Doses maiores

30 de setembro de 2019

Possíveis relações entre riqueza concentrada e guilhotinas

Todo dia, aeronaves do modelo Global 7000 [para 10 a 19 passageiros], Gulfstream G650 [11 a 18 passageiros] e até Boeings 737 decolam com apenas um passageiro, a maior parte a caminho dos EUA e da Rússia.

Esta mensagem de um trabalhador aeroportuário inglês foi publicada por George Monbiot, militante ambientalista do Reino Unido, em um artigo disponível no portal Outras Palavras.

O articulista lembra que esse Boeing 737 ocupado apenas por seu proprietário pode transportar mais 173 passageiros e consome cerca de 25 mil litros de combustível. Energia suficiente para abastecer uma pequena cidade africana por um ano.

Em seu destino final esses passageiros solitários certamente se acomodarão em supercasas e passearão em superiates, que podem queimar 500 litros de diesel por hora.

Por isso, continua Monbiot:

Não deveria nos surpreender o fato de que quando a Google articulou uma reunião dos ricos & famosos no resort de Verdura, na Sicília, em julho, para discutir o colapso climático, seus delegados chegaram em 114 jatos privados e em uma frota de megaiates, e dirigiram pela ilha com seus supercarros.

É devido a absurdos como esses que a filósofa belga Ingrid Robeyns criou o conceito de “limitismo”, diz o articulista. Para ela, da mesma forma que existe uma linha da pobreza, abaixo da qual ninguém pode permanecer, deveríamos criar uma linha da riqueza, acima da qual ninguém poderia subir.

Monbiot avalia que aprovar uma lei como essa seria considerada a maior blasfêmia já cometida em muitas décadas. E ele tem toda razão. Então, blasfêmia por blasfêmia, talvez fosse melhor apelar logo para uma guilhotina bem afiada.

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27 de setembro de 2019

A aposta em Bolsonaro continua firme

Laerte
Fábio Zanini, colunista da Folha, fez a seguinte conta sobre as 2.780 palavras cuspidas por Bolsonaro na ONU:

- 27,4% foram usadas para defender a visão do governo sobre meio ambiente, Amazônia e direitos indígenas;

- 25,93% referiram-se à defesa de valores liberais e globalistas;

- 24,56% foram pronunciadas para a defesa de valores conservadores;

- 21,04% foram de ataque a esquerdistas dos mais variados.

Ou seja, segundo Zanini, o pronunciamento foi 75% conservador e 25% liberal.

Enquanto isso, pesquisa do Ibope divulgada em 25/09/2019 mostrou ligeira queda da popularidade do presidente. Principalmente, na região Sul. Mas, no total, sua aprovação teria permanecida estável

Reportagem de André Shalders, publicada na BBC-Brasil sobre a pesquisa, consultou alguns analistas políticos. Eles concluíram que “as ações do presidente parecem estar sendo capazes de fidelizar uma parte do eleitorado”.

Afirmaram, inclusive, que o apoio seria “maior do que o que dispunham os antecessores de Bolsonaro, Michel Temer (MDB) e Dilma Rousseff (PT) nos piores momentos de seus governos”.

Noves fora, nada, o que parece estar acontecendo é o seguinte. Bolsonaro pode falar as piores estupidezes, incentivar as maiores agressões a minorias, maiorias, manifestações artísticas, sociais, sindicais. Estimular matanças de pobres, pretos, homossexuais, indígenas. Pode fazer o Brasil passar vergonha nos salões da elite mundial. Pode tudo isso, desde que os seus 25% de liberalismo selvagem estejam sendo aprovados no Congresso e implementados em 100% da economia.

Enquanto Bolsonaro mantiver um mínimo de apoio popular sem que os movimentos sociais sejam capazes de reagir à altura ou fiquem presos ao calendário eleitoral, a aposta dos poderosos em sua permanência continuará firme.

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26 de setembro de 2019

Luta feminista e reprodução social

A luta das mulheres pelos direitos reprodutivos não deveria ser somente sobre não ter filhos, mas também sobre dar-lhes a luz e criá-los com dignidade.

