Doses maiores

22 de dezembro de 2017

Que Bamidele e Ayolwa não nos faltem em 2018

“O nosso povoado infértil morria à míngua e mais e mais a nossa vida passou a desesperançar”, diz o conto “Ayoluwa, a alegria do nosso povo”, do livro “Olhos d'água”, de Conceição Evaristo.

Mas, continua a narrativa:

...em uma dessas noites de macambúzia fala, de um estado tal de banzo, como se a dor nunca mais fosse se apartar de nós, uma mulher, a mais jovem da desfalcada roda, trouxe uma boa fala. Bamidele, a esperança, anunciou que ia ter um filho. A partir daquele momento, não houve quem não fosse fecundado pela esperança, dom que Bamidele trazia no sentido de seu nome.

(...)

E todas nós sentimos, no instante em que Ayoluwa nascia, todas nós sentimos algo se contorcer em nossos ventres, os homens também. Ninguém se assustou. Sabíamos que estávamos parindo em nós mesmo uma nova vida. E foi bonito o primeiro choro daquela que veio para trazer a alegria para o nosso povo. O seu inicial grito, comprovando que nascia viva, acordou todos nós. E partir daí tudo mudou. Tomamos novamente a vida com as nossas mãos.

Ayoluwa, alegria de nosso povo, continua entre nós, ela veio não com a promessa da salvação, mas também não veio para morrer na cruz. Não digo que esse mundo desconsertado já se consertou. Mas Ayoluwa, alegria de nosso povo, e sua mãe, Bamidele, a esperança, continuam fermentando o pão nosso de cada dia. E quando a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo procurando a solução.

Que Bamidele e Ayolwa não saiam de nosso lado, em 2018. Até lá!

21 de dezembro de 2017

Aventureiros e mafiosos no poder soviético

Enganam-se aqueles que nos acusam de dizer que a Rússia está madura para o socialismo, costumava afirmar Lênin. Segundo ele, ninguém jamais, partido ou indivíduo, teve intenção de introduzir o socialismo “por decreto” na Rússia.

Este posicionamento está em “Reconstruindo Lênin”, de Tamás Krausz. Segundo Krausz, Lênin não previu um final completo e imediato das relações de mercado. Para o líder bolchevique, seria preciso “aguardar o tempo necessário para convencer o povo e aprofundar sua consciência”.

Em seus primeiros meses, o poder soviético limitou-se a adotar medidas “perfeitamente maduras, técnicas e culturais, para trazer alívio imediato aos pobres e diminuir as trágicas consequências da guerra", dizia Lênin.

Em abril de 1918, Lênin publicou “As tarefas imediatas governo soviético”. A situação era tão caótica que o artigo defendia a contratação de especialistas do antigo regime, pagando-lhes altas remunerações.

Uma medida necessária, dizia ele, apesar de tornar inevitável a “influência corruptora dos altos salários”, tanto sobre a massa dos trabalhadores, como em relação às “autoridades soviéticas”.

Especialmente, afirmava Lênin, “porque a revolução ocorreu tão rapidamente que era impossível impedir que um certo número de aventureiros e mafiosos ocupassem posições de autoridade”.

Nesse momento, as formulações de Lênin já não apresentavam a segurança do período pré-revolucionário. Mas jamais perderam a precisão ou se deixaram cegar pela recente vitória.

A essa altura, todas as esperanças estavam depositadas nas revoluções na Europa ocidental. Quando elas não aconteceram, começou a surgir um terreno fértil para aqueles que Lênin identificou como “aventureiros e mafiosos”.

Gente cuja vocação para a corrupção e o autoritarismo, Stálin saberia utilizar na contrarrevolução que viria a liderar.

Leia também: União Soviética: preservando o estado às custas da revolução

20 de dezembro de 2017

Para entender o apoio popular a Lula

Em geral as pesquisas tratam do 1% mais rico e dos 99% da população, como se os 99% fossem pobres do mesmo modo, e não são.

