Especialistas em investimentos financeiros vêm aparecendo nas redes virtuais ou grande mídia para lembrar que toda “crise também é oportunidade”. Eles dizem coisas repugnantes como “é hora de investir em ações de empresas de equipamentos médicos”.
É feio, mas cínicos não costumam mentir. É verdade que a atual crise pandêmica está criando muitas oportunidades. Só que a grande maioria delas servirá para aprofundar ainda mais a exploração do trabalho pelo capital.
“O mundo nunca vai ser o mesmo após a pandemia”, diz um consenso surgido com a crise causada pelo coronavírus-19. “O teletrabalho veio para ficar” é outro desses consensos.
Muitos funcionários do setor de serviços e servidores públicos que hoje estão trabalhando em casa podem não retornar mais a seus escritórios e repartições, quando a pandemia der uma trégua.
Mas a grande maioria estará muito longe de desfrutar do privilégio de “ficar perto da família e longe das cobranças”. Muito mais provável é uma nova epidemia de trabalho domiciliar à moda do século 19 na Europa ou do sul global atual, com suas oficinas em garagens e porões residenciais.
A tecnologia para essa transição já está pronta há algum tempo. A produtividade do teletrabalho não apenas pode ser medida em tempo real. Ela também permite condicionar a remuneração final do “produtor” tanto quanto o trabalho por peça no início da Revolução Industrial.
E aqueles que resistirem ainda serão condenados por não colaborarem com o “esforço de guerra no combate ao vírus”.
As oportunidades oferecidas pela atual pandemia ao grande capital são muitas. Uma delas será, certamente, promover uma nova e enorme onda de precarização do trabalho.
Leia também: Por uma Greve Geral Humanitária
Blog de Sérgio Domingues, com comentários curtos sobre assuntos diversos, procurando sempre ajudar no combate à exploração e opressão.
31 de março de 2020
30 de março de 2020
Por uma Greve Geral Humanitária
O bolsonarismo só existe como mobilização permanente. A pandemia retirou os holofotes de suas performances bizarras. E por um motivo óbvio. Seu discurso sempre teve como base uma doença imaginária. O corpo nacional íntegro, são e masculino só poderia ser violado pela “ideologia” que é tão invisível quanto o covid 19. A “ideologia” não pode ser vista, mas suas manifestações são sentidas no modo de vida. Aquele que acredita no discurso (ideológico) contra a ideologia sabe que seu inimigo está enraizado no cotidiano. Por mais que deseje a submissão da mulher, a erradicação da homossexualidade, o controle da educação e o fim das artes, reconhece que isso não é possível e que o “vírus” ideológico pode estar dentro dele mesmo. O líder manipula exatamente esse sentimento para a mobilização perene. Promete repressão para os que já se reprimem.O trecho acima é de um texto de Lincoln Secco, militante marxista, petista e historiador. Está disponível aqui e merece ser lido na íntegra, pois também alerta para uma outra “doença” presente entre nós. O imobilismo continua a contagiar as lideranças dos movimentos sociais, mesmo quando há divisões nas fileiras do inimigo.
(...)
Ora, diante de um vírus real a manipulação entrou num curto circuito. As pessoas passaram a temer uma ameaça verdadeira.
Como saída, Lincoln propõe que a classe trabalhadora inicie uma “greve geral humanitária internacionalista”, diz ele. Uma resposta que, sendo bem sucedida, “vai mudar radicalmente a conjuntura. Porque isso só acontece a partir da base produtiva e não de disputas parlamentares”.
É isso! Uma resposta global para dois flagelos globais: a pandemia e o capitalismo.
Leia também: Greve geral sanitária, já!
28 de março de 2020
Anticorpos contra o fascismo: o populismo (2)
Voltando ao conceito de populismo, em seu livro “As novas faces do fascismo”, Enzo Traverso cita uma definição de Jacques Rancière:
É com essa pretensão que, por exemplo, a chamada “troika” manda na Comunidade Europeia. Trata-se de uma entidade informal composta por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Ela dita políticas para todos os governos da União Europeia, sem ter recebido um único voto popular.
Foi a troika que impôs as políticas que, nos últimos anos, aprofundaram a destruição dos serviços públicos que, agora, fazem tanta falta diante do avanço do coronavírus-19.
Qualquer um que questione essa lógica, é considerado populista. Mas quando o governo que faz isso é de esquerda, é asfixiado até se render, como aconteceu com o governo do Syriza, na Grécia.
Governos populistas de direita, porém, muito dificilmente se indispõem com os neoliberais, mantendo intactos os interesses do grande capital. Mesmo quando desferem ataques fascistas à democracia, continuam a ser tratados apenas como populistas. Afinal, quanto menos participação social e política, melhor para o “ambiente de negócios”.
