Doses maiores

29 de novembro de 2013

Metrópoles, máquinas capitalistas de caos

O geógrafo marxista David Harvey esteve no Brasil. Fez palestras e concedeu entrevistas. Em todas elas apontou as grandes cidades como lugar da desigualdade social e do caos. A raiz desse problema ele apontou resumidamente em excelente entrevista ao Canal Ibase:

O interesse que o capital tem na construção da cidade é semelhante à lógica de uma empresa que visa ao lucro. Isso foi um aspecto importante no surgimento do capitalismo. E continua a ser.

Não custa lembrar uma passagem do Manifesto Comunista, de Marx e Engels:

A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. Criou cidades imensas, aumentou enormemente sua população em comparação com a do campo, arrancando uma grande parte da população do isolamento da vida rural.

Os patrões precisavam dos trabalhadores aglomerados. À disposição para serem explorados em grandes unidades fabris. Além disso, a elevada competição barateava o preço de sua força de trabalho. E o consumo ganhava escala, turbinando os lucros.

Mais de um século e meio depois, essas determinações econômicas transformaram a vida urbana em um inferno. A maior vítima, claro, é a enorme maioria pobre. Mas dos engarrafamentos quilométricos só escapa uma minoria a bordo de helicópteros. Não à toa, as manifestações de junho tiveram como estopim a questão do transporte público.

Contra a exploração, o Manifesto chamava os trabalhadores a se unir e agir. Contra o cenário urbano apocalíptico, Harvey espera algo parecido: “O conselho que dou a todos é ir para as ruas o mais possível, enfrentar a desigualdade social e a degradação ambiental”.

As causas das jornadas de junho continuam todas aí. Há uns 200 anos.

Leia também: A duvidosa qualidade dos números sobre qualidade municipal

27 de novembro de 2013

Tucanos e petistas se unem em defesa dos bancos

Na campanha presidencial de 89, Fernando Collor dizia que seu adversário, Lula, confiscaria a caderneta de poupança se fosse eleito. Mal tomou posse, foi ele que meteu a mão nas economias da população.

Mas Collor apenas repetiu alguns de seus antecessores. Desde o Plano Cruzado, em 1986, até o Plano Real, houve enormes perdas para salários e poupança. Cada um desses planos mirava na inflação e acertava nos bolsos de milhões de trabalhadores. Contra tais perdas, houve muitas greves e ações judiciais.

Muitos anos depois, chegam ao Supremo Tribunal Federal os pedidos pela concessão da correção dessas perdas. Foi o bastante para que uma Santa Aliança se reunisse para barrar uma improvável decisão favorável aos poupadores.

Vinte e três “personalidades” assinaram documento contrário ao pedido. Entre eles, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas o atual ministro da Fazenda do governo petista também é contra. Alegam que uma decisão favorável aos poupadores poderia trazer perdas de quase R$ 150 bilhões para o governo e o sistema financeiro.

As entidades que representam os reclamantes, no entanto, calculam um valor entre R$ 8 e R$ 18 bilhões. O que equivale a um ano de lucros só do Itaú, por exemplo. E representa menos de 1% de pagamentos de juros da dívida pública.

Mas petistas e tucanos têm suas razões. Eles são os maiores beneficiários das gordas doações eleitorais dos bancos. Precisam agradecer apoio tão generoso.

O PSDB comemora as prisões do “Mensalão”. Os petistas denunciam o “Trensalão” tucano. Mas estão unidos no socorro à banca financeira. Nossa poupança que se lasque.

26 de novembro de 2013

O PT ainda é de esquerda, mas serve ao inimigo

“Cuidado, dizem os petistas, a direita pode voltar”. Sim, pode voltar, dizemos nós, e continuar a fazer o que vocês já vêm fazendo. A piada levanta uma dúvida cada vez mais presente. Afinal, o PT ainda é um partido de esquerda?

Os termos "esquerda" e "direita" apareceram durante a Revolução Francesa, em 1789. Na Assembleia Nacional, os partidários do rei sentavam-se à direita do presidente e os que simpatizavam com a revolução, à sua esquerda.

