Doses maiores

29 de abril de 2014

O que divide as centrais sindicais neste 1º de Maio

“Estudo mostra que nunca se trabalhou tanto no país”, diz reportagem de Manuel Alves Filho, publicada pelo Jornal da Unicamp, em abril. A matéria refere-se a pesquisa do Instituto de Economia daquela universidade.

A pesquisa do economista Eduardo Martins Ráo mostra que “há uma tendência em curso no Brasil, fomentada pela classe empresarial, de criar mecanismos para transformar tudo em hora de trabalho, até mesmo os momentos em que o trabalhador está em casa, na companhia da sua família”.

Em 28/04, Cynara Menezes publicou artigo na Carta Capital com o título “Quando o trabalho é pesadelo”. Às vésperas do 1º de Maio, diz ela, “os processos por assédio moral multiplicam-se a ponto de caracterizar uma epidemia”.

Entre os muitos casos terríveis, destaca-se o do banco HSBC, multado em R$ 67,5 milhões pela Justiça Trabalhista por espionar seus empregados em Curitiba. Entre 1999 e 2003, a instituição resolveu descobrir porque seus trabalhadores adoeciam tanto. Nem ocorreu ao banco investigar as condições de trabalho. Foram contratados detetives que agiam da seguinte forma:  

Disfarçados de entregadores de flores ou pesquisadores, os investigadores abordavam os empregados, seguiam-nos, filmavam e fotografavam, e remexiam o lixo de suas casas.

Enquanto isso, as grandes centrais sindicais não se entendem. É o que mostra reportagem de Raphael Di Cunto, publicada pelo jornal Valor, em 29/04. Segundo a matéria, as comemorações pelo 1º de Maio deste ano vão encontrar as centrais divididas. Não em relação a como combater as mazelas de seus representados. A grande questão que as preocupa é: Dilma, Eduardo ou Aécio?

As jornadas de junho e os movimentos de massa

A esquerda ainda está tentando compreender o que aconteceu em junho do ano passado, quando centenas de milhares de pessoas revoltadas tomaram as ruas. Um texto chamado “A Dinâmica dos Movimentos de Massa”, do marxista inglês Colin Barker, pode ajudar.

Muitos lamentaram o caráter espontâneo das manifestações de 2013, quanto a isso Barker afirma:

O historiador Lawrence Goodwyn, escrevendo sobre o movimento operário polonês, observa que, quando os historiadores usam o termo “espontâneo”, o que eles realmente querem dizer é que na realidade não sabem o que aconteceu.

Se trocarmos “historiadores” por “militantes de esquerda” na citação, podemos ampliar seu alcance e precisão.

À crítica ao espontaneísmo geralmente seguem-se cobranças pela elevação da “consciência de classe”. Em relação a isto, Barker lembra que a “consciência de classe” não é um “sistema plenamente formado de ideias que pode (...) ser adquirido em livros”. Não adianta alguém saber o que é a teoria da mais-valia, por exemplo, mas dizer que “não há nada a ser feito em seus locais de trabalho ou suas comunidades porque todos são ‘atrasados’ demais”.

Finalmente, há os que só dão importância às grandes lutas e acontecimentos. A estes, o recado do texto é o seguinte:

Pequenas lutas preparam o caminho para movimentos maiores. Nelas os trabalhadores começam a medir a si próprios contra seus patrões e governantes com um pouco mais de confiança, em um processo molecular de mudança de consciência (...). Essa é a razão para que os socialistas prestem tanta atenção a pequenas greves e campanhas locais.

28 de abril de 2014

O campeonato de repressão estatal já começou

As mais recentes vítimas da ação criminosa da PM são da favela Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. Dois mortos juntam-se a uma lista que não para de crescer. Muito provavelmente, não serão os últimos. Pelo menos, é o que se deduz das providências sobre segurança que cercam a realização da Copa do Mundo.

Matéria da Folha de S. Paulo, por exemplo, anunciou em 21/04: “Paramilitares americanos treinam policiais brasileiros para a Copa”. A reportagem refere-se à Blackwater, empresa que “ficou conhecida por agir como um exército terceirizado dos Estados Unidos, com mercenários atuando nas guerras do Iraque e do Afeganistão”. Na ficha de serviços da corporação, 17 civis iraquianos mortos no massacre da Praça Nisour, em 2007. Mas deve haver muito mais.

Dizem que o Mossad, o violento serviço secreto israelense, também vem ajudando nos preparativos para as operações de vigilância e repressão.