É desse modo que em nome do combate ao populismo, o neoliberalismo impõe políticas de direita que bloqueiam os caminhos da esquerda, mas abrem avenidas para o avanço do fascismo.
Leia também: Anticorpos contra o fascismo: o populismo
Populismo é o nome conveniente sob o qual se procura dissimular a contradição exacerbada entre a legitimidade popular e a legitimidade de especialista, ou seja, a dificuldade que o governo da ciência tem em se adaptar às manifestações da democracia...O filósofo francês está se referindo aos governos neoliberais, que alegam tomar decisões puramente técnicas. Não seriam, portanto, nem de esquerda nem de direita.
É com essa pretensão que, por exemplo, a chamada “troika” manda na Comunidade Europeia. Trata-se de uma entidade informal composta por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Ela dita políticas para todos os governos da União Europeia, sem ter recebido um único voto popular.
Foi a troika que impôs as políticas que, nos últimos anos, aprofundaram a destruição dos serviços públicos que, agora, fazem tanta falta diante do avanço do coronavírus-19.
Qualquer um que questione essa lógica, é considerado populista. Mas quando o governo que faz isso é de esquerda, é asfixiado até se render, como aconteceu com o governo do Syriza, na Grécia.
Governos populistas de direita, porém, muito dificilmente se indispõem com os neoliberais, mantendo intactos os interesses do grande capital. Mesmo quando desferem ataques fascistas à democracia, continuam a ser tratados apenas como populistas. Afinal, quanto menos participação social e política, melhor para o “ambiente de negócios”.
É desse modo que em nome do combate ao populismo, o neoliberalismo impõe políticas de direita que bloqueiam os caminhos da esquerda, mas abrem avenidas para o avanço do fascismo.
Leia também: Anticorpos contra o fascismo: o populismo
26 de março de 2020
Greve geral sanitária, já!
Enquanto Bolsonaro bate boca com governadores, o grande empresariado tem seus interesses atendidos. Veja-se, por exemplo, o título de matéria da Folha de hoje: “Governo atende a quase todos pleitos da indústria em MP trabalhista e deixa centrais de fora”
No Globo, Miriam Leitão, avisa: “Há um novo consenso entre economistas: é preciso aumentar o gasto público”. E na Revista Exame, o magnata Abílio Diniz afirma: "Paulo Guedes é liberal, mas em momentos de crise somos todos keynesianos".
O keynesianismo a que se refere Diniz certamente não implicaria a estatização de setores estratégicos da estrutura econômica. Apenas mais e maiores subsídios para ele e seus colegas de classe.
Uma possível queda de Bolsonaro muito dificilmente alteraria esse quadro. Os prováveis responsáveis pela manobra seriam governadores com grande identidade ideológica com o capitão e rabo acorrentado ao empresariado.
Enquanto isso, o que podem fazer as forças de esquerda? Alguns dos trabalhadores estão isolados em casa, mas muitos outros trabalham.
Se não é possível lotar as ruas, que abandonemos os locais de trabalho. É preciso construir uma greve geral sanitária, nos moldes dos movimentos que já vêm propondo petroleiros e metalúrgicos.
Ao keynesianismo de araque dos patrões, oporíamos um programa amplo e radical de resgate social bancado pelo grande capital. Para começar, garantindo salários integrais para todos, trabalhando ou não.
Para custear essa medida, imediata e pesada taxação das grandes fortunas e suspensão do serviço da dívida pública. Esta e outras medidas semelhantes precisam ser debatidas.
Não é possível continuarmos em nossa quarentena passiva, enquanto patrões e governos se distraem calculando quantos de nós devem morrer.
Leia também: Uma doença oportunista a espera do coronavírus
No Globo, Miriam Leitão, avisa: “Há um novo consenso entre economistas: é preciso aumentar o gasto público”. E na Revista Exame, o magnata Abílio Diniz afirma: "Paulo Guedes é liberal, mas em momentos de crise somos todos keynesianos".
O keynesianismo a que se refere Diniz certamente não implicaria a estatização de setores estratégicos da estrutura econômica. Apenas mais e maiores subsídios para ele e seus colegas de classe.
Uma possível queda de Bolsonaro muito dificilmente alteraria esse quadro. Os prováveis responsáveis pela manobra seriam governadores com grande identidade ideológica com o capitão e rabo acorrentado ao empresariado.
Enquanto isso, o que podem fazer as forças de esquerda? Alguns dos trabalhadores estão isolados em casa, mas muitos outros trabalham.
Se não é possível lotar as ruas, que abandonemos os locais de trabalho. É preciso construir uma greve geral sanitária, nos moldes dos movimentos que já vêm propondo petroleiros e metalúrgicos.
