Doses maiores

17 de dezembro de 2018

O que fazer com as conjunções adversativas em 2019

Para o escritor paulistano Ricardo Lísias, os tempos não estão para contemporizações. Por isso, ele eliminou todas as conjunções adversativas — mas, no entanto, todavia, entretanto, contudo, não obstante — de seu novo projeto literário, “Diário da catástrofe brasileira”.

É assim que Ruan de Sousa Gabriel introduz a entrevista que fez com Lísias, publicada na revista Época em 15/12/2018. “Eu não quero contemporizar. De todas as funções gramaticais, a adversativa é que não podemos usar agora. Já fizemos isso demais. Eu já fiz isso demais”, afirma.

Segundo o repórter, Lísias “não engoliu nenhuma das formulações da intelectualidade de esquerda que, primeiro, assegurava que Jair Bolsonaro jamais seria presidente e, agora, esforça-se para explicar o sucesso eleitoral da direita”.

Seu alvo principal é o que chama de “safatlismo”, referindo-se ao filósofo Vladimir Safatle. Segundo ele:

...trata-se da mania de explicar tudo, sempre analisando os outros e jamais colocando em questão os próprios equívocos. Quando ocorrem, por mais evidentes e patéticos que sejam, a pessoa simplesmente continua o hábito da explicação, sem jamais anunciar — e muito menos discutir — o erro que cometeu.

É justa a revolta do escritor com alguns de nossos intelectuais. Mas (opa!) o fenômeno poderia ser chamado de “haddadismo”, também. Ou “lulismo”.

A militância de esquerda costuma usar a expressão “conjuntura adversa” para situações desfavoráveis. Jamais foi tão adequada. E numa situação dessas, fica difícil não utilizarmos as tais conjunções adversativas. Elas nos ajudam a questionar raciocínios fechados como os que andaram nos colocando em muitos becos sem saída, ultimamente.

De qualquer maneira, e sem mais “poréns”, que saibamos enfrentar as adversidades de 2019 com muita luta!

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14 de dezembro de 2018

Um super-heroi muito sinistro

Eu dava aulas de português em uma pequena cidade do interior paulista. Aos poucos, fui me tornando amigo e confidente de alguns alunos e alunas.

Um deles manifestou mal-estar em relação ao padre da paróquia local. Logo desconfiei de pedofilia, mas no estágio em que as coisas se encontravam, não havia como ter certeza. Disse a ele para se afastar do pároco. Foi o que aconteceu.

Foi, então, que o vigário passou a me acusar de incentivar o pecado entre meus alunos. De falar de sexo com crianças. Ensinar doutrinas ofensivas à moral e à religião. De ser um agente do diabo, um comunista.

Minha vida virou um inferno.

Um sábado, fui beber no Bar da Encruzilhada. Conheci um sujeito estranho, com quem acabei desabafando sobre minha situação. Ele me disse algumas palavras cujo sentido não entendi direito devido ao estado avançado da bebedeira.

Acordei de ressaca no dia seguinte, mas determinado a tirar satisfações com o tal padre. Fui até a igreja e ele já foi me recebendo com ofensas. Fiquei nervoso. Senti um cheiro de enxofre. Apaguei. Quando dei por mim, estava em casa com muitas dores no corpo.

Algum tempo depois, soube que o padre fora à delegacia confessar seus crimes de pedofilia. Também afirmou que um demônio o visitara e exigira que se entregasse à polícia. Essa parte do depoimento foi ignorada pelo delegado.

Depois disso, a criatura voltou a sair de dentro de mim várias vezes. Sempre para fazer justiça contra gente hipócrita e suja como aquele padre. Parece que me tornei uma espécie de super-herói. Meu superpoder é o cramunhão!

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13 de dezembro de 2018

A sombra chinesa sobre 2019

Uma guerra comercial entre Estados Unidos e China é uma das mais graves ameaças para a economia mundial em 2019. Mas o gigante asiático também apresenta sérios problemas internos.