Este é um dos aspectos abordados em um texto de Tithi Bhattacharya sobre reprodução social. Feminista marxista, ela também assina o manifesto “Feminismo para os 99%”, junto com Cinzia Arruza e Nancy Fraser.

Mais trechos:

As principais funções que reproduzem a classe trabalhadora ocorrem fora do local de trabalho.

Quem entende melhor este processo? O capitalismo. Este é a razão pela qual o capitalismo ataca brutalmente a reprodução social para ganhar a batalha na produção. É por isso que ataca os serviços públicos, empurra a carga de cuidados para as famílias individuais, reduz o cuidado social para fazer com que toda a classe trabalhadora seja vulnerável e menos capaz de resistir aos seus ataques no local de trabalho.

Quem mais entende este processo? Os marxistas revolucionários. É por isso que podemos ser o vínculo entre a esfera da reprodução, a comunidade onde a escola está sendo fechada, o lar onde a mulher é submetida à violência; e a esfera da produção, onde lutamos por benefícios e por salários mais altos.

(...)

...a opção reprodutiva não pode ser só sobre o controle dos nossos ovários. Trata-se de controlar nossas vidas: se queremos ter filhos, quando tê-los, quantos ter, o tempo para cuidar deles, que existam escolas públicas para recebê-los, que nem eles nem seus pais estejam atrás das grades e o mais importante, receber um salário decente para poder tomar decisões sobre todas essas coisas.

Aqui, a íntegra do texto. Leitura obrigatória.

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25 de setembro de 2019

Internete das vacas. Ou a agricultura sem agricultores

Empresas como IBM, Cisco e Huawei oferecem pacotes de tecnologia para a Internet das vacas. São dispositivos digitais (coleiras e/ou chips) colocados em cada vaca para medir seu pulso, temperatura, pico de fertilidade e outras condições de saúde relacionadas ao sistema digestivo. Os dados são transmitidos pela Internet a uma nuvem das próprias empresas, que os armazena em grandes sistemas de dados (big data), analisa-os com inteligência artificial e envia os avisos que o programa considera pertinentes a um computador ou telefone da empresa agrícola ou fazenda.

O trecho acima é de um recente artigo de Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo Erosão Tecnologia e Concentração. Mas há mais coisas assustadoras no texto.

Chips podem direcionar o gado para a ordenha no momento certo. Cada dispositivo, associado a uma vaca em particular. Silvia cita ainda a internete dos porcos e ovelhas com bases semelhantes.

No México, está em implantação um pacote da Microsoft que oferece monitoramento permanente das condições do solo, umidade, estado das plantações, dados climáticos. Tudo isso dá à empresa condições de avisar quando e onde semear, irrigar, aplicar fertilizantes ou agrotóxicos, quando colher...

Para aumentar a “conectividade rural”, a Microsoft usará frequências de televisão fora de uso. Com isso, haverá internete em cada propriedade, todas enviando informações para uma nuvem de dados que permitirá à empresa montar um enorme mapa de recursos, solos, água, florestas, minerais, biodiversidade...

E, adivinhem, trata-se de um projeto de agricultura com alto uso de agrotóxicos e sementes patenteados, visando a expansão das empresas do setor.

É a internete das coisas. E, adivinhem novamente, é a agricultura sem agricultores.

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24 de setembro de 2019

O quinto cavaleiro do apocalipse nivelador

Em seu livro “A Grande Niveladora”, Walter Scheidel afirma que a violência enquanto fator de nivelação social se manifestaria na história humana como quatro cavaleiros do apocalipse: guerras, epidemias, colapso estatal e revoluções.

Mas no final da obra, o autor afirma que esses quatro cavaleiros já não têm tanto poder.

No mundo atual, as guerras, além de estarem reduzidas a conflitos regionais, tornaram-se mais robotizadas e a cargo de exércitos menores, compostos por mercenários. Dependem muito menos do alistamento em massa.

As epidemias dificilmente causariam o efeito devastador demonstrado antes da modernidade. Os colapsos dos Estados também teriam ficado no passado mais distante. E, finalmente, as revoluções estariam fora de nosso horizonte histórico.