Ao keynesianismo de araque dos patrões, oporíamos um programa amplo e radical de resgate social bancado pelo grande capital. Para começar, garantindo salários integrais para todos, trabalhando ou não.
Para custear essa medida, imediata e pesada taxação das grandes fortunas e suspensão do serviço da dívida pública. Esta e outras medidas semelhantes precisam ser debatidas.
Não é possível continuarmos em nossa quarentena passiva, enquanto patrões e governos se distraem calculando quantos de nós devem morrer.
Leia também: Uma doença oportunista a espera do coronavírus
25 de março de 2020
Anticorpos contra o fascismo: o populismo
Populistas, nesse caso, seriam Trump, Bolsonaro, Boris Johnson...
Mas o fato é que populismo tem sido o conceito favorito da grande mídia e de seus “especialistas” quando se trata de evitar termos mais pesados, como fascismo.
Afinal, como considerar fascista um governante como Bolsonaro e continuar a apoiar muitas de suas decisões?
No seu livro “As novas faces do fascismo”, Enzo Traverso tenta esclarecer essa confusão.
Para o consenso estabelecido, diz ele, populismo seria “um procedimento retórico que consiste em exaltar as pessoas comuns, opondo-as à elite (...) a fim de mobilizá-las contra o ‘sistema’”.
Segundo essa categorização capenga, populistas seriam Sarkozy, Berlusconi e Orbán, assim como Chávez, Morales e Kirchner. O problema é que são ignoradas as muitas diferenças ideológicas radicais entre essas lideranças.
Chávez, por exemplo, seria um populista porque usaria a demagogia como técnica de comunicação. Mas seu populismo era a forma mais consistente de resistência política contra a globalização neoliberal em seu país, afirma o autor.
Já, os partidos “populistas” da Europa Ocidental se caracterizam por suas propostas xenófobas e racistas, procurando retirar direitos e conquistas das camadas mais baixas e marginalizadas da população.
Nesse último caso, trata-se de fascismo, não de populismo. E a forma como vêm reagindo à atual pandemia só reafirma isso. Trump e Bolsonaro infestam o ar de fascismo sempre que abrem a boca para falar sobre o coronavírus.
Voltaremos ao tema, pois nos interessa desenvolver defesas eficazes tanto contra o coronavírus como contra o fascismo.
Leia também:
Uma doença oportunista a espera do coronavírus
Coronavírus-19: os maiores transmissores
24 de março de 2020
Uma doença oportunista a espera do coronavírus
As recentes medidas de isolamento social devido ao coronavírus-19 não foram acompanhadas por nenhuma rede de assistência capaz de garantir a milhões de pessoas o mínimo necessário para sua sobrevivência.
Elas moram nos bairros pobres das grandes cidades e dependem da venda diária de seu trabalho ou mercadorias para comer. Não têm nada de seu a não ser seus filhos e contas para pagar. Suas condições sanitárias são péssimas.
Elas vão começar a passar fome. Vão adoecer ainda mais. Muitas vão se organizar para se defender. Para buscar atendimento prioritário para suas necessidades e atenção especial do sistema de saúde. Mas outras vão cair no desespero e deixar se levar pelo ódio cego. Devem ocorrer saques, arrastões, violência indiscriminada.
Para os assalariados com algum vínculo trabalhista, será menos pior, mas não muito. Os empresários e a grande mídia falam em “Plano Marshall” para a economia. O governo já sinalizou que entendeu a senha. Preparou um pacote para salvar lucros, não empregos. Haverá mais gente pronta a responder com ódio cego.
A resistência dos movimentos sociais estava paralisada. Agora, está completamente fragmentada. Há iniciativas importantes como as propostas de greves sanitárias dos petroleiros e metalúrgicos de São José dos Campos. Mas por enquanto são exceção.
Já os anticorpos da estrutura de repressão há muito vêm sendo fortalecidos. O combate ao coronavírus-19 não é só mais um episódio de militarização da vida. Sua dimensão totalizante é inédita e esmagadora.
Doenças oportunistas são aquelas que se aproveitam do estado de debilidade das defesas do organismo para causar dano. Há uma terrível doença oportunista no ar: é o capitalismo.
Leia também: A Doença X e seu maior hospedeiro
Elas moram nos bairros pobres das grandes cidades e dependem da venda diária de seu trabalho ou mercadorias para comer. Não têm nada de seu a não ser seus filhos e contas para pagar. Suas condições sanitárias são péssimas.
Elas vão começar a passar fome. Vão adoecer ainda mais. Muitas vão se organizar para se defender. Para buscar atendimento prioritário para suas necessidades e atenção especial do sistema de saúde. Mas outras vão cair no desespero e deixar se levar pelo ódio cego. Devem ocorrer saques, arrastões, violência indiscriminada.
