Doses maiores

29 de junho de 2012

Dilma, cada vez mais Merkel

“Planalto reage aos 10% do PIB em educação”. Este é o título de reportagem de Fernando Exman e João Villaverde para o Valor, publicada em 28/06. Segundo a matéria, a presidenta considerou a medida como uma "aventura fiscal".

Os jornais de hoje dizem que Dilma vai se queixar ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Ela está preocupada com algumas medidas em debate na Casa. Entre elas, o fim do fator previdenciário, o piso para agentes de saúde e a redução da jornada de enfermeiros.

O Globo também diz que a presidenta se considera traída. Afinal, ela apoiou a aprovação de um aumento de 150 milhões para as verbas de gabinete dos deputados. Medida prometida por Maia quando fez campanha para ser eleito presidente da Câmara. 

Ao mesmo tempo, ninguém pode mexer nas metas previstas para o superávit primário. Trata-se dos recursos destinados a pagar os juros da dívida pública. Aquela que retira grande parte das verbas das áreas sociais.

Uma greve já atinge 95% dos professores e funcionários das universidades federais, após mais de 40 dias de paralisação. O governo não negocia e acabou.

Tudo isso mostra quais são as prioridades do governo Dilma. A premier alemã Angela Merkel aprovaria. A atual dama de ferro do neoliberalismo mundial tem uma fiel seguidora no Brasil.

28 de junho de 2012

A pequena política do PT

A aliança entre Lula e Maluf não deveria surpreender. É consequência natural da história mais recente do PT. Mais precisamente, desde que o setor dirigente do partido decidiu governar “com responsabilidade”.

Governar “com responsabilidade” implica aliar-se com os responsáveis pela secular situação de injustiça social do País. Por que Maluf estaria fora disso? Ou Sarney e Collor? E os desentendimentos com os tucanos só se explicam por problemas de pequena política.

O revolucionário Antonio Gramsci explicava a pequena política do seguinte modo:

A política menor compreende as questões parciais e quotidianas que se apresentam no interior das estruturas já estabelecidas, em virtude de lutas pela predominância entre as diversas facções de uma mesma classe política.

A definição aparece nos “Cadernos do Cárcere”. Em contraposição a ela, Gramsci define a grande política como sendo aquela ligada à “luta pela destruição, a defesa, a conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais”. A única destruição a que o PT vem se dedicando é a da esperança de milhares de militantes. 

Mas seria injusto dizer que a atuação dos petistas nada tem a ver com a grande política. Esta também pode ter como objetivo "excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo à pequena política", diz Gramsci. Aí, trata-se da política que interessa aos poderosos, claro.

Eis o papel a que o PT se reduziu. Apequenar as lutas históricas dos trabalhadores. Torná-las nota de rodapé da grande política oficial. Pelo menos, enquanto não conseguirmos voltar a fazer valer a política das pequenas lutas que se agigantam.

Leia também: Pesquisas justificam aliança Lula-Maluf

27 de junho de 2012

As responsabilidades de Lugo na própria queda

São justas as denúncias do caráter golpista da deposição de Fernando Lugo. Por trás dela, estão interesses poderosos de multinacionais, como a Monsanto. De grandes empresários da soja e do gado brasileiros. Da própria Casa Branca, interessada em aumentar a presença na região.

Mas nada disso diminui a responsabilidade do próprio Lugo. Atilio Boron, sociólogo argentino, em artigo no jornal Brasil de Fato, critica o presidente deposto por sua docilidade em relação à direita paraguaia:

Gestos de concessão a favor da direita resultam unicamente em torná-la mais agressiva, não apaziguá-la. Apesar das concessões, Lugo sempre foi considerado um intruso incômodo, por mais que promulgasse, ao invés de vetá-las, as leis antiterroristas que, a pedido de "a Embaixada", aprovava o Congresso, o mais corrupto das Américas.

A também socióloga Lorena Soler, escreveu no jornal Página/12:

Quem governa com tanta normalidade, em poucas horas depois de usurpar o poder, é porque já governava tudo antes. Enfim, Fernando Lugo não controlava os recursos básicos do Estado nacional, nem sequer a polícia que, há apenas oito dias, assassinou vários camponeses, do grupo mais querido de sua origem e o último elo de seu apoio social.

