Doses maiores

31 de julho de 2013

Médicos: nem vilões, nem heróis. Trabalhadores

Recentemente um dos setores mais conservadores da sociedade viu sua condição de profissão liberal ser extinta pelos operadores dos planos de saúde que exploram a mais-valia obtida através da prestação dos serviços. Assim, aqueles que foram selecionados através de provas excludentes nas escolas de medicina e que sonham algum dia virar burgueses estão hoje na rua para lutar por reivindicações trabalhistas. Sim, os médicos agora fazem parte da classe trabalhadora, mesmo que não tenham consciência dessa nova relação com os meios sociais da produção.

O trecho acima é de um artigo de Ricardo Palácios, médico colombiano com diploma revalidado no Brasil. Foi publicado na revista Carta Capital em 07/07, logo depois de o governo brasileiro anunciar a intenção de “importar médicos estrangeiros”.

O texto faz uma série de considerações com que se pode concordar ou não. Menciona a situação precária dos profissionais credenciados pela rede particular, mas não cita a precariedade dos que trabalham no SUS. De qualquer modo, vale pelo alerta para a “proletarização” da douta profissão.

Médicos também têm direito de errar. O mesmo vale para sindicalistas. Mas os sindicalistas médicos abusam desse direito ao concentrar seus protestos contra a “importação” de colegas estrangeiros. De fato, se pensarmos na calamitosa situação do sistema de saúde brasileiro, a medida é superficial, demagógica e beira a irresponsabilidade.

Mas a mobilização da categoria precisa avançar muito além disso. Os médicos conscientes têm que assumir sua condição de trabalhadores. Deixar de agir como corporação e unirem-se às lutas dos outros explorados. “Ei, você aí de jaleco, também é explorado!” Não rima, mas é verdade.

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30 de julho de 2013

O Papa sabonete

Em artigo publicado na Folha em 29/07, Reinaldo José Lopes avisa: “Francisco muda ênfase, mas não conteúdo de doutrina sobre gays”. Ele refere-se à aparente tolerância do novo Papa em relação à homossexualidade. Para Lopes:

...a rigor, não há nada de inovador em Francisco afirmar que é preciso acolher as pessoas com "tendências" homossexuais e, inclusive, citar o Catecismo da Igreja Católica, o guia doutrinal máximo do catolicismo, a esse respeito. É o que os últimos papas ou seus "czares" doutrinais, os chefes da Congregação para a Doutrina da Fé, têm dito reiteradas vezes.

Outra reportagem, do mesmo dia, destaca a grande habilidade política do novo papa. Trata-se de entrevista com o jornalista Marco Politi, um dos vaticanistas mais respeitados de Roma. No depoimento publicado pelo Globo, ele diz:

É um Papa político. Na composição do conselho de oito cardeais (que vai propor uma reforma da Cúria Romana) ele escolheu todas as correntes da Igreja: tem progressista como Oscar Andrés Maradiaga (cardeal-arcebispo de Honduras), mas também o cardeal conservador George Pell, da Australia, e um centrista ligado à Ratzinger, como o cardeal Reinhard Marx (da Alemanha). O Papa poderá sempre justificar decisões dizendo: foram tomadas por todos.

Para resumir o que pensa sobre Bergoglio, o entrevistado afirma: “é o Papa não-Papa, que interpreta muito bem a situação de crise do mundo contemporâneo”.

Em tempos que viram a ascensão de Lula e Obama ao governo, é possível alinhar Francisco às figuras históricas que facilitam a vida dos poderosos. São os famosos e populares “sabonetes” da alta política mundial.

29 de julho de 2013

Um cineasta negro contra a Ku-Klux-Klan

A absolvição de George Zimmerman no julgamento pelo assassinato do jovem negro Trayvon Martin causa uma onda de protestos nas ruas norte-americanas. O acusado é branco e era segurança voluntário em um bairro da cidade de Sanford, Flórida.

Apesar de serem governados por um negro, os Estados Unidos continuam a mostrar um racismo violento. Na verdade, trata-se de um traço que está no DNA da formação da sociedade ianque. A tal ponto que uma das primeiras grandes produções do cinema estadunidense tem como heróis os encapuzados da Ku-Klux-Klan. Não por acaso, o filme chama-se "O Nascimento de uma Nação", dirigido por D. W. Griffith e lançado em 1915.