Estas palavras são de Tereza Campello, coordenadora do relatório “Faces da desigualdade no Brasil. Um olhar sobre os que ficam para trás”. Por isso, diz ela, o estudo escolheu “abordar a situação dos 5% e dos 20% mais pobres”, concentrando-se na população de negros do Brasil. “Eles são os últimos a receber o conjunto de bens, serviços e direitos; são sempre deixados para trás”, afirma. 

Um exemplo: em 2002, existiam 75,9 milhões de pessoas negras com acesso à energia elétrica, contra 91 milhões de brancos, só que a população de pretos e pardos é maior do que a população de brancos. Esse número aumentou de 75,9 milhões para 109 milhões, ou seja, aproximadamente mais 30 milhões de pessoas negras passaram a ter energia elétrica.

Mais dados: em 2002, entre os negros havia somente 5,7 milhões de chefes de família que tinham ensino fundamental completo. Em 2015, passaram a ser 17 milhões. No mesmo período, quase 40 milhões de negros passaram a ter acesso à água de qualidade no Brasil.

Na entrevista em que aparecem essas informações, Tereza cita muitos outras. A pesquisadora não esconde que utiliza os dados para defender os governos petistas. Nem deveria. Eles estão aí e explicam boa parte da grande aprovação popular a Lula.

Esses números não tornam obrigatório apoiar o projeto petista. Nem deslegitima quem, muito corretamente, o combate pela esquerda. Mas nos obriga a atentar para eles, sob pena de não entendermos nada.

19 de dezembro de 2017

União Soviética: preservando o estado às custas da revolução

Em seu livro “Reconstruindo Lênin”, Tamás Krausz dedica um capítulo ao livro “O Estado e a Revolução”, publicado em 1917. Uma das obras mais lidas do biografado.

Segundo Krausz, Lênin retomou Marx e Engels ao propor a substituição da noção de estado no período pós-revolucionário pela ideia de “comuna".

A comuna seria um estado em extinção. Uma instituição fundamental durante a transição política que ele chamou “ditadura do proletariado”, adotando o conceito de Marx e Engels.

Mas Lênin inovou ao chamar de socialismo a fase de transição social ao comunismo, estágio em que a divisão de classes seria extinta, tornando desnecessária a existência do estado.

Krausz também cita o artigo “Nossas tarefas e o Soviete dos Deputados Trabalhadores”, de 1905. Nele, Lênin afirma que os sovietes deveriam ser considerados formas de auto-organização de toda a população.

Seriam órgãos do proletariado, que não deveriam ser apropriados nem mesmo pelos partidos revolucionários. Politicamente, dizia ainda, os sovietes seriam embriões de “um governo revolucionário provisório".

Além disso, afirmava que a organização do autogoverno revolucionário e a eleição de seus deputados pelo povo não seria o prólogo de uma revolta, mas seu epílogo. Ou seja, a democracia mais ampla era o objetivo maior.

Infelizmente, a curta experiência democrática dos sovietes foi afogada em sangue pela guerra civil promovida pelas forças contrarrevolucionárias, com enorme apoio das potências imperialistas.

E sem a esperada revolução na Europa ocidental, as complicadas transições dentro das transições acabaram bloqueadas.

Nessa situação, Stálin apresentou sua alternativa. Promoveu uma contrarrevolução interna que salvou a União Soviética e condenou o socialismo. Preservou o estado às custas da revolução.

18 de dezembro de 2017

Uberização do desespero, luta de classes, disputa hegemônica

Henry Ford ficou conhecido por introduzir a produção em série. Mas poucos sabem que para trabalhar na Ford era preciso comprovar adesão a certos valores como fidelidade conjugal, estabilidade familiar e emocional, repulsa ao álcool e à vida boêmia, apego à religião e patriotismo.

