“O coronavírus já sofreu 33 mutações desde que apareceu na China em dezembro de 2019”, diz matéria divulgada pelo IHU-Online. Segundo a reportagem:
O coronavírus não é um só. Como outros vírus, continua sofrendo mutações, produzindo resultados diferentes como, por exemplo, a distinta gravidade da infecção entre os países afetados. Este é o resultado de uma pesquisa publicada recentemente por Li Lanjuan, um dos mais respeitados pesquisadores chineses.
Saber que já há tantas versões de um vírus que provoca tanto sofrimento pode ser desesperador. Mas o texto esclarece que a "palavra mutação geralmente assusta. Na realidade, esses tipos de mudanças são parte do ciclo natural de vida de qualquer organismo...”. Muitas dessas alterações, afirma, podem tornar o vírus menos letal.
Passando da biologia à história, a dominação de classe também sofreu muitas alterações durante a existência humana. A mais recente, e esperemos que a última, foi a que nos submeteu ao modo capitalista de exploração.
No Brasil, é a pior cepa desse vírus que está no poder. Mas caso ela pereça envenenada por sua própria virulência, há muitas outras capazes de cumprir papel semelhante à dela. Na ausência do vírus, permanece o câncer da desigualdade alimentado por uma dominação impiedosa e sangrenta.
Entre nós, essa praga já passou por muito mais que três dezenas de metamorfoses. Há, pelo menos, 520 anos, é assim. Mas o que vale para a virologia, vale para a luta de classes. Em muitos momentos no passado, os ferrados e humilhados souberam criar anticorpos transformando desespero em solidariedade combativa.
E, agora, mais do que nunca, ou é a peste ou somos nós.
Leia também: Mortes encomendadas há muito tempo
Blog de Sérgio Domingues, com comentários curtos sobre assuntos diversos, procurando sempre ajudar no combate à exploração e opressão.
29 de abril de 2020
28 de abril de 2020
Eleições em Qualityland: resultado previsível
Qualityland, o país inventado pelo escritor alemão Marc-Uwe Kling e que também dá título a seu livro, está em campanha eleitoral presidencial.
O candidato da situação é John da Gente. Uma peça publicitária mostra um empresário dizendo: “Não vou votar em John da Gente, apesar de ele ser um androide, mas exatamente porque ele é um androide! Máquinas não cometem erros”.
Em outro anúncio, uma professora pergunta a um garoto: "2 × 3 =?" "Quatro", responde ele. A professora balança a cabeça, dizendo: "Bem, isso não teria acontecido com John da Gente". E voltando-se para a câmera: “A economia mundial é complexa demais para que nós, humanos, possamos entendê-la. Precisamos de João da Gente! Afinal, máquinas não cometem erros!”
Conrad Cook é o candidato da oposição. Acusado de ser racista, ele nega veementemente: “Não há ninguém no mundo menos racista que eu. Ninguém. Mas não podemos negar que esses tipos latinos são todos preguiçosos, negros são todos criminosos e árabes são todos terroristas. Trata-se de fatos simples e evidentes. E, no entanto, devo enfatizar novamente: nunca na história da humanidade houve um homem menos racista do que eu!”
Num grande debate televisivo os dois candidatos se confrontam. Em determinado momento Cook diz a John: “Você pode ter os melhores argumentos, mas são apenas argumentos! Posso ter argumentos piores, mas eu estou certo!”
John não sabe o que responder. Seus sensores eletrônicos não conseguem entender o que está acontecendo. A plateia explode em risos e aplausos.
Desde então, as intenções de voto de Cook não param de subir. Aqui, distante de Qualityland, sabemos quem seria eleito presidente.
Leia também: Qualityland, a distopia aqui e agora
O candidato da situação é John da Gente. Uma peça publicitária mostra um empresário dizendo: “Não vou votar em John da Gente, apesar de ele ser um androide, mas exatamente porque ele é um androide! Máquinas não cometem erros”.
Em outro anúncio, uma professora pergunta a um garoto: "2 × 3 =?" "Quatro", responde ele. A professora balança a cabeça, dizendo: "Bem, isso não teria acontecido com John da Gente". E voltando-se para a câmera: “A economia mundial é complexa demais para que nós, humanos, possamos entendê-la. Precisamos de João da Gente! Afinal, máquinas não cometem erros!”
Conrad Cook é o candidato da oposição. Acusado de ser racista, ele nega veementemente: “Não há ninguém no mundo menos racista que eu. Ninguém. Mas não podemos negar que esses tipos latinos são todos preguiçosos, negros são todos criminosos e árabes são todos terroristas. Trata-se de fatos simples e evidentes. E, no entanto, devo enfatizar novamente: nunca na história da humanidade houve um homem menos racista do que eu!”
Num grande debate televisivo os dois candidatos se confrontam. Em determinado momento Cook diz a John: “Você pode ter os melhores argumentos, mas são apenas argumentos! Posso ter argumentos piores, mas eu estou certo!”
John não sabe o que responder. Seus sensores eletrônicos não conseguem entender o que está acontecendo. A plateia explode em risos e aplausos.
Desde então, as intenções de voto de Cook não param de subir. Aqui, distante de Qualityland, sabemos quem seria eleito presidente.
Leia também: Qualityland, a distopia aqui e agora
27 de abril de 2020
Qualityland, a distopia aqui e agora
De volta a Qualityland, país ficcional criado pelo escritor alemão Marc-Uwe Kling, descrito no livro homônimo.
Na terra da qualidade, tudo é superlativo. Lá nada é apenas maravilhoso. É mais maravilhoso!
E nesse lugar hiper-extraordinário, as teias virtuais e seus aplicativos dominam tudo. A maior rede social do mundo está lá, claro. É a Everybody.
Todos estão nela. Literalmente. Afinal, a Everybody se encarrega de criar automaticamente perfis para aqueles que ainda não conseguiram criar um para si. Ele também se encarrega de manter os status dos usuários atualizados automaticamente.
Por exemplo, sempre que você tomar aquele costumeiro café, o sistema publicará instantânea e autonomamente a atualização apropriada em seu perfil: “Nesse momento, estou tomando um café na Starbucks. Totalmente delicioso!”
Existem até robôs de bate-papo que se encarregam de iniciar e manter diálogos com os seus contatos na rede. De modo que a pessoa recentemente registrada já chega com suas conversas em adiantado estágio de andamento.
É como diz a propaganda do Everybody: “Você economiza o esforço de ter que conversar com seus amigos. E a situação ideal surge quando os robôs assumem as duas pontas da conversa, proporcionando mais tempo livre para os respectivos usuários.”