Mas as tropas brasileiras também foram buscar experiência fora do País. Os próprios comandantes da vergonhosa ocupação militar do Haiti liderada por militares canarinhos admitem: a operação serviu como treinamento para as operações executadas em favelas no Brasil. Informação mais que confirmada pela atuação dos soldados nas UPPs.

Pelo jeito, o mais importante torneio de futebol do mundo deve ficar em segundo plano. O verdadeiro campeonato já está acontecendo. Envolve diversas forças repressivas. Suas equipes procuram pelo melhor desempenho no castigo a pobres, negros e militantes sociais.

Já os governantes e autoridades em geral disputam os melhores lugares nas tribunas de honra. Não querem perder um lance e estão dispostos a premiar generosamente os vencedores.


25 de abril de 2014

O marco civil e os monopólios da internete

A aprovação do chamado marco civil da internete está sendo comemorado. Os setores militantes pela democratização da comunicação consideram que a medida apresenta importantes conquistas.

Um dos pontos mais sensíveis é a chamada neutralidade da internete. Basicamente, trata-se de garantir que todos os dados e informações que trafegam pela rede recebam o mesmo tratamento. A medida é combatida pelos setores empresariais da mídia, que tentam controlar o fluxo e o volume dos dados para tirar vantagens econômicas disso.

Felizmente, o marco civil aprovado prevê a manutenção da neutralidade da internete. Mas isso não quer dizer muita coisa. Ao contrário do que parece, a rede mundial não é um espaço democrático que precisa ser defendido. Ela já está sob controle de alguns poucos.

É o que diz o professor da Universidade de Illinois, Robert McChestey, em entrevista ao site da Alainet, publicada em 15/04. O entrevistado chega a dizer que a internete se tornou o “maior gerador de monopólio econômico que se conheceu, em qualquer sistema econômico”. Segundo ele, na rede mundial:

 
...não existe uma “classe média” de 20 ou 30 empresas que competem em uma determinada área. De modo geral, há uma empresa que domina, com talvez uma ou duas mais que têm uma fatia do mercado.

McChestey está falando de gigantes como Google, Microsoft, Apple, Amazon e Facebook. Não por acaso, sediados nos Estados Unidos. Longe de ser uma variedade criativa e livre do capitalismo, a internete é mais uma faceta da concentração de poder pelos monopólios. Sem falar no controle para fins políticos e militares. Contra isso, não há marco civil que dê jeito.

Leia também: Na ausência da internete, pânico social

17 de abril de 2014

A escolarização e os artesanatos de Deus

Uma das primeiras cenas do documentário “Escolarizando o mundo” mostra um quadro pintado em 1872. A imagem exibe uma mulher branca em vestido alvo, flutuando por cima de uma planície americana. Colonos brancos a seguem, enquanto índios e animais nativos fogem. Ela representa o progresso. Em sua testa, a estrela do império. Em sua mão direita, um livro escolar.

Durante o século 19, os Estados Unidos avançaram rumo ao Oeste. Em sua marcha, internaram milhares de crianças indígenas nas escolas das reservas. Queriam educá-las, diziam. Na verdade, estavam destruindo seu modo de vida. À violência das armas juntava-se o massacre cultural.

A este processo, a produção chama de escolarização ocidental. Ela representa a imposição de uma monocultura nas relações humanas. A enorme diversidade dos modos de ser de nossa espécie resumida e unificada em torno dos restritos e mesquinhos valores do mercado. O mesmo currículo aplicado por toda parte, sempre buscando formar mão de obra a ser explorada.

Um dos entrevistados diz que a pergunta sobre o que significa ser humano ainda é respondida por 6 mil vozes diferentes. Correspondem às várias culturas da humanidade espalhadas pelo planeta. Mas esta riqueza polifônica vem sendo transformada em uma cantoria de uma nota só pelo padrão escolar imposto pela sociedade industrial.

Este processo priva humanidade das inúmeras formas que desenvolveu para se relacionar entre si e com o restante da natureza. Um metabolismo cuja riqueza se manifesta principalmente nas relações com o divino. Como disse o Prêmio Nobel de Poesia de 1927, Rabindranath Tagore, a escolarização “arranca as crianças de um mundo repleto de artesanatos de Deus…”.



16 de abril de 2014

Escolas públicas, só para minorias disciplinadas

Em 14/05, O Globo publicou na capa: “Rotina de indisciplina explica nota vermelha do ensino no Brasil”. A matéria aborda uma pesquisa feita com diretores de escolas pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) em 2012.