Para os assalariados com algum vínculo trabalhista, será menos pior, mas não muito. Os empresários e a grande mídia falam em “Plano Marshall” para a economia. O governo já sinalizou que entendeu a senha. Preparou um pacote para salvar lucros, não empregos. Haverá mais gente pronta a responder com ódio cego.
A resistência dos movimentos sociais estava paralisada. Agora, está completamente fragmentada. Há iniciativas importantes como as propostas de greves sanitárias dos petroleiros e metalúrgicos de São José dos Campos. Mas por enquanto são exceção.
Já os anticorpos da estrutura de repressão há muito vêm sendo fortalecidos. O combate ao coronavírus-19 não é só mais um episódio de militarização da vida. Sua dimensão totalizante é inédita e esmagadora.
Doenças oportunistas são aquelas que se aproveitam do estado de debilidade das defesas do organismo para causar dano. Há uma terrível doença oportunista no ar: é o capitalismo.
Leia também: A Doença X e seu maior hospedeiro
23 de março de 2020
A Doença X e seu maior hospedeiro
No
início de 2018, durante uma reunião na Organização Mundial da Saúde em Genebra,
um grupo de especialistas (o R&D Blueprint) cunhou o termo “Doença X”:
prevendo que a próxima pandemia seria causada por um novo patógeno desconhecido
que não tinha ainda infectado a população humana. A Doença X provavelmente
resultaria de um vírus originário de animais e surgiria em algum lugar do
planeta onde o desenvolvimento econômico aumenta o contato entre pessoas e
animais selvagens.
A
Doença X provavelmente seria confundida com outras doenças no início do surto e
se espalharia rápida e silenciosamente; explorando rotas de viagens humanas e
de comércio, alcançaria vários países e espremeria a contenção. A Doença X
teria uma taxa de mortalidade mais alta que uma gripe sazonal, mas se
espalharia tão facilmente quanto a gripe. Isso abalaria os mercados financeiros
antes mesmo de alcançar um status de pandemia. Resumindo, o Covid-19 é a Doença
X.
Como
argumentou o biólogo socialista Rob Wallace, as pragas não são apenas parte de
nossa cultura. Elas são causadas por
ela.
O trecho acima está em artigo de Michael Roberts disponível aqui. Nele o economista marxista britânico mostra como não é preciso
conspirações e planos diabólicos para que pandemias como o coronavírus-19
surjam. Bastam que se deixem agir as leis da exploração sem freios da ocupação
humana do planeta. Em especial, em sua fase industrial, quando um único e
predatório padrão de exploração da natureza começou a se disseminar pelo mundo.
Em 2018, não havia como dar um nome à Doença X. Mas seu hospedeiro há
muito tempo tem nome e sobrenome: exploração capitalista.
Leia também: A ordem é sacrificar primeiro idosos e
vulneráveis
20 de março de 2020
A ordem é sacrificar primeiro idosos e vulneráveis
Michael Roberts é um respeitado
economista marxista inglês. Recentemente, publicou um esclarecedor artigo sobre o coronavírus-19 em seu blog. Merece ser lido na íntegra. São informações muito importantes.
E assustadoras.
Em relação aos meios de contenção
da doença, por exemplo, ele comenta que “a Itália segue a abordagem chinesa do
bloqueio total”, cujo efeito imediato é a paralisação da economia, aumentando a
“recessão macroeconômica”.
Mas, no caso britânico,
diz ele, a abordagem é diferente e “muito arriscada”. Trata-se:
...de
auto isolamento para os vulneráveis,
permitindo que jovens e saudáveis sejam
infectados, a fim de criar a chamada “imunidade de rebanho” e evitar que o sistema de saúde seja sobrecarregado. O que essa
abordagem significa é
basicamente deixar morrerem os velhos e vulneráveis, porque eles vão morrer de qualquer maneira se
infectados e evitar um bloqueio total que danificaria a economia (e os lucros).
A abordagem dos EUA é basicamente não fazer nada: nenhum teste em massa, nenhum
auto isolamento, nenhum fechamento de eventos públicos; apenas esperar até as
pessoas ficarem doentes e depois lidar com os casos mais graves.
Poderíamos chamar essa última
abordagem de resposta malthusiana. O mais reacionário dos economistas clássicos
no início do século 19 foi o reverendo Thomas Malthus, que argumentou que havia
muitas pessoas pobres “improdutivas” no mundo, então pragas e doenças regulares
eram necessárias e inevitáveis para tornar as economias
mais produtivas.
Não à toa, diz Roberts, Marx
chamou a “economia clássica” do século 19 de filosofia da miséria. O problema é
que o século 19 ficou para trás, mas não sua filosofia. Muito menos a miséria causada
por ela.