Calcula-se que esse recurso libera cerca de 10,24 horas por semana por membro da rede. Não é fantástico? Fantástico, não. Extremamente fantástico!
Lógico que numa sociedade como essa não existem segundos lugares. Todo e qualquer serviço, empresa, corporação são, ao mesmo tempo, gigantes, únicos e os melhores. Assim, não há espaço para coisas bobas como a livre concorrência.
Não lembra um lugar nem tão ficcional? Tipo, aqui e agora?
Leia também: Qualityland: uma distopia com cara de realidade
Na terra da qualidade, tudo é superlativo. Lá nada é apenas maravilhoso. É mais maravilhoso!
E nesse lugar hiper-extraordinário, as teias virtuais e seus aplicativos dominam tudo. A maior rede social do mundo está lá, claro. É a Everybody.
Todos estão nela. Literalmente. Afinal, a Everybody se encarrega de criar automaticamente perfis para aqueles que ainda não conseguiram criar um para si. Ele também se encarrega de manter os status dos usuários atualizados automaticamente.
Por exemplo, sempre que você tomar aquele costumeiro café, o sistema publicará instantânea e autonomamente a atualização apropriada em seu perfil: “Nesse momento, estou tomando um café na Starbucks. Totalmente delicioso!”
Existem até robôs de bate-papo que se encarregam de iniciar e manter diálogos com os seus contatos na rede. De modo que a pessoa recentemente registrada já chega com suas conversas em adiantado estágio de andamento.
É como diz a propaganda do Everybody: “Você economiza o esforço de ter que conversar com seus amigos. E a situação ideal surge quando os robôs assumem as duas pontas da conversa, proporcionando mais tempo livre para os respectivos usuários.”
Calcula-se que esse recurso libera cerca de 10,24 horas por semana por membro da rede. Não é fantástico? Fantástico, não. Extremamente fantástico!
Lógico que numa sociedade como essa não existem segundos lugares. Todo e qualquer serviço, empresa, corporação são, ao mesmo tempo, gigantes, únicos e os melhores. Assim, não há espaço para coisas bobas como a livre concorrência.
Não lembra um lugar nem tão ficcional? Tipo, aqui e agora?
Leia também: Qualityland: uma distopia com cara de realidade
24 de abril de 2020
Qualityland: uma distopia com cara de realidade
O escritor alemão Marc-Uwe Kling acaba de lançar a edição brasileira de “Qualityland”. O livro faz uma sátira inteligente e divertida, ao imaginar uma sociedade em que seríamos dominados pelas máquinas e seus algoritmos.
Qualityland é um país surgido após “uma crise econômica tão severa que ficou conhecida como a crise do século”. Entre suas muitas esquisitices está o aplicativo “MeAvalie”, que estabelece um sistema de qualificação social que vai de 1 a 100. Mas...
Muitas lojas, restaurantes e clubes só abrem suas portas automáticas para pessoas acima de um determinado nível. A polícia está autorizada a parar, revistar e deter qualquer pessoa abaixo de certa classificação.
Pessoas com nível de apenas um dígito são chamados, extraoficialmente, de “Inúteis".
Outra curiosidade: os sobrenomes sempre fazem referência à profissão da pessoa. Por exemplo, Daniel Dentista, Vanessa Balconista ou Margareth Oftalmo. Mas a família mais numerosa é a dos Sem Trabalho.
O livro pretende ser uma distopia. Talvez não seja.
Leia também:
Capitalismo de vigilância e neofeudalismo
Desigualdade brasileira: sem vagas no hotel de luxo
Qualityland é um país surgido após “uma crise econômica tão severa que ficou conhecida como a crise do século”. Entre suas muitas esquisitices está o aplicativo “MeAvalie”, que estabelece um sistema de qualificação social que vai de 1 a 100. Mas...
...segundo rumores, o nível mais baixo é o Nível 2. Parece que ninguém é classificado no Nível 1, para que as pessoas do Nível 2 achem que ainda há alguém abaixo delas. O medo da queda é considerado útil porque as pessoas que pensam que não têm nada a perder são perigosas. O nível mais alto é 100. Embora, presumivelmente, também não haja pessoas nesse nível, para que as pessoas do Nível 99 acreditem que ainda há espaço para melhorias, já que ainda têm alguém acima delasCom base nesse “ranking”, os bancos concedem crédito ou não. Os empregadores contratam o candidato ao emprego ou não.
Muitas lojas, restaurantes e clubes só abrem suas portas automáticas para pessoas acima de um determinado nível. A polícia está autorizada a parar, revistar e deter qualquer pessoa abaixo de certa classificação.
Pessoas com nível de apenas um dígito são chamados, extraoficialmente, de “Inúteis".
Outra curiosidade: os sobrenomes sempre fazem referência à profissão da pessoa. Por exemplo, Daniel Dentista, Vanessa Balconista ou Margareth Oftalmo. Mas a família mais numerosa é a dos Sem Trabalho.
O livro pretende ser uma distopia. Talvez não seja.
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Capitalismo de vigilância e neofeudalismo
Desigualdade brasileira: sem vagas no hotel de luxo
23 de abril de 2020
O fascismo revelado pelo vírus
Antonio Scurati lançou "M, o filho do século" antes da atual crise pandêmica. Mas neste primeiro volume da biografia política de Mussolini, ele relaciona o fenômeno fascista a um vírus.
Referindo-se às classes médias que aderiram à liderança de Mussolini nos anos 1920, ele diz que grande parte dessas camadas era formada por pessoas que “viviam com medo, comiam medo, bebiam medo, iam para a cama com medo”.
Um medo que, por sua vez, alimentava um ódio tremendo às aspirações das camadas mais populares. Teria sido essa mistura de temor e ira que levou milhões de pessoas a integrar as fileiras fascistas.
Seriam pessoas infectadas por um vírus que despertaria nelas “um desejo incontrolável de submissão a um homem forte e, ao mesmo tempo, de domínio violento sobre os indefesos”.
Por isso, diz ele, “o fascismo, talvez, não seja o hospedeiro desse vírus que se espalha, mas o seu hóspede”. Ou seja, o fascismo não cria a barbárie social, somente nutre-se dela e a reproduz em escala exponencial.
O fascismo não seria a doença, mas o vetor melhor adaptado a uma estrutura social patológica que cria imensos e numerosos viveiros de criaturas cuja dieta é formada por ressentimento, desespero e raiva.
Da mesma forma, podemos dizer que o coronavírus não é nosso maior problema hoje. Ele é apenas um gatilho dentre tantos outros que ainda podem ser acionados a qualquer momento.