Dados “tabulados com exclusividade” pela Fundação Lemann apontariam fatores importantes para a “baixa qualidade“ da educação no Brasil. Entre eles, “evasão, atraso e falta a aulas por alunos e professores, uso de álcool e drogas por estudantes, bullying e falta de respeito com os docentes”.

Nenhuma palavra sobre os péssimos salários dos trabalhadores e a falta de estrutura do setor. O que interessa é denunciar a indisciplina no ambiente escolar. Pretensão confirmada pela opinião de um professor do ensino médio.

O educador dá aulas em uma escola pública de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Ele reclama da falta de respeito dos alunos em relação aos docentes e diz com a maior naturalidade:

A agressividade e a falta de respeito atrapalham os alunos bons que querem participar, mas ficam cansados com essas situações. A grande maioria atrapalha os outros.

Em outras palavras, a escola estaria muito bem se a grande maioria de seus alunos não atrapalhasse. Na verdade, é exatamente o comportamento dessa maioria que atesta a falência desse modelo escolar. Um modelo disciplinador, inspirado nos quartéis, mosteiros e hospícios.

Ao contrário do que diz a reportagem, a saída para esta situação virá da rebeldia que o próprio sistema provoca. Não a revolta cega, nem a que atinge professores e outros profissionais da educação. Mas aquela que liberta a criatividade necessária a qualquer verdadeiro processo de aprendizado.

15 de abril de 2014

Educação e escolas têm pouco em comum

“Deixe tudo que for indígena dentro de você morrer”. O Capitão Richard Henry Pratt costumava dirigir essas palavras aos alunos de sua escola para índios, fundada na Pensilvânia, Estados Unidos. Outra afirmação de mesmo quilate é de Ellwood P. Cubberly, respeitado professor da Universidade de Educação de Stanford:

Nossas escolas são, em certo sentido, fábricas, nas quais as matérias primas -crianças- são moldadas e modeladas em produtos. As especificações para a produção vêm das demandas da civilização do século XX, e é o dever da escola construir seus alunos de acordo com as especificações dadas.

Para William Torrey Harris, ministro da Educação dos Estados Unidos, o ensino é melhor praticado “em lugares feios, escuros e sem ar”. Isso afastaria o indivíduo das belezas do mundo exterior. O educador Thomas Babington Macaulay pretendia que as escolas coloniais inglesas na Índia tornassem as crianças nativas “brancas por dentro”.

Todas essas “pérolas” de estupidez pedagógica são do século 19. Mas as escolas continuam a aperfeiçoar estas ideias absurdas. Albert Einstein sempre foi um aluno considerado medíocre. Fez o que fez na ciência apesar da escola, não por causa dela. Não à toa, disse uma vez:

É quase um milagre que os métodos modernos de instrução não tenham exterminado completamente a sagrada sede de saber, pois essa planta frágil da curiosidade científica necessita, além de estímulo, especialmente de liberdade; sem ela, fenece e morre.

Estas e outras frases estão no documentário “Escolarizando o Mundo”, que pode ser encontrado facilmente na internete. A produção mostra mais uma vez que escolas e educação têm muito pouco em comum.

Leia também: A casa das estrelas e as fábricas de zumbis

14 de abril de 2014

Indígenas: a impunidade de ontem e de hoje

Em 11/04, o portal “IHU On-Line” publicou entrevista com Maria Aparecida Aquino. O tema foi “A Justiça Militar no regime autoritário brasileiro”. O depoimento é muito esclarecedor e vale a leitura. Mas entre as informações que a professora da USP apresentou, há uma que não surpreende.

Segundo a entrevistada, os estudantes representaram a maioria entre os mortos e torturados pela ditadura militar. A justificativa fajuta de seus carrascos seria o maior engajamento desse setor nas mobilizações de resistência à ditadura e na luta armada.

Mas, como diz a professora, o PCB, por exemplo, decidiu claramente pela resistência pacífica à ditadura. Mesmo assim, seus militantes viriam a ser perseguidos, com o fuzilamento do comitê central do partido, além do assassinato de Wladimir Herzog e Manuel Fiel Filho.

O que pouca gente sabia até agora é que, pelo menos, oito mil indígenas foram mortos pela ditadura. É o que revelam dados levantados pela Comissão Nacional da Verdade. O massacre aconteceu durante obras do governo em terras indígenas, como as estradas abertas na Amazônia. Mas também por doenças, trabalho escravo, trabalho infantil, torturas e prisões irregulares.

A responsável pelo levantamento é Maria Rita Kehl. Em entrevista ao caderno “Prosa” do Globo, ela disse que a situação atual dos índios é “muito parecida com a da ditadura”. “Morrem caciques, lideranças locais, e os crimes nunca são apurados, ninguém é condenado”, afirma. Os responsáveis são principalmente os setores ligados ao agronegócio.