O presidente deposto concedeu entrevista ao jornal Zero Hora. Ao ser questionado sobre sua posição favorável aos carperos (sem-terras), Lugo respondeu: “sempre estive a favor de todos, tratando de buscar soluções pacíficas, tratando de desenvolvimento do país com harmonia”.

Uma frase que diz tudo. Governar para todos em pleno capitalismo é ilusão ou falsidade. Seja qual for o caso de Lugo, o preço a ser pago pelos trabalhadores paraguaios será alto.

26 de junho de 2012

Dinheiro não compra felicidade. Só cartão

Em 23/06, Natália Paiva publicou na Folha o artigo “Filósofo põe em xeque limites morais das leis de mercado”. O texto resenha o livro "What Money Can't Buy (O que o dinheiro não pode comprar)", do filósofo americano Michael Sandel.

Na obra, Sandel “lista dezenas de exemplos para afirmar que a economia de mercado deixou de ser somente ferramenta útil para organizar a atividade produtiva: passou a definir relações sociais e valores morais".

Alguns exemplos: uma americana pode terceirizar a gravidez a uma indiana, pagando US$ 6.250. Por US$ 20 a hora, moradores de rua são pagos para ficar na fila do Congresso americano guardando lugar para lobistas.

Na África do Sul, US$ 150 mil é o que custa uma autorização para matar um rinoceronte-negro. Também é possível comprar o direito de nomear locais públicos, como uma estação de metrô, em Nova York.

Nos Estados Unidos, por pouco não foi criado um mercado de bebês para adoção. Seria destinado a “pais/consumidores dispostos a pagar de acordo com a lei de oferta e procura”.

Natália diz que o livro tem o mérito de levar o debate “para além da ideia de ‘cobiça’ associada a Wall Street e bandeira principal dos movimentos ‘Occupy’ que se rebelaram contra os mercados pós-crise de 2008”.

É verdade. Não se trata de uma questão moral, simplesmente. É uma lógica social. Mas essa conclusão não é novidade. Karl Marx já sabia disso século e meio atrás. Chamou de “fetichismo da mercadoria”.

Algo de que nem ele escapou. O banco alemão Sparkasse acaba de lançar um cartão de crédito que traz uma imagem dele como ilustração.

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25 de junho de 2012

As dívidas e as dádivas

As dívidas estão no centro das preocupações mundiais. Na verdade, já não existe capitalismo sem elas. E há até quem as considere parte da natureza humana. Para estes, talvez fosse lembrar o “Ensaio sobre a Dádiva”, de Marcel Mauss. Nele, o sociólogo e antropólogo francês investiga a troca de presentes entre os polinésios.

Em um trecho, Mauss cita notas do etnógrafo Robert Hertz sobre o “hau” (o “espírito da coisa dada”). Quem explica é um habitante local:

Suponha que o senhor possui um artigo determinado (taonga), e que me dê esse artigo: o senhor o dá sem um preço fixo. Não fazemos negócio com isso. Ora, eu dou esse artigo a uma terceira pessoa que, depois de algum tempo, decide dar alguma coisa em pagamento (utu), presenteando-me com alguma coisa (taonga). Ora, esse taonga que ele me dá é o espírito (hau) de taonga que recebi do senhor e que dei a ele. Os taonga que recebi por esses taonga (vindos do senhor) tenho que lhe devolver. Não seria justo (tika) de minha parte guardar esses taonga para mim, quer sejam desejáveis (rawe) ou desagradáveis (kino). Devo dá-los ao senhor, pois são um hau de taonga que o senhor me havia dado. Se eu conservasse esse segundo taonga para mim, isso poderia trazer-me um mal sério, até mesmo a morte. Tal é o hau, o hau da propriedade pessoal, o hau dos taonga, o hau da floresta. Kati ena (basta sobre esse assunto).

Entendeu? Difícil, né? Pois, experimente explicar como funciona, e principalmente para quê serve, o nosso sistema de dívidas. Kati ena!