A pandemia jogou luz sobre os muitos cantos escuros de nossa sociedade, onde se emboscavam monstros à espera de uma oportunidade para agir em pleno dia. Que, ao menos, nos sirva para exterminá-los.
Leia também: Pandemia e oportunismo: parasitismo
Referindo-se às classes médias que aderiram à liderança de Mussolini nos anos 1920, ele diz que grande parte dessas camadas era formada por pessoas que “viviam com medo, comiam medo, bebiam medo, iam para a cama com medo”.
Um medo que, por sua vez, alimentava um ódio tremendo às aspirações das camadas mais populares. Teria sido essa mistura de temor e ira que levou milhões de pessoas a integrar as fileiras fascistas.
Seriam pessoas infectadas por um vírus que despertaria nelas “um desejo incontrolável de submissão a um homem forte e, ao mesmo tempo, de domínio violento sobre os indefesos”.
Por isso, diz ele, “o fascismo, talvez, não seja o hospedeiro desse vírus que se espalha, mas o seu hóspede”. Ou seja, o fascismo não cria a barbárie social, somente nutre-se dela e a reproduz em escala exponencial.
O fascismo não seria a doença, mas o vetor melhor adaptado a uma estrutura social patológica que cria imensos e numerosos viveiros de criaturas cuja dieta é formada por ressentimento, desespero e raiva.
Da mesma forma, podemos dizer que o coronavírus não é nosso maior problema hoje. Ele é apenas um gatilho dentre tantos outros que ainda podem ser acionados a qualquer momento.
A pandemia jogou luz sobre os muitos cantos escuros de nossa sociedade, onde se emboscavam monstros à espera de uma oportunidade para agir em pleno dia. Que, ao menos, nos sirva para exterminá-los.
Leia também: Pandemia e oportunismo: parasitismo
22 de abril de 2020
Muitos minutos de silêncio pela esquerda parlamentar
Quem tem alguma familiaridade com os debates dentro da esquerda sabe que uma de nossas grandes divergências envolve a utilização ou não do caminho institucional para a conquista de uma sociedade socialista.
De um lado, os que acreditam que o caminho passa por dentro das instituições, ainda que apoiada em mobilizações externas a elas. No outro extremo, aqueles que acham que é preciso recusar qualquer via institucional.
Entre uma ponta e outra, muitas nuances.
Mas, hoje, estamos em uma situação que ofuscou completamente esse debate. Mobilizações em maior escala, greves, manifestações e outras atividades que exigem grandes esforços coletivos estão inviabilizadas. A pandemia estreitou muito nossas possibilidades ofensivas, mesmo que as ações defensivas continuem a ser imprescindíveis.
Neste momento, portanto, somos todos obrigados a aceitar que as únicas arenas de luta que nos restaram são os parlamentos. Seria a hora de nossos representantes mostrarem do que são capazes contra um alvo muito claro: um governo genocida, que desperta a hostilidade até de setores da própria direita e de grande parte da população.
A esquerda brasileira, sempre que foi minoritária nos parlamentos, se destacou por ter uma presença muito maior que seu número de cadeiras. E, no entanto, limita-se a protocolar discretos pedidos de impeachment.
De fato, os únicos a colocarem dificuldades para Bolsonaro têm sido setores da própria direita. E, não raras vezes, o próprio governo se encarrega disso, como mostraram os recentes episódios envolvendo o ex-Ministro da Saúde ou as desastradas declarações do “gabinete do ódio”.
Detalhe: o partido de Lula tem hoje a maior bancada da Câmara Federal.
Durma-se com um silêncio desses!
Leia também: Pela taxação das grandes fortunas, já!
De um lado, os que acreditam que o caminho passa por dentro das instituições, ainda que apoiada em mobilizações externas a elas. No outro extremo, aqueles que acham que é preciso recusar qualquer via institucional.
Entre uma ponta e outra, muitas nuances.
Mas, hoje, estamos em uma situação que ofuscou completamente esse debate. Mobilizações em maior escala, greves, manifestações e outras atividades que exigem grandes esforços coletivos estão inviabilizadas. A pandemia estreitou muito nossas possibilidades ofensivas, mesmo que as ações defensivas continuem a ser imprescindíveis.
Neste momento, portanto, somos todos obrigados a aceitar que as únicas arenas de luta que nos restaram são os parlamentos. Seria a hora de nossos representantes mostrarem do que são capazes contra um alvo muito claro: um governo genocida, que desperta a hostilidade até de setores da própria direita e de grande parte da população.
A esquerda brasileira, sempre que foi minoritária nos parlamentos, se destacou por ter uma presença muito maior que seu número de cadeiras. E, no entanto, limita-se a protocolar discretos pedidos de impeachment.
De fato, os únicos a colocarem dificuldades para Bolsonaro têm sido setores da própria direita. E, não raras vezes, o próprio governo se encarrega disso, como mostraram os recentes episódios envolvendo o ex-Ministro da Saúde ou as desastradas declarações do “gabinete do ódio”.
Detalhe: o partido de Lula tem hoje a maior bancada da Câmara Federal.
Durma-se com um silêncio desses!
Leia também: Pela taxação das grandes fortunas, já!
20 de abril de 2020
Mortes encomendadas há muito tempo
O título da matéria publicada no jornal Brasil de Fato diz muito: “O trágico mapa das cidades mais vulneráveis à covid-19”. Ela fala sobre:
Enquanto isso, o Morumbi tem o maior número de casos confirmados, com 297, mas sete mortes até a mesma data. O contágio pode ser democrático, mas a morte não.
Infelizmente, este deve ser o padrão predominante. Com o agravante de que os trabalhadores da saúde estão sendo cada vez mais atingidos. Em 16/04, eram 29 profissionais de enfermagem mortos e 3.661 afastados com covid-19, segundo o conselho federal da categoria.
A extrema desigualdade do País já encomendou essas mortes há muito tempo.
Leia também: Pandemia e oportunismo: parasitismo
Um estudo conduzido pelo geógrafo e cientista de dados Ronnie Aldrin Silva, divulgado pela Fundação Perseu Abramo, aponta que, entre os 30 municípios mais vulneráveis à covid-19, apenas quatro tem mais que 500 mil habitantes. A maioria tem alto índice de pobreza e favelização de moradores. Entre as capitais, só Fortaleza aparece na lista dos primeiros.
Para chegar ao resultado, o pesquisador analisou 18 indicadores e os agregou em cinco dimensões principais: densidade demográfica, faixa etária, infraestrutura sanitária e elétrica, mercado de trabalho e estrutura de saúde.