Mais sutil, o toyotismo se apropriou da capacidade flexível da produção artesanal. Passou a exigir de seus “colaboradores” capacidade de cooperação, consenso, participação, valorização dos grupos informais etc.

Já na era do Uber, as empresas inovam a partir da chamada economia compartilhada ou “economia do bico”. Nela, borram-se as fronteiras “entre consumo e trabalho, entre o que é trabalho e o que não é, entre trabalhador e consumidor, entre o trabalho e o bico, entre trabalhador-empreendedor”.

A análise acima é um resumo grosseiro de um artigo que vale a leitura. Trata-se de “Luta de classes na era do Uber”, de Marco Antonio Gonsales de Oliveira, Rodrigo Bombonati de Souza Moraes e Rogério de Souza. É dele também a seguinte passagem:

As empresas da economia do compartilhamento navegam nas oportunidades que a sociedade do trabalho, em crise, oferece: consumidores em busca de baixo preço e trabalhadores em situação de desespero.

Sendo que “consumidores em busca de baixo preço” e “trabalhadores em situação de desespero” muitas vezes são as mesmas pessoas.

Mas tudo isso fica escondido sob a aparência de “eficiência”, “versatilidade”, e até “sustentabilidade ecológica”.

Ou seja, desde a triagem moralista de Ford, passando pela apropriação do artesanato pelo toyotismo até a uberização do desespero, é de luta de classes que se trata. Mas também de luta ideológica. Disputa de hegemonia.

Leia também:

15 de dezembro de 2017

Lênin, o grande navegador e suas dúvidas

Em sua “História da Revolução Russa”, Trotsky afirma que nem a ausência dele ou de outros membros da vanguarda bolchevique durante os acontecimentos de 1917 teria impedido que a revolução acontecesse. Com uma exceção: Lênin.

De fato, na enorme confusão que reinou nos meses anteriores a outubro, Lênin parecia ser o único que sabia o que fazer. Enquanto seus pares vacilavam de um lado para o outro, ele repetia obsessivamente: “Todo poder aos sovietes”.

Lênin era como um navegador que não perde o porto de vista, mesmo em meio à maior das tempestades.

Claro que há algum exagero nessa avaliação. O historiador Alexander Rabinowitch, por exemplo, defende que a vitória dos bolcheviques em outubro foi resultado da obsessão de Lênin “temperada” pela “moderação” de seus camaradas.

Por outro lado, é impossível negar o papel decisivo de Lênin naquele momento histórico tão fundamental para a humanidade.

Mas Lênin não era apenas um animal político. Sua capacidade de elaboração teórica era enorme. O que ele jamais perdia de vista era a necessidade de colocar a teoria a serviço do grande objetivo de sua vida: a conquista do socialismo e do comunismo. O mesmo que obcecava Marx, de cuja obra Lênin foi um continuador genial.  

Para ter uma ideia da estatura histórica de Lênin, uma boa leitura é “Reconstruindo Lênin”, biografia intelectual escrita pelo marxista húngaro Tamás Krausz. E nela também ficamos sabendo que o grande navegador também teve sérios momentos de incerteza. Principalmente, quando as esperadas revoluções na Europa ocidental faltaram ao encontro com a História.

A obra de Krausz será tema de algumas das próximas pílulas.

14 de dezembro de 2017

Papo presencial faz bem pra saúde. Ou não...

Em 08/12, Reinaldo José Lopes publicou na, Folha, entrevista que fez com Susan Pinker. Segundo Lopes, esta psicóloga canadense afirma que “as conexões que realmente fazem diferença para a saúde, a longevidade e a qualidade de vida são as que acontecem cara a cara”.

O livro mais recente de Susan é “The Village Effect” (“O Efeito Vilarejo”). Nele, a autora cita o exemplo de vilarejos na Sardenha, onde muita gente vive até os cem anos ou mais. Segundo ela:

...há muita coesão social dentro de cada vila: não só você tem contato com aquelas pessoas, mas elas também têm contato com todos os demais membros da sua rede social, e esse é o melhor tipo de rede social que há, essa rede densa e interconectada que surge naturalmente em vilarejos isolados nas montanhas.

