Doses maiores

29 de maio de 2024

Geoengenharia: falsa solução para a crise climática

Em 27/05/2024, Ronaldo Lemos publicou o artigo “Chegou a hora da geoengenharia?”, na Folha. Segundo o colunista, geoengenharia é a “ambição de interferir no clima do planeta em escala global, para corrigir o curso do aquecimento e das mudanças climáticas”.

Por exemplo, espalhar silicato em grandes extensões da superfície do planeta para acelerar o processo de remoção de CO2 da atmosfera. Ou lançar escudos refletores no espaço para diminuir a incidência da luz solar.

Na verdade, o objetivo é deixar em paz os grandes geradores de gases de efeito estufa, já que tudo seria corrigido por soluções extravagantes como essas. Produtores de combustíveis fósseis, desflorestadores e queimadores de vegetação agradecem o empenho.

Apesar do título do artigo, a geoengenharia já foi um dos principais temas tratados na Conferência Rio+20, ocorrida em 2012. Desde então, a indústria e alguns setores da academia continuam a insistir na geoengenharia como solução. Solução para seus negócios, não para a grande maioria da população do planeta.

Intervenções em larga escala no meio ambiente envolvem inúmeras variáveis. Podem resolver um problema e desencadear muitos outros. Uma ação em certa região do planeta ameaça desequilibrar as condições climáticas em outras.

Algumas formas de energia sustentáveis até podem ser consideradas uma forma amenizada de geoengenharia. Mas nada substitui a necessidade de diminuir as altas emissões de carbono.

O pior é que a geoengenharia usa como pretexto para se justificar as cada vez mais frequentes tragédias ambientais, como a que atingiu as terras gaúchas. Típico caso de solução que faz parte do problema. Como tudo o que tenta manter intacta a insustentabilidade capitalista.  

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28 de maio de 2024

Inteligência artificial e trabalho não pago

Está na imprensa mais uma polêmica envolvendo criação artística e inteligência artificial. A atriz Scarlett Johansson alega que a OpenIA utilizou sua voz sem autorização em uma de suas ferramentas. A empresa afirma, porém, que usou o timbre vocal da atriz apenas como inspiração.

Talvez uma olhada no livro “O Olho do Mestre” ajude a esclarecer. Segundo o que diz seu autor, Matteo Pasquinelli, o fundador da economia moderna, Adam Smith, foi o primeiro a esboçar uma teoria do trabalho das máquinas em “A Riqueza das Nações”. Nesta obra, Smith reconhece que novas máquinas surgem a partir da organização das tarefas no locais de trabalho.

Charles Babbage, pioneiro da computação, formulou ideia parecida em seu livro “Sobre a economia de máquinas e manufaturas”: “Quando cada processo é reduzido ao uso de algumas ferramentas, a união de todas elas, acionadas por uma força móvel, constitui uma máquina”.

Se juntarmos Smith, Babbage e Marx, podemos concluir que as máquinas são produto da divisão coletiva do trabalho e uma questão política se coloca imediatamente: quem pode reivindicar o crédito pela invenção das máquinas? Trabalhadores, chefes de produção, engenheiros ou a combinação de todos eles? Quem detém os direitos sobre esta divisão coletiva do trabalho?

Ou seja, a famosa atriz sofre de um mal conhecido por milhões de pessoas, há muitas décadas. A voz dela foi apropriada tal como vem acontecendo com tantos outros recursos, competências e habilidades dos trabalhadores. A única certeza, mesmo, é o objetivo de todo esse processo: manter e ampliar a extração de trabalho não pago dos trabalhadores. Incluindo Scarlett e vários de seus colegas.

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27 de maio de 2024

O apocalipse é lucrativo demais para ser adiado

Uma das séries de maior sucesso em exibição atualmente é “Fallout”. Adaptação de um videogame de sucesso, ela tem como cenário um mundo destruído por guerras nucleares.

A radiação mata e adoece gravemente todos os habitantes do planeta, exceto uns poucos privilegiados que vivem em refúgios subterrâneos vendidos pela empresa Vault Tec.