Felizmente, havia quem também combatesse o racismo na trincheira cinematográfica. Quatro anos depois do surgimento de "O Nascimento de uma Nação", Oscar Micheaux lançava "Dentro de Nossas Portas". Era a resposta ao filme de Griffith por parte do primeiro cineasta negro dos Estados Unidos.

Produzido, escrito e dirigido por Micheaux, o filme mostra a violência contra os negros como produto da intolerância racial da violenta e covarde “supremacia branca”. Outra realização de Micheaux é "O Exílio", de 1931, primeiro longa-metragem sonoro realizado por um afro-americano.

A boa notícia é que 27 produções de Micheaux estão sendo exibidas na mostra “O Cinema Negro e a Segregação Racial”, promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil. As exibições começaram no dia 24/07, em São Paulo, e serão levadas ao Rio e Brasília. Mas alguns dos filmes de Micheaux podem ser encontrados no Youtube.

24 de julho de 2013

A moral e os péssimos costumes da Igreja Católica

Aproveitando a Jornada Mundial da Juventude e a presença de seu chefe supremo, a Igreja Católica distribuiu o chamado "kit peregrino". Ele inclui o "Manual de Bioética para Jovens", que trata de temas como família, aborto, reprodução assistida, eutanásia e homossexualidade.

A publicação não é só conservadora. Também é incoerente. Diz que o aborto é um crime, mas a própria Igreja Católica considerou aceitável a interrupção da gravidez por muitos séculos. Só a partir de 1968 deixou de condená-la.

A contradição também é grande em relação à homossexualidade. O manual afirma: “Desconectar o sexo do gênero e considerar que a identidade sexual repousa apenas sobre o gênero resulta em apagar uma evidência anatômica. O nosso corpo mentiria para nós?”.

O problema é que a maioria dos cristãos sempre foi orientada a suspeitar de seus apetites físicos. A temer os “caprichos da carne” e a confiar na “pureza do espírito”. Nossos corpos não apenas mentiriam, como seriam perigosos. Por que eles nos diriam toda a verdade, agora?

Mas nada disso importaria, não fosse a insistência da igreja católica em tentar transformar seus dogmas em leis. A ética costuma servir de base para a moral e o direito. Mas a moral define normas às quais podemos aderir ou não. O direito estabelece regras que são obrigatórias.

O Vaticano pode até se achar no direito de cobrar obrigações morais a seus fiéis. Jamais transformar seus dogmas em leis que se imponham aos que não lhe devem obediência. É mais um péssimo costume, produto da moral autoritária da Igreja Católica.

22 de julho de 2013

O rebanho se afasta dos lobos vestidos de pastores

É possível ser católico e ser favorável à liberdade sexual ou ao direito ao aborto? Claro que sim. Mas não é o que parece quando um evento como a Jornada Mundial da Juventude é monopolizado pelo conservadorismo religioso e pela mídia empresarial.

Felizmente, há veículos da imprensa que dão espaço a vozes discordantes. Em 16/07, Carta Capital entrevistou Maria José Nunes. Ela é presidente da ONG “Católicas pelo Direito de Decidir” (CDD), que defende o direito ao aborto. Um trecho do depoimento deixa bem claro o que pensa a organização sobre o atual papa:

Francisco é um papa muito mais midiático que Ratzinger, que era duro e intelectual. É uma figura que vem a calhar para a Igreja neste momento, mas que significa a manutenção e o aprofundamento do conservadorismo doutrinal.

E, ao contrário do que parece, este conservadorismo não combina com o que pensa a maioria dos jovens católicos. É o que mostra uma pesquisa feita pelo Ibope a pedido da própria CDD.

Alguns exemplos: a pílula do dia seguinte, para evitar gravidez, é aprovada por 82% dos católicos entre 16 e 29 anos. A criminalização do aborto é condenada por 62% deles. A união homoafetiva é apoiada por 56%. Para 90% da juventude católica, religiosos envolvidos em pedofilia devem ser punidos, 72% aprovam o fim do celibato e 62%, a ordenação de mulheres.

Enquanto isso, pesquisa do Datafolha indica declínio do catolicismo no Brasil. Em 1994, 75% dos brasileiros se declararam católicos. Em 2013, são 57%. O rebanho se afasta cada vez mais dos lobos que acreditava serem seus pastores.