Ou seja, a convivência presencial não faz bem só para a saúde psicológica das pessoas. Apresenta benefícios fisiológicos também.

E com as festas de final de ano se aproximando, quem sabe seja o momento de seguir a seguinte recomendação de Susan:

...as refeições em família deveriam ser contextos nos quais as pessoas conseguem recarregar suas baterias umas com as outras, trocar experiências e sentimentos. Como estamos dando cada vez mais atenção a dispositivos eletrônicos, muitas vezes nos sentamos juntos na mesa, mas não conversamos, o que eu acho uma pena.

Pode até ser, mas melhor evitar conversas que envolvam política, religião, sexualidade etc. Nestes casos, a grande maioria de nós prefere se refugiar em sua própria bolha virtual. Aquela que insistimos em chamar de redes sociais.

Leia também: As cercas da internete

13 de dezembro de 2017

Tudo o que é sólido termina em exploração

“Capitalismo sem capital” é o nome de um recente livro publicado pelos britânicos Jonathan Haskel e Stian Westlake. Ainda sem edição no Brasil, a obra foi comentada por John Harris, em artigo reproduzido pelo portal IHU-Online.

Harris cita a famosa frase “Tudo o que é sólido desmancha no ar” para explicar o fenômeno que dá nome ao livro. Segundo ele, a nova economia dos aplicativos seria a melhor demonstração daquela passagem do Manifesto Comunista.

Afinal, a Airbnb não tem imóveis, o Alibaba não tem estoque e a Uber não tem automóveis, diz o artigo. Seriam exemplos perfeitos de capitalismo sem capital. Da crescente economia de bens intangíveis.

Mas, se realmente Haskel e Westlake utilizam como referência Marx e Engels, não entenderam nada de sua obra.

Primeiro, quando o Manifesto afirma que tudo que é sólido desmancha no ar, está se referindo à consolidação do capitalismo, não a seu desaparecimento. Airbnb, Alibaba e Uber são radicalizações dessa tendência, não sua negação.

Em segundo lugar, em “O Capital”, Marx deixou claro: “O capital não é uma coisa, mas uma relação social”.

A mercadoria mais valiosa na produção capitalista é a força-de-trabalho. Integrada à massa de forças-de-trabalho do conjunto dos trabalhadores, ela torna-se o mais intangível dos bens.

É exatamente esta intangibilidade da força-de-trabalho que permite esconder sua exploração como fundamento maior da sociedade atual.

Na verdade, a única coisa realmente sólida no capitalismo tem sido a exploração de uma maioria que só aumenta por uma minoria cada vez menor.

Mas Harris tem razão numa coisa. A atual fase do capitalismo “provavelmente disseminará incerteza e agitação como nunca”.

Leia também: Marx e Engels 4.0

12 de dezembro de 2017

Estatísticas, luta de classes, disputa de hegemonia

Estatísticas não costumam ser muito úteis para os que travam a luta de classes do lado dos explorados e oprimidos.

Afinal, a ideia de “assunto de estado” faz parte das origens da palavra “estatística”. Sua função principal sempre foi a de fornecer dados para aperfeiçoar o controle dos que dominam.

Já para os que acreditam na transformação social a partir de baixo, a melhor “estatística” seria a que resulta da convivência com os setores dominados.

Mas, mesmo com essas ressalvas, é importante atentar para os dados da pesquisa “Nós e as desigualdades. Percepções sobre desigualdades no Brasil”, realizada recentemente pela Oxfam e o Datafolha.

Algumas delas assustam mesmo os mais atentos. Para ter uma ideia de nossa desigualdade social, uma pessoa que recebe três salários mínimos mensais já pode ser incluída no grupo dos 10% mais ricos.