Bem antes das guerras devastadoras, os executivos da Vault Tec apostaram nos enormes lucros decorrentes da venda de bunkers em uma situação de apocalipse nuclear. O problema é que o evento tardava a acontecer e as vendas despencavam. A oportunidade não podia ser desperdiçada e a empresa providenciou para que não fosse.

Fora do mundo das séries e games, a realidade é um pouco mais sutil e complexa. Mas a lógica parece ser a mesma. Poderosos trilionários fabricam foguetes e idealizam colônias espaciais e interplanetárias como refúgio para o fim do mundo.

Mas uma guerra nuclear traria consequências imprevisíveis. Mais eficiente é apressar o aquecimento global. Seus efeitos são mais graduais e tudo indica que pouparão os poucos ultraprivilegiados do mundo e seus auxiliares de luxo infiltrados nos governos.

Nenhum desses trilionários e seus serviçais vai para o espaço. Preparam bunkers para seu próprio uso e daqueles poucos que podem pagar.

Enquanto isso, automóveis elétricos engrossam o trânsito das grandes cidades. Enormes redes varejistas turbinam ainda mais o consumismo gerador de lixo e de ocupações sub-remuneradas. Imensos monopólios de informação semeiam o caos nas relações sociais. Combustível fóssil continua queimando, vegetação virando carvão, cidades inteiras são inundadas, rios são envenenados...

Não há tempo a perder. O apocalipse é lucrativo demais para ser adiado.

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25 de maio de 2024

As mulheres bolcheviques e o machismo bolchevique

Em seu livro “Parteiras da Revolução”, Jane McDermid lembra que, embora seu ideal de militante revolucionário fosse o homem operário da grande indústria, os bolcheviques foram os primeiros a notar o surgimento da combatividade proletária em setores como o de serviços. Entre estes, se destacavam as mulheres empregadas em lavanderias. Foi assim que uma das principais organizadoras bolcheviques, Alexandra Kollontai, passou a concentrar grande parte do seu esforço no trabalho junto a elas.

Outra notável militante bolchevique foi Sofia Goncharskaia, que nasceu em uma família de mineiros de carvão. Tendo sido exilada no período posterior à Revolução de 1905, ela regressou a Petrogrado depois da Revolução de Fevereiro de 1917, assumindo a tarefa de organizar as lavadeiras. Percorreu as principais lavanderias da cidade, buscando convencendo suas trabalhadoras a aderir à greve de maio daquele ano, importante marco da resistência proletária ao governo provisório.

Anastasia Deviatkina foi mais uma militante bolchevique valorosa, desempenhando papel fundamental na organização das esposas dos combatentes russos, desde o início da Primeira Guerra. Um trabalho que levaria à criação de uma aguerrida associação de esposas de soldados, após o levante de fevereiro de 1917.

A intervenção das militantes bolcheviques e de outras organizações de esquerda foi essencial também em setores com maioria feminina, como as tecelãs.

O fato é que por melhores que fossem as intenções dos militantes homens, seu comportamento em relação às trabalhadoras muitas vezes refletia o tratamento desrespeitoso que elas recebiam dos capatazes e patrões.

A participação das trabalhadoras foi decisiva para a vitória em 1917, mas não aconteceu graças aos homens bolcheviques. Aconteceu apesar deles.

Leia também: Parteiras da revolução: as irmãs Ulianova

24 de maio de 2024

O que guerras e calamidades revelam sobre paz e normalidade

Uma das metáforas favoritas da grande mídia, governos e especialistas é a que compara a calamidade que atingiu o Rio Grande do Sul a uma guerra.
 
A imagem simbólica vem a calhar para lembrar a velha máxima de que uma das primeiras vítimas em uma guerra é a verdade. O que não faltam são mentiras e falsidades sobre a calamidade em terras gaúchas. As mais descaradas são obra das forças extremistas da direita. Mas também há distorções mais sutis, cometidas pela grande mídia em sua pesada disputa hegemônica.
 
Mas sejam guerras ou calamidades, é costume dizer que tais situações revelam o pior do ser humano. No caso das cidades gaúchas são saques organizados por milícias, batalhas entre quadrilhas, violência policial sob pretexto de defesa da ordem, distribuição de comida estragada, doações de coisas inúteis disfarçadas de caridade e outros exemplos desanimadores.
 