19 de março de 2020
Coronavírus-19 e luta de classes
Mike Davis é um
escritor, militante político, urbanista e historiador estadunidense. Suas
investigações dedicam-se principalmente às relações entre poder e classes
sociais.
Mas entre suas maiores
preocupações estão também os sérios riscos patológicos causados pela organização
capitalista da produção. É o caso de recente artigo publicado pelo portal da Boitempo,
sobre as relações entre a pandemia do coronavírus-19 e a luta de classes.
Um trecho é tristemente
esclarecedor:
...quem
dispõe de um bom plano de saúde e também tem condições de trabalhar ou lecionar
de casa está confortavelmente isolado, contanto que siga com prudência as
diretrizes de segurança. Funcionários públicos e outros grupos de trabalhadores
sindicalizados que gozam de uma cobertura decente terão de fazer escolhas
difíceis, optando entre renda e proteção. Enquanto isso, milhões de
trabalhadores de baixa renda do setor de serviços, trabalhadores agrícolas,
desempregados e sem teto estão sendo atirados aos lobos.
Davis também lembra o
que escreveu em seu livro “O monstro bate à nossa porta”, de 2005:
O
acesso a medicamentos vitais, incluindo vacinas, antibióticos e antivirais,
deveria ser um direito humano, universalmente disponível a preço zero. Se os
mercados não tiverem condições de fornecer incentivos para produzir tais drogas
de maneira barata, então os governos e as organizações sem fins lucrativos
deveriam assumir a responsabilidade por sua manufatura e distribuição. A
sobrevivência dos pobres deve sempre ser prioridade sobre os lucros do grande
complexo farmacêutico.
É com esse tipo de
proposta que podemos transformar a tragédia social que surge no horizonte em
oportunidade para emperrar a máquina de morte e doenças do capitalismo. Mas não
esperemos iniciativa alguma de governos.
Leia também: Coronavírus-19:
o agronegócio fazendo merda
18 de março de 2020
Coronavírus-19: o que mais está sendo incubado?
Raquel Varela é uma
historiadora portuguesa muito combativa. Em seu blog, publicou uma nota importante
sobre uma proposta em discussão em Portugal:
...declarar-se
o Estado de emergência é um grave erro, vamos arrepender-nos se o permitirmos.
Nós já suspendemos, contra o Governo, a circulação e o contacto, as ruas estão
vazias, deprimentemente vazias. As lojas e restaurantes fecham porque não há
clientes. Nem nas praias nos aglomerámos (...), nem nos jardins, nem nos
passeios, todos estão afastados de todos. Tristes mas seriamente afastados. O
que precisamos é que fechem os grandes lugares de trabalho não essenciais, e
deixem os outros essenciais a laborar protegidos. Não precisamos nem devemos
aceitar qualquer suspensão constitucional de direitos, porque a seguir a isto
vem uma crise económica, que já estava engendrada, vêm os cortes de salários,
mas com proibição de reuniões sindicais, direito de associação, que é isso que
significa o Estado de emergência.
E concluiu, alertando:
Todos
os sindicatos devem opor-se a isto frontalmente. A Ordem os Advogados, o
Ministério Público. Todos os que sabem o que está em jogo, para além do medo. O
Estado de emergência é contra as greves, não é contra o COVID.
Ela fala de um país sob
um governo de centro-esquerda, reeleito recentemente após rejeitar a austeridade
neoliberal como saída para a crise econômica. Este nem de longe é o nosso caso.
Além disso, por aqui, nem é preciso decretar um “estado de emergência” para que
direitos constitucionais sejam ignorados.
O governo Bolsonaro acaba
de publicar portaria autorizando uso de força policial para forçar quarentenas
e isolamentos. Algo muito ruim está sendo incubado.
Leia também: Coronavírus-19:
os maiores transmissores
17 de março de 2020
Coronavírus-19: o agronegócio fazendo merda
Em 2005, Mike Davis
lançou o livro “O Monstro bate à nossa porta”, alertando para a ameaça de uma
pandemia global de gripe aviária. Felizmente, a previsão não se confirmou.
Mas as condições denunciadas
por ele para que surgisse uma doença viral capaz de se generalizar persistiram e
muito possivelmente pioraram. Tudo indica que é o que presenciamos agora.
Um trecho de um artigo que Davis publicou em 2009, dá uma pista sobre uma das mais prováveis causas da atual
pandemia.
...a
criação animal nas últimas décadas tem se transformado em algo que mais parece a
indústria petroquímica do que a tradicional fazenda familiar retratada em livros
didáticos.
Em
1965, por exemplo, havia 53 milhões de porcos em mais de 1 milhão de fazendas americanas.
Hoje, a criação de 65 milhões de suínos está concentrada em 65 mil instalações -
metade com mais de 5 mil animais.