No entanto, o levantamento descobriu que quase metade da população, acredita que para acessar aquele restrito grupo dos 10% mais ricos, seria necessário receber R$ 20 mil mensais, ou mais de 20 salários mínimos.

E aí entra a disputa de hegemonia. Até existe uma percepção geral sobre a desigualdade social brasileira. Mas ela é insuficiente por parte dos que mais sofrem com ela.

Por outro lado, há dados positivos em relação a outros problemas. É o caso da compreensão majoritária de que os ricos pagam pouco imposto no Brasil. A maioria também entende que negros e mulheres recebem salários menores por serem discriminados.

Por essas e outras, e para pensarmos em termos de disputa hegemônica, clique aqui e leia entrevista com Rafael Georges, coordenador do levantamento.

Leia também: Estatísticas pouco úteis para a luta de classes

11 de dezembro de 2017

Marx e o espaço anulado pelo tempo

A sensação de que a passagem do tempo vem se acelerando nas últimas décadas parece inegável. Há vários estudos em torno do fenômeno. No Brasil, por exemplo, há um laboratório dedicado a ele na Universidade Federal do ABC.

Mas uma das explicações possíveis poderia ser deduzida de uma necessidade econômica fundamental para o capital. É a aceleração de tempo de circulação das mercadorias para a realização dos lucros provenientes de sua comercialização.

“Grundrisse” é o nome pelo qual são conhecidos alguns manuscritos de Marx concluídos em 1858, na condição de rascunhos de “O Capital”. E se este já é de leitura complexa, imagine seu esboço. Mas segue uma citação interessante:

Enquanto o capital deve por um lado, esforçar-se por derrubar todas as barreiras espaciais para realizar o intercâmbio (isto é, a troca), e conquistar todo o mundo como seu mercado, esforça-se, por outro lado, em anular o espaço pelo tempo, isto é, reduzir a um mínimo o tempo despendido no movimento de um lugar ao outro. Portanto, quanto mais desenvolvido o capital, mais extenso o mercado pelo qual ele circula, (...) a órbita espacial de sua circulação, mais ele se esforça simultaneamente em direção a uma ainda maior ampliação do mercado e a uma maior anulação do espaço pelo tempo.

Olhemos agora para a onipresença das redes virtuais na vida atual, alimentando o consumismo e radicalizando a transformação de informações, dados e notícias em elementos imediatamente remuneráveis. Faz muito sentido, certo?

Mas para a maioria de nós, o tempo que falta para perceber isso também tira o espaço para nos livrarmos disso.

7 de dezembro de 2017

Vida longa e próspera, rumo ao colapso?

"Nunca na história da humanidade houve uma redução tão grande da pobreza”, diz o artigo de José Eustáquio Diniz Alves, professor Escola Nacional de Ciências Estatísticas, do IBGE, publicado na EcoDebate, em 27/11.

Alguns números: “a extrema pobreza caiu de 94% do total populacional, em 1820, para 10% em 2015”. “Fato extraordinário”, diz o autor, com razão.

Mais dados extraordinários: “A esperança de vida ao nascer da população mundial estava abaixo de 30 anos no século XIX, chegou a 34,1 anos em 1913 e saltou para 71,4 anos em 2015”.

Mas, claro, as desigualdades não só continuam como aumentaram:

No século XIX, a esperança de vida ao nascer na África estava em torno de 26 anos e da Europa em 35 anos. Em 2015, a esperança de vida ao nascer da África passou para 60 anos e da Europa chegou a 80,6 anos.

Além disso:

Enquanto as populações humanas, umas bem mais do que as outras, tiveram inquestionáveis ganhos, o meio ambiente só teve perdas e danos. Houve degradação dos solos, acidificação dos oceanos, perda de biodiversidade, aumento da emissão de gases de efeito estufa e eutrofização, que é o processo através do qual um corpo de água adquire níveis altos de nutrientes (fosfatos e nitratos), provocando o acúmulo de matéria orgânica em decomposição. O sucesso humano está ocorrendo paralelamente à 6ª extinção em massa das espécies e à aniquilação biológica.