Tudo isso revelaria a verdadeira natureza humana: um oceano de egoísmo e falsidade cercando pequenas ilhas de solidariedade e boas intenções.
 
As noções mais básicas da sociologia, porém, recomendam que troquemos essa concepção genérica de “ser humano” pelo conceito menos vago de relações sociais. São nestas que imperam os valores do convívio social, não nos indivíduos que as compõem.
 
Eventos extremos não revelam a maldade e o egoísmo inerentes à espécie humana. Apenas acentuam as leis, regras, costumes, valores que regem certas sociedades em tempos de pretensa normalidade.

No caso de sociedades profundamente injustas como a nossa, nem mesmo os supostos momentos de paz e normalidade conseguem se distinguir de situações de guerras e catástrofes. É quando nenhuma metáfora dá conta da realidade.

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22 de maio de 2024

Em nossos corpos, poeira de estrelas da morte

A 3M Corporation fabrica de tudo, desde lixas até esponjas de cozinha, além de fita adesiva e post-its. Muitos desses utensílios fabricados pela empresa contêm produtos químicos fluorados (PQFs), classificados entre os elementos químicos eternos, chamados assim porque permanecem na natureza e nos organismos vivos por muitos anos.

No final da década de 1970, os próprios cientistas da 3M descobriram que o PQFs são tóxicos para animais e se acumula em organismos humanos. Ainda assim, a empresa continuou a produzir toneladas da substância por ano. Entre 1951 e 2000, foram pelo menos 52 toneladas de PQFs. Aproximadamente, o peso do Titanic.

As informações acima estão em uma reportagem publicada na revista The New Yorker, em 21/05/2023. Escrita por Sharon Lerner, o texto relata “como executivos da 3M descobriram – e depois ajudaram a esconder – os perigos dos produtos químicos que a sua empresa criou”.

Sharon informa que os fluoroquímicos tiveram sua origem no esforço americano para construir a bomba atômica. Após a guerra, a 3M contratou alguns cientistas do Projeto Manhattan e começou a produzir moléculas de átomos de carbono e de flúor. Os produtos resultantes provaram ser surpreendentemente versáteis, em parte porque resistem ao óleo, à água e ao calor. Também se mostraram incrivelmente duradouros, o que lhes valeu o apelido de “produtos químicos eternos”.

Atribui-se ao astrônomo Carl Sagan a frase que afirma sermos “todos feitos de poeira estelar”. Na época em que ele disse isso, já vivíamos a fase do imperialismo bélico nuclear, em que o capitalismo impregna nossos corpos com partículas de estrelas da morte, como a de Hiroshima.

Leia também: Oppenheimer e a bomba mais eficiente

21 de maio de 2024

O PT virou unidade de política pacificadora

A frase acima é de Pedro Arantes, professor da Unifesp, em entrevista concedida ao podcast “Ilustríssima Conversa” e publicada em 18/05/2023. O tema do programa é o lançamento de "8/1: a Rebelião dos Manés", livro que o entrevistado escreveu junto com Fernando Frias e Maria Luiza Meneses.

O título da obra se refere à tentativa de golpe ocorrida em janeiro de 2023 pelos bolsonaristas. Ou pelos “manés”, segundo a terminologia adotada pelo ministro do STF, Luís Barroso, para os apoiadores de Bolsonaro.

Arantes considera equivocada a postura de menosprezar e ridicularizar os “manés”. Afinal, a eleição de Bolsonaro provou que o grotesco e o caricato devem ser levados muito a sério.

O entrevistado também acha que o combate ao fascismo pela política de “redução de danos” pode acabar aumentando os danos. Os dados da realidade mostram que vivemos sob um sistema incapaz de atender as necessidades e anseios da grande maioria da população. Mesmo assim, grande parte da esquerda insiste em defendê-lo a qualquer custo. O resultado é mais frustração e ressentimento funcionando como combustível para forças extremistas conservadoras como o bolsonarismo.