Essencialmente,
houve uma transição entre os velhos chiqueiros para enormes criadouros
produzindo vasta quantidade de excrementos, com dezenas e até centenas de milhares
de animais com sistemas imunes enfraquecidos, sufocando no calor e no estrume, enquanto
trocam doenças entre si a uma velocidade absurda.
A
Smithfield Foods, por exemplo, tem duas filiais nos Estados Unidos que criam anualmente
mais de 1 milhão de suínos cada, gerando centenas de substâncias tóxicas em lagoas
cheias de merda. Qualquer um que presenciar esse tipo de produção pode compreender
intuitivamente o quão profundamente o agronegócio tem mexido com as leis da natureza.
Ainda que a origem do
coronavírus-19 não esteja esclarecida, certamente o agronegócio tem grande participação
nessa merda toda.
16 de março de 2020
Coronavírus-19: os maiores transmissores
Por enquanto, a mortalidade
causada pelo coronavírus-19 é baixa. Limita-se a idosos e pessoas com problemas
respiratórios. Mas sua letalidade indireta pode se revelar enorme em pouco
tempo.
Em seu atual estágio, o
novo vírus mata pouco e desorganiza muito. Em uma economia que globaliza cada
vez mais as relações mercantis, mas concentra fortemente lucros e bem-estar, isso
pode ter dimensões apocalípticas para a grande maioria.
A globalização facilitou
muito a disseminação de doenças. Ao mesmo tempo, seu caráter neoliberal
desmontou as já precárias redes de proteção social mundo à fora. Os dispositivos
de segurança sanitária estão limitados a minorias cada vez menores.
Outro efeito extremamente
nocivo são as crescentes restrições ao direito de circulação e de reunião. Elas
podem ser mortais para a esquerda anticapitalista, que fica sem oxigênio quando
não consegue estar presente nas ruas e em suas entidades de luta.
Manifestações canceladas,
reuniões inviabilizadas, relações fragmentadas. Condições ideias para o funcionamento
ainda mais eficiente e massacrante dos aparelhos de dominação e repressão.
Tudo isso para não falar
da proximidade de mais um surto da crise de 2008. Naquele ano, o sintoma da
doença capitalista se manifestou no mercado imobiliário. Por mais complicada
que fosse sua explicação, enxergava-se sua origem em atividades humanas
condenáveis.
O sintoma atual da
falência capitalista tem uma procedência mais opaca. É a forma como a sociedade
capitalista está organizada: criação animal concentrada, desmatamento, falta de
saneamento, aglomerações urbanas extremamente adensadas...
A doença continua a ser
o capitalismo, mas seus defensores pretendem escondê-la por trás de fatores aleatórios
ou forças divinas. Os maiores transmissores do vírus estão no poder.
Leia também:
A peste branca mata índios há séculos
13 de março de 2020
Itália, 1924. Brasil, 2020: a esquerda paralisada
Giacomo Matteotti era um
traidor de sua classe. Filho da burguesia agrária italiana, foi um respeitado parlamentar
socialista. Politicamente moderado, ajudou a fundar o Partido Socialista Reformista
em 1922, após abandonar o Partido Socialista.
Ainda assim, demonstrava
enorme coragem pessoal e compromisso com a democracia. Alvo do ódio da
extrema-direita, por duas vezes, pelo menos, quase foi linchado ao ser
reconhecido por hordas fascistas na rua.
Em maio de 1924, fez um duro
discurso contra o governo Mussolini diante de um parlamento acovardado. Despertou
a ira do “Duce”. Em junho, em plena luz do dia, capangas fascistas sequestram Matteotti.
Seu corpo seria encontrado dois meses depois. Havia sido morto a pauladas. Tinha
39 anos.
A comoção é grande. Até setores
fascistas desaprovam o ocorrido. A crise ameaça derrubar o governo. Tudo indica
que Mussolini foi o mandante. No entanto, como mostra o livro “M, O Filho do
Século”, de Antonio Scurati, um discurso do líder fascista diz tudo sobre a situação
da esquerda italiana naquele momento.
Nesse pronunciamento feito
durante o Grande Conselho do Fascismo, em 22 de julho de 1924, Mussolini diz:
Afinal,
o que as oposições estão fazendo? Eles fazem greves gerais ou parciais? Alguma
manifestação de rua? Ou tentativas de revolta armada? Nada disso. As oposições
conduzem uma controvérsia puramente jornalística. Eles não podem fazer mais
nada.
Infelizmente, Mussolini estava
certo. E ao sobreviver à crise, novamente fortalecido, consegue aprovar uma lei
eleitoral que viria garantir a seu partido ampla maioria parlamentar nas eleições
seguintes.
É leviano traçar
paralelos entre situações tão diferentes. Mas amanhã completam-se dois anos da morte
de Marielle Franco.