Daí, o autor concluir:

Se o rumo do desenvolvimento da economia internacional não for alterado, o colapso ambiental pode trazer grande sofrimento para a humanidade, reverter conquistas recentes e gerar um colapso civilizacional.

Pois é...

6 de dezembro de 2017

A revolução como catástrofe redentora

O  site Taxmax publicou ”Catástrofes ou uma desigualdade colossal. Faça a sua escolha”, de James C. Scott. O artigo comenta o recém-lançado livro “The Great Leveller”, de Walter Scheidel.

Trata-se de mais um estudo a mostrar que diminuições significativas das desigualdades sociais só ocorrem como consequência de catástrofes. Mas, até agora, isso parecia valer apenas para o capitalismo, com suas inéditas guerras mundiais.

Já o levantamento de Scheidel, teria concluído que o crescimento da desigualdade remonta ao nascimento da agricultura e, portanto, “da propriedade fundiária”, diz o artigo.

Os momentos de maior nivelamento social não seriam resultado de políticas de redistribuição de riqueza e oportunidades, mas “consequência de desastres sociais e econômicos imprevistos”.

Além disso, junto com a propriedade da terra, a formação de estados seria outro elemento “original dessa dinâmica”. Desse modo, o “colapso do estado” seria mais um desses eventos catastróficos de equalização social.

Segundo Scott, o autor também afirma que:    

As “revoluções transformadoras” são o único tipo de evento de nivelamento em que a ação humana deliberada é, pelo menos em princípio, envolvida na tentativa de aumentar a igualdade econômica, mas, mesmo aqui, Scheidel insiste que é apenas e especificamente a violência envolvida em tais revoluções que causa o nivelamento.

O estudo parece confirmar o que Engels concluiu em “A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado”, de 1884. Com uma diferença importante.

Para os marxistas (e anarquistas), o fim do Estado pela ação humana deliberada, ou seja, mediante “revoluções transformadoras” está longe de ser uma “catástrofe”. Poderia colocar fim à calamidade da injustiça social que castiga a humanidade há milênios.

5 de dezembro de 2017

Sob o capitalismo, bullying é sinônimo de adaptação


O capitalismo é bullying; é competição – vencedores e perdedores. A desigualdade social está no cerne do capitalismo. Os fracos merecem seu destino. Qualquer um que seja intimidado fez por merecer. Os pobres não têm resistência nem correm atrás. Eles devem se submeter ao poder daqueles que tem a força para construir indústrias, fortunas e impérios. Os fortes foram feitos para dominar os fracos. Para que a economia cresça, 1% deve ser livre para intimidar os outros 99%.

As palavras acima são de Charles Deber e Yale Magrass, autores do livro “Como o Establishment norte-americano cria uma sociedade de Bullying”, ainda sem edição em português. Eles deram uma entrevista publicada pelo portal “Outras Palavras” em 03/12.

Para os autores, bullying não é exceção:

Quando as crianças ou os adultos fazem bullying, eles estão reagindo às normas ou incentivos de suas empresas e de sua sociedade militarizada. Eles não estão “doentes” ou perturbados nem são “antissociais”; na verdade, estão bem adaptados ao sistema e não precisam de terapia para se ajustar ainda mais.

Deber e Magrass também citam Marx. Segundo eles, o revolucionário alemão “construiu toda sua teoria da exploração capitalista como uma relação de bullying entre a classe capitalista e a classe trabalhadora”. Trata-se do “bullying do capital”, afirmam. Conceito inspirado em “O Capital”.  

Difícil discordar da tese. A não ser quando eles dizem que a “melhor maneira de reduzir o bullying é mudar nossa sociedade”, nos “encaminhando a um sistema menos capitalista”.

