregado em investigações policiais e casos judiciais. Os algoritmos apresentam uma grande margem de erros, levando a prisões e condenações sem qualquer fundamento, a não ser o velho racismo estrutural. Um fenômeno que não só continua firme e forte, como vem ganhando a enorme velocidade e o perigoso alcance dos algoritmos.

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