Todos são índices relevantes, ressalta o autor, mas uma combinação, em especial, é desastrosa para uma pandemia viral: populações densas e mercado de trabalho inconsistente.“Morumbi tem mais casos de coronavírus e Brasilândia mais mortes; óbitos crescem 60% em uma semana em SP”. O título da reportagem do G1 diz tudo. Segundo a matéria, o bairro pobre da zona norte paulistana teve 54 mortes confirmadas ou suspeitas de coronavírus até 17/04/2020.
Enquanto isso, o Morumbi tem o maior número de casos confirmados, com 297, mas sete mortes até a mesma data. O contágio pode ser democrático, mas a morte não.
Infelizmente, este deve ser o padrão predominante. Com o agravante de que os trabalhadores da saúde estão sendo cada vez mais atingidos. Em 16/04, eram 29 profissionais de enfermagem mortos e 3.661 afastados com covid-19, segundo o conselho federal da categoria.
A extrema desigualdade do País já encomendou essas mortes há muito tempo.
Leia também: Pandemia e oportunismo: parasitismo
18 de abril de 2020
Pandemia e oportunismo: parasitismo
Richard Lewontin e Richard Levins publicaram o artigo “Ciência e marxismo: uma abordagem dialética da saúde pública” antes da atual pandemia.
Marxistas e pesquisadores da Universidade de Harvard, os autores mostram como a saúde pública precisa ser abordada no interior de uma totalidade. Mais especificamente, no contexto da forma destrutiva com que capitalismo se relaciona com o ambiente planetário.
Um exemplo dessa visão totalizante aparece no trecho em que os autores destacam fato de que os estudos científicos na esfera da saúde pública:
Enquanto isso, para o inimigo, a relação está clara: menos vidas consideradas descartáveis, mais lucros para uns poucos e poderosos parasitas.
Leia também:
Pandemia e oportunismo: keynesianismo para ricos
Sobre parasitas e bichos escrotos
Marxistas e pesquisadores da Universidade de Harvard, os autores mostram como a saúde pública precisa ser abordada no interior de uma totalidade. Mais especificamente, no contexto da forma destrutiva com que capitalismo se relaciona com o ambiente planetário.
Um exemplo dessa visão totalizante aparece no trecho em que os autores destacam fato de que os estudos científicos na esfera da saúde pública:
...não prestam a mínima atenção na evolução ou na ecologia das interações entre as espécies. Os teóricos da saúde pública falharam em perceber que o parasitismo é um aspecto universal na evolução da vida. Em geral, os parasitas não lidam muito bem com a terra ou a água, portanto, se adaptam a habitats especiais, o interior de outro organismo. Evitam competição (quase completamente), mas têm que lidar com as exigências parcialmente contraditórias do novo ambiente: onde conseguir boa comida, como evitar as defesas do corpo e como encontrar uma saída e passar a outro hóspede. A evolução dos parasitas responde ao meio interno, às condições externas de transmissão e a tudo que fazemos para curar ou prevenir a doença. As grandes aglomerações de plantações, de animais ou de pessoas são novas oportunidades para as bactérias, para os vírus e os fungos, que logo tratam de se aproveitar.Sempre que desconsideramos essas importantes inter-relações, deixamos de combater o colapso ambiental que se aproxima.
Enquanto isso, para o inimigo, a relação está clara: menos vidas consideradas descartáveis, mais lucros para uns poucos e poderosos parasitas.
Leia também:
Pandemia e oportunismo: keynesianismo para ricos
Sobre parasitas e bichos escrotos
17 de abril de 2020
Pandemia e oportunismo: keynesianismo para ricos
Grosso modo, políticas econômicas keynesianas seriam aquelas que promovem generosos gastos públicos para impulsionar o investimento privado, criando empregos e distribuindo renda.
Os neoliberais costumam ser inimigos jurados dessas políticas. Mas diante da enorme crise causada pelo coronavírus, muitos deles tornaram-se keynesianos temporários. E oportunistas.
É o que mostra o debate sobre a aprovação da PEC 10/2020 no Congresso. Como diz nota da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, recém divulgada, o artigo 7º do projeto em discussão no Senado:
Quanto aos míseros R$ 600,00 prometidos aos trabalhadores informais, seu pagamento continua emperrado por empecilhos burocráticos. Afinal, diferente dos milhões de pobres sem CPF, os tubarões especuladores podem ser facilmente encontrados. A não ser quando se trata de puni-los por seus frequentes crimes fiscais.
O que está sendo colocado em prática é um keynesianismo para milionários conjugada a uma política de abandono e extermínio para os pobres e remediados.
Leia também:
Pandemia e oportunismo: veio a guerra, veio a peste
A pandemia e o mecanismo de morte
Os neoliberais costumam ser inimigos jurados dessas políticas. Mas diante da enorme crise causada pelo coronavírus, muitos deles tornaram-se keynesianos temporários. E oportunistas.
É o que mostra o debate sobre a aprovação da PEC 10/2020 no Congresso. Como diz nota da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, recém divulgada, o artigo 7º do projeto em discussão no Senado:
...consiste em facilitar e aumentar a drenagem de recursos públicos para o mercado financeiro, autorizando o Banco Central a repassar recursos, da ordem de trilhões de Reais, aos bancos sem controle social e estatal, sem contrapartida que garanta a implementação de políticas de saúde e de interesse social e nacional. Esses recursos liberados aos bancos sairão do Tesouro Nacional e impactarão o orçamento público e a dívida pública, recaindo assim sobre os ombros de toda a população.Além disso, antes mesmo de qualquer medida aprovada pelo Congresso, R$ 1,2 trilhão já foram liberados pelo Banco Central diretamente para o sistema financeiro, passando longe de quem realmente pode manter e criar empregos, como as pequenas e médias empresas.
Quanto aos míseros R$ 600,00 prometidos aos trabalhadores informais, seu pagamento continua emperrado por empecilhos burocráticos. Afinal, diferente dos milhões de pobres sem CPF, os tubarões especuladores podem ser facilmente encontrados. A não ser quando se trata de puni-los por seus frequentes crimes fiscais.
O que está sendo colocado em prática é um keynesianismo para milionários conjugada a uma política de abandono e extermínio para os pobres e remediados.
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Pandemia e oportunismo: veio a guerra, veio a peste
A pandemia e o mecanismo de morte
15 de abril de 2020
A pandemia e o mecanismo de morte
Há mais de 812 mil encarcerados. Sobrevivem em celas superlotadas e com péssimas condições de higiene.
Cerca de 120 mil famílias vivem em situação de rua. Amontadas sob marquises, viadutos, pontes. Sem cuidados sanitários básicos, expostos a todo tipo de doença e risco.
Há um número significativo de pacientes em instituições manicomiais. Grande parte deles abandonados à própria dor.
