Doses maiores

28 de setembro de 2012

Sobre greves e ex-grevistas

Com a economia em baixa, as greves são cada vez mais frequentes. E a intolerância dos patrões aumenta, incluindo muitos ex-sindicalistas que fazem papel de empregadores nos governos que integram. Portanto, seria bom lembrarmos o que representam as greves.

A greve é o único momento em que patrões e trabalhadores podem ficar em condições de igualdade. Ela mostra quem realmente é essencial à produção e ao andamento dos serviços. Mesmo assim, a ameaça de demissões está sempre presente.

No caso dos servidores públicos, essa ameaça é bem menor. Mas sua condição legal também é muito mais fraca. Os servidores não têm direito a acionar a Justiça Trabalhista, por exemplo. Sua data base é constantemente desrespeitada sem que nada aconteça.

As greves também bagunçam a hierarquia. Patrões e empregadores em geral perdem o controle absoluto dos locais de trabalho que estão paralisados. Fica bem mais aparente que a autogestão é perfeitamente possível.

O direito à greve é inquestionável em qualquer democracia. Por isso, o pagamento dos dias parados não é privilégio. Seu desconto é que é abusivo e não deveria acontecer para grevistas de nenhum setor.

É verdade que a greve não é incompatível com o capitalismo. Pode até ajudar na regulação do mercado de trabalho. Muitas vezes, cria a ilusão de que melhorar os salários pode trazer justiça social. Mas esta só é possível com o fim da exploração capitalista.

Ainda assim, a greve é perigosa porque é pedagógica. Ensina aos explorados a resistir. E mostra como antigos lutadores se renderam ao peleguismo. Desaprenderam tudo. Merecem nota 10 dos patrões e todo nosso desprezo.

27 de setembro de 2012

UPP é militarização. Ou você acredita em duende azul?

Os policiais que trabalham nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) são chamados por seus outros colegas de “smurfs”. Para eles, policial de verdade prende, arrebenta e troca tiros com bandidos. Não veste azul e banca o “amiguinho” dos pobres.

Esta é uma das descobertas relatadas em um estudo coordenado por Ignacio Cano. O sociólogo do Laboratório de Análise da Violência da UERJ deu entrevista a Wilson Tosta para o Estadão, publicada sob o título “No reino dos smurfs”, em 23/09.

Das informações de Cano pode se deduzir o caráter essencialmente militar das UPPs:

O número de policiais militares por habitantes no Rio é hoje de 2,3 para cada mil habitantes, próximo do nível padrão das Nações Unidas, de 3 por mil. Nas UPPs, há 18/19 PMs para cada mil habitantes.

Por isso, diz o estudioso, para repetir a experiência em todas as favelas, seria preciso multiplicar a polícia do Rio por oito ou nove. A PM passaria dos atuais 38 mil integrantes para uns 300 mil. Bem mais que os 200 mil membros do Exército, por exemplo.

O pesquisador destaca a diminuição da violência: "Estamos falando de 400, 500 vidas salvas por ano”, calcula. Por outro lado, admite que onde existem UPPs há menos liberdade que em outros locais da cidade. Incluindo toque de recolher e fortes restrições ao funk, rap e rodas de samba.

Ao mesmo tempo, a ocupação militar vai abrindo espaços para a especulação imobiliária. E se precisar, os "smurfs" não vacilam. Também sabem baixar o cacete. O resto não passa de conversa pra quem acredita em duendes azuis.

Leia também: Fora os militares. Aqui e no Haiti

26 de setembro de 2012

Marx, blackberries e a carcaça do tempo

Ricardo Antunes publicou o artigo “A fatura do bem-estar” no Estadão, em 16/09. Segundo o sociólogo:

BlackBerry era um grilhão usado durante a escravidão, nos Estados Unidos, que atava os pés dos negros como forma de impedir sua fuga. Só que agora adentramos na fase do grilhão digital.

Como exemplo dessa nova servidão, Antunes cita a Google. A empresa oferece transporte a seus funcionários com acesso a internete para que comecem a produzir antes mesmo de chegar ao local de trabalho.

Segundo Antunes esse tipo de prática se espalha pelo mundo empresarial. É o que ele chama de "ócio criativo", cujo resultado é o “aumento da massa de mais valia, através da subordinação dos trabalhos imateriais à forma-mercadoria”.

Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho julgou casos de trabalhadores que ficam à disposição de seus patrões através de algum aparelho, como o celular. Os juízes decidiram que eles terão direito a receber pagamento adicional. Difícil que a medida legal seja obedecida. Mas, mesmo que o seja, jamais compensará o lucro gerado pelo trabalho extra.