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21 de julho de 2013

Papa Francisco, o leopardo

Poucos meses depois de sua eleição, o Papa Francisco faz grande sucesso. Basta ver algumas manchetes de jornal: “A revolução de Francisco. Sem corte, rubi e camareiros”, “Papa Francisco ocupará quarto igual a de cardeais no Rio”, “Papa faz visita surpresa à garagem do Vaticano e exige carros ‘humildes’”, “Papa Francisco aprova lei que criminaliza abuso sexual a menores no Vaticano”.

Não por acaso, a revista “Vanity Fair” considerou Francisco o “Homem do Ano”. Ele assumiu a chefia de uma instituição em profunda crise. Envolvida em denúncias de pedofilia, orgias sexuais, corrupção, gastos excessivos, lavagem de dinheiro. Mas conseguiu ofuscar tudo isso com atitudes de grande apelo popular.

Entre suas iniciativas de impacto, está a primeira viagem na condição de papa. Francisco visitou a ilha italiana de Lampedusa, onde denunciou a globalização excludente da Europa. É lá que desembarcam anualmente milhares de imigrantes clandestinos vindos do norte da África. Centenas deles morrem afogados na travessia pelo Mar Mediterrâneo.

O nome da ilha coincide com o de um famoso escritor italiano. Trata-se de Giuseppe Lampedusa, autor de um clássico da literatura universal chamado “O Leopardo”. A obra contém uma frase muito citada em relação a certas situações políticas e sociais: "Algo deve mudar para que tudo continue como está".

O fato é que o Vaticano continua a ser um poderoso estado teocrático. Um antro de conservadorismo, cúmplice de um sistema produtor de injustiça e desigualdade. Poderoso defensor de crenças fanáticas, que procura transformar em leis por todo o mundo.

As novidades de Francisco não vão mudar nada disso. Mesmo um leopardo sem pintas continua sendo um leopardo.

Leia também: O papa do pau oco

19 de julho de 2013

A crise revolucionária e o encontro internacional do medo

José Arbex escreveu “Brasil pode desembocar em crise revolucionária” para o blog Viomundo. Obviamente, ele se refere às grandes manifestações que tiveram início em junho.

O jornalista cita a famosa fórmula de Lênin sobre crises revolucionárias, que pode ser resumida assim: a classe dominante já não consegue governar como sempre governou, enquanto os dominados já não suportam mais viver como sempre viveram.

Arbex ressalta que se trata apenas de uma possibilidade. E lembra os enormes levantes argentinos de 2001. A posterior eleição dos Kirschner mostraria que nem toda crise revolucionária tem necessariamente um final feliz.

No entanto, se acrescentarmos o medo da classe dominante a este cenário, estamos com meio caminho andado. É o que se deduz de uma matéria do Valor de 18/07, intitulada “Manifestações de rua acendem alerta no G-20”.

O texto de Assis Moreira refere-se ao encontro de “ministros das Finanças e do Trabalho” das vinte maiores economias, em Moscou. Segundo um participante, "as autoridades estão um pouco assustadas, eu diria mesmo com um pouco de medo".

A mesma fonte lembra que há manifestações na Rússia, Indonésia, Índia, África do Sul, Chile, Peru e Turquia. E cita as crises em Portugal, Grécia e Espanha, com desemprego de 18% no primeiro país e 27% nos outros dois.

Muitas centrais sindicais também estão em Moscou. Ao invés de organizar as lutas dos explorados, foram implorar medidas econômicas menos duras aos exploradores. E esta é a grande questão. As lideranças populares de esquerda vão apostar na crise revolucionária ou no encontro internacional do medo?

17 de julho de 2013

A Casa Grande ainda massacra

Diego Viana publicou a seguinte passagem de “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, em seu blog:

É natural que na noção de propriedade como na de outros valores, morais e materiais, inclusive o da vida humana, seja ainda o Brasil um campo de conflito entre antagonismos os mais violentos. No tocante à propriedade, para nos fixarmos nesse ponto, entre o comunismo do ameríndio e a noção de propriedade privada do europeu. Entre o descendente do índio comunista, quase sem noção de posse individual, e o descendente do português particularista que até princípios do século XIX viveu, entre alarmes de corsários e ladrões, a enterrar dinheiro em botija, a esconder bens e valores em subterrâneos, a cercar-se de muros de pedra e estes, ainda por cima, ouriçados de cacos de vidro contra os gatunos.

“Dilma cede à pressão dos ruralistas e rifa os direitos indígenas”, disse a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha à Folha de São Paulo, em 14/07. Ela referia-se a um projeto de lei patrocinado pelo governo que permitiria o uso de terras indígenas para diversas finalidades, da construção de hidrelétricas à mineração.

