Doses maiores

29 de janeiro de 2015

Carta ao século 19: menos banhos, mais fidalguia

Caros consortes do século 19, volto escrever-lhes do século 21, onde reina uma barafunda dos diabos. A companhia que fornece água à gente paulista ameaça iniciar um racionamento. Haveria abastecimento por apenas dois dias semanais.

É algo que não chega a nos assustar, acostumados que estamos a tomar raríssimos banhos em nosso tempo. Mas, aqui, preocupa a todos. Por isso, me pediram que explicasse como vivíamos tão privados dessa forma de higiene.

Comecei por lembrar-lhes que o acesso à agua era muito difícil antes do século 20. Com exceção de lugares próximos aos rios, onde não apenas havia abundância aquífera, mas também a influência de povos indígenas, tão apegados a banhos.

Mesmo assim, muitos de nossos patrícios preferiam manter seus costumes europeus. Por isso é que trajávamos roupas pesadas adequadas ao inverno europeu, mesmo sob o tórrido calor tropical. Preferíamos o desconforto e a fedentina a adotar os hábitos daqueles que considerávamos bárbaros.

Ao mesmo tempo, trocávamos de trajes somente umas quatro vezes por ano, quando do lavatório sazonal. Eis por que chamávamos “armário” ao móvel em que hoje são guardadas as roupas. Necessitando apenas quatro ou cinco mudas anuais de roupa, usávamos o móvel para armazenar armas.

No intuito de acalmá-los, lembrei que D. João VI ficou famoso por deixar as camisas apodrecerem no corpo. Também citei o caso da Rainha Isabel, de Espanha. A monarca que enviou Colombo para a América só teria tomado dois banhos completos em seus 53 anos de vida.

Assim, talvez sirva de consolo a meus amigos o fato de que, em breve, estarão voltando à fidalguia de antigos costumes.

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Aprendendo a aprender com o Syriza

Suspensão de privatizações, aumento do salário mínimo, eletricidade gratuita para 300 mil famílias pobres. Estas são algumas das primeiras medidas do governo do Syriza que estão sendo comemoradas pela esquerda em geral.

Ao mesmo tempo foi anunciada uma aliança com o partido de direita, Gregos Independentes, para obter maioria no parlamento. Também são preocupantes as declarações de Alexis Tsipras sobre a renegociação da enorme dívida pública do país sem citar a realização de uma auditoria.

Um artigo importante para entender o que está em jogo é “Syriza enfrenta decisões difíceis”, publicado no portal “Rebellion” pouco antes da vitória. Escrito por Dimitris Belladis, membro do partido, o texto cita algumas das medidas já adotadas.

Mas Belladis também considera prioritário restabelecer o “direito de manifestação” e retirar dos espaços públicos as “forças especiais da polícia”. Algo vital para um governo eleito graças a uma onda radical de lutas. Sem isso, as negociações tendem a ficar nos parlamentos corrompidos e as decisões do governo podem perder o necessário caráter anticapitalista da saída grega para a crise.

Por outro lado, restrições antidemocráticas semelhantes foram adotadas em várias partes do mundo. No Brasil, desde as manifestações de junho de 2013. A prisão ilegal e ilegítima de 23 manifestantes no Rio de Janeiro é só uma evidência disso.

O grave é que, aqui, os levantes populares surgiram antes da adoção da “austeridade neoliberal” por Dilma Roussef. Como reagirão os trabalhadores quando surgirem as consequências dessa opção desastrosa? Se vierem novas revoltas, a responsabilidade pela repressão será do governo petista. A nossa é aprender com o Syriza como se aprende com quem luta.

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Na Grécia, nem Lula nem Chávez

28 de janeiro de 2015

Na Grécia, nem Lula nem Chávez

O “Financial Times” pergunta: o novo líder grego seria um Lula ou um Chávez? O jornal britânico refere-se a Alexis Tsipras, principal nome do Syriza, partido que venceu as recentes eleições gregas.