O problema é que o autor não apresenta qualquer evidência de que meios menos traumáticos possam tomar o lugar desses episódios niveladores.

Por outro lado, jamais na história humana a desigualdade social chegou aos extremos atuais. Em cifras absolutas pode haver menos violência, miséria, mortes e doenças. Mas em termos relativos, nunca tão poucos detiveram o controle de tanta riqueza. Nunca tantos tiveram seu destino decidido por tão poucos.

Tudo isso poderia ser apenas o fracasso de um projeto civilizacional baseado na justiça social universal. Mas também é resultado de uma determinada relação que estabelecemos com o restante da natureza.

É aí que surge um quinto cavaleiro do apocalipse. Um personagem que Scheidel não cita em seu livro. É o colapso ambiental. Sua montaria vem a todo galope, açoitada pela vocação destruidora e suicida do capitalismo. E em seu rastro, pode não restar nada mais do que terra arrasada. Nivelada.

Continua...

Leia também: As revoluções transformadoras e o achatamento social

23 de setembro de 2019

Washington e a política dos passeadores de cachorro

A jovem Alexandria Ocasio-Cortez, do Partido Democrata, surgiu como uma nova liderança nas eleições do ano passado. Um sopro de ar fresco na atmosfera poluída da política estadunidense.

Nove meses após sua posse, já não é bem assim. Pelo menos, é o que diz recente matéria publicada no New York Times, segundo a qual Alexandria estaria aprendendo a “jogar pelas regras de Washington”.

A deputada e sua equipe chegaram ao Congresso decididos a respeitarem mais a vontade das ruas que a dos chefes de seu partido.

Entre as propostas inovadoras que lideraram, está, por exemplo, o “New Deal Verde”, um pacote de medidas para combater as mudanças climáticas e as desigualdades econômicas.

O problema é que o velho cretinismo parlamentar não demorou a se impor.

Até agora, os veteranos tiveram paciência, afirma Alexandria: “Podiam ter me colocado na Comissão de Passeadores de Cachorro”. Mas o fato, diz a reportagem, é que:

...a abordagem que ela e seus aliados defendem – de empurrar a instituição para a esquerda, ameaçando as carreiras de democratas que não abracem suas ideias – afastou muitos de seus colegas, dificultando sua tarefa de tirar as coisas do papel.

Desse modo, Alexandria admite estar passando por um processo de “perda de inocência e ingenuidade”, percebendo ser “impossível separar o trabalho no Congresso e a política envolvida nas campanhas à reeleição”.

Rosa Luxemburgo dizia que quando os socialistas acham que estão mudando o Estado, é o Estado que está mudando os socialistas.

Ocupar assentos no parlamento, sim. Mas tentar empurrá-lo para a esquerda por dentro dele... Só vai sobrar a Comissão dos Passeadores de Cachorro, mesmo.

20 de setembro de 2019

As revoluções transformadoras e o achatamento social

A violência envolvida nas revoluções transformadoras é outro fenômeno histórico capaz de diminuir radicalmente as desigualdades sociais, afirma Walter Scheidel, em seu livro “A Grande Niveladora”.

Mas essas rupturas radicais estariam restritas à modernidade. Mais especificamente, ao século 20 e às revoluções Russa e Chinesa. Segundo o historiador, ambas levaram a uma redução das desigualdades mais parecida com um “achatamento social”.

Um nivelamento por baixo, em que as necessidades mais básicas foram atendidas, mas ficaram muito distante da elevação generalizada do bem-estar imaginada pelos líderes dessas revoluções e dos socialistas em geral.

Tanto num caso como no outro, medidas adotadas de cima para baixo, forçaram uma coletivização da economia nacional que custou milhões de vidas e inviabilizaram a democratização da produção e da política.

Mas essas medidas somente foram adotadas em resposta aos ataques e pressões imperialistas, que sufocaram as duas tentativas até matar sua origem revolucionária.

O capitalismo jamais deixou de imperar nas duas sociedades. Nem a União Soviética nem a República Popular da China conseguiram superar o principal instrumento de exploração capitalista, o trabalho assalariado.

Para que o nivelamento social se transformasse em verdadeira justiça social seria preciso que revoluções socialistas ocorressem também nas economias mais industrializadas.