Desde então, a esquerda passou a ser identificada com as forças que consideram necessário combater a injustiça social e a desigualdade econômica. Aqueles que acreditam em reformas graduais para fazer isso passaram a ser chamados de reformistas. E os que defendem rupturas radicais, revolucionários.

Mas uma das tradições dos revolucionários é apoiar os reformistas nos momentos decisivos. O objetivo é deixar as divergências de lado para priorizar o combate à direita. Em momentos eleitorais, por exemplo. Mas nem sempre esta é a melhor opção.

É cada vez mais comum que os reformistas se unam a setores da classe dominante e sacrifiquem os interesses dos explorados e oprimidos. Nas últimas décadas, em praticamente todo o mundo, governos controlados por eles empenham-se em se mostrar mais conservadores que a própria direita.

Aqui, o PT está à esquerda de um PSDB ou de um DEM. Mas aliou-se a uma enorme parcela da direita e é dela refém. Basta olhar para as vergonhosas concessões que fez. Nada justifica o engavetamento da Reforma Agrária e o retorno das privatizações.

O PT continua sendo de esquerda. Mas aliar-se a ele seria participar de sua submissão à direita.

Leia também: O PT acumula poder, não democracia

COP-19: uma comédia que provoca choro

A última edição da Conferência da ONU sobre Mudança Climática foi a 19ª confissão da incompatibilidade entre capitalismo e sustentabilidade ambiental. Nem as ONGs, sempre tão pacientes com governos que representam os interesses da destruição industrial, aguentaram. Abandonaram o evento pela primeira vez em sua história. Kumi Naidoo, executivo do Greenpeace, explica os motivos:

A COP 19 foi uma farsa. Era para ser sobre o aumento dos cortes das emissões, mas o que vimos foi o oposto – o Japão diminuiu sua meta, a Austrália desistiu de suas políticas climáticas e o Brasil apresentou aumento de 28% no desmatamento. Além disso, os países ricos falharam, não cumpriram suas promessas de disponibilizar financiamento climático de longo prazo.

A grande imprensa, no entanto, destaca “avanços”. Um deles envolveria a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD). Mas o REDD não passa de mais um mecanismo para negociar poluição no mercado financeiro especulativo.

Outro “avanço” seria a adoção do chamado “Mecanismo de Varsóvia”. Uma espécie de ressarcimento para localidades que tiveram prejuízos com eventos climáticos extremos. Piada. O texto final não impõe obrigações.

Um exemplo de “evento climático extremo” foi o tufão que atingiu as Filipinas durante a COP. Márcio Gomes, correspondente da Globo, fez a cobertura da tragédia que já matou mais de 5 mil. Em entrevista ao Diário Catarinense, ele disse que é terrível ouvir “o choro das crianças à noite”. Mas, disse ainda, “você não tem o que fazer, pois não é só fome ou sede. É medo”.

Medo é o que os governantes do mundo precisariam começar a sentir. Todos.

25 de novembro de 2013

O racismo ganha de goleada, sem jogar

Há 40 anos, um jogo de futebol amador acontece na zona sul de São Paulo. Os times são definidos pela cor da pele. É o Preto X Branco, que envolve moradores do bairro de S. João Clímaco e da favela de Heliópolis. Mas é desta última que costuma sair a grande maioria dos jogadores negros.

Um excelente documentário sobre o evento é “Preto contra Branco”, de Wagner Morales. O filme mostra as contradições que a disputa provoca.

Pra começar, é grande a confusão na hora de separar os jogadores pela cor. A pele mais clara não esconde traços e cabelos de origem africana. Mesmo assim, muitos negros jogam do lado branco. Dificilmente, há casos de jogador branco passando-se por preto.

Um dos jogadores é filho de mãe negra. Para enorme desgosto do pai branco, optou por jogar no lado preto.

No bar, integrantes dos dois times se reúnem para beber e bater papo. O clima é bom até que começam as piadas racistas. Os que se assumem negros não gostam.

No calor do jogo, explodem as ofensas racistas. Mais que isso, alguns brancos lembram aos negros que são os donos do clube onde a partida é realizada. A rivalidade ameaça descambar para a violência física. Mas o samba e a bebida no final da partida parecem ajeitar tudo.