Segundo a publicação, o líder venezuelano representaria o radicalismo e o brasileiro, a moderação. A comparação não tem sentido. Por mais influentes e brilhantes que sejam alguns indivíduos, suas ações são resultado de complexos processos sociais e históricos. Do movimento de forças contraditórias e coletivas.

Eleito em 1999, Chávez era, realmente, muito mal visto pela elite venezuelana e pelo imperialismo estadunidense. Mas sua guinada à esquerda foi causada principalmente pela tentativa de derrubá-lo, em 2002. O jogo sujo da direita, de um lado, e a reação popular que derrotou o golpe, de outro, empurraram o líder venezuelano à confrontação aberta com o imperialismo.

A vitória de Lula, em 2002, não inaugurou uma nova era de avanços das lutas dos trabalhadores. Ao contrário, marcou o esgotamento do neoliberalismo combinado a uma década de derrotas políticas e organizativas dos explorados e oprimidos. Representou uma adaptação rebaixada a este processo.

Diferente de tudo isso, a ascensão de Tsipras é produto de anos de heroica resistência dos trabalhadores gregos. Dezenas de greves gerais e centenas de manifestações. Muitas batalhas violentas travadas nas ruas contra a polícia. Ou seja, os processos sociais por trás da vitória do Syriza têm um caráter extremamente radicalizado.

Nada disso garante que o governo do Syriza atenderá as expectativas dos milhões de lutadores que o elegeram. Significa apenas que ainda estão por vir muitos
conflitos cujos desfechos, sejam vitórias ou frustrações, serão igualmente radicais.

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27 de janeiro de 2015

As serpentes no berço do Syriza

A Grécia é considerada o berço da civilização ocidental. Também teve seu momento de glórias militares. Sob o reinado de Alexandre, conquistou um império que ia dos Balcãs à Índia, incluindo o Egito e o atual Afeganistão.

Veio a decadência e os gregos chegaram a ser dominados pelos turcos por 350 anos. Um pouco depois de livrar-se do domínio estrangeiro, porém, o país caiu nas garras do fascismo, derrotado em uma dura guerra civil.

Mas as agruras gregas estavam longe de terminar. De 1967 a 1974, o país sofreu sob a ditadura dos coronéis. Nem mesmo aqueles que são considerados os inventores da “democracia” foram poupados da onda de ditaduras impostas pela Guerra Fria.

A volta da democracia não impediu que outra tragédia caísse sobre o povo grego. O país deixou-se levar pela mitologia neoliberal de uma Europa unida pela força do dinheiro. Em 2008, caiu vítima da mais terrível onda recessiva de sua história.

Desde então, os trabalhadores gregos resistem bravamente, realizando greves gerais e manifestações. Sob forte repressão, recusam-se a aceitar que a maioria explorada pague pela crise. No último dia 25/01, deram um passo a mais nesta luta. Elegeram um governo que promete se livrar da política de austeridade neoliberal que castiga o povo há seis anos.

O maior herói helênico é Hércules. Ainda bebê, estrangulou duas serpentes colocadas em seu berço. A vitória do Syriza é a mais nova esperança grega. Não nasceu filho de Zeus, mas da plebe, fortalecida pelas lutas das ruas. Também está cercada por serpentes venenosas. Entre elas, as ilusões em mudanças profundas pela via institucional.

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25 de janeiro de 2015

Carta ao século 19: chega de banho todo dia

Prezados patrícios do século 19, não sei por que raios vim parar no século 21. Mas se me calhou de cá estar o melhor a fazer é aceitar o fado que me coube. 

Há muito progresso nestes tempos, como alguns de nós já prevíamos. As pessoas se deslocam muito rapidamente, por exemplo, fazendo uso de carros velozes. O problema é que há tantos desses veículos que se atrapalham uns aos outros e sua velocidade muitas vezes cai ao ritmo da mais simplória caminhada.

Os meios de comunicação também são espantosos. É possível falar com gente do outro lado do mundo instantaneamente. Só não alcanço compreender porque as pessoas se entregam a tais prosas remotas com muito mais constância e facilidade do que conversam com quem está a seu lado.