Ao mesmo tempo, assistimos apáticos ao crescimento do punitivismo promovido por figuras como Alexandre de Moraes. A mesma justificativa jurídica utilizada contra os golpistas de janeiro pelo ministro do STF, por exemplo, levou à prisão de manifestantes do Movimento do Passe Livre em São Paulo. Enquanto isso, diz Arantes, a “esquerda institucionalizada deixou de construir a luta social, a formação, a educação”.

Difícil discordar. O PT tenta manter uma paz que não existe. Abana uma bandeira branca que já foi toda rasgada por tiros.

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20 de maio de 2024

Uma história social da inteligência artificial

Era o ano de 1767, o capitalismo industrial começava a surgir na Europa, quando o filósofo escocês Adam Ferguson disse o seguinte:

As manufaturas prosperam mais onde a mente é menos consultada, e onde a oficina pode ser considerada como um motor, cujas partes são os homens.

Em 1827, foi a vez de Thomas Hodgskin, socialista inglês, afirmar em sua obra “Economia Política Popular”:

A menos que haja trabalho mental, não pode haver destreza manual; e nenhuma capacidade de inventar máquinas. Portanto, o trabalho mental é essencial para a produção.

Muitos anos depois, Marx citaria esses dois autores em “O Capital”, para sublinhar que as habilidades laborativas são um recurso comum partilhado entre os trabalhadores e passado de geração em geração. É um poder produzido e partilhado coletivamente. E é a apropriação deste poder pelos donos dos meios de produção que está por trás do desenvolvimento das forças produtivas sob o domínio do capital. Desde os primeiros teares mecânicos até os mais recentes desenvolvimentos da chamada inteligência artificial.

Para Marx, o trabalho é sempre coletivo: não existe trabalho individual mais prestigiado que outro e, portanto, o trabalho mental é sempre geral. A mente é por definição social.

Desse modo, é um equívoco dizer que a inteligência artificial imita o cérebro humano. Ela é produto das relações de trabalho injustas que o capitalismo impõe à grande maioria.

É essa principal tese de “O olho do mestre: uma história social da inteligência artificial”, livro do filósofo italiano Matteo Pasquinelli, que já apareceu por aqui e continuará sendo comentado nas próximas pílulas.

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18 de maio de 2024

Jornalões também podem fazer mal à saúde

“Philip Morris e Folha de S. Paulo se unem para checagem de fatos”, diz a revista Meio & Mensagem, em 26/04/2024

É isso mesmo. A Folha e uma empresa tabagista se uniram para criar a agência “Checamos”, que pretende combater fake news compartilhadas nas redes virtuais.

Mas que bela parceria hein, Folha? O problema não é apenas se aliar a uma poderosa produtora de uma das substâncias que mais causam dependência química, doenças e mortes.

Como alertam vários estudos, em especial um da Fiocruz, durante décadas, os grandes fabricantes de cigarros fizeram uso das seguintes táticas para influenciar as pesquisas científicas e desvincular seus produtos das patologias que causam:

–  Criar dúvidas sobre evidências, negando publicamente a relação entre fumo e câncer e o alto poder da nicotina na geração de dependência química;

–  Desviar a questão da ligação causal entre fumo e câncer para uma série de outros temas, como doença hereditária ou cigarros saudáveis.

Além disso, recentemente a Organização Mundial da Saúde, lançou uma campanha para “proteger os jovens da indústria do tabaco e dos seus produtos mortais”. O nome da campanha? "Parem as Mentiras".

Eis um exemplo do que está na raiz da onda de fake news que invade a sociedade no mundo todo. A extrema direita apenas se aproveita com mais eficiência e descaramento daquilo que o grande capital sempre fez. Manipular e distorcer a verdade para aumentar seus lucros.

Talvez fosse bom estender aquele aviso impresso nos maços de cigarro aos produtos de quem se une à indústria mortal do tabagismo. Eles também podem fazer muito mal à saúde da comunicação pública.

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As fake news e a realidade grávida
O combate ao terrorismo como pretexto

16 de maio de 2024

Lênin e o militante como tribuno popular

No ano em que se completam 100 anos da morte de Lênin, voltamos ao livro “Lenin: Responding to Catastrophe, Forging Revolution“, de Paul Le Blanc. Agora, para lembrar como deveria ser comportar um verdadeiro militante socialista, segundo o que pensava o grande revolucionário russo.