Tais formas de exploração são novíssimas, mas obedecem a uma lógica antiga. Têm a mesma idade do capitalismo e foram denunciadas por Marx há mais de um século e meio. Vejam o que ele diz no livro “Miséria da Filosofia”, escrito em 1847:

O tempo é tudo, o homem não é mais nada; ele é no máximo a carcaça do tempo. Não existe mais a questão da qualidade. A quantidade decide tudo: hora por hora, jornada por jornada.

Isso é o capitalismo. A união da estúpida escravidão negra com a sofisticada servidão tecnológica.

25 de setembro de 2012

Lulismo e capitalismo continuam dando certo. Infelizmente

“Economia lenta não freia criação de emprego e redução de desigualdade”, diz reportagem do Estadão, de 22/09. Na mesma edição, outro destaque: “Mais de 5 milhões deixaram a pobreza”. No dia 21/09, a Agência Brasil dizia: "Nos últimos dez anos, 35 milhões de brasileiros chegaram à 'classe média', alcançando mais de 100 milhões de pessoas".

Boa parte desses números foi divulgada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal. Seria uma demonstração do sucesso das políticas sociais dos governos petistas. E também mostrariam a inutilidade da luta anticapitalista.

Afinal, tudo isso teria sido conquistado graças a muita negociação. Nada de greves, lutas, ocupações de terra. Bastou apostar no diálogo entre empresários, sindicalistas, governantes, parlamentares etc. É o capitalismo dando certo no Brasil.

Mas, talvez, as coisas não sejam tão simples. Mais uma vez, os dados divulgados dizem respeito à distribuição de renda. Mas se considerarmos a minoria de 16 milhões que pagam imposto de renda no Brasil, a situação é outra. Neste caso, estamos falando de concentração de riqueza.

Números da Receita de 2011 mostram que mais de 97% dos que declaram imposto de renda possuem apenas 49% do patrimônio. Mas 0,1%, ou cerca de 18 mil pessoas, concentram 26% do patrimônio do conjunto das pessoas físicas.

Na verdade, momentos em que houve uma melhora na distribuição de renda já aconteceram antes na história do País. Jamais se consolidaram porque a concentração de patrimônio continuou basicamente a mesma. Não está sendo diferente agora.

Realmente, lulismo e capitalismo se entendem cada vez melhor. E isso não é nada bom para a maioria explorada.

Leia também: Prioridades revelam governo Dilma

24 de setembro de 2012

Quando Einstein é só mais um aprendiz

Não é preciso ser nenhum Einstein para ver que o socialismo é a única alternativa inteligente para a humanidade. Mas Einstein era socialista. Em 1949, ele escreveu o artigo “Por que o socialismo?” para o lançamento do primeiro número da revista marxista americana Monthly Review.

Um de trechos mais interessantes do texto relaciona socialismo e educação. Segundo Einstein a busca cega por lucro é “o pior mal do capitalismo”. E é este mal que estimula “uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira”, afirma o famoso físico.

Como solução ele propõe “A constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objetivos sociais”.

Interessante lembrar que Einstein nunca foi um aluno brilhante. E que começou suas pesquisas trabalhando em um escritório de patentes, longe das universidades. Talvez, sua obra genial só tenha sido possível porque a escola e a academia tiveram pouca importância em sua formação teórica.

No final do artigo, Einstein alerta para graves ameaças ao projeto socialista. Referindo-se à necessidade do planejamento social da economia, ele afirma:

É necessário lembrar que uma economia planejada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planejada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas sociopolíticos extremamente difíceis.

Como se vê, nem mesmo Einstein tinha soluções geniais para os desafios da construção do socialismo. Como nós, ele tinha pouco a ensinar e muito a aprender com as lutas dos trabalhadores.

Leia também: Os valiosos erros da classe operária

22 de setembro de 2012

Poesia, uma droga subversiva

“Neonomicon” é a mais recente história em quadrinhos de Alan Moore. Estamos falando do genial responsável por Do Inferno, Watchmen, V de Vingança e Liga Extraordinária, entre outras maravilhas. O roteirista inglês juntou-se ao desenhista Jacen Burrows para criar uma história inspirada na obra de H.P. Lovecraft.

O mais interessante da trama é uma droga chamada Aklo. Na verdade, não é uma substância. Ela não tem existência material. Seu efeito alucinógeno é produto das palavras de uma língua desconhecida. Ao serem sussurradas no ouvido do usuário, provocam efeitos entorpecentes.