22 de junho de 2012

Paraguai: ameaça de golpe no paraíso neoliberal

O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, está sob ameaça de um golpe. Um processo de impeachment está em andamento no senado do país. A acusação inclui vínculos com movimentos sociais e falta de ação contra a ocupação de terras. Ou seja, acusações que deveriam ser entendidas como elogios.

Lugo foi eleito em 2008, com apoio da esquerda paraguaia e dos movimentos sociais. Desde então, vem enfrentando inúmeros ataques por parte da direita. O maior problema é que o Congresso domina a política paraguaia. E a direita domina o Congresso. É a 24ª tentativa de tirá-lo da presidência.

O atual pretexto para o golpe foi um confronto entre sem-terras e polícia que terminou com 15 mortos. Tal como em muitos de seus vizinhos, a concentração fundiária é uma das raízes dos problemas sociais do país. Em 2008, 2% dos proprietários possuíam 78% das terras. A maioria deles formada por grandes criadores de gado e plantadores de soja. Entre os quais, muitos brasileiros.

Ao mesmo tempo, o Paraguai é considerado um paraíso neoliberal. É o que diz César Felício na reportagem “Paraguai, paraíso do Estado mínimo”, publicada no Valor de hoje. O texto diz, por exemplo, que a carga tributária é a mais baixa da América do Sul. Mas 69% dos paraguaios não têm qualquer mecanismo de proteção social, incluindo previdência social.

Fernando Lugo jamais colocou toda essa situação em risco. Nunca tentou colocar em prática medidas realmente radicais. Mesmo assim, é alvo da direita. É mais um exemplo de que na política institucional já não há espaço nem para mudanças superficiais.

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21 de junho de 2012

Rio+20 e o ciclo menstrual das borboletas

Até meados dos anos 90, grande parte da esquerda acusava injustamente os ambientalistas de discutir o “ciclo menstrual das borboletas azuis”. Ou seja, coisas abstratas, inúteis, “perfumaria”, de “classe média”...

As coisas começaram a mudar com a Eco-92. O grande encontro indicava algo importante. Era a conscientização chegando. Não apenas dos setores de esquerda. Ao contrário, eram os capitalistas e seus governos preocupados com o futuro de seus lucros.

Estavam de olho em um novo filão econômico: a indústria sustentável. Atualmente, conhecida como “economia verde”. Mas muita coisa mudou nesses 20 anos. O capitalismo se espalhou pelo chamado Terceiro Mundo.

A China, rural e atrasada, virou a fábrica do mundo, por exemplo. Já não quer, nem consegue, frear seu desenvolvimento. O mesmo vale para os outros “emergentes”. Todos presos a modelos sujos. Já as potências do “Primeiro Mundo” estão atoladas em suas crises econômicas.

Além disso, há os efeitos de 30 anos de neoliberalismo. A Rio+20 reúne governos. Mas a economia mundial foi dominada por grupos econômicos com orçamentos maiores do que os de muitos países. Algumas ONGs também não ficam atrás.

Uma informação talvez ajude e entender o que tudo isso significa. Ela é do jornalista Sérgio Leo e está publicada no Valor de ontem: “80% das patentes mundiais estão nas mãos de seis países”. Ou melhor, de seis governos. E estes não passam de agências de defesa das grandes corporações mundiais.

Os “países em desenvolvimento”, diz o texto:

Cobram dos países ricos dinheiro e cessão de tecnologia (leia-se: abrir mão de patentes e direito de propriedade intelectual) para ter “meios de implementação” das futuras metas.

Ou seja, não vai rolar. Mais realista debater “o ciclo menstrual das borboletas azuis”...

Leia também: Rio+20, nada. UFC!

20 de junho de 2012

Pesquisas justificam aliança Lula-Maluf

Há 12 anos éramos rivais e hoje somos aliados. O Brasil mudou. Mudou o eleitorado e mudaram os partidos que resolveram apoiar nosso projeto nacional, como é o caso do PP.

Com estas palavras, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, justificou a aliança com Maluf para as eleições municipais paulistanas.

Elogios à violência policial, pena de morte, ofensas a grevistas, ódio aos “vagabundos e baderneiros do PT”. Estes eram os principais motes das campanhas eleitorais de Maluf até o final dos anos 90. Suas vitórias eleitorais mostram que eles encontravam grande acolhimento na sociedade.