Na Rússia do começo do século passado, havia uma tendência muito comum entre os marxistas, chamada “economicismo”. Seus adeptos sustentavam que os socialistas deveriam evitar questões não econômicas que pudessem ser de pouco interesse para o trabalhador médio, priorizando atividades práticas como a ação sindical.

Lênin, pelo contrário, entendia que o militante socialista tinha que ser, antes de tudo, um “tribuno do povo”. Em seu famoso livro “O que fazer?”, publicado em 1902, ele afirma que o militante socialista teria que ser alguém “capaz de reagir a qualquer manifestação de tirania e opressão, não importa onde apareça, nem qual seja a classe das pessoas atingidas por ela”. Uma de suas principais tarefas era denunciar e combater práticas como a violência policial contra trabalhadores, o castigo físico de camponeses, a repressão à luta popular por educação e saúde, a perseguição religiosa e a brutalidade contra estudantes e intelectuais.

Um tribuno revolucionário popular, dizia ele, seria aquele:

...que é capaz de aproveitar cada acontecimento, por menor que seja, para expor suas convicções socialistas e suas reivindicações democráticas, a fim de esclarecer a todos e cada um o significado histórico da luta mundial pela emancipação do proletariado.

Mais de um século depois, a defesa dessa concepção permanece fundamental, diante do individualismo militante e da fragmentação e compartimentação das lutas populares.

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15 de maio de 2024

Gaza: os ataques de Israel a uma agência da ONU

Em seus ataques covardes à população de Gaza, o Estado de Israel vem atingindo as dependências da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA, na sigla em inglês). Trata-se de uma das maiores e mais antigas agências da ONU, tendo sido criada em 1949 e contando com 155 instalações, entre hospitais, escolas e outros serviços de assistência ao povo palestino.

Segundo os dirigentes da UNRWA, muitas de suas dependências já foram alvo de mais de 60 ataques por aviões israelenses, matando, pelo menos, 319 refugiados, 140 funcionários e deixando mais de 1.100 feridos. Israel se justifica acusando a agência de empregar membros do Hamas.

Uma investigação interna identificou 12 suspeitos em um quadro de 30 mil funcionários e os demitiu sumariamente. Mas isso não bastou para deter os ataques sionistas. O mais recente ocorreu na sede da organização em Jerusalém, cometido por “extremistas israelenses”.

Seria apenas mais um caso da conhecida sanha assassina dos sionistas? Talvez, não. Em janeiro passado, o Estado de Israel foi denunciado ao Tribunal Penal Internacional por prática de genocídio contra a população palestina. Para dar prosseguimento ao processo, no entanto, o tribunal necessita de dados precisos sobre as vítimas dos ataques israelenses. Não apenas sobre seu número, mas sua idade, sexo e ocupação. Ou seja, é preciso saber se se trata de vítimas civis. E quem pode fornecer esse tipo de informação é exatamente a agência da ONU que tem sido bombardeada pela força aérea israelense.

Claro que, apesar do longo histórico de destruições promovidas pelo sionismo, ninguém ousaria afirmar que se trata de “destruição de provas”.

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14 de maio de 2024

Parteiras da revolução: as irmãs Ulianova

Anna e Maria Ulianova não foram apenas irmãs de Lênin, mas suas colaboradoras, participando durante muitos anos do trabalho de propaganda e agitação dos bolcheviques.

Tornaram-se integrantes do comitê central bolchevique e contribuíram para o jornal do partido que era dedicado às mulheres trabalhadoras, o “Rabotnitsa” (“A mulher trabalhadora”). Após a Revolução de Fevereiro de 1917, elas ajudaram na produção do Pravda, para o qual escreveram textos e artigos.

Embora sua trajetória no movimento revolucionário tenha sido ofuscada pelo papel crucial do irmão, a atuação delas foi fundamental para a sobrevivência e eficácia de uma organização cujo líder foi jogado na clandestinidade e no exílio pela repressão czarista.