O governo que finge ouvir os gritos das ruas continua surdo aos povos das florestas. É o “comunismo do ameríndio” esmagado pela “propriedade privada do europeu”. Mas Freyre não citou os negros, que o cativeiro tornou propriedade por séculos. A ordem dominante já não os escraviza, livra-se deles: “Homem, negro de 15 e 29 anos. Esta é a descrição da principal vítima de homicídios no País”. Este é o título de matéria da Agência Brasil, publicada em 13/07.

Leia também: Reintegração de posse para os índios, já!

Os servos chineses e seus coveiros

Em 10/07, Martin Wolf publicou o artigo “A China não vai comprar o mundo” no Valor Econômico. O texto traz vários dados interessantes. Mas os mais importantes são aqueles que dão sentido ao título do artigo.

Basicamente, Wolf cita informações de Peter Nolan, professor de desenvolvimento chinês da Universidade de Cambridge. Nolan diz que “estamos dentro da China, mas a China não está dentro de nós”. A frase procura desmistificar a ideia de que o gigante asiático caminha a passos largos para engolir o mundo.

O fato é que os maiores beneficiados pelo enorme crescimento econômico chinês estão fora de seu território. Vejamos os números que o professor apresenta:

Entre 2007 e 2009, empresas com investimentos estrangeiros foram responsáveis por 28% do valor agregado industrial da China; 66% de sua produção em setores de alta tecnologia; 55% de suas exportações; e 90% das exportações de produtos de alta tecnologia ou de novas tecnologias.

Ainda segundo Nolan, em 2012, circularam pelo mundo US$ 23,6 trilhões em investimentos externos diretos. Mas apenas os Estados Unidos foram responsáveis por US$ 5,2 trilhões desse total. Dez vezes mais que os US$ 509 bilhões chineses.

Tudo isso mostra que a China é antes de tudo uma planta industrial que bombeia lucros para o capitalismo ocidental. Seu aparente sucesso deve-se à vergonhosa entrega do gigantesco operariado do país à ganância das corporações internacionais. Centenas de milhões de mulheres e homens sacrificados no altar do capitalismo global.

Que essa vergonhosa exploração transforme os trabalhadores chineses nos coveiros de seus governantes, fiéis servos de capitalistas do mundo todo.

Leia também: As manifestações de junho e a China

16 de julho de 2013

As manifestações de junho e a China

“China coloca pé no freio”, diz a manchete de economia de O Globo, em 16/07. A redução do crescimento do gigante asiático assusta o mundo. Em especial, países como o nosso. Desde 2009, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, ultrapassando os Estados Unidos.

Até maio de 2013, o comércio sino-brasileiro ultrapassou US$ 32 bilhões, contra US$ 24 bilhões no comércio com os americanos. A má notícia é que as compras chinesas devem sofrer forte queda. Resultado da priorização do consumo interno determinado pelos dirigentes do país.

A outra ameaça vinda do gigante asiático não afetaria apenas o Brasil. O mundo todo pode ficar de cabelo em pé. Na mesma edição de O Globo, um entrevistado alerta: “O risco de colapso do tipo Enron ou Lehman Brothers, nos próximos anos, vem da China”.

Quem avisa é Arturo Bris, referindo-se “à fraude contábil descoberta após o estouro da bolha tecnológica, em 2000, e ao estopim da crise mundial de 2008”. Segundo ele, “o problema social que uma implosão ou ruptura no sistema financeiro provocaria seria gigantesco.”.

As manifestações iniciadas em junho aconteceram em uma situação econômica relativamente tranquila. O povo brasileiro não foi para as ruas no auge do desespero. Isso quer dizer que Dilma e seus colegas de poder ainda teriam tempo para preparar medidas preventivas.

Mas a aliança de classes que governa o País sufoca qualquer medida que se distancie da essência neoliberal da política econômica. Trocar o agronegócio pela Reforma Agrária? Romper com a ditadura do superávit primário e da dívida pública? Esqueçam. O jeito é continuar nas ruas.

14 de julho de 2013

Estado policial e fascismo

“Uma guerra particular” é o título da entrevista que a socióloga Vera Malaguti Batista deu à revista Carta Capital. O depoimento da secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia foi publicado em 08/07.

Vera alerta para a progressiva expansão do "Estado policial" na sociedade brasileira. E uma das manifestações desse fenômeno seria a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), que ela chamou de “gestão policial da vida dos pobres”.