Um jogo desses é perigoso para a ideologia da democracia racial. Não há times “marrons”, “moreninhos”, “escurinhos”. A disputa escancara o que deveria ficar escondido. E envolve justamente o esporte mais popular do País.

Para continuar vencendo o jogo, o racismo brasileiro não pode entrar em campo.

Clique aqui para assistir o documentário de Morales.

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22 de novembro de 2013

A grande imprensa celebra a chibata

Em 20/11, O delegado de polícia Orlando Zaccone publicou no facebook duas imagens. A primeira é uma foto da grande imprensa mostrando policiais reprimindo com cassetetes supostos ladrões em uma praia do Rio de Janeiro. A outra, uma gravura de Jean-Baptiste Debret, em que um escravo é castigado com chibatadas.



Em ambas, tanto quem bate como quem apanha tem a pele escura. Daí o comentário de Zaccone sobre o Dia da Consciência Negra: “Museu de grandes novidades!” O fato de que negros ainda reprimam negros mostra que algumas coisas mudaram para tudo ficar do mesmo jeito.

Mas a referência a Debret chama a atenção para outra questão. O pintor integrava a Missão Artística Francesa que chegou ao Rio de Janeiro em 1816. Ele e outros artistas estrangeiros eram os únicos a retratar situações cotidianas. Seus colegas brasileiros só pintavam belas cenas e cenários.

Um exemplo famoso é o quadro “A Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles. Nele, os índios assistem à cerimônia encantados. Como se a religião do europeu finalmente lhes revelasse a verdade sagrada. Nenhuma referência à conversão forçada de que foram vítimas.

Enquanto isso, Debret e seus colegas mostravam indígenas e negros submetidos a trabalhos pesados e cansativos. Vitimados por castigos e maus tratos. O que os pintores brasileiros escondiam com suas belas paisagens e cenas da corte, os estrangeiros mostravam.

Os atuais jornais também gostam de mostrar o cotidiano. Mas quando se trata de retratar a gente pobre e preta, o objetivo é quase sempre justificar a violência com que deve ser tratada. Como nos tempos de Debret, ainda celebram a chibata.

21 de novembro de 2013

É preciso mais participação política, não menos

“‘Privatização de tudo’ gerou protestos, que vão continuar”, disse David Harvey à Folha em 21/11. O geógrafo marxista identifica uma “desilusão generalizada com o processo político”. E prevê “mais explosões de raiva nos próximos anos – no Egito, na Suécia, no Brasil etc”.

No mesmo jornal, em 19/11, Clovis Rossi comenta a vitória no primeiro turno da candidata à presidência do Chile, Michelle Bachelet: “Computando-se a abstenção, que foi superior à metade do eleitorado, tem-se que os 47% de Bachelet reduzem-se a menos de um quarto dos votos possíveis”.

Em 14/11, no Valor, artigo do tucano Alberto Carlos Almeida aponta o consumo como fator determinante nas eleições presidenciais desde 1994. Cita “controle da inflação, desemprego, Bolsa Família, aumento real do salário mínimo” como trunfos dos vencedores. Mas, segundo ele, “a população quer mais. É o nome desse mais querer que por enquanto não sabemos”.

Por fim, citemos o 9º Encontro Nacional de Fé e Política. Entre os participantes, Frei Betto, petista e amigo pessoal de Lula. Ele recebeu muitos aplausos, ao dizer que nos últimos dez anos, o governo do PT promoveu muita inclusão social e “nenhuma inclusão política”.

O significado das jornadas de junho continua um mistério. Mas é possível que o “quero mais” a que se refere Almeida seja a “inclusão política” destacada por Betto. Algo capaz de dar rumo às explosões raivosas e diminuir a apatia eleitoral.

Trata-se de aspiração que o atual sistema político, dominado pelo poder econômico, é incapaz de atender. Tudo indica que precisamos de mais participação política, não de menos. Principalmente, nas ruas, bairros, escolas, universidades, locais de trabalho.

19 de novembro de 2013

O “quinto estado” negro

Um dos quadros mais famosos da luta dos trabalhadores é o “Quarto Estado”, do italiano Giuseppe Pellizza da Volpedo. Pintada em 1898, a obra mostra operários protestando durante uma greve.