São 78 mil idosos alojados em asilos. Em dependências que raramente permitem evitar aglomerações. Em lugares que, muitas vezes, não contam com condições ideais de limpeza.
Por volta de 18.900 crianças e adolescentes estão internados em instituições públicas, com seus dormitórios e refeitórios coletivos.
São milhares trabalhando em condições análogas à escravidão, sobre as quais não é preciso discorrer quanto a sua situação de saúde e dignidade.
São muitos milhões de trabalhadores atuando em fábricas e serviços, sem qualquer fiscalização quanto ao cumprimento das medidas exigidas para assegurar proteção a sua saúde.
São quase todos pobres e pretos.
Há um sistema econômico inteiramente voltado para os lucros apropriados por muito poucos mediante a exploração da grande maioria.
Há um sistema de dominação inteiramente voltado para manter a maioria submissa, subordinada, encarcerada, alienada.
Há um mecanismo genocida em funcionamento há muito tempo. Esperando oportunidades como a que está sendo oferecida agora.
Contra tudo isso, há cerca de 3,5 milhões de trabalhadores no SUS. Eles são nossa maior defesa contra o vírus. Mas sozinhos podem pouco contra o mecanismo de morte.
Leia também:
Para que trincheiras não se tornem sepulturas
Pandemia e oportunismo: veio a guerra, veio a peste
14 de abril de 2020
Para que trincheiras não se tornem sepulturas
Quando generais nos mandam abrir trincheiras para que lutemos contra um inimigo comum, melhor nos certificarmos de que não estamos cavando nossa própria sepultura.
A “guerra” contra a pandemia, como todas as guerras, pode não passar de outra oportunidade para causar mais baixas entre explorados e oprimidos. Ainda que presidente e governadores troquem provocações palacianas, certamente estão do mesmo lado quando se trata de fazer os ferrados de sempre pagarem a conta.
Leis e decretos pelo isolamento social são baixados. Mas não há qualquer iniciativa concreta para dar condições para que a população fique em casa sem passar necessidade. Onde estão toda a energia e eficiência demonstradas em “tempos de paz”, quando ocupações são despejadas e operações policiais deixam corpos pobres estendidos no chão?
Governantes e patrões dizem estar em guerra contra o coronavírus, mas até agora os únicos soldados no front são os médicos e, principalmente, as enfermeiras e outros técnicos de saúde. São lutadores que, em tempos normais, já são abandonados na luta que travam cotidianamente em defesa da saúde da população. Por que seria diferente agora?
E se, hoje, esse exército foi mobilizado para encarar um vírus como seu maior inimigo, muito piores são aqueles que dizem ser sua retaguarda, enquanto mais uma vez os desertam, deixando faltar equipamentos, medicamentos, recursos, estrutura e verbas.
Precisamos impedir que as trincheiras ocupadas por essas heroínas e heróis verdadeiros se tornem sua sepultura. Pela formação imediata de comitês e brigadas de solidariedade e apoio aos trabalhadores da saúde e à população. Esta deveria ser a missão prioritária das organizações populares hoje.
Leia também: Pandemia: hora de criar trincheiras de solidariedade
A “guerra” contra a pandemia, como todas as guerras, pode não passar de outra oportunidade para causar mais baixas entre explorados e oprimidos. Ainda que presidente e governadores troquem provocações palacianas, certamente estão do mesmo lado quando se trata de fazer os ferrados de sempre pagarem a conta.
Leis e decretos pelo isolamento social são baixados. Mas não há qualquer iniciativa concreta para dar condições para que a população fique em casa sem passar necessidade. Onde estão toda a energia e eficiência demonstradas em “tempos de paz”, quando ocupações são despejadas e operações policiais deixam corpos pobres estendidos no chão?
Governantes e patrões dizem estar em guerra contra o coronavírus, mas até agora os únicos soldados no front são os médicos e, principalmente, as enfermeiras e outros técnicos de saúde. São lutadores que, em tempos normais, já são abandonados na luta que travam cotidianamente em defesa da saúde da população. Por que seria diferente agora?
E se, hoje, esse exército foi mobilizado para encarar um vírus como seu maior inimigo, muito piores são aqueles que dizem ser sua retaguarda, enquanto mais uma vez os desertam, deixando faltar equipamentos, medicamentos, recursos, estrutura e verbas.
Precisamos impedir que as trincheiras ocupadas por essas heroínas e heróis verdadeiros se tornem sua sepultura. Pela formação imediata de comitês e brigadas de solidariedade e apoio aos trabalhadores da saúde e à população. Esta deveria ser a missão prioritária das organizações populares hoje.
Leia também: Pandemia: hora de criar trincheiras de solidariedade
13 de abril de 2020
Pandemia: hora de criar trincheiras de solidariedade
“É uma guerra”, dizem Trump, Merkel, Macron. A utilização dessa metáfora para se referir à pandemia do coronavírus-19 vem sendo criticada com razão por muitas vozes sensatas.
A guerra contra as drogas veio para abater pobres e pretos. Na mira da guerra contra a AIDS estão os homossexuais. A guerra contra o terrorismo volta-se contra os muçulmanos.
Mas, na realidade, qualquer guerra raramente é justa. Por isso fomos contra a guerra do Iraque e do Vietnã. E muito antes disso, organizações de trabalhadores no mundo todo se opuseram à Primeira Guerra: “Paz entre nós, guerra aos patrões”.
Portanto, não há problema em aceitar a metáfora bélica, desde que saibamos que guerras, em geral, colocam lado a lado tanto combatentes sinceros como traidores. O objetivo pode até ser aniquilar o inimigo, mas os generais dos dois lados sempre utilizam os de baixo como bucha-de-canhão.
Na Primeira Guerra, os bolcheviques se opuseram firmemente ao conflito. Mas iniciada a participação russa e obrigados a pegar em armas, eles conquistaram muitos soldados para a revolução enquanto lutavam nas trincheiras.
A verdade é que já estamos em guerra. E já estão usando a maioria de nós como bucha-de-canhão. Diante disso, é preciso fazer como os bolcheviques. Nos juntarmos aos que já estão na luta.
As entidades populares e de esquerda precisam construir uma rede independente de solidariedade e apoio à população. Precisamos formar comitês coordenados e sob orientação dos trabalhadores da saúde pública.
Estas serão as únicas trincheiras possíveis, a partir das quais poderemos combater tanto as loucuras do capitão sociopata como a perversidade de comandantes como Witzel, Doria e Zema.
Leia também: A extinção da espécie mais perigosa
A guerra contra as drogas veio para abater pobres e pretos. Na mira da guerra contra a AIDS estão os homossexuais. A guerra contra o terrorismo volta-se contra os muçulmanos.