A ideia não é tão absurda assim. Por exemplo, imagine uma sociedade em que as obras de poesia tenham desaparecido das livrarias. A literatura se limitaria a especialidades técnicas e conformismo terapêutico. Num mundo assim as sensibilidades estéticas estariam condenadas à atrofia.

No entanto, poemas continuariam a ser produzidos em porões e garagens. E à medida que saíssem do subsolo e chegassem a ouvidos desacostumados causariam os mais loucos delírios.  Alguns versos bastariam para provocar sonhos alucinantes.

Os donos do poder certamente temeriam os efeitos de algo assim. Os responsáveis por sua produção seriam perseguidos como sintetizadores de uma droga poderosa.  Traficantes de palavras mágicas.

Uma sociedade que inviabiliza o fazer poético seria muito triste. Infelizmente, não é algo tão improvável. Mas restaria a esperança de que sua produção clandestina se desenvolvesse o suficiente para se tornar um poderoso entorpecente subversivo. Algo que poderia colocar tudo de pernas para o ar.

Se isso não acontecesse estaria provado. A humanidade já não valeria a pena.

Leia também: A impossível delicadeza da MPB

21 de setembro de 2012

Não é guerra santa. É disputa de mercado e poder

Nas eleições paulistanas, a Igreja Católica acusa Russomano de representar a Igreja Universal. Os três candidatos à frente nas pesquisas disputam espaço na missa do padre Marcelo Rossi. Bispos de todos os lados dão declarações aos montes. 

Questões religiosas não deveriam estar no centro de uma campanha eleitoral. Na verdade, não estão. Temas como aborto e homossexualidade são apenas uma cortina de fumaça. Esconde o que realmente está em jogo. Envolve igrejas, mas tem pouco a ver com religião. 

Em 05/09, Magali Cunha, autora do livro "A explosão gospel" deu uma entrevista ao site IHU On-Line. A pesquisadora alerta para o aumento do número de evangélicos “sem igreja determinada”. Seriam fiéis que não “especificam vinculação com as religiões, ou frequentam diferentes igrejas ao mesmo tempo, inclusive pequenas igrejas independentes”. Isso aconteceria porque começa a imperar:

...a busca de satisfação individual que torna possível, por meio da oferta, uma escolha do tipo de proposta religiosa que satisfaz a necessidade mais premente, seja ela de tipo de culto (moderno ou tradicional), de bênção material (cura, pedido de emprego, de sucesso no relacionamento amoroso) ou mesmo de socialização compreendida como “sadia”.

Não por acaso surgem igrejas voltadas para “grupos específicos, como jovens, esportistas, roqueiros, grupos undergrounds, gays”, diz ela. E aumentam as disputas entre as próprias igrejas evangélicas. É disputa de mercado.

A política institucional tem pouco a ver com os interesses da maioria da sociedade. As igrejas também cuidam cada vez mais de interesses muito materiais. Na verdade, ambas sempre fizeram isso, mas já não conseguem esconder. É umas das poucas vantagens do desenvolvimento capitalista. Vai arrancando máscaras.

20 de setembro de 2012

Prioridades revelam governo Dilma

“Mudam as prioridades do Incra”, diz reportagem de Tarso Veloso publicada pelo Valor, em 19/09. Segundo o texto, “o Incra planeja se concentrar na melhoria da qualidade de vida dos assentados por meio do aumento da renda proveniente da produção rural”. Ou seja, a Reforma Agrária vai continuar parada. Na verdade, as prioridades não mudaram. Apenas foram explicitadas. Desde o governo Lula que os interesses do agronegócio vêm muito antes que os compromissos com as lutas do MST, por exemplo.

Por falar em prioridades, em 13/09, a revista Época publicou: “Mantega anuncia desoneração da folha de pagamento de 25 setores”. Trata-se de isenção parcial da contribuição de 20% ao INSS. O ministro com nome e consistência de laticínio disse que nos outros países estão reduzindo salários e direitos. Aqui, não. Mas a contribuição à previdência é salário indireto e financia direitos como aposentadoria e pensões. Baixá-la também é reduzir salários e direitos.

Enquanto isso, e ainda em relação a prioridades, em 18/09, a Folha de São Paulo noticiou “Dilma veta desoneração de produtos da cesta básica incluída em MP”. Boletim da Auditoria Cidadã da Dívida diz que a medida aliviaria a grande carga de impostos sobre o consumo da maioria da população. Atualmente, ela pesa 53% sobre o orçamento dos mais pobres. Já os mais ricos, desembolsam apenas 29%.

Lembremos também a redução do IPI para os automóveis, que infestam as grandes e médias cidades brasileiras.