Seria a revolução permanente defendida por Trotsky, cujo caráter violento diminuiria conforme as burguesias nacionais fossem derrubadas.

A violência que acabou imperando nas duas experiências foi produto de uma regressão capitalista imposta por fora e assumida por dentro, não da implantação do socialismo.

Trata-se de novas vitórias da barbárie capitalista a nos obrigar, cada vez mais, e de novo, a escolher entre ela e o socialismo.

Continua...

19 de setembro de 2019

O nivelamento social precedido pela barbárie

O Estado de Bem-Estar Social na Europa do Pós-Guerra seria um exemplo claro dos efeitos de nivelação social provocados pela guerra. Pelo menos, segundo o historiador Walter Scheidel, em seu livro “A Grande Niveladora”.

A Segunda Guerra exigiu imensos sacrifícios humanos e radicalizou as contradições sociais em cada país em que ocorreu. Também fez surgir a ameaça soviética ao domínio imperialista ocidental. Diante disso, prevaleceu o princípio da entrega de alguns anéis para salvar os dedos.

Mas o caso do Japão é outro exemplo importante. Terminada a guerra, o país foi ocupado por forças estadunidenses. Entre as medidas impostas pelos invasores, reforma agrária, liberdade de organização sindical, direito de greve, desconcentração do capital em poder da burguesia tradicional japonesa e impostos sobre os mais ricos.

Em mensagem pelo Ano Novo de 1948, o chefe das tropas invasoras, general MacArthur, declarou que sua missão no Japão era desmontar um sistema controlado “por uma minoria de famílias feudais e explorado em seu benefício exclusivo”.

Por trás das belas palavras e das medidas aparentemente louváveis da ocupação estadunidense, um grande objetivo: quebrar o sistema econômico que permitiu ao Japão montar sua máquina de guerra e impedir que o país voltasse a ameaçar os interesses ianques.

O autor parece acertar ao apontar a guerra como um importante fator de diminuição das injustiças sociais no Japão. Mas a um custo em vidas extremamente elevado, incluindo um covarde bombardeio nuclear.

Scheidel não chega a afirmar isso, mas o caso japonês é mais uma demonstração de que qualquer diminuição da desigualdade social sob o capitalismo costuma ser precedida pela mais terrível barbárie.

Leia também: A guerra como fator de igualdade social

18 de setembro de 2019

A guerra como fator de igualdade social

Em seu livro “A Grande Niveladora”, Walter Scheidel afirma que a violência seria a maior responsável pelos episódios de diminuição da desigualdade social na história humana.

Ela se manifestaria na forma de guerras, epidemias, colapso estatal e revoluções transformadoras. Seriam os quatro cavaleiros do apocalipse da nivelação social.

Segundo o autor, o papel da guerra é mais decisivo nas sociedades modernas devido ao recrutamento em massa, fenômeno histórico novo.

O alistamento generalizado leva grande parte da população a sacrificar suas vidas. Diante disso, os setores dominantes são obrigados a pagar mais impostos e aceitar políticas governamentais mais distributivas.

Mas outra das consequências das guerras modernas é a democratização. Parece estranho, mas Sheidel cita Max Weber:

A disciplina militar significou o triunfo da democracia, porque a comunidade desejava e foi compelida a garantir a cooperação das massas não-aristocráticas e, portanto, colocar em suas mãos armas e, juntamente com o poder das armas, é preciso estender direitos políticos. (História Geral da Economia - 1923)

De fato, a maioria das guerras modernas ocorre devido a choques surgidos entre setores da própria classe dominante, seja em nível nacional ou mundial. Para resolver o conflito, as facções ou governos envolvidos utilizam a população como bucha de canhão. Mas ao fazer isso, são obrigados a armá-la.

Terminada a guerra, é preciso desarmar os dominados antes que acabem se voltando contra aqueles que os enviaram para a morte. A solução passa por um afrouxamento da dominação política e melhores condições de vida.

Resumindo grosseiramente, justiça social sob o capitalismo dificilmente acontece sem o sacrifício de muitas vidas e o dedo popular no gatilho.