Para Vera, a UPP “não é policiamento comunitário, é uma tomada de território por forças militarizadas. Algo muito semelhante ao que ocorre na Palestina, no Iraque, no Afeganistão”. Ela explica:

O tipo de atuação policial que se faz nas favelas ocupadas pela polícia no Rio só poderia ser feita na zona sul da cidade caso o governo decretasse “estado de sítio”. Há toques de recolher, abordagens ostensivas, invasão de domicílios sem mandado judicial, a proibição de tudo. Os moradores do morro do Cantagalo costumam reclamar que os bares de Ipanema ficam abertos a noite toda, mas as biroscas da favela têm horário para fechar. Para fazer uma festa em casa, o morador de lá tem de pedir autorização.

Mas as explosões de violência policial nos recentes protestos populares mostram que essa “guerra particular” pode se generalizar. Até pacatos moradores de bairros de classe média sentem um pouco da repressão que é cotidiana nas favelas e periferias.

É o grave risco que correm sociedades que aceitam soluções autoritárias para seus problemas sociais. Nada impede que o Estado policial ainda se volte contra quem sempre aplaudiu sua truculência. Em outros lugares e momentos, este fenômeno recebeu o nome de fascismo.


11 de julho de 2013

O Facebook e a revolução na Disneylândia

O assunto continua sendo as atividades da Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês), que bisbilhota a internete para o governo americano. Pedro Doria publicou o artigo “Como os EUA espionam a rede” no Observatório da Imprensa, em 09/07. Logo de cara, um trecho chama a atenção:

A internet é um enorme conglomerado de redes privadas conectadas entre si. Aproximadamente 20 empresas em todo o mundo controlam a maior parte do tráfego. É uma infraestrutura cara, um amontoado de servidores, cabos e roteadores.

Basta esta informação para colocar por terra toda a conversa fiada sobre a democracia das redes virtuais. Por que é que 20 poderosas empresas colocariam sua “infraestrutura cara”, cheia de “servidores, cabos e roteadores” a serviço das lutas populares?

Mas Dória traz outra denúncia, feita por um funcionário da AT&T. A gigante das telecomunicações possui uma grande rede de servidores na costa oeste americana. A NSA teria uma sala secreta dentro da empresa que faz cópias de todo os dados que saem de seus equipamentos.

O mesmo deve acontecer em outras poderosas corporações do setor de telecomunicações. Tudo indica que a espionagem governamental é obra de uma integração entre Estado e empresas.

Facebook, twitter, Google, Microsoft oferecem instrumentos ágeis e importantes para a comunicação. Não é o caso de abandoná-los. Mas seria bom prestarmos atenção ao que escreveu Sérgio D´Ávila na Folha em 07/07:

Se a geração MPL quer fazer a revolução anticapitalista, fazê-la no Facebook é como se rebelar contra o imperialismo ianque morando na Disneylândia. Curtiu?

Não. Não dá pra curtir.

10 de julho de 2013

Espionar trabalhadores pode

As manchetes dos jornais foram tomadas pelo escândalo da espionagem dos Estados Unidos.

“Brasil monta grupo de trabalho para investigar espionagem dos EUA". “Analistas: espionagem abala, mas não arrisca relação Brasil-EUA". “Parlamentares querem explicações sobre espionagem dos EUA”. “Governo anuncia grupo de trabalho sobre espionagem dos EUA”. “Senadores querem abertura de CPI sobre espionagem dos Estados Unidos".

Mas não apareceu nenhuma manchete como esta: “Vale utiliza arapongas da ditadura para espionar”. A denúncia foi feita Lúcio Flávio Pinto, no site Cartas da Amazônia em 07/07. Segundo o jornalista, a segunda maior mineradora do mundo tem “nos seus arquivos prontuários de pessoas que lhe interessam, incomodam ou são seus inimigos”. E o servicinho sujo é feito por “ex-agentes do serviço de informações do governo, novos ou mais antigos, remanescentes da era do SNI e integrantes da Abin”.

Governos e parlamentares também não deram muita atenção à matéria do Estadão sobre espionagem da Abin no Porto de Suape, Pernambuco, publicada em abril. Ninguém se mexeu nos altos escalões quando movimentos sociais denunciaram ações de espionagem cometidas pelas construtoras da usina de Belo Monte e pela Abin em Altamira, Pará. A operação vergonhosa foi descoberta em fevereiro e teve como alvo o Movimento Xingu Vivo, que luta contra a obra.