Os defensores de Dilma nos movimentos sociais podem falar o que quiserem. As ações de seu governo continuam a desmenti-los.

19 de setembro de 2012

Nordeste mais desigual e nada de Reforma Agrária

"A desigualdade, dentro do Nordeste, continua crescendo", diz Carlos Wagner, coordenador de Estudos Regionais do Ipea, em entrevista ao jornal potiguar Tribuna do Norte, em 16/09.

O estudioso alerta que apesar de o Nordeste "ter reduzido o abismo que o separava de outras regiões”, aumentaram as diferenças “dentro do próprio território”. A região continua concentrando “mais da metade dos analfabetos e extremamente pobres do país”, diz ele.

O pior é que o próprio crescimento dos últimos anos teria “fôlego curto”, afirma Wagner. Trata-se de “uma economia sem produção”, voltada para o “consumo de bens não duráveis”. Para “tornar o crescimento sustentável, é preciso atrair indústrias”, diz o pesquisador. Principalmente, as que trabalham “com tecnologia de ponta”.

Interessante que nem entrevistado, nem entrevistador citaram a Reforma Agrária. O Nordeste tem uma das maiores concentrações fundiárias do País. Esta deve ser a maior razão para que a desigualdade não diminua. E distribuir terras poderia abrir muito mais oportunidades de renda e trabalho do que empresas que empregam muito maquinário e poucas pessoas.

Claro que alguns dirão que se trata de uma solução utópica. É o que se costuma afirmar sobre bandeiras de luta que foram engavetadas pela esquerda que chegou ao governo.

Enquanto isso, o agronegócio vai conquistando vitória atrás de vitória no Congresso Nacional. Aqueles que Lula chamou de heróis e Dilma saúda como setor produtivo seguem implementando seu projeto.

Ao mesmo tempo, a maior parte da direção do MST só lamenta. Culpa os movimentos populares por não fazerem a pressão necessária sobre “seu governo”. Tudo muito lamentável, mesmo!

Leia também: Código ruralista e Reforma Agrária amarelada

18 de setembro de 2012

Mídia eleitoral: mais uma barreira à democracia

A propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais.

Acreditem, o texto acima é do artigo 242 do atual Código Eleitoral. Claro que ninguém o leva a sério. Do contrário, a grande maioria dos partidos teria sérios problemas com a Justiça Eleitoral.

Em busca de votos, muitas campanhas eleitorais têm usado e abusado de recursos dramáticos. Muito sentimentalismo, imagens e roteiros caprichados, câmera lenta, música melosa e atores especializados em parecer povo. Aliás, o horário eleitoral deve ser o momento em que mais aparecem rostos negros na TV brasileira.

Tudo isso mostra que o horário eleitoral não é tão gratuito quanto parece. Em primeiro lugar, as emissoras faturam cerca de 800 milhões em isenções fiscais pela cessão do espaço em sua programação. Em segundo lugar, 30 segundos de vídeo em alta definição custam cerca de 250 mil reais.

Somas tão altas são mais um resultado ruim do monopólio dos meios de comunicação. Ele continua firme e forte a ponto de uma concessão estatal receber abatimentos fiscais milionários para prestar um serviço público. E ainda impõe custos de produção semelhantes aos de novelas e filmes.

É outra armadilha do sistema eleitoral. Obriga aos que querem se eleger o dispêndio de montanhas de dinheiro. E já sabemos nas mãos de quem podem ser achados tantos recursos. Trata-se de mais uma barreira contra partidos da esquerda combativa. Aqueles que se recusam a comprar espaço nas instituições.

17 de setembro de 2012

Aborto pode ser pecado, jamais crime

Excelente o artigo “O último apóstolo”, de Fábio Konder Comparato, publicado na Carta Capital de 12/09. O texto homenageia o Cardeal Martini, recém falecido. Mas vale também por algumas denúncias contra a cúpula da Igreja Católica. Entre elas, a cumplicidade com a tortura e com a escravidão.

Igualmente importantes são alguns esclarecimentos quanto à questão do aborto. Segundo o artigo, no século 4, Santo Agostinho considerava que apenas o recém nascido era dotado de alma. Portanto, o aborto não era considerado pecado.

Já Santo Tomás de Aquino, no século 13, dizia que o feto recebia a alma apenas 40 dias após a concepção, no caso dos meninos. Para meninas, só 60 dias depois dela. Antes disso, o aborto seria pecaminoso, não criminoso.