Mas, na realidade, qualquer guerra raramente é justa. Por isso fomos contra a guerra do Iraque e do Vietnã. E muito antes disso, organizações de trabalhadores no mundo todo se opuseram à Primeira Guerra: “Paz entre nós, guerra aos patrões”.
Portanto, não há problema em aceitar a metáfora bélica, desde que saibamos que guerras, em geral, colocam lado a lado tanto combatentes sinceros como traidores. O objetivo pode até ser aniquilar o inimigo, mas os generais dos dois lados sempre utilizam os de baixo como bucha-de-canhão.
Na Primeira Guerra, os bolcheviques se opuseram firmemente ao conflito. Mas iniciada a participação russa e obrigados a pegar em armas, eles conquistaram muitos soldados para a revolução enquanto lutavam nas trincheiras.
A verdade é que já estamos em guerra. E já estão usando a maioria de nós como bucha-de-canhão. Diante disso, é preciso fazer como os bolcheviques. Nos juntarmos aos que já estão na luta.
As entidades populares e de esquerda precisam construir uma rede independente de solidariedade e apoio à população. Precisamos formar comitês coordenados e sob orientação dos trabalhadores da saúde pública.
Estas serão as únicas trincheiras possíveis, a partir das quais poderemos combater tanto as loucuras do capitão sociopata como a perversidade de comandantes como Witzel, Doria e Zema.
Leia também: A extinção da espécie mais perigosa
9 de abril de 2020
A extinção da espécie mais perigosa
John Bellamy Foster é professor da Universidade de Oregon, Estados Unidos, e um dos grandes estudiosos das relações entre ecologia e teoria marxista.
Em recente entrevista concedida ao “Observatorio de la crisis”, ele não tem dúvidas sobre a principal causa da atual pandemia: é o próprio capitalismo.
Foster sustenta essa afirmação citando pesquisas do biólogo evolutivo e epidemiologista Rob Wallace, segundo as quais:
O Covid é outra revanche da natureza. Esperemos que não cause a extinção da espécie mais perigosa.
Leia também: Vida longa e próspera, rumo ao colapso?
Em recente entrevista concedida ao “Observatorio de la crisis”, ele não tem dúvidas sobre a principal causa da atual pandemia: é o próprio capitalismo.
Foster sustenta essa afirmação citando pesquisas do biólogo evolutivo e epidemiologista Rob Wallace, segundo as quais:
.. a origem da COVID-19 e outros vírus recentes tem sido a penetração mais intensiva do agronegócio nos sistemas naturais, o que criou fissuras nos ecossistemas e entre as espécies, causando o surgimento de pandemias globais. Em “Notes on a Novel Coronavirus”, Wallace argumenta que a solução estrutural é a construção de “um ecossocialismo que atenue a lacuna metabólica entre ecologia e economia, entre o urbano, o rural e o selvagem. Evitando assim o surgimento de patógenos piores desse tipo”.Mas essa denúncia não é nova. Foster cita o zoólogo Ray Lankester, “protegido de Charles Darwin” e amigo de Marx, que em seu livro “O Reino do Homem”, no capítulo chamado “As revanches da natureza”, escreveu:
Em um esforço ambicioso para produzir uma grande quantidade de animais e plantas (...) o homem acumulou grandiosas espécies, de maneira antinatural, em campos e fazendas e também concentrou multidões em cidades-fortalezas.Lankester escreveu essas palavras em 1907. Na época, não se falava em Antropoceno, esta era geológica definida pelo enorme aumento das forças produtivas humanas, acompanhada das consequências mais desastrosas. Entre elas, a extinção de muitas espécies de vida.
O Covid é outra revanche da natureza. Esperemos que não cause a extinção da espécie mais perigosa.
Leia também: Vida longa e próspera, rumo ao colapso?
8 de abril de 2020
Pandemia e nivelamento social
O livro foi objeto de várias pílulas publicadas em setembro de 2019. E em plena crise epidêmica mundial, seria bom voltar a levar em consideração as provocativas hipóteses de Scheidel.
O autor afirma, por exemplo, que a violência niveladora se manifestaria na história humana como quatro cavaleiros do apocalipse: guerras, epidemias, colapso estatal e revoluções. Seriam eventos que reduziram as distâncias sociais devido às enormes restrições que criam.
Mas hoje, diz Scheidel, esses quatro cavaleiros já não teriam o poder que tiveram outrora. No caso específico das epidemias, elas dificilmente causariam o efeito devastador demonstrado antes dos tempos modernos.
O surgimento do coronavírus-19 não necessariamente desmente o que diz Scheidel. Mais uma vez, é preciso lembrar que não é esta ínfima partícula de matéria que ameaça nossa existência.
É o modo como organizamos nossa vida social que, cada vez mais, torna qualquer desequilíbrio natural um risco letal para a grande maioria de nossa espécie. A ditadura da circulação das mercadorias e os lucros acima de tudo rompem violentamente barreiras naturais importantes.
Por outro lado, baixos níveis de desigualdade social também podem significar terra arrasada. Nivelada como os terrenos dos cemitérios. Ou destruída como um campo após um estouro de montarias selvagens. Neste caso, aquelas cavalgadas pela cobiça apocalíptica do capitalismo.
Clique aqui e leia um texto com um apanhado das pílulas sobre o livro de Scheidel.
7 de abril de 2020
O coronavírus-19 e o policial de sacada
O verdadeiro vilão da enorme crise por que estamos passando está longe de ser o coronavírus-19. Por si só, até agora, o vírus vem apresentando baixa letalidade. É o modo como nossa sociedade extremamente desigual reage a ele que mata.
Os maiores ameaçados são os que vivem as mazelas de um sistema que promete prosperidade a todos, mas só a faz chegar a muito poucos. A este propósito, vale ler recente entrevista de Marina Garcés, professora da Universidade Aberta da Catalunha. Um trecho:
Segundo ela, caso “vença o medo e a suspeita entre vizinhos, daremos um passo a mais para uma sociedade autoritária”. Apesar disso, Marina acha que não devemos nos render aos relatos apocalípticos. Afinal, diz, “o valor da vida é lutar todos os dias, e são as pessoas anônimas mais castigadas que nunca deixam de fazer isso”.
É verdade, mas o policial de sacada está à espreita.