A China foi fundamental para evitar um colapso econômico mundial após a crise de 2008. Mas houve um custo. Entre 2000 e 2008, a dívida bruta chinesa ficou entre 150 e 180% do PIB. Mas de 2009 a 2018 essa proporção quase dobrou, chegando a 300%.

Os números são de um artigo de José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.

Jenny Clegg, especialista britânica em assuntos chineses, prevê que a China pode superar os Estados Unidos como potência econômica antes de 2030. Mas avisa que o país vem mantendo:

...níveis elevados de dívida e ainda pode ocorrer um crash ao estilo chinês. Poderá a China limitar, ou ao menos resistir, as pressões de uma guerra comercial com os Estados Unidos? De fato, as perspectivas para a economia estadunidense também não são boas. A recuperação da economia produzida pelo corte de impostos de Trump pode ser efêmera e o presidente do slogan “América primeiro” pode se ver obrigado a aprender que os Estados Unidos e a China se necessitam mutuamente.

O problema é que ninguém parece muito preocupado em aprender coisa alguma. Trump é péssimo aluno. A liderança chinesa, por sua vez, acha que pode fugir aos efeitos das implacáveis leis capitalistas tornando sua economia cada vez mais capitalista.

Enquanto isso, por aqui, o futuro presidente se elegeu dizendo que não entende nada de economia. Fora isso, tá tudo ok, certo?

12 de dezembro de 2018

Gramsci explica o que é ser marxista

Karl Marx não é para nós nem a criança que geme no berço nem o terror barbado dos sacristãos. Não é nenhum dos episódios anedóticos de sua biografia, nenhum gesto brilhante ou grosseiro de sua animalidade humana exterior. É um cérebro vasto e sereno que pensa, um momento único da busca laboriosa e secular que a humanidade faz para se conscientizar de seu ser e de sua mudança, capturar o misterioso ritmo da história e dissipar seu mistério, ser mais forte em pensar e fazer. É uma parte necessária e integrante do nosso espírito, que não seria o que é se Marx não tivesse vivido, pensado, rasgado faíscas de luz com o choque de suas paixões e suas ideias, suas misérias e seus ideais.

O trecho acima é de um artigo escrito por Antonio Gramsci em 1918 para o centenário de nascimento do grande revolucionário.

O texto começa perguntando: “Somos marxistas?”. Uma pergunta, diz ele, cujas possíveis respostas consumirão “rios de tinta e estupidez”. Mas para enfrentar essa questão de modo adequado, afirma, o mais importante é entender que “Marx não escreveu um evangelho”. Que ele:

...não é um messias que deixou uma série de parábolas carregadas de imperativos categóricos, regras absolutas e indiscutíveis, fora das categorias de tempo e espaço. Seu único imperativo categórico, sua única norma é: "Proletários do mundo todo, uni-vos". Portanto, a diferença entre marxistas e não marxistas teria que consistir no dever de organização e propaganda, no dever de organizar e associar-se. Demais e muito pouco...

É o básico e o fundamental. É só o começo, mas indispensável.

Leia também: As feministas que leem Marx não estão contentes

11 de dezembro de 2018

Os narcisos da esquerda não ouvem música sertaneja

Em dezembro de 2018, as músicas mais tocadas segundo o site https://maistocadas.mus.br/ eram interpretadas por Gusttavo Lima, Felipe Araújo, Humberto e Ronaldo, Wesley Safadão, Luan Santana, Zé Neto e Cristiano, Henrique e Juliano, Eduardo Costa, Bruno e Marrone.

Com exceção do forró de Safadão, o restante dos artistas canta música sertaneja. A predominância masculina, vez por outra, abre exceção para Marília Mendonça, Maiara e Maraísa e Simone e Simaria.

Quase todos os nomes dessa lista certamente são desconhecidos da grande maioria dos setores militantes da esquerda. Mas este é só um exemplo. Nossa ignorância é grande não apenas em relação ao gosto musical das multidões. E isso ficou tragicamente claro com o resultado das últimas eleições presidenciais.