O Concílio de Viena, em 1312, admitiu o aborto nos primeiros três meses de gravidez. Em 1588, o papa da época considerou crime todo aborto voluntário. Depois de mais algumas idas e vindas, em 1968, o papa Paulo VI afirmou que "todo aborto deve ser proibido de forma absoluta, ainda que por razões terapêuticas".

Podemos tirar algumas conclusões disso tudo. Em primeiro lugar, a fragilidade da pretensa infalibilidade dos papas. Mas a mais importante é a de que a proibição católica da interrupção da gravidez vale, no máximo, para seus fiéis. Assim como, obviamente, a punição correspondente: a excomunhão.

Este ou qualquer outro dogma religioso jamais podem servir de base para previsões legais. As leis devem respeitar as religiões, não se dobrar a elas. Nem tudo que é considerado pecado para alguns, deve tornar-se crime para todos.

15 de setembro de 2012

Contra a crise, invista em ouro... e compre armas

Exatos quatro anos depois da quebra do banco Lehman Brothers, o artigo “Novos tremores à vista?”, de Eduardo Campos, apresenta Brent Johnson, presidente de um novo fundo financeiro baseado em investimentos em ouro.

O texto publicado pelo Valor em 13/09 diz que o especialista prevê novos abalos na economia mundial. Johnson produziu um vídeo para explicar suas razões. No material, ele lembra como são pouco confiáveis as autoridades econômicas americanas.

É o caso de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve. Em 16 de julho de 2008 ele declarou: "Fannie Mae e Freddie Mac vão passar pela tempestade, sem perigo de tombar. Estão adequadamente capitalizados". Em 8 de setembro, esses dois grandes bancos tinham sido estatizados para não quebrarem.

Diante de tamanha incerteza, Johnson recomenda investir em ouro. Segundo ele, único ativo sólido. Literalmente. E não é o único. Kyle Bass ficou famoso ao recomendar a seus clientes que fugissem dos "subprimes" e prever o colapso da Grécia. Ele também aconselha investimentos em ouro. Mas acrescenta outra recomendação: a compra de armas de fogo. É que Bass “acredita que a dissolução do sistema vai gerar tumulto social sem precedentes”.

Os conselhos podem valer alguma coisa para uma minoria. São os poucos que têm dinheiro a ser protegido. Mas estes já têm muitas armas à disposição. São as forças estatais de repressão. E elas estão sempre prontas para atacar as vítimas do desemprego e da miséria que ousam protestar.

Quanto à grande maioria, só nos resta investir em organização e ampliar nosso arsenal de lutas com manifestações, greves, ocupações, publicações. Para nós, isso vale mais que ouro.

Leia também: A crise mundial e o escorpião nazista

14 de setembro de 2012

Vitória do capitalismo, derrota da espécie humana

“Uma ideia vencedora, sem vez para os críticos” é o título do artigo de Oscar Pilagallo, publicado no Valor de 11/09. Trata-se de resenha sobre o livro "A Imaginação Econômica", de Sylvia Nasar. A ideia vencedora? O capitalismo!

Em plena crise econômica, Sylvia alega que "a expectativa de vida se mantém em alta. O sistema financeiro não entrou em colapso. Não houve uma segunda grande depressão”.

Claro que sobram críticas para Karl Marx. Para a autora, Marx estaria convencido de que o capitalismo só aumentaria a miséria. Algo que teria sido desmentido pela realidade histórica.

Sylvia escreveu o premiado livro "Uma Mente Brilhante", que deu origem ao filme de mesmo nome e igual sucesso. Seria melhor que ela se dedicasse somente aos roteiros de Hollywood.

Marx chegou a ligar capitalismo ao aumento da pobreza no início de seus estudos. Mas logo abandonou a ideia. E contra ela polemizou com Thomas Robert Malthus. Este pastor protestante britânico dizia que a miséria se generalizaria devido ao excesso populacional. Por isso, defendia o controle da natalidade e era contra que se melhorasse a vida dos pobres. Quanto menos gente, melhor.

Para Marx, o maior problema do capitalismo não é a produção de miséria absoluta. É o permanente aumento da exploração e da desigualdade social. Essa afirmação implica uma concepção sobre o que significa ser humano.

Nossa espécie não se contenta com ração, abrigo e segurança. A pior miséria para nossa raça é a exploração da grande maioria por alguns poucos. Esta, sim, é uma ideia que o capitalismo tenta tornar vitoriosa a qualquer custo.

12 de setembro de 2012

Os valiosos erros da classe operária

Pode-se dizer que o potencial pedagógico dos erros é maior que o dos acertos. A uma pessoa que coleciona acertos recomenda-se que comece a fazer algo em que possa errar. O que não falta à classe operária são erros na história secular de suas lutas.