Anna revisou todos os livros de Lênin até 1917. Desempenhou um papel importante na manutenção da imprensa partidária, especialmente em julho daquele ano, quando sua gráfica foi invadida pelo governo.

Infelizmente, nem elas escaparam à sobrecarga imposta pelo acúmulo de tarefas entre trabalho, militância e serviços domésticos. Maria, cuidando da mãe idosa, enquanto Anna desempenhava o típico papel de esposa junto a seu marido, militante revolucionário como ela.

As mulheres na vida de Lênin parecem ter aceitado sua condição de auxiliares, tanto na política como na organização partidária. Mas isso não impediu que fizessem contribuições vitais para o movimento revolucionário que eclodiu em 1917. Pena que continuem sem o devido reconhecimento.

Mesmo em meio a todas essas dificuldades, militantes revolucionárias, como Maria e Anna, foram essenciais para que o estado soviético adotasse a legislação mais avançada do mundo em relação aos direitos das mulheres.

Este é mais um relato do livro “Parteiras da Revolução”, de Jane McDermid.

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Os bolcheviques contra a família e por liberdade sexual

13 de maio de 2024

Dobrando a aposta neoliberal no fascismo

“Ricos devem ganhar mais com Lula 3, que não repetirá expansão da classe C”, diz matéria da Folha, de 14/04/2024.

“O Brasil não repetirá nos próximos anos a forte migração de membros da classe D/E para a C dos dois primeiros mandatos de Lula”, afirma o texto.

“Desta vez, será a classe A e em menor grau a B as maiores ganhadoras” devido aos juros elevados, baixo dinamismo da economia e espaço limitado no orçamento público para aumentar transferências de renda aos mais pobres.

Por “espaço limitado no orçamento público” entenda-se a “austeridade fiscal”, cujo verdadeiro objetivo nada tem a ver com o alardeado saneamento das contas públicas. Trata-se do pagamento da imoral e fraudulenta “dívida pública”, que redireciona imensos recursos públicos a uma minoria minúscula formada por grandes capitalistas daqui e do exterior.

Como diz a reportagem, na repartição do bolo das rendas públicas são “justamente os ganhos de capital dos mais ricos, empresários ou pessoas que têm dinheiro aplicado, que farão a diferença”. Dinheiro aplicado onde? Nos títulos da dívida pública.

O próprio texto revela toda a perversidade social por trás desse mecanismo: “em 2023 as despesas com juros da dívida pública somaram R$ 718,3 bilhões. Como comparação, o Bolsa Família destinou R$ 170 bilhões a 21,1 milhões de domicílios." Sem falar dos recursos negados a serviços públicos e programas sociais tão importantes como o SUS, educação, Reforma Agrária, políticas ambientais, defesa civil, habitação popular, transporte público.

Essas mesmas políticas neoliberais foram fundamentais para chocar os ovos de serpente bolsonarista. Dobram-se as apostas na calamidade social de que o fascismo se alimenta.

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10 de maio de 2024

Não há revolução possível sem a luta das mulheres

Segundo o livro “Parteiras da Revolução”, de Jane McDermid, muitos historiadores costumam considerar a Revolução de Fevereiro de 1917 como uma explosão espontânea. Afinal, ela foi produto de uma greve dirigida por mulheres e elas seriam demasiado atrasadas politicamente para se organizar conscientemente.

Ou seja, a ”espontaneidade” seria produto da ausência dos partidos políticos na organização e direção dos acontecimentos. Na verdade, as organizações socialistas nem mesmo previram aqueles momentos decisivos. Uma exceção importante eram algumas revolucionárias, incluindo as do partido bolchevique.

No período anterior à revolução, as militantes bolcheviques haviam criado núcleos de organização de trabalhadoras em toda a Petrogrado. Foram elas que decidiram transformar o Dia Internacional da Mulher em manifestação anti-guerra. As direções revolucionárias não esperavam que o resultado fosse a queda do czarismo, mas as operárias e mulheres do povo de Petrogrado já haviam percebido que a revolução estava na agenda. Não estava relegada a um futuro indeterminado, esperando a aprovação das direções partidárias.