17 de setembro de 2019

A violência como fator de nivelamento social

A violência seria a grande responsável pelos raros períodos de diminuição da desigualdade social na história humana.

Esta é a hipótese que o historiador austríaco Walter Scheidel defende em seu livro “A Grande Niveladora: Violência e a história da desigualdade da Idade da Pedra ao século 21”, sem edição no Brasil.

Como se vê pelo título, trata-se de um levantamento histórico tão extenso quanto ousado. Mas muitas observações e conclusões convidam a refletir sobre certos fenômenos sociais e históricos.

É o caso do desenvolvimento das armas como importante fator na diminuição da truculência social entre os mais antigos agrupamentos humanos.

O historiador admite que alterações fisiológicas e mentais sofridas por nossa espécie teriam diminuído o peso da agressividade egoísta frente à colaboração solidária. Mas considera mais importante o papel de inovações na aplicação da violência.

É o caso das armas, cujo surgimento teria permitido aos membros mais fracos das primeiras comunidades humanas imporem-se aos mais fortes.

No lugar da luta corpo a corpo, em que o tamanho físico é decisivo, o combate à distância por meio de armas como as atiradeiras. Não há melhor exemplo que o de Davi abatendo Golias.

Outro elemento importante foi a elaboração de estratégias bélicas pensadas e executadas coletivamente pelos membros de menor envergadura para derrotar indivíduos grandes, mas isolados.

Eram os inícios da política como ciência. Antes como agora, muito relacionada à violência.

O historiador cita muitas evidências em favor de sua tese. Voltaremos a elas nas próximas pílulas.

Mas antes uma advertência: maior nivelamento social nem sempre é sinônimo de bem-estar para todos. Também pode significar colapso civilizacional generalizado.

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A sangrenta não-violência de Gandhi

16 de setembro de 2019

A oposição de que Bolsonaro precisa

A extrema-direita está no poder. Os ataques não cessam. Direitos sociais vêm sendo varridos da Constituição e da legislação.

A repressão vai desde a censura e perseguição a movimentos sociais e culturais à intensificação das mortes de pretos e pobres, indígenas e homossexuais, lideranças populares e sindicais.

Diante disso, é indispensável buscar a mais ampla unidade em defesa de direitos e democracia, certo? Sim, mas qual unidade e para quê?

Em 02/09/2019, na capital paulistana, foi lançado o movimento "Direitos Já!". Entre os presentes famosos, Noam Chomsky, Ciro Gomes (PDT), e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Logo depois, em 04/09/2019, aconteceu o lançamento de outra frente. Desta vez, em Brasília, com a presença do PT, grande ausente no evento anterior.

Era a Frente pela Soberania Nacional. Entre os presentes famosos, Fernando Haddad (PT), Carlos Lupi (PDT), Wellington Dias (PT), governador do Piauí, e Guilherme Boulos (PSOL).

Não faltaram entidades de luta como CUT, FUP, MST, MTST, Cimi, Apib, Fenaj, MAB e MAM.

As duas frentes surgem separadas e o calendário eleitoral, muito provavelmente, vai distanciá-las ainda mais.

De qualquer maneira, há elementos em comum às duas iniciativas. Na primeira, entre aqueles presentes famosos, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, partido que é um dos protagonistas na aprovação da Reforma da Previdência de Bolsonaro.

Já no segundo evento, o presente mais célebre era, certamente, o senador Renan Calheiros, do MDB, outra agremiação cuja atuação em favor da aprovação das medidas de Bolsonaro é incontestável.

Direitos Já ou Direita Já? Frente pela Soberania Nacional ou pela capitulação eleitoral?

Vêm aí, as eleições municipais. Bolsonaro agradece.

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13 de setembro de 2019

5G: mais vigilância e controle social

A tecnologia 5G foi criada principalmente para servir ao capital. Nesse sentido, acentua a subordinação da sociabilidade humana à circulação de mercadorias. Para que esta seja harmoniosa, aquela tem que ser cada vez mais conflituosa e alienada.

Quem quer que não acompanhe ou atrapalhe a valorização do capital está sob ameaça. Podem ser pequenos empresários, incapazes de concorrer com monopólios. Mas, certamente, o maior alvo são militantes políticos e sociais.