Mas erro maior é considerar operários como sinônimo de classe trabalhadora. Conclusão que, muitas vezes, é produto de uma leitura superficial de Marx. O revolucionário alemão convocou os proletários a se unirem para derrubar o Capital. Dirigia-se a todos aqueles que são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver.

Claro que há grandes diferenças entre os proletários. Ninguém nega o valor social dos professores, por exemplo. No entanto, uma greve de educadores pode se estender por meses. Já paralisações de operários, dificilmente duram mais que alguns dias. Não pelo valor social da categoria. Mas pelos lucros que a suspensão de sua exploração deixa de gerar.

Ou seja, tudo depende do lugar ocupado pelos trabalhadores na produção. Quanto mais essenciais para a realização dos lucros, maior seu potencial para abalar todo o sistema.

Até meados dos anos 50, enormes exércitos operários lotavam as fábricas. Já não é assim. Mas nunca houve tantos operários no mundo. O capitalismo estatal chinês tem imensa contribuição nisso.

Na verdade, parece que as relações capitalistas finalmente alcançam todos os cantos do planeta. Isso não faz dos operários maioria entre os trabalhadores. Ainda assim, são eles que mais lutas acumulam contra o Capital. Os que mais cometeram erros nessa guerra. Não são os únicos, mas os melhores educadores de si mesmos e do restante dos explorados.

Occupy precisa aprender com a classe operária

“Criador do Occupy Wall Street diz que ‘a magia acabou’”, é o título de reportagem de Sofia Fernandes, publicada na Folha, em 09/09. Trata-se de uma entrevista com Kalle Lasn, suposto inspirador da ocupação do Zuccotti Park, no centro de Nova York, em 17/09 de 2011.

O movimento de protesto contra o sistema financeiro despertou grandes esperanças. Mas, em novembro, a polícia dissolveu o acampamento violentamente. Na entrevista, Lasn apresenta duas razões principais para o fim do movimento.

Uma delas seria a violência policial que caiu sobre o movimento não apenas em Nova York, mas em vários outros lugares dos Estados Unidos. Pareciam “ataques coordenados”, diz o entrevistado.

A queixa parece ingênua. Protestos e manifestações que coloquem em risco os interesses dos poderosos serão, cedo ou tarde, atingidos pela repressão estatal. E claro que são ações coordenadas. O Estado está aí para isso.

A outra razão para o desmonte do Occupy seriam reuniões que duravam horas e lidavam com questões como “quem vai responder emails”. Lasn chega a dizer que faltavam lideranças capazes de calar os participantes mais tagarelas.

Bem-vindo ao mundo dos lutadores, Kalle Lasn. Há séculos, os trabalhadores enfrentam problemas parecidos em suas lutas. Repressão violenta e oscilação entre a desorganização espontânea e o autoritarismo burocrático.

A magia de que fala o entrevistado é a bonita descoberta de que “a união faz a força”. Mas trata-se de conquista sob constante ameaça da sociedade hierárquica em que vivemos.

Boas-vindas aos “novos proletários” e seus diplomas. Que se juntem aos veteranos dessa longa guerra de classes. Compartilhem do aprendizado das lutas anticapitalistas.

Leia também: O touro de Wall Street não tem apenas chifres

11 de setembro de 2012

Os “cercamentos” neoliberais

Michael Hudson publicou artigo esclarecedor na Carta Maior, em 09/09. “A guerra entre Wall Street e as cidades nos EUA" fala sobre a falência de milhares de municípios estadunidenses.

Às voltas com grandes dívidas, as cidades americanas estariam “sendo forçadas a fazer o que fez Nova Iorque para evitar a bancarrota em 1974: entregar a gestão para quem Wall Street bem entender”. E Wall Street só quer uma coisa: “vender o que resta do setor público e transformar cada programa social numa mesa de negociações”.

Hudson diz que os Estados Unidos estão passando por algo equivalente aos “cercamentos ingleses dos séculos XVI e XVIII”. Trata-se do processo de privatização de terras que eram cultivadas comunitariamente pelos camponeses há séculos. Um roubo que jogou milhões na miséria e os obrigou a trabalhar para os capitalistas.

Ao entregar serviços públicos ao mercado, as administrações americanas estariam fazendo o mesmo. O que deveria servir ao bem comum se transforma em mercadoria. Que os pobres se virem sozinhos como os camponeses, 300 anos atrás.

Segundo Hudson, o objetivo “é salvar os detentores de títulos e as ambiciosas contrapartes dos bancos, não os 99%”, referindo-se aos americanos que não têm outra propriedade que sua própria força de trabalho.