Menos bullying, é importante. Mas menos capitalismo, não basta. Se não o eliminarmos, ele nos elimina. E na base de muito abuso e porrada.

Leia também: Da crueldade infantil à brutalidade penal

4 de dezembro de 2017

Rosa Luxemburgo e a sabedoria da toupeira parlamentar

Em seu artigo “A Revolução Russa”, Rosa Luxemburgo faz críticas firmes, ainda que fraternas, a algumas das primeiras medidas tomadas pelo governo bolchevique.

Mas outro alvo importante do texto são as direções do Partido Comunista alemão. Elas não apenas deixaram de fazer a revolução em seu país como condenaram a Revolução Russa por sua “imaturidade”. Para esses reformistas, era preciso esperar, primeiro, a conquista da maioria do povo para, depois, tomar o poder.

A isto, Rosa responde:

Os bolcheviques resolveram assim a célebre questão da “maioria do povo”, pesadelo que sempre oprimiu os socialdemocratas alemães. Pupilos incorrigíveis do cretinismo parlamentar simplesmente transpõem para a revolução a sabedoria caseira do jardim de infância parlamentar: para fazer alguma coisa, é preciso ter antes a maioria. Portanto, o mesmo para a revolução: conquistemos primeiro a “maioria”. Mas a dialética real das revoluções inverte esta sabedoria de toupeira parlamentar: o caminho não conduz da maioria à tática revolucionária, ele leva à maioria pela tática revolucionária. Apenas um partido que saiba dirigir, isto é, fazer avançar, ganha seus seguidores na tempestade. A resolução com que Lênin e seus companheiros lançaram no momento decisivo a única palavra de ordem mobilizadora – todo o poder ao proletariado e campesinato – fez, praticamente de um dia para o outro, de uma minoria perseguida, caluniada, “ilegal”, cujos dirigentes (...) precisavam esconder-se nos porões, a dona absoluta da situação.

Não se trata de acreditar na clarividência de vanguardas. A “resolução de Lênin e seus companheiros” estava ancorada em muitos anos de forte trabalho de base junto a trabalhadores e população pobre.

Não é receita, mas fica a dica.

1 de dezembro de 2017

Estatísticas pouco úteis para a luta de classes

No editorial “Quem é a elite”, de 30/11, a Folha argumenta:

Um brasileiro com salário de R$ 27 mil mensais possivelmente se considera de classe média, ou média alta.

(...)

Entretanto esse funcionário frequenta, talvez sem o saber, uma comunidade minúscula e privilegiada no topo da pirâmide social brasileira. Conforme os dados divulgados nesta quarta-feira (29) pelo IBGE, ele recebe o correspondente à renda média do trabalho do 1% mais bem pago do país.

Não que o texto tenha escolhido chamar esse trabalhador bem remunerado de “funcionário”, numa referência enviesada ao serviço público. Ou que o lamento sobre as “dimensões brutais da desigualdade nacional” seja seguido pela citação de “gastos previdenciários, que consomem a maior fatia do Orçamento federal” e a “gratuidade constitucional do ensino superior público”.

O que realmente deveria surpreender é que a esquerda continua a repetir esses números escandalosos. Ou fique discutindo classificações sociológicas rasas, como “classe média”, “classe C”, etc.

Saber, por exemplo, que os muito ricos ganham 36 vezes mais que a metade da população diz muito pouco sobre quem podem ser nossos aliados na luta de classes em um país tão injusto e violento. Seriam os que ganham apenas 3 vezes mais que a média nacional? Ou 5 vezes? A metade? Um terço?

Indicadores objetivos sobre as classes sociais são quase inúteis se não se relacionarem a seus elementos subjetivos. Mas trata-se de um nível de compreensão da realidade que nenhum recurso econômico ou científico pode alcançar.

Dar conta desse desafio exige outros instrumentos. Pouco dispendiosos, bastante acurados, porém muito trabalhosos. Envolvem o que costuma chamar-se trabalho de base.

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