Afinal, em uma sociedade que assegura total liberdade às mercadorias, a liberdade das pessoas é que precisa ser controlada, vigiada, tolhida.

Para essa função a internete já se mostra bastante adequada. Mas com sua versão 5G, não será preciso aguardar que sejamos nós a acessar seus dispositivos.

A internete das coisas é a rede onipresente. Cada pessoa transforma-se em um ponto circulando por ela. E os nós dessa rede já não são apenas computadores e celulares. São automóveis, mobiliário urbano, a casa, o trabalho, o lazer.

Tudo e todos rastreados o tempo inteiro.

Não à toa, a rede 5G está no centro da disputa entre as duas maiores potências capitalistas da atualidade. Estados Unidos e China emparelhados na mais recente corrida tecnológica.

Os Estados Unidos com um liberalismo que assegura plena liberdade apenas para que suas grandes corporações privadas satisfaçam seus interesses. A China com seu capitalismo superplanejado a serviço de monopólios estatais e não estatais, incluindo alguns estadunidenses e europeus.

A 5G só é estratégica para os negócios e para o controle social porque obedece a uma lógica sistêmica. É esta lógica que devemos combater. Quem sabe, utilizando as próprias contradições da 5G para isso.

Leia também: 5G: a internete das coisas e de seu fetichismo

12 de setembro de 2019

5G: a internete das coisas e de seu fetichismo

Baixar filmes em um segundo. Cirurgias realizadas em pacientes localizados em outro continente. Veículos deslocando-se de maneira perfeitamente sincronizada, dispensando condutores, semáforos, radares.

No lugar de smartphones, lentes de contato conectadas. Óculos que borrarão os limites entre o virtual e o real. Tecnologias que poderemos vestir, implantar ou tatuar.

Tudo isso e muito mais deve ser possível com a chegada da 5G, a quinta geração da telefonia digital. Talvez, a última que utilizará celulares. A partir dela, quase tudo se comportará como um deles.

O acesso à internete deixará de se limitar apenas a alguns tipos de terminal. Poderemos interagir até com postes, hidrantes e lixeiras.

E, aí, surgem os problemas. Surgem, não. Se agravam.

O objetivo até poderia ser nobre. Salvar muitas vidas, diminuir o infernal deslocamento urbano, permitir lindas viagens culturais e históricas virtuais.

Quem sabe, possibilitar a realização de grandes assembleias e congressos com todas as vantagens da participação presencial sem necessidade de deslocamentos caros ou inconvenientes.

Mas a 5G exige muito mais antenas. Mais infraestrutura. Mais dinheiro. E estará realmente disponível para quem controla o dinheiro ou esteja perto dele.

É por isso que ela é chamada de internete das coisas. A 5G poderia colocar as coisas a serviço das pessoas. Mas, muito provavelmente, serão as pessoas que servirão às coisas.

É mais uma volta no velho parafuso do fetichismo da mercadoria, metáfora que Marx criou para uma sociedade onde são as coisas, transformadas em mercadoria, que têm vida social, não as pessoas.

Afinal, é de obter mais lucros que se trata.

A 5G é só a enésima geração dessa feitiçaria opressora.

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O fetichismo da mercadoria sobre rodas

11 de setembro de 2019

5G: o lucro pede mais velocidade

O capitalismo depende cada vez mais de velocidade. Mas essa rapidez é fundamental em uma situação específica. Na circulação de mercadorias.

Com a crescente utilização da automação nas atividades produtivas, os lucros de quem a utiliza são enormes. Mas a taxa de lucro, não.

A automação leva ao descarte de trabalho humano. Mas é dele que o capitalismo extrai o excedente que possibilita o lucro.

Máquinas são trabalho morto. Não geram valor novo. O lucro resultante delas vem do valor produzido por seus produtores: alguns poucos técnicos e engenheiros.

Unitariamente, os produtos ficam mais baratos. Mas por incorporarem menos trabalho humano, geram uma taxa de lucro menor. É a chamada queda tendencial da taxa de lucro, descoberta por Marx.