Mas o mais estranho dos costumes é o de tomar banhos com grande frequência. Diferente de nosso tempo em que esse tipo de higiene se fazia apenas a cada três ou quatro meses, a gente daqui mete-se sob jorros d’água uma ou duas vezes por dia!

Trata-se de algo impensável em nossa época, dada a escassez de água em nossas cidades. Mas parece que desde o século 20 grandes redes de encanamentos passaram a permitir a chegada de água a quase todas as casas.

No início, confesso que senti muita dificuldade em assimilar tal hábito. Mas, de repente, tudo começou a se arranjar. Parece que a água está se tornando novamente rara. De modo que, talvez, eu até possa ensinar aos que habitam estes tempos loucos como permanecer muitos meses sem molhar o próprio corpo.

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22 de janeiro de 2015

A ditadura do politicamente imbecil

Muito bom o texto publicado por Alexandre Marini no Observatório da Imprensa em 20/01. Intitulado “O pobre e a liberdade de expressão”, o artigo fala sobre duas colunistas do Globo que nos últimos dias andaram publicando grossas besteiras.

Hildegard Angel e Silvia Pilz deixaram transparecer todo seu preconceito de classe sem maiores pudores. A primeira defendeu restrições ao acesso às praias da zona sul carioca. A segunda reclama de supostas manias hipocondríacas dos pobres.

As madames receberam algumas críticas duras. Foi o bastante para falarem em “ditadura do politicamente correto”. Mas correto está Marini ao afirmar que “não há agremiação do politicamente correto, não há Ministério do Politicamente Correto, nem algo como uma Campanha Nacional da Correção Política”.

Ainda segundo o sociólogo, “o ‘politicamente correto’ não passa de um conceito figurativo presente nas mentes de quem odeia ou desrespeita, usado para eximirem-se das inúmeras bobagens que dizem e escrevem por aí...”

Faltou dizer que difusão de preconceitos contra os mais fracos não é exceção na mídia empresarial. Basta verificar quem realmente ganha exposição nas empresas de notícias e entretenimentos. Datena, Wagner Montes, Danilo Gentili, Rafinha, Luciano Huck são só alguns exemplos.

Isegoria era o nome que os antigos gregos davam ao direito que todos os cidadãos tinham de manifestar sua opinião. Um direito que inexiste no mundo em que vivemos. Uma pequena minoria divulga suas ideias reacionárias nos grandes meios de comunicação e suas vítimas não têm acesso aos mesmos instrumentos para se defender.

Ou seja, se existe algum tipo de ditadura é a da estupidez política e social gerada e reproduzida pelos monopólios de comunicação.

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A “austeridadezinha” da ortodoxia petista

Dilma “capitulou diante das pressões do mercado, assim como os líderes europeus e uma parte do PT”. Esta afirmação é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista publicada no Valor, em 16/01. Palavras insuspeitas, pois partem de um dos mais de 1.300 economistas que assinaram um manifesto em favor da reeleição da petista.

Belluzzo refere-se especificamente à nova equipe econômica do governo reeleito e aos ajustes por ela anunciados. Para ele:


Essa ideia de que vai se fazer dois anos de ajuste parece que não tem dado certo no mundo. Vamos fazer uma 'austeridadezinha', e aí a gente sai dela em dois ou três anos. Mas ninguém menciona o fato de que enquanto dura uma recessão vai se devastando a vida das pessoas.

Antes de Beluzzo, a Fundação Perseu Abramo já havia divulgado um documento afirmando que Dilma adotou uma estratégia “bastante conservadora e ortodoxa na política econômica”. Para quem não sabe, a fundação pertence ao PT.

Mas houve quem aprovasse. É o caso de Edmar Bacha, ex-integrante do governo Fernando Henrique e um dos criadores do Plano Real. Em entrevista ao Valor, publicada em 14/01, o teórico tucano ultraneoliberal elogiou a nomeação de Joaquim Levy e as primeiras medidas anunciadas por ele.

Para Bacha, porém, Dilma não tem a credibilidade dos tucanos para ir adiante. De qualquer modo, vontade de mostrar esse tipo de serviço não falta aos petistas que comandam o País.