Deveríamos ter prestado muito mais atenção ao mundo externo a nossos circuitos acadêmicos, partidários, militantes. Externo à nossa MPB, ao nosso jazz, aos nossos barzinhos da moda e, principalmente, ao nosso olhar distante e altivo.

Nada disso quer dizer que vamos prestar mais atenção ao senso comum para aceitar passivamente sua lógica. A indústria por trás desses sucessos não apenas lucra muito financeiramente. Também capitaliza na disputa de valores.

As músicas mais ouvidas falam basicamente sobre o mesmo tema. Baladas, bebida e mulheres. Estas últimas, geralmente, fazem os homens sofrer. Elas vivem a rejeitá-los. Reprovam suas traições e orgias. São belas, mas cruéis. Enfim, uma misoginia que pretende ser sutil atravessa as rimas.

Segundo nosso poeta favorito, “Narciso acha feio o que não é espelho”. Não tem nada de muito bonito na paisagem cultural da sociedade em que vivemos. Mas não adianta fingir que ela não existe.

10 de dezembro de 2018

Um habeas corpus para nossos cérebros

Bilhões são gastos por governos, corporações e investidores no treino de algoritmos de computadores (...) na atual e insana corrida para criar as chamadas inteligências “artificiais”, largamente anunciadas como “AI”. Enquanto isso, o treinamento de nossas crianças e seus cérebros (já superiores aos algoritmos de computador) é subfinanciado. As escolas estão dilapidadas, instaladas em condições precárias, frequentemente em áreas poluídas enquanto os professores são mal pagos e precisam de maior respeito. Como nossas prioridades tornaram-se tão enviesadas?

Na realidade, não há nada de artificial nos algoritmos ou sua inteligência: o termo AI é uma mistificação! O termo que descreve a realidade é “Aprendizado de máquina treinadas por humanos”, na atual e insana luta para treinar estes algoritmos a mimetizar inteligência humana e funcionamento cerebral.

O trecho acima é de Hazel Henderson, fundadora da empresa Ethical Markets Media, em artigo publicado no portal Outras Palavras.

Segundo ela, é urgente “enfrentar o uso desumano de seres humanos, que emprega nossas habilidades, adquiridas com esforço, para treinar algoritmos que depois nos substituem”. São técnicas, afirma, que forçam desempregados e sobreviver na “economia de bicos”. Ou seja, no trabalho precarizado, largamente disseminado por empresas como a Uber.

Diante disso tudo, Hazel propõe ampliar o “habeas corpus”, instrumento jurídico criado em 1215 na Inglaterra. Mais do que dispor de nossos próprios corpos, precisaríamos garantir também a posse de nossos cérebros e de toda a informação que geramos. Seria um “habeas corpus de informação”.

A proposta faz todo o sentido. Mas o que dizer dos muitos lugares no mundo em que nem mesmo o habeas corpus criado no século 13 é respeitado?

7 de dezembro de 2018

As feministas que leem Marx não estão contentes

Um belo texto de Laura Fernández Cordero sobre a obra de Marx e o feminismo está disponível no portal da Unisinos. Doutora em Ciência Sociais pela Universidade de Buenos Aires, ela afirma ser um “veredicto muito infeliz” dizer que Marx era "cego ao gênero".

Laura começa por descrever Marx como:

...o marido da abnegada Jenny, companheira no caminho do exílio e da miséria. O obstinado por um empreendimento revolucionário, que estava sempre acima de sua família. Aquele que, apesar do anacronismo, mereceria a acusação homofóbica. Aquele que fez teoria sobre a situação das mulheres em termos antropológicos, históricos e políticos. E também aquele Marx que acompanhou o crescimento de três filhas e escritoras políticas e, quando isso não era comum, levou a sério o questionamento de uma mulher (sabe-se que foram necessários muitos rascunhos para responder Vera Zasúlich sobre a viabilidade de uma revolução na atrasada Rússia czarista).