A competição capitalista não permite paradas. Os grandes monopólios aceleram a velocidade de toda a economia. Tentam aumentar a taxa de lucro com um consumo mais veloz.

É principalmente isso que leva as mercadorias de tecnologia de ponta a serem menos duráveis. Não é sua falta de resistência física, mas sua...lentidão.

Algumas mercadorias se tornaram estratégicas porque diminuem o intervalo entre aquisição e pagamento. A principal função dos celulares não é agilizar a comunicação entre pessoas, mas entre mercadorias.

Por isso, a informação passou a ser valiosa apenas quando circula rapidamente. Se ela expressa alguma relação com fatos, pouco importa. Importam os cliques, retuítes, likes, zapeadas.

É assim que chegamos à era da circulação de mercadorias na velocidade da luz. Na velocidade das fibras óticas.

É nesse contexto que surge a tecnologia 5G. Com ela, outro traço do capitalismo se acentua. O fetichismo da mercadoria.

Continua...

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Borboletas, caos e capitalismo

10 de setembro de 2019

Inteligência artificial e trabalho fantasma

A Inteligência Artificial criou uma nova categoria de explorados. São os trabalhadores fantasmas. É disso que trata recente artigo de Alfredo Moreno, professor da Universidad Nacional de Moreno, na Argentina.

São chamados assim porque quase ninguém sabe que são eles que realizam certas tarefas atribuídas à inteligência artificial.

Sua atividade é a “computação humana”, técnica que atribui a grupos de pessoas a realização de certos passos do processo computacional que as máquinas não fazem bem.

Um exemplo é a Netflix, cujo imenso catálogo necessita da intervenção humana para classificar milhares de séries, filmes, programas de TV. Outro exemplo são os tradutores automáticos, que empregam pessoas com formação em linguística e idiomas.

Outra modalidade de “computação humana” consiste “em propor atividades, desafios e problemas a quantidades massivas de colaboradores externos para que os solucionem em troca de algum benefício”.

Esses “voluntários” participam dos processos sem se dar conta de que a verdadeira intenção é baratear mão de obra.

Como diz Moreno, são “microtarefas” desempenhadas “em troca de micropagamento”. Obviamente, proporcionando megalucros do outro lado.

Tudo isso até que as pessoas sejam descartadas graças a avanços da inteligência artificial que elas mesmas estão ajudando a desenvolver.

O fator comum a esses trabalhos, diz o artigo, é que eles:

...estão à sombra, sem definição e oculta aos consumidores (cidadãos) que se beneficiam dela, propiciando as condições para um trabalho sem direitos praticamente pré-capitalista.

Ou seja, é mais uma modalidade de exploração que remete aos traços neofeudais que muitos enxergam na atual onda de precarização generalizada do trabalho humano.

É a uberização em versão fantasmagórica. Assustador.

9 de setembro de 2019

O professor cínico. Ou descarado, mesmo

”Os mais afetados por uma recessão são os mais ricos”, diz o professor Steven Neil Kaplan. A frase serve de título para entrevista concedida por ele e publicada por Raquel Landim na Folha, em 02/09/2019.

O depoimento é uma coleção de pérolas do cinismo neoliberal mais escancarado. A lógica da afirmação de Kaplan destacada pelo título é a seguinte:

O mercado de ações colapsa e as pessoas perdem seus empregos. Se as ações caírem 30%, o patrimônio dos mais ricos cai 30%, enquanto os mais pobres recebem o apoio da rede de proteção do Estado. Os mais afetados, portanto, são os ricos.

Ele também diz que “os CEOs das grandes empresas, que recebem US$ 15 milhões por ano, não ganham mais do que deveriam”. Verdade que ganham muito, diz, mas “menos do que recebiam no início dos anos 2000, se ajustarmos pela inflação”.

Kaplan reconhece que a desigualdade cresceu pelo mundo. Admite que “precisamos de uma rede de proteção social eficiente”. Porém:

...se você me perguntar se eu prefiro voltar atrás e trocar a queda da fome no mundo pela solução desse problema, minha resposta é, absolutamente, não.