Pode-se argumentar que o caso dos Estados Unidos envolve soberania e segurança nacional. Mas o Estado brasileiro não só não garante a segurança e a soberania do povo trabalhador, como se junta ao Capital para atacá-las.

9 de julho de 2013

O povo egípcio no auge da democracia

Em meio à confusão de informações sobre o que está acontecendo no Egito, uma coisa é certa. O governo Mursi caiu porque milhões de egípcios foram às ruas.

É o que se deduz do artigo “Egito: quatro dias que abalaram o mundo”, publicado pelo jornal inglês Socialist Worker. Seu autor é Sameh Naguib, membro dos Socialistas Revolucionários, do Egito. Seguem alguns trechos traduzidos do inglês:

O que aconteceu no Egito é o auge da democracia, uma revolução de milhões pela derrubada de um governo.
(...)
As instituições militares são hostis à revolução egípcia. Elas se livraram de Mubarak para escapar do fogo cruzado da revolução. Agora, os militares se livraram da Irmandade e de Mursi, seus antigos aliados, com medo de que o terremoto da revolução os atinja.
(...)
Por isso, devemos combater todas as formas de repressão aos muçulmanos, incluindo prisões e fechamentos de seus veículos e jornais. Para o que acontece hoje com eles não venha a acontecer amanhã com todos os trabalhadores e socialistas.
(...)
As massas egípcias conseguiram derrubar dois presidentes em 30 meses. Todo este poder não se reflete apenas em protestos reunindo milhões, mas também nas ondas de greves e manifestações populares que se seguiram. A confiança política se transforma em confiança nas lutas sociais e econômicas, e vice-versa.
(...)
O que está acontecendo ultrapassa de longe a democracia formal, com suas urnas. É a legitimidade democrática conquistada através da revolução popular. Democracia direta criando legitimidade revolucionária.

Como se vê, a situação é complexa. Cheia de idas e vindas. Disputas a cada passo e momento. Exatamente como são os processos revolucionários.

Leia a íntegra do artigo aqui

Os mais novos pesadelos do mercado

Você entra no trem. Milagrosamente, consegue um lugar para sentar. E na janela. Em pouco tempo o cansaço toma conta. A cabeça pende e se apoia no vidro. Você começa a ouvir uma voz, música, outras vozes...

Ela descobre que finalmente conseguiu ficar grávida. Escolhe um dia especial para contar a seu marido. Mas antes disso, ele fica sabendo através da farta correspondência de ofertas e promoções para “futuras mamães” que recebeu em casa. As empresas rastrearam o comportamento dela como consumidora: a compra do teste de gravidez e as buscas por produtos e serviços ligados a seu novo estado.

Digamos que o caso fosse outro. Que ela não estivesse tão feliz assim e o marido fosse estéril e soubesse disso...

Você continua com a cabeça apoiada na janela do trem. Mas descobre que não está sonhando. Os sons que chegam a você são de ofertas para comprar mercadorias ou serviços. Eles estão dentro de sua cabeça. Não, você não contraiu uma doença mental. É só a mais recente vítima de uma nova invenção do mundo das mercadorias. Trata-se das "janelas falantes", criadas por uma empresa alemã. A tecnologia empregada nelas emite vibrações que vão direto ao seu ouvido interno.

Adeus cochilos, sonhos, vida particular. Deixem espaço para os mais recentes pesadelos que o mercado preparou para nós.

7 de julho de 2013

A paz dos campos de concentração e dos cemitérios

As ações da PM nas recentes manifestações de rua assustaram muita gente. Mas ela é apenas o lado aparente e externo da enorme violência estatal.

A edição de Carta Capital de 06/07 trouxe entrevista com Daniela Arbex. A jornalista acaba de lançar o livro “Holocausto Brasileiro”, sobre o centro psiquiátrico de Barbacena (MG). A instituição é conhecida como “Colônia”, mas a autora prefere considerá-la um campo de concentração. A maioria dos pacientes daquele que foi o maior hospício do país foi internada à força:

Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental, entre eles epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas ou mesmo pessoas que questionavam o status quo e passavam a ser considerados um incômodo para a sociedade.

Nada menos que 60 mil internos morreram nas dependências da instituição. Muitos de seus cadáveres foram vendidos a faculdades de medicinas. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes tiveram esse destino. “Em uma década, a venda de cadáveres atingiu quase 600 mil reais, fora o valor faturado com o comércio de ossos e órgãos”, diz Daniela.