O nome da pintura faz referência aos três estados da Revolução Francesa. Nesta época, a sociedade francesa era dividida em três estados: o clero, a nobreza e o povo. Este último era formado tanto por patrões como por trabalhadores. Foi sua união no combate aos outros dois estados que tornou possível a Revolução Francesa.

Mas com o desenvolvimento do capitalismo, aumentaram as contradições entre os membros do terceiro estado. Além de serem explorados por seus patrões, os operários também serviam de bucha de canhão nos conflitos entre eles e a nobreza. Por isso, passaram a lutar por seus próprios direitos, contra uns e outros. Surgia o “quarto estado”. Ou seja, o proletariado.


A obra de Pelizza recebeu várias versões e adaptações. Mas há uma que chama a atenção. Trata-se de uma foto de Settimio Benedusi. A imagem imita o “Quarto Estado”, mas mostra cortadores de cana negros no lugar dos operários europeus.

A foto nos lembra que a população negra forma um enorme contingente do proletariado mundial. Uma parcela que sofre a dominação capitalista em dobro. Pela exploração econômica e pela opressão racista. Algo que setores da própria classe trabalhadora costumam desprezar.

O fato é que a burguesia conseguiu transformar os trabalhadores negros em uma espécie de “quinto estado”. Na verdade, eles são parte importante e poderosa do proletariado mundial. Sem a força de suas lutas, o "quarto estado" jamais chegará ao socialismo e à liberdade.

18 de novembro de 2013

Para negros e pobres, pena de morte é exceção tornada regra

No início de novembro, vários artistas e movimentos sociais lançaram um manifesto em vídeo contra violência policial em São Paulo. Entre eles, os rappers Emicida, GOG, KL Jay e Flora Matos e as entidades “Mães de Maio”, “Círculo Palmarino” e “Marcha Mundial de Mulheres”.

Eles afirmam que “as vítimas de violência no Brasil tem cor e endereço. São majoritariamente negros, jovens, de periferia”. A conclusão é confirmada por diversas estatísticas que relacionam a cor da pele e a classe social a mortes violentas.

O peso da ação policial nesses números é inegável. E a grande justificativa para tantas mortes é a resistência à prisão registrada nos chamados “autos de resistência”. Na verdade, um julgamento relâmpago, em que suspeitos são condenados à morte imediata.

O manifesto lembra que:

Em 2011, o número de mortes classificadas por autos de resistência apenas no Rio e em São Paulo foi 42,16% maior do que todas as execuções promovidas por 20 países em que há pena de morte.

Dizem que a legislação brasileira não prevê a aplicação da pena de morte. Não é bem assim. Realmente, ela aparece entre as punições legais não permitidas pelo artigo 5 da Constituição. Mas há uma exceção. “Salvo em caso de guerra declarada”.

O manifesto defende a desmilitarização da polícia. Mas também lembra que a corporação “privilegia e protege a mesma elite que a criou há 400 anos”. Portanto, apenas a desmilitarização dificilmente resolverá o problema.

O fato é que a polícia nunca declarou a guerra que trava há séculos contra negros e pobres, mas adotou a exceção constitucional como regra.

14 de novembro de 2013

“Bom Senso F.C.” e espírito esportivo

As manifestações chegaram ao futebol. Em todas as partidas de 14/11 do Campeonato Brasileiro, os jogadores organizaram manifestações contra a CBF. Basicamente, eles querem um calendário mais democrático. O zagueiro do Corinthians, Paulo André, é uma das lideranças do movimento. Em entrevista ao canal ESPN Brasil, ele esclareceu:

Nós queremos um aumento do número de jogos para os times pequenos. Eles jogam três, quatro meses. Nós estamos falando de 500 clubes profissionais e mais de 15 mil atletas, que têm uma vida quase de boia fria. E são estes caras que a gente tá defendendo. Não só a elite. Não só os caras que ganham bem.

Se suas reivindicações não forem atendidas, os jogadores podem iniciar uma greve que atrasaria o início do campeonato de 2014.