E nesse mesquinho campeonato de ortodoxia neoliberal, Beluzzo é quem tem razão. Vai sobrar para a maioria pobre e explorada, seriamente ameaçada por mais uma onda de devastação econômica e social.

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15 de janeiro de 2015

Ninguém deveria rir por último

Laerte vem sendo procurada pela grande imprensa para dar sua opinião em relação ao caso Charlie Hebdo. Em especial, sobre os riscos de fazer humor ofensivo e preconceituoso. Como respeitada cartunista e discípula de Wolinski, um dos mortos no massacre de Paris, ela é uma referência nesse tipo de debate.

Em seus depoimentos, Laerte vem citando uma frase do palhaço e empresário artístico Hugo Possolo: “Você pode fazer piada sobre qualquer coisa. O que importa é saber de que lado da piada você está”. Ou seja, diz Laerte, “toda piada é ideológica. Não existe piada só piada”.

Quem acredita em justiça social e respeito às diferenças deve fazer graça em favor dos explorados e ofendidos. Deboche só contra os poderosos.

Mas o humor também é lugar de invenção. É o que afirmou o antropólogo norte-americano Roy Wagner à Folha em 01/04/2012. Segundo ele:
 


O humor é uma forma de invenção. É um exercício de ver a partir de uma perspectiva e então se deslocar para outra repentinamente, com algo um pouco confuso. Uma piada inventa; ela usa a perspectiva para inventar.

Ora, rir dos ferrados somente acentua uma perspectiva que não inventa nada a não ser seres humanos diminuídos. É estéril porque faz graça da desgraça alheia.

Em uma sociedade justa o exercício do humor deve ser como uma longa conversa entre amigos. Daquelas que só se interrompem devido às imposições da vida prática, mas são retomadas com estoques renovados de prosa. No humor libertário não há lugar para quem ri melhor porque ninguém deve rir por último.

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Senta aqui, Bolsonaro!”

Desgraças provocadas por piadas sem graça

O massacre do Charlie Hebdo provocou um debate sobre os limites do humor. Mas o risco é atribuir ao mau gosto humorístico do semanário francês a responsabilidade pelo ataque que sofreu. Seria como culpar a mulher que foi vítima de um estupro pela forma como se veste.

Feita a ressalva, digamos, simplesmente, que os limites do humor se manifestam quando a piada não tem graça. Não existem anedotas que levem todos a rir ou a sorrir. Muitas vezes, há uma vítima que não acha engraçado ser objeto do alegre desprezo alheio. A questão é a reação. A resposta pode ir do sorriso amarelo ao uso de fuzis e bombas.

Mas entre um extremo e outro, há várias consequências possíveis. Quem acha graça em ofensas a homossexuais, mulheres, minorias religiosas, não brancos, dificilmente limita-se a gargalhar. Também humilha, discrimina, espanca, mata. Na grande maioria dos casos, com a tolerância ou cumplicidade dos que deveriam impedir ou punir tais comportamentos.

No mundo todo, o Estado costuma penalizar com rigor apenas quem zomba das crenças, valores, convicções, verdades do grupo social dominante. E esta diferença de tratamento coroa a desigualdade econômica e a injustiça social que atingem minorias discriminadas ou maiorias exploradas. Em geral, as primeiras fazem parte das últimas e a combinação resulta desastrosa.

O massacre de Paris de forma alguma pode ser justificado, mas muitos elementos presentes na atual sociedade francesa podem explicá-lo. Entre eles, a islamofobia e o cadáver político de François Hollande ressuscitando no funeral dos cartunistas e deixando-se fotografar em um porta-aviões nuclear. São atitudes como essas que transformam piadas sem graça em desgraça.

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13 de janeiro de 2015

Mantenha um backup de sua alma no Facebook

“Pelo comportamento no Facebook, um computador pode traçar um perfil psicológico dos usuários mais preciso do que amigos ou familiares”. A espantosa conclusão está na matéria “Você é o que você curte”, de Miguel Ángel Criado, publicada no portal El País.