12 de março de 2020
Itália,1920: os socialistas vacilam. Os fascistas, não
Abril de 1920, Nicola
Bombacci chega a Copenhague, Dinamarca. O mais popular dos socialistas
italianos vai ao encontro de dois enviados soviéticos: Maksim Litvinov,
comissário para assuntos externos, e Leonid Krasin, chefe do comissariado para
o comércio exterior.
Bombacci pretendia
discutir a revolução italiana com eles. Mas não teve chance. Um e outro foram
claros. Sua prioridade era retomar relações comerciais e políticas entre Moscou
e os estados capitalistas. Nada mais.
Era o isolamento da Revolução
Russa que começava a cobrar um preço alto demais não só dos bolcheviques, mas também
dos revolucionários no restante do mundo.
Alguns anos mais tarde,
a contrarrevolução stalinista resolveria esse problema da pior maneira possível:
qualquer processo revolucionário deveria ser sacrificado se isso fosse considerado
necessário para preservar o estado soviético. Em nome desse imperativo, muitas revoluções
seriam não apenas desencorajadas como abertamente combatidas.
Mas no caso italiano, não
seria justo responsabilizar apenas os bolcheviques. Os socialistas moderados eram
maioria no partido e o sucesso eleitoral de 1919 dava-lhes a esperança de conquistar
transformações radicais pelo voto. Nem mesmo a grande onda de ocupações de
fábricas acontecida recentemente mudou essa perspectiva.
Enquanto isso, também em
1920, o segundo congresso nacional dos fascistas promoveu uma guinada à direita.
O programa de 1919, cheio de exigências de esquerda foi completamente
abandonado. Agora, o objetivo era fazer a “revolução fascista”, anticomunista e
a serviço da burguesia.
Era a enorme e destruidora
onda fascista começando a surgir. Ocupando o vazio político deixado tanto pela indecisão
dos socialistas italianos entre o caminho revolucionário e a via eleitoral como
pelas primeiras manifestações do pragmatismo estatal soviético.
11 de março de 2020
Itália,1919: fascistas e socialistas defendem propostas semelhantes
Jornada diária de oito horas de
trabalho, salário mínimo, representantes sindicais nos conselhos diretores das
empresas, gestão das indústrias por seus trabalhadores, imposto progressivo
sobre o capital, expropriação parcial das riquezas.
As exigências acima são algumas dentre
aquelas publicadas em 6 de junho de 1919 no jornal “O Povo da Itália”. É o
programa dos fascistas aprovado em um encontro nacional realizado meses antes.
Como relata Antonio Scurati, em seu
livro “M, O Filho do Século”, as propostas são quase as mesmas defendidas pelos
socialistas revolucionários, que se posicionam à esquerda dos reformistas. Ele
foi concebido para converter simpatizantes comunistas em militantes fascistas.
Semelhante ao que aconteceu com o próprio Mussolini.
Mas a esperteza só poderia dar
resultado porque a crise social atravessada pela Itália logo após a Primeira
Guerra é enorme. Era preciso apresentar respostas a uma revolta popular que se
torna cada vez mais raivosa.
Como diz o autor:
O caos é total, crescente,
generalizado. Mas é apenas caos. A revolução é outra coisa e os líderes
socialistas são completamente incapazes de direcionar essa revolta espontânea
para a conquista do poder.
Era assim que pensava Mussolini. E,
infelizmente, ele estava certo.
Mas não se trata de simplesmente
condenar a cúpula socialista por sua vacilação e covardia política. Ou de considerá-los meros incapazes de seguir o corajoso exemplo dos bolcheviques russos.
A monarquia parlamentar italiana era
muito diferente da ditadura czarista russa. São tais diferenças que Gramsci viria a estudar, produzindo sua grande obra.
Mas é importante destacar que o
próprio poder bolchevique teve influência no fracasso italiano. É o que veremos
a seguir.
Leia também: Fascismo é, antes de tudo, violência
10 de março de 2020
Por trás da mutação subprime/coronavírus, o capitalismo em crise
José Martins e a Equipe
13 de Maio mantêm o boletim “Crítica da Economia” há 30 anos. O tom é meio apocalíptico
quando aborda os problemas e contradições da atual fase do capitalismo. E as
manifestações de alegria pela iminência de colapsos econômicos um pouco
despropositadas. Motivadas, segundo suas próprias palavras, por “boas notícias
sobre a necrologia do capital”.
Mas é uma fonte
importante de informações e dados para os marxistas combativos. E mantém uma
análise atenta da situação mundial. É o caso do trecho abaixo, retirado da última edição do boletim:
...dois
gatilhos deveriam ser acionados para a abertura do novo período de crise
global. O primeiro seria uma radical interrupção da produção industrial da
China, o “chão de fábrica do mundo”. Como já é de amplo conhecimento público,
este gatilho acaba de ser acionado.