Ao mesmo tempo, artigo de Vinicius Torres Freire chamado “Cenas da miséria americana”, publicado em 03/09 na Folha, diz que “de cada sete americanos, um tem ajuda federal para comer”.

Ou seja, o capitalismo nasceu do roubo, vive dele e o está levando ao nível máximo na mais poderosa economia do mundo. Resta saber até quando os saqueados aguentarão.

10 de setembro de 2012

Somos todos “mortos que andam”

Os mortos-vivos fazem cada vez mais sucesso nas mídias de entretenimento. O maior deles é "The Walking Dead”. Os “mortos que andam” surgiram, primeiro, nos quadrinhos de Robert Kirkman e Tony Moore. Depois viraram um dos seriados de maior audiência na TV paga.

Os chamados zumbis nunca foram tão populares como outras criaturas assustadoras. Diferente de vampiros e lobisomens, por exemplo, os mortos-vivos são muito passivos. Então o que explicaria todo esse sucesso recente?

Em Walking-Dead, o mais assustador são as pessoas, não os zumbis. Enquanto os mortos cambaleiam desajeitados, os vivos guerreiam entre si selvagemente. E quando não fazem isso, sofrem com suas relações afetivas, problemas familiares, preconceitos, racismo, neuroses, relações de poder etc.

Na vida real, todo morador das grandes cidades cruza com centenas de pessoas por dia. A grande maioria delas, perfeitas desconhecidas. São corpos que se movem, passam uns pelos outros, mas representam pouco uns para os outros. Nada sabem sobre os conflitos, alegrias, conquistas e derrotas umas das outras.

É possível que o segredo do sucesso de Walking-Dead seja este. Vivemos em sociedades de massa. Estamos cada vez mais juntos, misturados e solitários. Mesmo a família nuclear dispersou-se pelos cômodos da casa. Cada um com sua TV, computador, celular. Lá fora, um mundo perigoso e caótico.

Nada disso quer dizer que não tenhamos nossas batalhas para travar. Muitas delas, cansativas e perigosas. Mas as enfrentamos quase solitariamente. Os estranhos que passam por nós todos os dias são mortos que andam. E representamos o mesmo para eles. Muito conveniente para os que nos dominam. Assustador para todos.

Leia também: Asterix contra Sarkozy

6 de setembro de 2012

Ficha suja para traidores das lutas populares

Em 30/08, o deputado petista João Paulo Cunha foi condenado pelo Supremo Tribunal no caso do Mensalão. A mídia empresarial e a direita comemoraram a decisão. Mas a grande maioria dos corruptos vai continuar impune. Inclusive, membros do próprio STF.

O maior crime de João Paulo não tem nada a ver com Mensalão. Em 2003, ele era presidente da Câmara. Coordenou a aprovação pelos deputados do primeiro grande projeto do governo Lula. Graças a seu empenho, a Reforma da Previdência inaugurou uma série de medidas que mantiveram e reforçaram o neoliberalismo no País.

Mas João Paulo não mostrou eficiência apenas no manejo das votações. Também autorizou a invasão do Congresso pela tropa de choque da polícia militar. O objetivo era reprimir centenas de manifestantes que protestavam contra uma reforma que sempre foi combatida pelo PT na oposição.

Na época, entidades sindicais denunciaram João Paulo ao STF. A convocação das tropas de choque teria sido inconstitucional. Claro que o processo foi solenemente ignorado pela “mais alta corte” do País. Afinal, era uma reclamação feita por trabalhadores. Os interesses destes muito raramente merecem proteção das instituições.

Como João Paulo, há muitos outros. Não estamos falando dos canalhas da direita. Estes, já sabemos a quem servem. Trata-se dos que chegaram a postos de poder com nosso apoio e acabaram chafurdando no chiqueiro institucional. Mas seu julgamento não deve ser feito por uma corte a serviço das elites.

Os movimentos populares e de trabalhadores precisam criar uma lista para os que traíram suas lutas. Ficha suja neles!

5 de setembro de 2012

Livre comércio, guerras na certa

Há raciocínios que parecem fazer todo o sentido e não fazem. Um bom exemplo está num artigo de Hélio Schwartsman, publicado na Folha em 01/09. Ele diz que com a “entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio, a entidade passou a englobar todas as potências do planeta”. 

Daí, o autor tira a seguinte conclusão: “o comércio foi, e provavelmente ainda é, uma das principais forças de manutenção da paz mundial”. E justifica: “com a possibilidade do comércio, meus vizinhos se tornam, pela primeira vez, mais valiosos vivos do que mortos”.