Leia também: Pandemia e oportunismo: vigilância
Os maiores ameaçados são os que vivem as mazelas de um sistema que promete prosperidade a todos, mas só a faz chegar a muito poucos. A este propósito, vale ler recente entrevista de Marina Garcés, professora da Universidade Aberta da Catalunha. Um trecho:
Nós, humanos, nos adaptamos a tudo quando temos medo, e vivemos coisas muito piores. Guerras, perseguições, fechamentos massivos. Há setores da população mundial que sofrem assim todos os dias, nos campos de refugiados, países em guerra, guetos, coletivos encarcerados... e a história também nos oferece exemplos constantes. A sociabilidade confinada não é nenhuma novidade. Sua dimensão global e generalizada e o fato de que afete aqueles que normalmente têm mais direitos e acesso à mobilidade, sim.Para a filósofa, dessa situação podem surgir “duas coisas: redes de apoio mútuo e policiais de sacada. Moradores que ajudam e vizinhos que se delatam. As atuais condições de vida tiram o melhor e o pior que podemos chegar a ser”.
Segundo ela, caso “vença o medo e a suspeita entre vizinhos, daremos um passo a mais para uma sociedade autoritária”. Apesar disso, Marina acha que não devemos nos render aos relatos apocalípticos. Afinal, diz, “o valor da vida é lutar todos os dias, e são as pessoas anônimas mais castigadas que nunca deixam de fazer isso”.
É verdade, mas o policial de sacada está à espreita.
Leia também: Pandemia e oportunismo: vigilância
6 de abril de 2020
Pela taxação das grandes fortunas, já!
Dizem que um dos avanços legais necessários ao pleno desenvolvimento da atividade econômica empresarial foi a separação contábil entre a pessoa física do empresário e a pessoa jurídica de sua empresa.
Antes disso, um comerciante, por exemplo, podia morrer e todas as contas de seu negócio serem incluídas no testamento, podendo levar anos para que seus credores recebessem devido a disputas entre os herdeiros.
Com aquela separação, essa insegurança jurídica deixa de ser obstáculo para os investimentos dos possuidores de capital.
Mas nesse pequeno detalhe se manifesta toda a alienação presente no andar de cima da sociedade capitalista. O capital, criatura, se separa do burguês, criador, e passa a estreitar o leque de possibilidades a ele permitidas.
Quando surgem as sociedades por ações, essa alienação se aprofunda com a fragmentação da propriedade empresarial entre os diversos acionistas. O criador pode muito, mas não tudo, sendo, ele mesmo, deformado pelas leis impostas por sua criatura.
Nada disso quer dizer que as vontades e caprichos dos poucos controladores dos movimentos do capital no mundo não sejam satisfeitos generosamente. Mas não no nível em que geralmente se acredita.
Toda essa introdução serviu apenas para comentar as recentes notícias que opõem empresários solidários a empresários egoístas, frente à crise do coronavírus-19. De um lado, os que evitam demitir, de outro, os que dispensam seus trabalhadores.
O comportamento individual de cada empresário pode variar. Mas jamais altera a inflexível lógica concentracionista e egoísta do capital. Portanto, chega de papo furado. Pela taxação das grandes fortunas, já!
E pelo fim do domínio da criatura muito em breve, também.
Leia também: Pandemia e oportunismo: vigilância
Antes disso, um comerciante, por exemplo, podia morrer e todas as contas de seu negócio serem incluídas no testamento, podendo levar anos para que seus credores recebessem devido a disputas entre os herdeiros.
Com aquela separação, essa insegurança jurídica deixa de ser obstáculo para os investimentos dos possuidores de capital.
Mas nesse pequeno detalhe se manifesta toda a alienação presente no andar de cima da sociedade capitalista. O capital, criatura, se separa do burguês, criador, e passa a estreitar o leque de possibilidades a ele permitidas.
Quando surgem as sociedades por ações, essa alienação se aprofunda com a fragmentação da propriedade empresarial entre os diversos acionistas. O criador pode muito, mas não tudo, sendo, ele mesmo, deformado pelas leis impostas por sua criatura.
Nada disso quer dizer que as vontades e caprichos dos poucos controladores dos movimentos do capital no mundo não sejam satisfeitos generosamente. Mas não no nível em que geralmente se acredita.
Toda essa introdução serviu apenas para comentar as recentes notícias que opõem empresários solidários a empresários egoístas, frente à crise do coronavírus-19. De um lado, os que evitam demitir, de outro, os que dispensam seus trabalhadores.
O comportamento individual de cada empresário pode variar. Mas jamais altera a inflexível lógica concentracionista e egoísta do capital. Portanto, chega de papo furado. Pela taxação das grandes fortunas, já!
E pelo fim do domínio da criatura muito em breve, também.
Leia também: Pandemia e oportunismo: vigilância
4 de abril de 2020
Pandemia e oportunismo: vigilância
Recentemente, Matilde Sánchez publicou “O panóptico do coronavírus rastreia seus contatos” no Clarín-Revista. Panóptico é um dispositivo de vigilância imaginado pelo filósofo Jeremy Bentham para ser usado em prisões. Michel Foucault o adotou como metáfora para o sistema de vigilância constante vigente na sociedade contemporânea.
Para entender a relação entre uma coisa e outra, leia o seguinte trecho do artigo de Matilde:
Leia também: Pandemia e oportunismo: veio a guerra, veio a peste
Para entender a relação entre uma coisa e outra, leia o seguinte trecho do artigo de Matilde:
Em seu ensaio para o jornal Financial Times, o historiador Yuva Harari denunciava que o governo israelense autorizou o serviço de segurança interna a usar o mesmo software e mecanismos de uso corrente em suspeitos de terrorismo para a localização de suspeitos de contágio. Com o objetivo de conseguir maior rapidez e fluidez na detecção, a Coreia do Sul, que lembramos que desenvolveu o primeiro teste de coronavírus quase imediato, agora também possui requisitos mínimos para automatizar o rastreamento de contatos. Se antes podiam localizar qualquer cidadão em 24 horas, hoje, só precisam de 10 minutos.
Até agora, o Google e o Facebook disseram que não pretendem contribuir com seus dados para os grandes estudos de saúde da população que hoje correm contra o relógio e afirmam que os mecanismos de produtos como o Android e seus buscadores “não estão projetados para reunir registros fidedignos para fins médicos, e nem serão adaptados para esses usos”. Mas isso parece um pouco teórico no momento e, digamos de forma realista, dependerá de como continuará se expandindo a pandemia e de quanto tempo se leva para encontrar sua cura e seu antídoto. Bem-vindo ao coronópticon: sorrimos enquanto o celular mede nossa temperatura.
Sem mais comentários.
Leia também: Pandemia e oportunismo: veio a guerra, veio a peste
2 de abril de 2020
Pandemia e oportunismo: veio a guerra, veio a peste
Comentando a crise causada pelo coronavírus-19, o magnata Abílio Diniz afirmou que “em momentos de crise somos todos keynesianos". Ele referia-se a certas políticas econômicas que defendem que o Estado gaste ao máximo para resgatar uma economia em crise.