A
novidade é que o gatilho chinês veio embalado pela espetacular mistificação do
novo coronavírus. Já houve outros coronavírus, mas não tão propagandeados como
o atual.
O
problema é que todas as análises econômicas da atual explosão econômica global
aparecem poluídas por uma asneira da sociedade do espetáculo.
Como
providencial álibi para os capitalistas de todo o mundo, as turbulências atuais
do mercado que eles mesmos criaram aparecem apenas como resíduo deste obscuro
vírus de mais uma cepa corriqueira de tantas outras gripes.
Mais
além desta asneira, o segundo e definitivo gatilho para a abertura oficial da
crise global será a derrocada dos preços das ações na maior bolsa de valores do
mundo.
Realmente, o
coronavírus é o novo subprime. Causa superficial da mais grave das epidemias: o
capitalismo.
Leia também:
Quando a disputa China x Estados Unidos pode ser mero detalhe
3 de março de 2020
Sanders: quando o voto útil é o voto incendiário
Em
momentos eleitorais, a esquerda mais radical e combativa costuma ser
pressionada a aceitar o chamado “voto útil”. Raramente, esse
voto pragmático coincide com a opção mais próxima às propostas
comprometidas com as lutas populares. Sua função seria apenas
evitar o mal maior.
Pois
não é o que vem acontecendo na campanha eleitoral pela presidência
dos Estados Unidos. A candidatura considerada “incendiária” vem
se mostrando a mais preparada para derrotar Donald Trump. É o que
indica, por exemplo, recente matéria de Meagan Day e Matt Karp sobre
as primárias democratas, publicada
pela Revista Jacobin:
As
pesquisas são unânimes: uma maioria considerável dos eleitores nas
primárias dos democratas (entre 60% e 65%) dizem que é mais
importante encontrar um candidato que possa vencer Trump do que um
que eles concordem com as pautas. Isso não é um padrão para
eleitores que fazem oposição a um presidente em exercício. Na
prévia da sua campanha de reeleição em 2004, por exemplo, menos da
metade de todos os democratas diziam o mesmo sobre George W. Bush.
Ao
longo das primárias, Bernie Sanders e muitos de seus apoiadores têm
argumentado que não é suficiente vencer Trump: precisamos nos
organizar para transformar as condições econômicas abismais que
produziram Trump também. E isso é extremamente verdadeiro.
Situações
extremas exigem soluções extremas, costuma-se dizer. Mas a
persistência dessas situações vem de longe. Não surgiram com
Trump, por lá, ou Bolsonaro, por aqui.
É
exatamente a recusa em enxergar a necessidade de combater
radicalmente o extremismo capitalista que nos empurra para
situações-limite que disputas eleitorais estão longe de resolver.
De
qualquer maneira, agora somos
Sanders.
Leia
também: Fraturas
na ditadura democrática estadunidense
2 de março de 2020
Fascismo é, antes de tudo, violência
Antes
de tudo, devemos declarar novamente que, para os fascistas, a violência não é
um capricho ou um propósito deliberado (...). É uma necessidade cirúrgica. Uma
necessidade dolorosa (…). Para nós, a violência é uma exceção, não um método ou
um sistema...
Estas palavras foram escritas por Benito Mussolini no
artigo "Sobre a violência", de 25 de fevereiro de 1921. São citadas
por Antonio Scurati, em seu livro “M, O Filho do
Século”.
Mas o mesmo autor mostra que em setembro daquele mesmo
ano, nos debates que antecederam a realização do
congresso nacional fascista de Roma, o grande dilema era: fundar um partido ou um exército?
A resposta viria com a seguinte
formulação: “melhor um partido, mas capaz de se transformar em um exército. De
transformar imediatamente seus membros em soldados prontos para lutar no
terreno da violência. Um partido de milícia.”
E novamente em 1921, em 9 de novembro, reunidos em congresso
na capital italiana, os fascistas criam seu partido nacional. O manifesto de
fundação afirmava que “com o método da violência, enterramos todos os métodos
anteriores”.
Ou seja, tal como é costume na extrema-direita, aquelas
primeiras palavras de Mussolini eram falsas. A violência é, sim, o principal
método fascista. E isso ficou provado em várias ocasiões na Itália e Alemanha. Espancamentos e
assassinatos vitimaram milhares de militantes sindicais e de esquerda. Várias
vezes, sob escolta ou colaboração da polícia e do exército.
Ou seja, no combate ao
fascismo, a violência é uma questão incontornável. Mas só a esquerda anticapitalista
pode realmente enfrentá-la. Esperar a reação dos poderes instituídos é inútil. E
perigoso.
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