Toda essa “racionalidade” combina com outra ideia, que Kaplan diz compartilhar com seus estudantes:

O dinheiro é mais importante do que a sua mãe. Você pode ser bem-sucedido sem sua mãe, mas uma empresa não sobrevive sem caixa.

Steven Neil Kaplan é chefe do centro de empreendedorismo da Universidade de Chicago. Para ele, empreendedores são aqueles que desprezam a mãe e esperam lucrar com a fome no mundo.

Além de votar em Trump e Bolsonaro, claro.

6 de setembro de 2019

Bolha financeira fóssil. Era só o que faltava

Tornou-se comum nas editorias de tecnologia da grande imprensa um otimismo que pode ser resumido no seguinte esquema:

Já era: automóveis e utilitários movidos a combustível fóssil. Já é: automóveis elétricos. Já vem: automóveis e utilitários movidos a eletricidade.

Mas não é o que mostra, por exemplo, o artigo de Alex Callinicos “Apostando na perda infinita”, infelizmente sem tradução do inglês.

Nos últimos dez anos, a cadeia de suprimento de combustíveis fósseis foi completamente financeirizada através de fundos de investimento, muito menos regulamentados que os bancos convencionais.

Em 2014, 52 desses fundos captaram US$ 39 bilhões para investimentos no setor de petróleo e energia. Um volume 20% maior que no ano anterior e o mais alto desde 2008.

Além disso, as empresas de petróleo e gás criaram seus próprios bancos e fundos de investimento. Desse modo, podem acessar dinheiro com os privilégios concedidos aos bancos.

A poderosa empresa de energia francesa EDF adquiriu o setor do falido banco Lehman Brothers durante a crise financeira e registrou um aumento de 60% em suas receitas desde 2008.

Tudo isso mostra que o capital continua investindo pesadamente em combustíveis fósseis. Donald Trump não foi eleito apenas graças a fake news e ressentimento.

Não à toa, estudos apontam que, de 1870 a 2014, um quarto de todas as emissões de CO2 ocorreu nos últimos quinze anos desse período.

Para completar, temos a introdução de um perigoso elemento especulativo na cadeia produtiva de petróleo, gás, carvão e urânio.

Portanto...

Já era: acreditar em capitalismo verde. Já é: mais emissões de CO2. Já vem: bolha financeira fóssil, crise climática e caos social.

Leia também: Crise climática e caos social

5 de setembro de 2019

Crise climática e caos social

Voltando à questão do aquecimento global, vale destacar uma advertência feita por Jonathan Neale, no artigo “Colapso social e crise climática”, sem tradução do inglês. Segundo esse marxista britânico:

Temos experiências aterrorizantes o suficiente na história moderna para saber como será o "colapso social" causado pelas mudanças climáticas. Considere a metade do século 20, quando sessenta milhões foram mortos.

(...)

Quase nenhum desses horrores foi cometido por pequenos grupos de selvagens vagando entre ruínas. Eles foram cometidos pelos Estados e por movimentos políticos de massa.

A sociedade não se desintegrou. Não se desfez. A sociedade se intensificou. O poder se concentrou, nos dividiu e nos fez matar-nos uns aos outros. Parece razoável supor que o colapso social climático será assim. Mas com cinco vezes mais mortos, se tivermos sorte, e 25 vezes mais, se não tivermos.

Lembre-se disso, porque quando a mudança climática descontrolada chegar a você, onde você mora, ela não virá na forma de alguns motociclistas selvagens cabeludos. Virá com tanques nas ruas e os militares ou os fascistas assumindo o poder.

(...)

Nossos novos governantes atiçarão as chamas de novos racismos. E explicarão por que devemos manter afastadas as hordas de sem-tetos famintos do outro lado do muro. E por que, infelizmente, temos que atirar neles ou deixá-los se afogar.

Ou seja, muito provavelmente, não será um futuro tipo Mad Max. Passaríamos do Assustador Mundo Novo atual para algo como “1984”, de George Orwell. Mais uma vez, será o capitalismo se reciclando às custas da imensa maioria da humanidade.

Antecipar esse cenário já deveria ser um passo para preparar nossa resistência a ele.

Leia também: Aquecimento global: melhor apostar no pior