A matéria refere-se a pesquisas do Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge e do Departamento de Ciências da Computação da Universidade Stanford. Envolve testes feitos com 90 mil usuários da rede virtual, incluindo suas curtidas.

Comparado a amigos e familiares dos pesquisados, o programa se saiu muito melhor na definição de suas personalidades do que eles. Dez curtidas bastam para definir seu perfil psicológico com maior precisão do que seus colegas de trabalho. 70 curtidas superam alguém que mora com você. Meros 150 deixam sua mãe para trás.

Segundo Michal Kosinski, um dos participantes do estudo, adivinhar os traços psicológicos dos outros é uma habilidade aperfeiçoada em milhões de anos de evolução. Mas, agora, “um modelo de computador relativamente simples baseado em uma grande base de dados nos supera com muita facilidade”.

Os estudiosos acham que essa façanha tecnológica poderia nos ajudar a “melhorar a tomada de decisões”. Por exemplo? Sintam o drama: “... na hora de uma contratação, em que político votar ou até por quem se apaixonar”.

Em futuro bem próximo podemos carregar um programinha em nossos celulares. Na hora de votar ou sair com alguém, consultamos o aplicativo e ele decidirá quem devemos eleger e a quem entregar o coração.

É o cúmulo da alienação! Perdeu o aparelho, a alma vai junto. Melhor manter um backup dela no Facebook.

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O mundo bizarro do capital chinês

“Pequim vai investir 20 bilhões de dólares na Venezuela”, anunciou o jornal El País, em 08/01. Em dezembro, começou a construção do Grande Canal da Nicarágua. A obra que custará US$ 50 bilhões é bancada por capital chinês.

Em janeiro de 2014, os 33 países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos iniciaram chamado “Plano de Cooperação China-América Latina e Caribe (2015-2019)”.

Muitos comemoram. Seria o surgimento de uma alternativa poderosa ao imperialismo ianque. Será?

Em 11/01, Marcelo Ninio publicou na Folha a reportagem “Chineses criam mundo espelhado que começa a mudar a ordem mundial”. Cita a conclusão do Instituto de Estudos Chineses Mercator (Merics), sediado em Berlim: 
 


Os mecanismos financeiros promovidos por Pequim duplicam em parte o sistema de Bretton-Woods e outras estruturas existentes (...): para o Banco Mundial, o Banco dos Brics; para o FMI, o fundo de reservas do Brics e a Iniciativa Chiang Mai, uma rede asiática multilateral de financiamento; para o Visa e Mastercard, o UnionPay, entre outros muitos exemplos.

Ou seja, não bastasse a versão original dessas instituições criadoras de crises econômicas e tragédias sociais, os chineses estão fazendo duplicatas delas. Estão pirateando o caos e vendendo muito caro para países pobres ou dependentes.  

Isso lembra as histórias em quadrinhos do “Mundo Bizarro”. Trata-se de um mundo simetricamente oposto ao planeta Terra. Nele vive um Super-Homem que só sabe fazer o mal, por exemplo.

Mas a comparação não faz muito sentido. Não há lado bom nessa história. O livre mercado dominado pelos ianques e o capitalismo estatal chinês são espelhos da mesma bizarrice.

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12 de janeiro de 2015

Pisoteando os cadáveres do Charlie Hebdo

Há quem compare o episódio Charlie Hebdo ao 11 de Setembro. Pode parecer exagero, mas não em um aspecto. Tal como em 2001, uma ação estúpida e trágica se torna um grande trunfo do conservadorismo. A destruição das torres gêmeas forneceu o pretexto perfeito para inaugurar uma das épocas mais autoritárias e repressivas da história moderna. O massacre de Paris tem tudo para reforçar esta lógica.

O Charlie é uma publicação anticapitalista cuja linha editorial desagrada muitos setores da esquerda. Mas à grande mídia mundial interessa destacar apenas as grosserias de seu humor. Desse modo, pretende legitimar suas próprias patifarias em nome de uma “liberdade de expressão” que está sob seu controle quase absoluto.