Mas Barbacena está muito longe de ser um caso isolado. Entre 1915 e 1932, o governo brasileiro criou os chamados “currais” no Ceará, destinados a retirantes que fugiam das secas. Durante a Segunda Guerra, alemães, italianos e japoneses também foram confinados. E o que dizer das antigas senzalas, que deram lugar aos atuais presídios?

A tão admirada harmonia social brasileira vem sendo imposta a ferro e fogo. É a paz sem voz dos campos de concentração e cemitérios. Por isso, precisamos continuar gritando por justiça e liberdade.

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5 de julho de 2013

As ruas e o tamanho de nossa ignorância

Frei Betto publicou artigo no Brasil de Fato, em 03/07. Em “Recado das ruas”, ele analisa as manifestações populares das últimas semanas. Diz que elas “fundem a cuca de analistas e cientistas políticos”. Fazem dirigentes partidários e lideranças políticas se perguntarem: “quem lidera, se não estamos lá?”

Betto diz que sentiu o mesmo ao deixar a prisão da ditadura, em 1973. Ao sair, encontrou um movimento social em plena atividade. E perguntou-se: “como é possível se nós, os líderes, estávamos na cadeia?”

“Como essa mesma perplexidade, diz o texto, Marx encarou a Comuna de Paris, em 1871; a esquerda francesa, o Maio de 1968; e a esquerda mundial, a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética, em 1989”.

Poderíamos acrescentar a Revolução de Fevereiro, na Rússia, em 1917. Contra a vontade dos bolcheviques, as operárias têxteis iniciaram uma greve. O movimento acabou inaugurando o processo revolucionário que, em outubro, se completaria com a tomada do poder.

Na verdade, as lutas espontâneas e “não autorizadas” pelas vanguardas são o fermento de qualquer processo revolucionário. É nisso que acreditava a grande revolucionária Rosa Luxemburgo, com toda razão. Era uma de suas divergências com Lênin, ainda que ela não negasse a necessidade do partido de vanguarda.

Não vivemos uma situação revolucionária, mas as esquerdas não estão à altura nem das atuais revoltas. Ou se deixaram amansar pelo poder, ou abandonaram o cotidiano das lutas populares. Agora, as mobilizações estão aí, a revelar o tamanho de nossa ignorância. E parece que não é pequena.

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3 de julho de 2013

O povo não é bobo, já o governo Dilma...

“O povo não é bobo. Fora Rede Globo!” gritam os manifestantes nos protestos que tomaram as ruas do País. E lá fora, também. Em Londres, repórteres da emissora foram impedidos de fazer seu trabalho na cobertura de protestos de apoio às mobilizações no Brasil.

Tal como a violência policial já não consegue disfarçar sua truculência covarde, o jornalismo das organizações Globo é incapaz de esconder sua parcialidade conservadora. Mas se depender do governo federal, a emissora continuará poderosa.

É o que mostram dados coletados por Conceição Lemes em reportagem detalhada para o blog Viomundo. Publicada em 02/07, a matéria traz entrevista com Helena Chagas, ministra da Secretaria de Comunicação Social.

A repórter bem que tentou, mas nem a ministra nem sua equipe entregaram dados exatos sobre o patrocínio oficial destinado à Globo. De qualquer maneira, o que foi possível levantar já é vergonhoso.

Segundo a reportagem, o governo federal é o maior anunciante do Brasil. Em 2012, os recursos destinados à publicidade de ministérios, órgãos e empresas estatais somaram quase R$ 1,8 bilhão. Desse total, pouco mais de 62% foram investidos em televisão. “A Globo, sem contar seus canais pagos, obteve 43,9% das verbas para esse meio”.

A internete é considerada crucial para tentar desbancar os monopólios como o gigante global. Mas ficou em último lugar, com 5,3% das verbas oficiais. Assim mesmo, dos 20 maiores investimentos, os veículos considerados “de esquerda” ficaram com 2,4% do total. Já os tradicionais, engoliram 97,5%.

Se o povo já não é bobo, parece que o mesmo não acontece com o governo petista. Ou será sem vergonhice, mesmo?

Acesse a reportagem aqui.

Leia também: Reforma política e ditadura econômica

Reforma política e ditadura econômica

O governo federal enviou mensagem ao Congresso propondo temas para um plebiscito sobre questões eleitorais. Com isso, Dilma reforça o coro que interessa aos poderosos. Junto com a grande mídia, rebaixa o debate provocado pelo povo nas ruas a questões como financiamento de campanha, suplência de senadores, coligações e voto secreto no Congresso.