O keynesianismo deve seu nome ao economista britânico John M. Keynes. Costuma ser considerado o extremo oposto do neoliberalismo, pretenso inimigo do desperdício dos recursos públicos. Mas, agora, mesmo os mais convictos neoliberais defendem o contrário.
Óbvio. Afinal, diante das graves ameaças aos lucros do grande capital, os recursos públicos devem vir em seu socorro à luz do dia. Já não é preciso esconder os gordos subsídios que nunca deixaram de chegar a poucas e poderosas corporações.
Mas bem antes de Keynes criar sua doutrina, Roosevelt já promovia uma série de programas governamentais para recuperar a economia estadunidense. Era o “New Deal”, ou “Novo Acordo”, criado em 1933, em resposta à Crise de 1929.
Realmente a recuperação econômica norte-americana no período posterior foi impressionante. Mas são muitas as evidências de que esse sucesso se deveu muito mais à Segunda Guerra Mundial que à intervenção estatal promovida por Roosevelt.
Foi a barbárie que salvou o capitalismo, às custas de muitos milhões de vidas perdidas na guerra. E é assim que funciona o capitalismo. Quando sobram recursos econômicos e desempregados, o remédio é queimar pessoas e instalações “ociosas”.
Vale qualquer oportunidade para manter girando essa máquina que retira lucro até de morte e doenças. Sai neoliberalismo, entra keynesianismo. A economia mundial estava no buraco nos anos 1930. Veio a guerra. O mesmo vinha acontecendo agora. Veio a peste.
Leia também: Pandemia e oportunismo: militarização e exploração
O keynesianismo deve seu nome ao economista britânico John M. Keynes. Costuma ser considerado o extremo oposto do neoliberalismo, pretenso inimigo do desperdício dos recursos públicos. Mas, agora, mesmo os mais convictos neoliberais defendem o contrário.
Óbvio. Afinal, diante das graves ameaças aos lucros do grande capital, os recursos públicos devem vir em seu socorro à luz do dia. Já não é preciso esconder os gordos subsídios que nunca deixaram de chegar a poucas e poderosas corporações.
Mas bem antes de Keynes criar sua doutrina, Roosevelt já promovia uma série de programas governamentais para recuperar a economia estadunidense. Era o “New Deal”, ou “Novo Acordo”, criado em 1933, em resposta à Crise de 1929.
Realmente a recuperação econômica norte-americana no período posterior foi impressionante. Mas são muitas as evidências de que esse sucesso se deveu muito mais à Segunda Guerra Mundial que à intervenção estatal promovida por Roosevelt.
Foi a barbárie que salvou o capitalismo, às custas de muitos milhões de vidas perdidas na guerra. E é assim que funciona o capitalismo. Quando sobram recursos econômicos e desempregados, o remédio é queimar pessoas e instalações “ociosas”.
Vale qualquer oportunidade para manter girando essa máquina que retira lucro até de morte e doenças. Sai neoliberalismo, entra keynesianismo. A economia mundial estava no buraco nos anos 1930. Veio a guerra. O mesmo vinha acontecendo agora. Veio a peste.
Leia também: Pandemia e oportunismo: militarização e exploração
1 de abril de 2020
Pandemia e oportunismo: militarização e exploração
"O mundo nunca mais vai ser o mesmo após a pandemia”, dizem todos diante da crise causada pelo coronavírus-19. É verdade. Mas se depender da vontade de quem manda nele, será ainda pior.
Mais desemprego, mais empregos informais, mais ocupações precarizadas, mais uberização das relações trabalhistas.
Mas não só.
“Estamos enfrentando uma guerra”, dizem governantes e grande mídia. Sob esse pretexto, estão militarizando ainda mais a vida social.
O modelo é a China, com seu sistema de detecção de febre por meio de câmeras. Com sua certificação de saúde física por aplicativos. Com seu sistema de crédito social, que, agora, não mede apenas o bom comportamento dos cidadãos, mas sua limpeza.
O toque de recolher já existia nas favelas e periferias pobres daqui e de outros lugares do mundo. Imposto pelo crime, seja ele organizado pela polícia ou não, agora, pode fingir ser legítimo como uma inocente campanha de vacinação.
“Vivemos uma exceção”, reafirmam grande mídia e governantes. Mas esse estado de crescentes restrições democráticas já vinha se impondo desde as jornadas de Junho de 2013, aqui, e desde outras revoltas em muitos outros lugares do mundo.
Contra a democracia racionada e a frustração das promessas de prosperidade para todos, largos setores da população responderam com revoltas em muitos países. Como resposta, receberam a criminalização de sua rebeldia.
Antes, era possível ocupar as ruas, ainda que fosse desaconselhável. Agora, será proibido.
O coronavírus gerou a oportunidade perfeita para o avanço rumo a um estágio mais extremado de repressão e abuso econômico. O capitalismo não estava preparado para essa pandemia. Seu sistema de dominação e exploração, sim.
Leia também: Pandemia e oportunismo: trabalho precarizado
Mais desemprego, mais empregos informais, mais ocupações precarizadas, mais uberização das relações trabalhistas.
Mas não só.
“Estamos enfrentando uma guerra”, dizem governantes e grande mídia. Sob esse pretexto, estão militarizando ainda mais a vida social.
O modelo é a China, com seu sistema de detecção de febre por meio de câmeras. Com sua certificação de saúde física por aplicativos. Com seu sistema de crédito social, que, agora, não mede apenas o bom comportamento dos cidadãos, mas sua limpeza.
O toque de recolher já existia nas favelas e periferias pobres daqui e de outros lugares do mundo. Imposto pelo crime, seja ele organizado pela polícia ou não, agora, pode fingir ser legítimo como uma inocente campanha de vacinação.
“Vivemos uma exceção”, reafirmam grande mídia e governantes. Mas esse estado de crescentes restrições democráticas já vinha se impondo desde as jornadas de Junho de 2013, aqui, e desde outras revoltas em muitos outros lugares do mundo.
Contra a democracia racionada e a frustração das promessas de prosperidade para todos, largos setores da população responderam com revoltas em muitos países. Como resposta, receberam a criminalização de sua rebeldia.
Antes, era possível ocupar as ruas, ainda que fosse desaconselhável. Agora, será proibido.
O coronavírus gerou a oportunidade perfeita para o avanço rumo a um estágio mais extremado de repressão e abuso econômico. O capitalismo não estava preparado para essa pandemia. Seu sistema de dominação e exploração, sim.
Leia também: Pandemia e oportunismo: trabalho precarizado
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