Os principais alvos do movimento são a CBF e as emissoras de TV. Principalmente, a Globo, que manda no calendário dos jogos. Mas há outros monopólios empresariais movimentando milhões em torno do futebol. Entre estes, os próprios clubes grandes. As enormes somas em dinheiro são destinadas somente a uma pequena minoria de empresas, clubes e jogadores.

Os atletas batizaram seu movimento de “Bom Senso F.C”. Para Gramsci, o senso comum é uma maçaroca de noções confusas e contraditórias usada para justificar a dominação de classe. O “bom senso” resultaria da revelação das racionalidades opressoras por trás dessa confusão. Mas deve ser apenas o ponto de partida para a formação de um novo senso comum, baseado em valores libertários e igualitários. Algo muito próximo do que se costuma chamar de “espírito esportivo”.

Leia também: Padrão Fifa? De jeito nenhum

13 de novembro de 2013

Fukushima e as vítimas da radiação capitalista

Em março de 2011, um imenso tsunami atingiu a usina nuclear de Fukushima, no Japão.  O desastre causou um vazamento radioativo que levou à evacuação de 150 mil pessoas da região.

Na época um tema comum das conversas cotidianas foi a reação do povo japonês à catástrofe. As notícias que chegavam diziam que mesmo em meio ao caos causado pelo acidente, não havia noticias de saques, roubos, tumultos. Um “povo ordeiro, disciplinado, instruído”, diziam muitos.

Passados mais de dois anos, o que ficamos sabendo sobre Fukushima não é tão animador. É o que mostra reportagem publicada em 11/11 pelo Valor. Em “Yakuza participa da limpeza de Fukushima”, Antoni Slodkowski e Mari Saito revelam fatos assustadores. A Yakuza que aparece no título é uma organização mafiosa. Mas seus membros não são os únicos a cometer crimes.

Segundo a matéria:

A indústria nuclear do Japão recorre a mão de obra barata desde que suas primeiras usinas foram inauguradas nos anos 70. Por anos, a indústria valeu-se de trabalhadores itinerantes, conhecidos como "ciganos nucleares", de Sanya, na vizinhança de Tóquio, e de Kamagasaki, em Osaka, áreas conhecidas pelo grande número de homens sem-teto.

O desastre de Fukushima só piorou a situação. A matéria mostra que os trabalhos de descontaminação são feitos por uma ampla rede de empresas subcontratadas. Algumas delas ligadas ao crime organizado. Muitas utilizando trabalhadores mal pagos que são expostos ao veneno radiativo.

A solidariedade e a disciplina podem até ser características do povo japonês. Mas não são suficientes para evitar a universal capacidade do Capital para fazer dinheiro com a desgraça humana. Pior que qualquer radiação.

Leia também: Errar é sempre humano

12 de novembro de 2013

Juizados especiais podem ser tribunais de exceção

Em 07/11, o ministro José Eduardo Cardozo anunciou a criação de uma “força-tarefa para apurar e julgar casos de violência em manifestações de rua”. A medida prevê a criação de novos órgãos, semelhantes aos juizados especiais criados em estádios de futebol, diz o governo.

Em primeiro lugar, por que a violência a ser enquadrada judicialmente é apenas a dos manifestantes? Por que não há referência às ações criminosas da PM? Entre elas, o uso de munição letal, as prisões arbitrárias e os linchamentos promovidos por soldados contra manifestantes?

Em segundo lugar, dizer que os juizados se inspiram nas experiências com torcidas de futebol não traz nenhuma tranquilidade. Este modelo foi utilizado na Copa da África do Sul e o resultado foram métodos de tribunais de exceção. Pessoas condenadas a anos de cadeia da noite para o dia. Todas pobres, claro.

Basicamente, tribunais de exceção são cortes judiciais que não permitem o direito de defesa, usam provas suspeitas e condenam de forma ligeira e perigosa. São os preferidos pelas ditaduras. Certamente é por isso que a medida anunciada pelo governo fez a alegria dos comandantes da PM e de seus cúmplices, os governadores.