A impunidade do passado se encontra com a do presente. Mas esta última conta com a vergonhosa cumplicidade de antigas vítimas da ditadura.

Leia também: Um Marx selvagem e uma esquerda domesticada

11 de abril de 2014

O legado da Copa é a luta

O sindicalista sul-africano Eddie Cottle concedeu entrevista a André Antunes para o número 33 da Revista Poli. Ele é diretor da Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira. O tema do depoimento foi o impacto da realização da Copa do Mundo de Futebol nos países em que é realizada.

A experiência sul-africana não foi nada positiva, diz Cottle. Segundo ele, o evento contribuiu para o aumento da desigualdade no país e serviu basicamente para encher de dinheiro os cofres da Fifa e dos empresários envolvidos nas obras e atividades do torneio. Enquanto isso, o governo da África do Sul arcou com gastos que aumentaram 1.709% em relação ao cálculo inicial.

Mas Cottle também mostrou dominar o cenário brasileiro. Disse, por exemplo, que no Brasil, entre 2011 e 2013, 25 greves foram realizadas, envolvendo cerca de 30 mil trabalhadores nos estádios. As conquistas desses movimentos variaram muito. Cottle cita aumentos de 30% a 70% no vale-refeição, e entre 60% e 100% no pagamento de horas extras, vales-transportes, seguro-saúde etc.

Enquanto isso, os patrões nadam em dinheiro. O custo das obras já aumentou 327%, atingindo 3,6 bilhões de dólares, caminhando para ser o mais alto na história das Copas.

O governo e a mídia falam muito em “legado da Copa”. Em obras de mobilidade urbana, equipamentos esportivos, infraestrutura de transporte. Que tudo isso não passa de papo furado, já ficou claro. Mas ainda é possível esperar um outro tipo de herança, muito mais positivo. São as manifestações e greves. É a demonstração de que há muita disposição de luta entre o povo brasileiro.

Acesse a entrevista, clicando aqui

Leia também: Na Copa, democracia racionada, repressão abundante

10 de abril de 2014

Isolado, o voto é personagem principal na farsa eleitoral

Os tempos dos golpes de mão, das revoluções executadas por pequenas minorias conscientes à frente das massas inconscientes já passou. Ali onde se trata de uma transformação completa da organização da sociedade é preciso que as próprias massas cooperem entre si, que elas mesmas já tenham compreendido do que se trata, que elas intervenham (com seu corpo e sua vida).

O texto acima não é sobre as revoluções do século 20. Faz parte da introdução que Engels escreveu para o livro de Marx, “As Lutas de Classes na França”. Escrito em 1895, referia-se ao único caminho capaz de possibilitar a vitória das revoluções socialistas: a iniciativa das multidões de explorados e oprimidos.

Infelizmente, as palavras de Engels foram interpretadas como uma recomendação para que o caminho eleitoral fosse priorizado. E foi isso que o maior partido socialista do início do século 20 começou a fazer. O Partido Social Democrata alemão passou a utilizar a mobilização nas ruas apenas para conquistar grandes bancadas legislativas.

Enquanto os socialistas alemães aprovavam leis, a classe dominante preparava-se para romper todas as legalidades. Hitler subiu ao poder porque liderava a segunda maior bancada no parlamento. Uma vez no governo, instaurou uma ditadura com apoio dos grandes empresários e latifundiários alemães.

Votar periodicamente está longe de ser uma intervenção das “massas” com seu “corpo e sua vida”. Isolado, o sufrágio universal é o principal personagem na farsa que representa uma democracia a serviço dos poderosos. A verdadeira democracia direta está nos movimentos populares, entidades de classe e partidos de esquerda que recusem a disputa eleitoral e institucional como prioridade.

9 de abril de 2014

PM: disposição para o motim e desmilitarização

Alguns setores da esquerda defendem o apoio à luta dos policiais militares por seus direitos. Principalmente para os soldados rasos, que são os que mais sofrem com a disciplina militar de seu trabalho. Um regime que inclui castigos físicos, prisões sem direito a defesa e proibição de organização sindical.

Também há quem considera os policiais como trabalhadores comuns. Mas eles não apenas atuam na repressão às lutas de outros trabalhadores. Também cometem atos brutais contra pobres, negros e militantes sociais. E, na maioria das vezes, desempenham estas duas funções de forma ilegal.