Exatamente por isso, diz ela, havia mulheres que prestavam atenção ao que ele fazia. Foram elas que “tiraram-lhe as barbas junto com outros feminismos não marxistas”. “Traduziram a dominação patriarcal em teorias, em conceitos, em revoluções pessoais, em práticas políticas”. Seriam:

Laboriosas mineiras dessa mina falaciosa que é a "natureza humana". Escavadoras que perfuraram o solo tranquilo do Ocidente viril, assim como aquela velha escavação da revolução que Marx esperançava.

Estariam ajudando a promover “uma revolução da subjetividade que, longe do novo homem, continua a pôr em xeque a tão mencionada universalidade do humano”.

Afinal, conclui Laura, Marx “não era um conciliador, nem um cara gentil. Ele não estava contente. Nós feministas que lemos Marx também não estamos”.

Leia também: Os preconceitos raciais de Marx

6 de dezembro de 2018

Os genes recessivos do fascismo

Em seu livro “A Pátria Educadora em Colapso”, Renato Janine Ribeiro narra seus poucos meses como Ministro da Educação de Dilma Roussef. 

Em setembro de 2015, ele afirma ter recebido alguns deputados que diziam representar a bancada católica. Queriam banir a educação sexual das escolas. As aulas deveriam se limitar ao funcionamento dos órgãos reprodutores. “Só a biologia!”, resumiu um deles.

Em matéria publicada pelo El País, em 04/12/2018, Felipe Betim descreve alguns momentos do 4º Congresso Nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), realizado na capital paulista. 

Falando para quase mil pessoas, um dos dirigentes da organização conservadora reivindicou o caráter “rebelde” do movimento, afirmando que ao falar “da biologia, que existe homem e mulher, e não 50 gêneros, estamos sendo subversivos”.

Num e noutro momento, a tentativa de reduzir a vida social a seu nível biológico. Comportamentos históricos seriam produto de determinações puramente naturais. 

A esse reducionismo, o marxista estadunidense Fredric Jameson respondeu no artigo "La política de la utopía", publicado na edição da “New Left Review” de janeiro de 2004, do seguinte modo:

...dado que a natureza humana é histórica e não natural, dado que é um produto de seres humanos e não é inatamente registrada em genes ou em DNA, os seres humanos podem mudá-lo, isto é, não é uma condenação ou um destino, mas, ao contrário, o resultado da práxis humana.

A tentativa de “biologizar” a vida social, criando hierarquias congênitas, é certamente um dos traços genéticos do fascismo. Mesmo que nos casos acima ele ainda apresente caráter recessivo, cabe à práxis socialista e libertária impedir que se torne socialmente dominante. 

5 de dezembro de 2018

Coletes amarelos: sem essa de check-list ideológico

Os coletes amarelos estão nas ruas francesas quebrando e queimando tudo. Protestam contra o aumento do preço do diesel, muito utilizado em veículos leves na França. O governo Macron alega que a medida visa desestimular o uso de combustíveis sujos.

Não é bem assim. Nuno Ramos de Almeida em artigo publicado no portal Outras Palavras explica que o presidente francês cortou 4 bilhões de euros de impostos aos mais ricos e 41 bilhões em taxações para grandes empresas e multinacionais. Também diminuiu em 10 bilhões os tributos sobre capitais. Enquanto isso, o diesel ficou mais caro para trabalhadores que dependem dele para se deslocar ou trabalhar.

Tudo indica que o movimento é semelhante às manifestações de 2013 no Brasil. Motins cuja orientação ideológica precisa ser disputada.