O governo do PT está fazendo um jogo muito perigoso. Alguns de seus membros dizem, por exemplo, que os Black Blocs são fascistas. Mesmo que isso fosse verdade, não autorizaria a adoção de métodos ditatoriais para combatê-los. Até porque tais métodos podem voltar-se contra muitos dos lutadores que apoiam seu governo.

11 de novembro de 2013

O PT acumula poder, não democracia

O PT acaba de realizar seu Processo de Eleições Diretas (PED). Foram eleitos cerca de 100 mil dirigentes em todo País, de diretórios de bairro à direção nacional. Podiam votar cerca de 800 mil filiados.

Nenhum outro partido adota processo semelhante. Muito provavelmente, nem aqui nem no resto do mundo. Por isso, o PT considera o PED uma enorme demonstração de democracia. Não é. E são dirigentes do próprio partido que dizem isso.

Renato Simões é deputado federal e foi um dos candidatos a presidente da legenda. Suas palavras: “Espero que seja o último PED (...) do PT. O partido trouxe para sua estrutura interna as mazelas do sistema político que queremos reformar”.

Simões foi derrotado na disputa. Seu depoimento poderia ser fruto do despeito. Mas não é o caso de Romênio Pereira. Ele é dirigente nacional do partido e apoiou Rui Falcão, que venceu a eleição à presidência do PT. Pereira também defende o fim do PED.

O PED foi adotado em 2001. Na época, muitos militantes alegaram que o processo beneficiaria o poder econômico e a perpetuação de antigos dirigentes no poder. Não deu outra. O debate morreu e impera o continuísmo no controle da máquina partidária.

O processo anterior, através de congressos, também apresentava problemas. Mas eleições diretas envolvendo centenas de milhares de participantes tendem a reproduzir a maior das distorções das democracias de massa: a participação passiva do voto solitário.

O PT representou uma revolução partidária no País. Mas desde que se deixou sequestrar pelo calendário eleitoral, acumula poder, não democracia. Por isso, fica cada vez mais à vontade com aliados antidemocráticos.

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8 de novembro de 2013

O monopólio estatal do crime

Em seu artigo “Política como Vocação”, Max Weber definiu o Estado como “uma relação de homens que dominam seus iguais, mantida pela violência (considerada) legítima”. É o que ficou conhecido como monopólio estatal da violência. No Brasil, os aparelhos estatais de repressão vão muito além disso.

É o que mostra, por exemplo, uma declaração de um ex-integrante da PM paulista. O tenente-coronel Adilson Paes de Souza passou 28 anos na corporação. Também é autor do livro "O Guardião da Cidade - Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares".

Em 04/11, Paes disse à Folha que “a PM de São Paulo matou em cinco anos mais do que todas as forças policiais de segurança norte-americanas”. Afirmou, ainda, que ouviu policias militares dizendo “que se fossem impedidos de matar, ficariam sem condições de trabalho”.

Portanto, não surpreende que estejamos em 7º lugar entre os países mais violentos. É o que mostra o Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado recentemente. São mais de 50 mil homicídios por ano. Duas vezes mais do que a média anual verificada na guerra entre Rússia e Chechênia, por exemplo.

Isso explica por que a população se mostra cada vez mais apavorada com a polícia. O Anuário diz que 70% da população não confiam na polícia. A corporação só perde para os políticos, com 95% de desconfiança.

Claro que os conservadores continuarão defendendo mais policiamento, repressão e prisões. Mas essa lógica vai entregando ao Estado brasileiro não só o monopólio da violência, mas o das práticas criminosas também. Sempre tendo como vítimas preferenciais a população pobre e negra. 

7 de novembro de 2013

O país do “estupra, mas não mata”

Na campanha presidencial de 1989, Paulo Maluf disse uma frase que ficou tristemente famosa. Perguntado sobre a violência contra mulheres, ele se dirigiu aos estupradores dizendo: “Tá bom, está com vontade sexual, estupra, mas não mata”. Décadas depois, essa repugnante tolerância em relação à violência sexual contra mulheres continua firme.

Em 2012, o número de estupros registrados no Brasil foi maior que o de homicídios dolosos (com intenção de matar). Os dados são da 7ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A publicação mostra 50.617 casos de estupro, contra 47.136 assassinatos. O aumento de 18,17% em relação a 2011 dá ao País um vergonhoso primeiro lugar no mundo.