A historiografia que adotou o ponto de vista das lutas travadas no “rés do chão”, demonstrou que, em cada fase do processo revolucionário, a sorte dos bolcheviques e de outras organizações socialistas dependia da massa de trabalhadores com pouca qualificação profissional, entre os quais estavam as mulheres trabalhadoras.

Jane afirma que sua obra “pretende mostrar que as mulheres foram parte integrante do processo revolucionário russo, desafiando as suposições de que serviram apenas para desencadear uma revolta essencialmente masculina”.

Ela cita a historiadora francesa Dominique Godineau, para quem, muitas vezes, as mulheres são apresentadas à parte dos processos revolucionários. Mas não há revolução possível sem a luta das mulheres.

Leia também: As revolucionárias russas subestimadas pelos revolucionários russos

9 de maio de 2024

As revolucionárias russas subestimadas pelos revolucionários russos

No início de 1917, com a Rússia mergulhada na Primeira Guerra, a polícia secreta czarista considerava as mulheres pobres a maior ameaça ao regime. Exaustas, ocupando intermináveis filas de pão racionado e sofrendo ao ver seus filhos esfomeados, elas formavam “uma massa inflamável que só precisaria de uma faísca para explodir”. Além disso, houve um forte aumento do número de mulheres nas fábricas, em substituição aos homens convocados para a guerra.

Essa situação passou quase despercebida pelas organizações socialistas. Mesmo os bolcheviques investiam pouco na organização da militância feminina. Uma das poucas exceções foi um panfleto escrito pelo partido para o Dia Internacional da Mulher, em 1915. A publicação chamava as trabalhadoras a parar “de sofrer em silêncio e agir para proteger seus homens”, adotando o lema “Abaixo a Guerra!”

Em vários momentos, os bolcheviques até enfatizaram que a luta por aumento salarial e redução da jornada só seria possível com a plena participação das trabalhadoras. Mas viam na luta pelas questões especificas das mulheres uma ameaça à unidade operária.

Em fevereiro de 1917, a direção bolchevique orientou as trabalhadoras a priorizar a organização do 1º de Maio em prejuízo do Dia Internacional da Mulher. Pois foi exatamente este o dia escolhido por operárias têxteis para iniciar uma grande greve, que detonaria a primeira fase da Revolução Russa.

Nem assim, a luta das mulheres conquistou o respeito que merecia. Aquela paralisação decisiva ainda é considerada por muitos apenas uma explosão social espontânea.

O relato acima está no livro “Parteiras da Revolução”, de Jane McDermid. Obra que voltaremos a comentar, em breve.

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8 de maio de 2024

Solidariedade popular e valorização do capital

“Com experiência da pandemia, empresas agem rápido”, diz reportagem publicada no Globo, em 08/05/2024. Vejamos um trecho:

O desastre que atinge o Rio Grande do Sul gerou uma rápida resposta das empresas. Ancoradas na experiência que enfrentaram na pandemia de Covid-19, as empresas se mobilizaram para fazer chegar aos gaúchos doações de recursos, alimentos, kits de higiene, entre outros itens.

O Movimento União BR, organização especializada em criar hubs de emergência, já arrecadou mais de R$ 8 milhões de empresas e pessoas físicas, com mais de 200 mil itens entregues, entre refeições desidratadas (de fácil armazenamento), kits de higiene pessoal e filtros purificadores de água. Tudo em prol das vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul.

A matéria cita parcerias de empresas com ONGs como a Central Única de Favelas e o Instituto da Criança. Petrobrás, Itaú, Ambev, Bradesco, Santander, Latam são algumas das corporações envolvidas.

Não há como acreditar na boa fé desses poderosos CNPJs do PIB nacional. E não se trata apenas de hipocrisia.

Tal como na pandemia, essas iniciativas certamente servirão para aperfeiçoar a logística de muitos desses gigantes capitalistas. A legítima e heroica ajuda da população, muito provavelmente, será usada para incrementar a agilidade e precisão das técnicas de embalagem, transporte e entregas. A solidariedade popular canalizada para o aperfeiçoamento do ciclo de valorização das mercadorias.