Artigo de Rosana Pinheiro-Machado, disponível no The Intercept, discute a dificuldade das esquerdas em lidar com movimentos desse tipo:

...a esquerda precisa disputar, primeiro o que é possível: indivíduos, redes e inserções. Quando os motoristas de aplicativos pararem – porque isso um dia deve acontecer –, e o Brasil entrar num novo surto de “o que está acontecendo?”, seria mais inteligente não exigir carteirinha de “bom trabalhador” nem check-list de entrada no clube ideológico. Os trabalhadores precarizados tendem à direita pela própria natureza injusta e individualista de seu trabalho, mas isso não elimina a injustiça que está lá de forma latente. O populismo de direita, esse sapo medonho, se veste de príncipe, não escolhe militante, estende a mão e acolhe. Uma grande parte de nós tem feito o oposto: rechaçado, ridicularizado e tachado tudo aquilo que não compreende.

Fica a dica.

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Junho de 2013: tentando controlar o que não pode ser controlado
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4 de dezembro de 2018

Edição genética e escolhas humanas

No final de novembro, He Jiankui, cientista da Universidade de Shenzhen, na China, anunciou ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados do mundo. O objetivo seria tornar imunes ao vírus do HIV as duas gêmeas nascidas do procedimento.

O anúncio causou uma onda inicial de indignação. A edição genética de embriões é condenada pela grande maioria da comunidade científica. É que essa técnica poderia causar problemas imprevisíveis e irremediáveis para quem as sofre e seus descendentes.

Por isso, a prática é vetada por lei em vários países. Mas como não há impedimento legal na China, a questão passou a ser somente ética. Nem tudo o que não é proibido, pode necessariamente ser feito. É um debate que envolve valores. O maior deles sendo a integridade da vida humana.

Uma das alegações do geneticista chinês em sua defesa é que portadores de HIV sofrem muito preconceito em seu país. De novo, a questão envolve valores. A solução seria priorizar a manipulação genética ou o combate à discriminação?

O fato é que em se tratando de valores, aqueles que dominam a sociedade atual estão muito claros. É só observar as ações de empresas como “Editas”, “Intellia” e “Crispr Therapeutics”, proprietárias de patentes ligadas à técnica utilizada por He. Nos últimos dias, o preço de seus papéis disparou, com aumentos entre 10 e 20%.

Há muito conhecimento milenar acumulado sobre a importância das escolhas humanas. Mas ele continua a ser desprezado por áreas de pesquisa científica que foram sequestradas pela busca do lucro.

Enfim, tudo indica que o chinês está no caminho certo. A humanidade é que não.

3 de dezembro de 2018

Os preconceitos raciais de Marx

Em 1862, Marx escreveu o seguinte sobre Ferdinand Lassalle, socialista alemão com quem mantinha relações conflituosas:

...essa mistura de judaísmo e germanismo, de um lado, e o estoque básico de negroide, de outro, devem inevitavelmente dar origem a um produto peculiar. A impertinência do sujeito também é do tipo crioulo.

Comentários vergonhosos como esse, vez ou outra, aparecem nos escritos de Marx. E não só em relação a Lassalle. Mas isso bastaria para caracterizá-lo como racista?

Em primeiro lugar, tais opiniões estão registradas apenas em cartas. A grande maioria delas, dirigidas a Engels, seu melhor amigo e confidente. Ou seja, tinham um caráter muito pessoal e privado. É como se fossem aquelas conversas de boteco em que muita bobagem é dita sem cuidado algum.

Em segundo lugar, não há nada na obra de Marx que justifique discriminações desse tipo. Ao contrário, toda ela é marcada por um constante esforço de desnaturalização das diferenças entre povos e pessoas. Nela não há espaço para hierarquias raciais.

Isso não significa ficar cego ao racismo de alguns de seus pretensos seguidores. Stalin, por exemplo, era antissemita. Mas esta era só uma das muitas traições do ditador soviético em relação às principais concepções marxianas.

Comemorar o bicentenário do nascimento de Marx não significa destacar apenas suas inegáveis qualidades. Ele não era racista, mas podia ceder a preconceitos raciais. E o exame detalhado de sua correspondência pessoal certamente encontrará outras manifestações discriminatórias.

O fato é que Marx foi um grande revolucionário, mas também um homem de seu tempo. Na verdade, de nosso tempo, ainda muito mergulhado em preconceitos e discriminações sociais.

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