Os principais portais de notícias começaram anunciando a presença de mais de 1 milhão de pessoas nas ruas de Paris, em 11/01. Em toda a França, as multidões teriam chegado a 3,7 milhões, segundo Folha e Estadão e 4,5 milhões, para o Globo. Enquanto isso, estes mesmos jornais reduziram uma manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo de 30 mil para 2 mil participantes.

O fato é que a mobilização chapa-branca francesa reuniu o que há de pior entre os chefes de Estado do mundo. É o caso de Angela Merkel, que declarou em 2010: “Sentimo-nos ligados a valores cristãos. Quem não aceitar isto, não tem lugar aqui (na Alemanha)”. Ou de Benjamin Netanyahu, o primeiro ministro israelense que ordenou o massacre de Gaza há apenas seis meses.

Gente desse tipo manifesta luto pela equipe do Charlie Hebdo, enquanto pisoteia seus cadáveres. E espera novos funerais ansiosamente.

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9 de janeiro de 2015

Salário mínimo, neoliberalismo e cara-de-pau


Arton
Dilma desautorizou seu Ministro do Planejamento a alterar os critérios de reajuste do salário mínimo. Muita gente comemorou a atitude, temendo mudanças para pior. Mas as atuais regras de correção já prejudicam os mais pobres.

Os critérios em vigência foram adotados no governo Lula. Eles preveem reajustes do Mínimo equivalentes ao crescimento do PIB de dois anos antes, mais a correção da inflação.

Em primeiro lugar, o salário mínimo diz respeito ao que os trabalhadores precisam para viver dignamente, não a quanto são capazes de produzir.

Em segundo lugar, já seria um grave erro vincular a remuneração dos explorados à produção controlada pelos exploradores, em qualquer economia capitalista. Em um país que tem uma das maiores concentrações de renda e patrimônio do mundo, trata-se de um crime social.

Os governistas dirão que houve um considerável crescimento da capacidade de compra do Mínimo nos últimos 10 anos. É verdade. Mas os atuais 724 reais estão bem distantes dos mais de R$ 3 mil defendidos pelo Dieese. Além disso, somente em 2014 seu valor real ultrapassou o de 1983.

Ou seja, em plena expansão econômica mundial, levamos mais de uma década para recuperar os patamares salariais de trinta anos atrás. Mas como alegria de pobre dura pouco, já se anuncia que o salário mínimo deve subir 50% menos nos próximos 4 anos devido à queda do PIB.

Resumindo, à diferença entre um PIB monstruoso e um patamar salarial vergonhoso, chama-se superexploração. E ao atrelamento do salário mínimo à produção capitalista, dá-se o nome de neoliberalismo. O resto é cara-de-pau e Bolsa-Família.

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7 de janeiro de 2015

A regulamentação da mídia e a galáxia da internete

O governo recém-reeleito promete regulamentação da mídia. Em relação ao tema, seria bom ler o artigo de Ignacio Ramonet publicado na Carta Maior, em 05/01. Trata-se de “O fim da televisão como a conhecemos”, que traz informações importantes e assustadoras.

Ramonet começa dizendo que as postagens em vídeo nas redes virtuais crescem rapidamente. É o caso da maior delas, o Facebook. Mas o Twitter também está aderindo e o Google comprou o YouTube, já que seus 1,3 bilhões de usuários consomem cerca de seis bilhões de horas mensais de vídeo.

Este fenômeno já vem desafiando o monopólio das emissoras de rádio e TV. O texto cita dados de uma recente pesquisa feita no Distrito Federal do México: somado todo o tempo de visitas a redes virtuais, a exposição diária à internet é de 8 horas, contra apenas 2 horas e 13 minutos da televisão.

Ramonet reconhece pontos positivos na utilização das redes. Por exemplo, a troca rápida
de informação, maior agilidade na organização de manifestações populares e movimentos sociais, verificação da veracidade de certas notícias, revelação das conspirações dos poderosos através de ferramentas como o WikiLeaks.