Em 2006, foi aprovada a Lei Maria da Penha, tornando mais rigorosas as punições para agressões contra mulheres em casa ou na família. Desde então, o número de casos registrados cresceu 600%. Mas dados que envolvem violência contra mulheres padecem de um problema crônico. É difícil saber se eles aumentam ou diminuem variando com a ocorrência de casos ou apenas com sua denúncia.

Mas há outros indicadores que fazem suspeitar do pior. O Ministério da Saúde, por exemplo, dispõe de apenas 65 serviços para realizar abortos em vítimas de estupro em todo o país. São apenas 410 “delegacias da mulher” no território nacional, a grande maioria nas grandes cidades. A enorme presença da mulher como coisa de que se pode dispor na publicidade e na grande mídia dispensa comentários.

Mesmo que os números estejam distorcidos para pior, vivemos numa sociedade que acha possível oferecer à mulher o estupro em troca de sua vida.

6 de novembro de 2013

Desmontar a produção de vontades domesticadas

Encerrando os comentários ao livro de Lauro de Oliveira Lima, “Pedagogia: reprodução ou transformação”, mais alguns de seus trechos.

Aprender (aptendere) é “pegar no ar” algo que foi jogado, como se faz quando alimentam-se os cães: joga-se o naco de carne para ser abocanhado, num pulo pelo animal. O professor joga, também, o “ensino” no ar, e o aluno que “apreenda” (aprenda) se quiser e como puder...

Citando Rousseau: “A mania pedantesca do mestre é sempre ensinar às crianças aquilo que elas aprenderiam melhor por si mesmas”. E Jean Piaget: “Tudo o que se ensina à criança impede que ela descubra ou invente”. E o autor propõe:

...o ápice do êxito do professor é TORNAR-SE DESNECESSÁRIO, suicídio profissional que só pode ser praticado pelos educadores que, em vez de fazerem da classe um palco para seu HAPPENING, fazem dela uma plataforma donde os jovens autônomos alçam voo para outras galáxias!

Lima também sugere que os professores deixem de se comportar como “capatazes encarregados de fazer os operários trabalharem para o patrão”.

Mas como alcançar algo assim atuando no interior de um sistema criado para fazer o exatamente o oposto? Talvez, aproveitando suas brechas. E as mais importantes delas surgem nos momentos de greve e outras lutas. Mas é preciso ir muito além da pauta salarial.

Operários em greve tentam superar a mera negociação econômica quando procuram controlar a produção. Nas escolas, não basta paralisar a fabricação de vontades domesticadas. É preciso desmontá-la e convidar educadores, alunos e responsáveis a descobrir como criar jogos pedagógicos no lugar de técnicas de adestramento.

4 de novembro de 2013

A pedagogia que violenta carcereiro e encarcerado

Continuamos a discutir o livro de Lauro de Oliveira Lima, “Pedagogia: reprodução ou transformação”. Publicado em 1982, algumas de suas afirmações podem parecer descabidas atualmente. O autor diz, por exemplo, que “a maioria dos professores comporta-se como carcereiros ou guardas que vigiam o trabalho forçado dos presídios”.

Ocorre que carcereiros podem tornar-se tão prisioneiros quanto aqueles a quem devem guardar. E é isso o que vem acontecendo com o sistema escolar. Não só na rede pública. Nas escolas particulares, as condições de aprendizagem são muito melhores, claro. No entanto, seus métodos exigem obediência cega à lógica da competição mais extrema.

Assim, o que continua comum a todo o sistema escolar é seu caráter disciplinador. Com razão, Lima afirma que grande parte do tempo dos educadores “é dedicada à disciplina, como ocorre no exército”. Professores exigem, acima de tudo, respeito, diz ele. E respeito, em latim, significa “olhar para trás, demonstrando medo”.

As escolas já não são tão autoritárias como no tempo da ditadura, claro. Mas seus altos muros continuam vedando o acesso às falsas promessas de prazer e liberdade que o mercado faz.