A implantação desses novos métodos e tecnologias, geralmente, pressupõe mais precarização da força de trabalho justificada pela emergência da situação, mas tornada definitiva, posteriormente.

O capitalismo ajuda a causar tragédias com as quais embolsa lucros graúdos. De quebra, veste a máscara hipócrita da responsabilidade social.

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Faça a sua parte (trouxa!)

7 de maio de 2024

Combatendo o bolsonarismo sem moderação

“Bolsonarismo moderado”. Essa expressão anda provocando debates nas redes virtuais nos últimos dias. Teria surgido a partir de uma coluna publicada por Joel Pinheiro da Fonseca, na Folha de S. Paulo.

Moderação e bolsonarismo são incompatíveis. Mesmo assim, há quem acredite nessa possibilidade e acha que um dos candidatos a encarná-la seria o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Mas basta observar o desempenho do governador na segurança pública para constatar que o bolsonarismo é incapaz de ser moderado. O número de pessoas mortas por policiais militares em São Paulo mais que dobrou no primeiro trimestre deste ano. Tarcísio também promoveu no Guarujá a maior chacina desde a matança do Carandiru. Atrocidades que ele cita com orgulho.

Tarcísio sabe que qualquer moderação é eleitoralmente suicida para quem quer manter os votos bolsonaristas. O governador sustenta altos níveis de aprovação popular, não apesar da truculência de sua política de segurança, mas graças a ela.

O Bolsonarismo é uma espécie de fascismo. E o fascismo não se deixa moderar porque se alimenta de uma realidade social cujas consequências catastróficas castigam a grande maioria sem qualquer comedimento.

Foi assim no século passado, quando o liberalismo capitalista causou crises que mergulharam o mundo no fascismo e em duas grandes guerras. O mesmo está acontecendo agora, com o neoliberalismo provocando novas e maiores catástrofes, não só econômicas, mas humanitárias, sanitárias, ambientais e bélicas.

Combater o bolsonarismo é combater o fascismo. Mas só é possível derrotar ambos atacando o sistema que alimenta essas bestas feras. Quem fala em luta antifascista sem falar em luta anticapitalista ou está enganado ou está enganando.

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6 de maio de 2024

O Primeiro de Maio em meio às vitórias do neoliberalismo

“Conceito de ‘trabalhador’ ficou no passado” diz o título de editorial do Globo, publicado em 05/05/2024. Segundo o texto, o “fracasso” da manifestação do Primeiro de Maio em São Paulo, que contou com a presença do presidente da república, “é sinal de que realidade econômica não é a que Lula e os sindicatos imaginam”.

O trabalhador enquanto conceito teria perdido sentido porque, atualmente, “um em cada quatro brasileiros trabalha como autônomo ou por conta própria”, sem patrão, muito menos vínculo sindical. Afinal, afirma o texto, “em dez anos, essa parcela da população cresceu de 20,8 milhões para 25,6 milhões”.

Apesar de admitir que “parte dessa tendência resulta da falta de opção de emprego, que leva muitos a fazer bicos para sobreviver”, o editorial prefere atribuir o fenômeno aos muitos “brasileiros que identificaram demandas de consumidores, viram oportunidades e abriram negócios”.

Aí cita um tal de Paul Donovan, segundo o qual “o 1º de Maio deveria celebrar o lucro, não o salário”, uma vez que a “renda dos produtores de conteúdo do TikTok aparece nos dados de lucros”. No lugar de assalariados, influencers. Ao invés de empresas e patrões, plataformas digitais.

Seria essa realidade que estaria sendo ignorada por Lula, conclui o jornalão. Pode até ser. O neoliberalismo realmente foi vitorioso ao promover a precarização e, principalmente, fragmentação entre os trabalhadores.

Mas ainda há grandes parcelas de trabalhadores nos setores formais e tradicionais da economia. Nesses casos, sua capacidade de mobilização foi neutralizada muito mais pelas diversas vitórias ideológicas do neoliberalismo, que conseguiu cooptar grande parte das lideranças sindicais e políticas. Muitas delas, nas fileiras da esquerda.
 
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