Nada disso vai à raiz do problema. A questão é a quem os parlamentares e governantes representam. Engana-se quem acha que o maior problema do País é a corrupção. Propinas e subornos representam uma taxa administrativa que o grande capital paga a seus representantes no Legislativo e a seus delegados no Executivo.

Há quem ache que a solução para isso é o financiamento público de campanha. Mas ele já existe e é enorme. Chama-se Fundo Partidário e passou de R$ 729 mil reais em 1994 para R$ 350 milhões em 2012. Proibir o financiamento privado atrapalha um pouco, mas só deve engordar o velho caixa dois.

Não adianta mexer na ordem política, sem alterar a lógica econômica. Enquanto todos olham para Congresso, ninguém repara no Banco Central. É um poderoso comitê de meia dúzia de especialistas que nunca foram eleitos, mas determinam o que acontece na economia do País. Mantém uma dívida pública imoral, que reserva quase metade dos recursos públicos para especuladores aqui e mundo afora.

Muito bonito discutirmos reformas superficiais e de efeito duvidoso. Enquanto isso, a ditadura econômica neoliberal passa despercebida, camuflada na feia paisagem social brasileira.

2 de julho de 2013

Reforma política e redução da jornada

A reforma política está sendo apontada como grande resposta à onda de manifestações nas ruas do País. Não à toa, grande mídia e governantes agarram-se a esta proposta para tentar acalmar a ira popular.

Mas a corrupção e incompetência dos políticos profissionais são mais efeito que causa dos problemas sociais que vivemos. O isolamento dos eleitos em relação aos que os elegeram tem raízes mais antigas do que parece.

A democracia da Grécia Antiga é considerada exemplo a ser seguido. Mas ela só era possível graças ao trabalho escravo. Enquanto a maioria trabalhava duro de sol a sol, uma minoria ficava à sombra, dedicando muitas horas do dia a aprovar leis e trocar ideias. Tudo era motivo de debate, menos o fim da escravidão, claro.

Atualmente, quase já não há trabalho servil. Mas os efeitos são muito parecidos. Dezenas de milhões de pessoas trabalham 10h, 12h por dia, enquanto algumas centenas decidem seu destino. Uns mal conseguem repousar e se alimentar. Aos outros sobra tempo para tomar decisões que mantém o conforto dos ricos e poderosos que os financiam.

Várias centrais sindicais do País estão convocando o Dia Nacional de Luta, com mobilizações e greves para 11 de julho. Apesar de seu jeitão oficial, há entre suas exigências uma reivindicação bem mais importante que a reforma política. É a redução da jornada de trabalho.

Menos horas de trabalho significam menos exploração e mais tempo para descansar, estudar e se organizar. E para fazer a política que assusta os poderosos. Eis por que desde o século 19, a classe trabalhadora luta pela redução da jornada.

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1 de julho de 2013

Uma área VIP guardada por fuzis

A seleção brasileira venceu com brilho a final da Copa das Confederações. Mas o povo não foi pôde ir ao Maracanã para ver. Só assistiu à vitória um público muito VIP, branco e cheiroso. O cercadinho dessas “véri importantes pessoas” abrangia algumas quadras em torno do estádio. Era guardado por milhares de policiais fortemente armados e caveirões.

O mesmo aconteceu nos jogos da seleção na Copa das Manifestações em outras cidades. Mas é provável que todo esse aparato não seja mais necessário nos próximos jogos nos novos estádios. Basta o preço dos ingressos para que o futebol volte a ser o que era quando chegou por aqui: um esporte para alguns endinheirados.

A sede das próximas Olimpíadas também torna-se cada vez mais um lugar para poucos. No Globo de 01/07 a matéria diz: “Rio cresce bem mais que o país”. E é uma das mais caras cidades do mundo, também. Um imenso cercadinho VIP vai tomando conta da cidade. Expulsando aos poucos os muitos que não têm dinheiro e boas relações com o poder.   

Nunca antes na história desse país a desigualdade caiu tanto. Nunca antes, um pão dormido foi tão bem distribuído. Jamais o direito ao circo limitou-se tanto a uma minoria privilegiada. Mas ninguém deveria ficar tranquilo dentro de uma área VIP guardada por fuzis e veículos blindados.