Por outro lado, o que alguns chamam de “galáxia da internete” é dominada por Google, Facebook, YouTube, Twitter, Yahoo!, Apple e Amazon. Todas estadunidenses. 


A proposta de regulamentar a mídia só avança por algum milagre. A base parlamentar do governo já disse que não quer nem saber do assunto. Mas se o improvável acontecer, é preciso que volte a entrar no debate o chamado marco civil da internete. Do contrário, continuaremos a olhar para algumas estrelas e ignorar a galáxia.

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5 de janeiro de 2015

“O Abutre” e a meritocracia da rapina

“O Abutre”, de Dan Gilroy, é um bom filme e uma ácida crítica à mídia empresarial e ao empreendedorismo neoliberal.

Jake Gyllenhaal é Louis Bloom, que inicia o filme furtando fios de cobre para vender. Um acidente lhe mostra um caminho mais rentável, legalizado, mas tão imoral quanto roubar.

Trata-se de filmar e vender para a TV cenas de desastres, crimes, perseguições policiais. Bem no estilo de programas como “Cidade Alerta” e “Brasil Urgente”. Quanto mais vítimas, destruição e desrespeito, mais audiência baseada em emoções fáceis e preconceitos baixos.

Bloom tem o sangue frio de um lagarto. É perfeito para a tarefa de gravar imagens de moribundos. Invade cenas de crime e pode ajeitá-las para um melhor ângulo, sem cerimônia.

O rastejante repórter encontra na produtora de TV Nina Romina (Rene Russo) uma ávida consumidora de seu trabalho de rapina. Ela precisa sustentar altos níveis de audiência. Ele traz a carniça que ela rumina e regurgita.

Bloom doutrinou-se sozinho, assistindo cursos e aulas de autoajuda e lendo textos sobre corporativismo empresarial, tudo pela internete. Com os olhos vidrados, o personagem de Gyllenhaal recita lugares-comuns em voz automática, concluídos com um assustador sorriso mecânico.

A maior vítima de suas palestras é seu infeliz auxiliar, Rick (Riz Ahmed). Mas, em algumas semanas, o rapaz vai de auxiliar a vice-presidente da organização criada por Bloom. Uma façanha bastante diminuída pelo fato de que ele e o chefe são os únicos funcionários da empresa.

O final é bastante coerente com a realidade da mídia especializada na infelicidade alheia. Há sempre lugar para quem se destaca na meritocracia dos urubus.

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Dilma e a pedagogia para o lucro


Dilma escolheu a Educação como prioridade de seu segundo mandato. Para imaginar o que isso pode significar lembremos algumas realizações petistas na área.

Nesses 12 anos, grandes grupos de ensino foram turbinados pelos recursos públicos do Programa Universidade para Todos (Prouni) e do Fundo de Financiamento Estudantil. Leia mais em
Privatizações petistas: dinheiro público, lucros privados

Em 2013, duas gigantes da educação privada brasileira,
Anhanguera e Kroton, se uniram na maior transação desse tipo no mundo. Na época, a Kroton tinha 120 mil alunos financiados por políticas como o Prouni. Detalhes em MEC ajuda a criar gigantes privados da educação.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado pelo PSDB, se consolidou sob o PT como mecanismo de disputa de mercado. Mais informações
em
Enem, mercado e racismo da inteligência e O problema do Enem é o próprio Enem

Em dezembro de 2013, finalmente foram aprovados os 10% do PIB para a educação. Mas, por pressão do governo Dilma, os recursos chegarão aos 10% somente em 10 anos. Além disso, não irão apenas para o setor público.

Os valores destinados ao Prouni, via renúncia fiscal, nestes anos todos, cresceram 166%. Já o orçamento da rede pública aumentou 86%. Outra informação relevante e reveladora: para que uma universidade particular passe a contar com isenção de impostos basta tornar-se uma entidade com fins lucrativos. Estes dados estão na reportagem
“Prouni criou milionários em troca de má qualidade na educação”, recém publicada na Carta Capital.

É bem possível, portanto, que a Educação realmente seja prioridade do governo que se inicia. Mas como fonte de lucros para gigantes do mercado.

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