Para muitas famílias pobres, a escola é, principalmente, um lugar para deixar as crianças enquanto trabalham. Esta é a principal queixa dos pais quando greves paralisam a rede pública. Já os ricos, consideram o estudo de seus filhos como investimento para o futuro, tal como ações na Bolsa.

Tudo muito distante das origens do sistema escolar. Formado, segundo Lima, pela “scholé” (lazer) e pelo “ludus” (jogo). Processo de desenvolvimento de atividades livres e situações problemáticas que "levam o pensamento para todas as direções".

Leia também: Micro dicionário da pedagogia de quartel

Micro dicionário da pedagogia de quartel

O livro “Pedagogia: reprodução ou transformação”, de Lauro de Oliveira Lima (1982), é um clássico da teoria da educação. Discípulo de Piaget, Lima era extremamente crítico à atual instituição escolar. Para dar uma ideia, segue abaixo a origem etimológica de alguns termos pedagógicos destacados pelo autor.

A palavra educação vem de “dux” e “ducis”, em latim “condutor”, “general”. “Educere” significa também puxar a espada. “Mestre” está ligado a “dominus”, o dono da casa. “Professor” vem do latim “profieri”, que quer dizer “ir na frente, gritando”, como fazem os “vaqueiros que conduzem a manada”.

Lente é “lector”. Na Idade Média, era aquele que lia pergaminhos e papiros para seus alunos. Com o tempo, o lente terminava por recitar o texto de cor. Provável origem do decoreba de nossos dias. A expressão latina “in signum” gerou “ensinar” e significa “dar ou colocar um sinal”, como fazem os pecuaristas com seu gado. No caso das escolas, o “ferro em brasa” deu lugar a “medalhas, notas e diplomas”.

Tudo isso pode parecer exagero. Mas serve como provocação para discutir nosso atual modelo pedagógico, resultado de uma longa evolução autoritária. Escolas são como quartéis que pretendem formar pessoas prontas a mandar nos de baixo e a obedecer os de cima. Servem à perfeição para uma sociedade autoritária, voltada para a exploração do trabalho humano.

Felizmente, os motins dentro dessas “casernas” escolares são cada vez mais comuns. Para os pedagogos conservadores, representam a “desmoralização da autoridade do professor”. Para a educação libertária, são gritos desesperados pela liberdade que deveria estar na base de todo processo pedagógico.

Leia também: Da pedagogia dos escravos à pedagogia da exploração

1 de novembro de 2013

Padrão Fifa? De jeito nenhum

“Jogadores negros podem boicotar Copa do Mundo na Rússia”. A proposta é do jogador da Costa do Marfim, Yaya Touré, que atua no Manchester City. Ele e muitos outros atletas negros vêm sendo vítima do racismo nos estádios europeus. Por isso, ameaçam com o boicote caso a Fifa não tome providências.

A Fifa lançou uma campanha contra o racismo. Mais publicidade que outra coisa. O presidente da entidade, Joseph Blatter, costuma dizer que ofensas raciais dentro do campo não devem ser levadas a sério. "Depois tudo se acerta após o jogo, com um aperto de mãos", afirmou certa vez.

O fato é que a Fifa age como uma organização criminosa. E não só em relação ao preconceito racial. A corrupção e o apoio a ditaduras também são sua especialidade.

Um dos episódios mais vergonhosos da história da entidade aconteceu durante as eliminatórias para a Copa de 1974. As seleções chilena e soviética deveriam se enfrentar no Estádio Nacional de Santiago. Cerca de um mês antes do jogo, Pinochet havia derrubado Allende e instalado uma ditadura. O estádio chileno foi utilizado como prisão, onde ocorreram torturas e execuções de milhares de pessoas.

Diante disso, a seleção soviética informou que não participaria do jogo. A nota emitida pelos soviéticos dizia: “por considerações morais, os atletas soviéticos não podem neste momento jogar no estádio de Santiago, salpicado com o sangue dos patriotas chilenos…”. A Fifa ignorou tudo isso e validou a classificação da seleção chilena.

Vamos sediar a próxima Copa. Mas se depender de corrupção, racismo e repressão nossas autoridades já adotaram o padrão Fifa há muito tempo.

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