Na verdade, as corporações policiais agem cada vez mais como gangues criminosas apoiadas por governantes, parlamentares e juízes. Mas se é assim, precisamos tratar essa criminalidade como a esquerda sempre tratou. Atacar principalmente suas raízes, não apenas suas consequências.

Uma das principais causas da criminalidade na polícia é sua militarização. Ela é a base de uma máquina feita para massacrar explorados e oprimidos, que também esmaga entre suas engrenagens os próprios policiais. Ao mesmo tempo, esse maquinário pesado atravanca o caminho para qualquer transformação social no Brasil.

As forças populares jamais terão poderio bélico para enfrentar abertamente esse aparato repressivo. Nossa melhor possibilidade consiste em tentar neutralizar ao máximo sua ação violenta e criminosa. A desmilitarização da polícia seria um passo importante para alcançar esse objetivo.

Há no Congresso uma proposta de Emenda Constitucional com esse objetivo. Dificilmente será aprovada. E se for, pode ser simplesmente ignorada. Somente uma disposição ao motim no interior dos próprios quartéis pode mudar esse quadro. Algo que a esquerda não pode produzir, mas deveria se preparar para apoiar.

Leia também: Panteras Negras: contra a polícia, a legalidade armada

8 de abril de 2014

Na ausência da internete, pânico social

Em 25/03, reportagem de Toni García para o jornal El País destacava: “A internet virá abaixo e viveremos ondas de pânico”. A frase é de Dan Dennett, filósofo norte-americano, que espera graves consequências caso ocorra uma queda total da rede mundial de computadores.

Mas Dennet não está preocupado com a suspensão das telecomunicações, apagões de energia, caos no trânsito e no tráfego aéreo. Ele teme que a maioria das pessoas, uma vez privadas da internete, se veja excluída da própria vida social.

Para Dennet, relações estabelecidas por meio da família, locais de trabalho e de moradia, associações, clubes, igrejas, teriam se enfraquecido com a ampliação da rede virtual. E na ausência desta, já não teriam capacidade para voltar a exercer seu papel agregador.

Há evidente exagero nesta conclusão. Mas a crescente frouxidão do “tecido social” é um fenômeno que já vem sendo estudado pela sociologia há algum tempo. E tem muito menos a ver com a internete do que com a forma como o capitalismo vem se desenvolvendo.

Um dos que estudaram este fenômeno foi o sociólogo francês Robert Castel. Ele é responsável pelo conceito de “desfiliação social”, que procura descrever uma condição em que os indivíduos sentem cada vez mais dificuldades para se integrar às redes de pertencimento social. Mas esta situação estaria ligada à constituição da “sociedade salarial” a partir do século 19.

Os marxistas diriam que é o crescente domínio do mundo das mercadorias que vem privando de sentido as relações pessoais. Não é a internete, mas o que o capitalismo faz dela e de todas as outras redes de relacionamentos humanos.

7 de abril de 2014

Panteras Negras: contra a polícia, a legalidade armada

Nunca ficou tão claro o caráter racista e antipopular do aparato policial brasileiro. A situação faz lembrar aquela que levou à criação do Partido dos Panteras Negras nos Estados Unidos, em 1966. São famosas as imagens que mostram seus integrantes portando armas e erguendo os punhos para exigir poder para os negros, o “Black Power”.

De armas na mão, os Panteras patrulhavam as ações dos policiais. Mas seus fundadores jamais defenderam o confronto aberto ao aparato policial. Ao verificarem abusos, se limitavam a exigir que a lei fosse respeitada por aqueles que deveriam zelar por seu cumprimento.

Ao agir desse modo, os Panteras não cometiam nenhum crime. Apenas invocavam a segunda emenda da constituição dos Estados Unidos, que dá direito a qualquer cidadão de portar armas para sua defesa.

Um dos fundadores da organização foi Bobby Seale. Em seu livro “Seize the Time: The Story of the Black Panther Party and Huey P. Newton”, ele chega até a defender a criação de uma polícia de caráter comunitário.

O perfil militar dos Panteras era um modo de atrair a juventude e as lideranças populares para sua principal proposta: a educação política e a auto-organização dos explorados. Entre os programas criados por eles, estavam o café da manhã gratuito para crianças, as “Escolas da Liberdade”, clínicas gratuitas de saúde e cooperativas de habitação.

Os Panteras Negras combinavam legalidade armada com disputa de hegemonia. Desta combinação também fazia parte o combate a quem defendia um racismo negro contra brancos. Para eles, a questão central era de classe.

É fundamental conhecer melhor esta importante experiência da esquerda mundial.