Não é o que se deduz do artigo “O capitalismo americano”, publicado por José Luís Fiori no Valor, em 29/08. O texto cita as duas potências campeãs do livre mercado: Inglaterra e Estados Unidos. Vejamos o que Fiori diz sobre as relações entre esses dois países e a “paz mundial”:

...nos cerca de 250 anos de história independente, os EUA iniciaram - em média- uma guerra a cada três anos, exatamente como a Inglaterra. Contando com a vantagem de ser "membro por nascimento" da pequena comunidade dos estados produtores da "ética internacional" que arbitram as "guerras justas" e o "livre-comércio".

...a "guerra contínua" teve um papel estratégico no desenho das políticas industrial e agrícola, e no desenvolvimento científico e tecnológico dos EUA; e por fim, a expansão política, territorial e bélica dos EUA foi na frente do processo de internacionalização das grandes corporações, do capital financeiro e da moeda americana.

Lembremos também as duas guerras mundiais que mataram dezenas de milhões, basicamente por disputa de mercados.

Leia também: Bancos e governos administram paraísos fiscais para minoria bilionária

4 de setembro de 2012

Música feita para queimar as entranhas

Em 18/09, Luiz Felipe Reis publicou reportagem no Globo sobre o lançamento do livro “Strange fruit”. A obra é sobre uma canção interpretada por Billie Holiday que causou polêmica no final dos anos 1930, nos Estados Unidos. Seu tema era o linchamento de negros, que incluía o enforcamento. Muitas vezes, sob aplausos de multidões.

Segundo o texto, quando terminava de cantar, Billie deixava o palco, “sem despedida, bis, nada. Apenas escuro e silêncio”. Até que as palmas tomavam o ambiente. Cena que sempre se repetia “nas noites nova-iorquinas de 1939”.

“As pessoas tinham de se lembrar de ‘Strange fruit’, ficar com as entranhas queimadas pela música”, teria afirmado Barney Josephson, ex-dono do clube em que a música costumava ser apresentada.

Abel Meeropol compôs a canção ao ver uma foto que mostrava os corpos de dois negros pendurados em árvores. Eram as estranhas frutas a que se refere a canção. Na época falar sobre os linchamentos era tabu. “Por isso, cantar aquela música foi um ato de coragem”, diz o texto.

Interpretar a canção rendeu agressões de todo o tipo contra Billie. “A Columbia Records se negou a gravá-la, e sua mãe protestou quando soube da música”, diz o artigo. “Fiz uma porção de inimigos, sim”, teria dito a cantora à revista “Downbeat”, em 1947.

Meeropol era branco, mas judeu. Talvez, esta sua condição tenha ajudado na composição da obra. Seu povo, tal como os negros, foi sacrificado pelo conservadorismo mais covarde e estúpido. Ambos provaram do fruto amargo do racismo e da crueldade humana.

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3 de setembro de 2012

Bancos e governos administram paraísos fiscais para minoria bilionária

Praticamente, todos os países afetados pela crise econômica adotam somente uma receita. Para os trabalhadores, desemprego, corte de direitos e de salários. Para bancos e grandes empresas, dinheiro público aos montes.

A situação já é injusta por si só. Mas o artigo “O imenso buraco negro da economia global”, de Sarah Jaffe, mostra que a coisa é ainda pior. Reproduzido por Carta Maior, o texto cita relatório da Tax Justice Network (Rede para a justiça tributária). Diz que:
Segundo nossas estimativas, pelo menos um terço de toda a riqueza financeira privada, e quase a metade de toda a riqueza offshore, é agora propriedade das 91 mil pessoas mais ricas do mundo: só 0,001% da população mundial.
O estudo afirma que as pessoas mais ricas do mundo escondem em paraísos fiscais de 21 a 32 trilhões de dólares. Detalhe, o documento não contabiliza bens como iates, obras de arte e “outras formas de riqueza que os super-ricos escondem” da taxação fiscal.
 
“Paraísos fiscais” não são apenas lugares como Ilhas Cayman, Bermudas ou Suíça. Incluem principalmente Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. E quem lida com essas somas imensas? Goldman Sachs, UBS, Credit Suisse, Bank of America, Wells Fargo e JP Morgan Chase, são alguns dos principais operadores, afirma o relatório.

Estes bancos são os mesmos que são considerados “grandes demais para falir”. E, como tal, vêm recebendo generosa ajuda dos governos. Ou seja, aqueles que deveriam impedir a sonegação fiscal são os mesmos que a patrocinam. A corrupção não é o “câncer” do sistema. O sistema é o próprio câncer.

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