A militância petista e da esquerda em geral foi construindo a duras penas a resistência a todo esse conservadorismo. Mas parte dessa militância começou a se adaptar à ordem dominante. O objetivo era conquistar o poder político institucional a qualquer custo. Funcionou.

Depois de 10 anos no governo, o PT mudou muito. Já o Brasil...

Quase metade dos brasileiros apoia tortura para obter provas. Esta é a conclusão de pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, da USP, divulgada no início de junho. Em 13/04, Diego Viana publicou a matéria “Ao centro, os conservadores” no Valor. Segundo o texto:

Enquetes de institutos como Datafolha e Vox Populi revelam uma recusa à legalização das drogas que chega a 87%, rejeição do aborto variando entre 71% e 82% e apoio à pena de morte acima de 50%.

Esses valores foram reafirmados em pesquisa encomendada ao instituto GPP pelo partido Democratas (DEM). O casamento de pessoas do mesmo sexo recebeu o apoio de 41,6% dos opinantes (eram 36,5% em 2007), com rejeição de 51,2% (56,8% em 2007). A legalização do aborto levou um não de 77,2% das pessoas, ainda mais do que em 2007, quando eram 73,3%.

É esta situação que tornou possível a aliança entre Lula e Maluf. A grande maioria da população não vai estranhar muito. Afinal, é como disse Falcão. O acordo faz parte do "projeto nacional" do PT. E este se rendeu ao conservadorismo secular da sociedade brasileira.

Leia também: “Nova classe C” tende a ser conservadora, diz petista

19 de junho de 2012

Rio+20, nada. UFC!

A Rio+20 caminha para o fracasso. Talvez, uma metáfora ajude a explicar a gravidade disso. Que tal uma singela luta de “Ultimate Fighting”, a famosa UFC? Como diz o nome, trata-se da luta das lutas. Da luta definitiva.

É assim: há uns 12 mil anos, a raça humana vem lutando com as leis da natureza. Até uns dois séculos atrás, apanhávamos feio. Desde então, começamos a revidar. Depois, conseguimos equilibrar o combate. Agora, demos a volta por cima e estamos batendo.

Nosso mais recente grande golpe foi uma pirueta sobre a evolução natural. Já não somos vítimas dela e de suas mutações milenares. Depois da cambalhota, somos nós que determinamos mutações. Das que acontecem em nível genético até as mais graúdas.

É o caso das próteses. Já podemos, por exemplo, escolher mutilar braços e pernas. Substituí-los por extensões bem mais eficientes. Começou pelo esporte, mas por que não usá-las em soldados e outros “profissionais especializados”?

A mais ambiciosa das próteses é o computador pessoal. Tentativa frustrada de imitar a mente humana. Apesar disso, conseguimos rebaixar nossa inteligência o bastante para nos tornar dependentes de sua burrice.

A esta fase da luta, alguns chamam de Antropoceno. A era geológica em que humanidade domina o planeta todo. Mas a fase decisiva é a capitalista. Foi aí que passamos a derrotar nosso adversário. Nós o prendemos numa chave de pernas fatal.

O problema é que ainda não nos demos conta de quem é a vítima de nossas pancadas. Não é o planeta, seu clima, sua fauna e flora. Aquela que sufoca entre nossas pernas é nossa própria espécie.

18 de junho de 2012

“Revolução permanente” contra o SUS

O livro “Anatomia da privatização neoliberal do SUS” apresenta muitos dados e informações. De autoria de Fabiano Tonaco Borges, Suzely Adas Saliba Moimaz, Carlos Eduardo Siqueira e Cléa Adas Saliba Garbin, a publicação faz bom resumo dos ataques neoliberais à saúde pública no Brasil.

Em um trecho, os autores citam estudo de Gastão Wagner Campos, que chama tais ataques de “Revolução Permanente de Trostky”. A expressão teria sido escolhida:

...porque passada a vitória do projeto da saúde coletiva na Constituição de 1988, o subsistema privado passou a armar mil outros cenários de confrontos. Esses são articulados com um mesmo fim, mercantilizar a saúde, metodologicamente disciplinados, envolvendo os campos político, econômico e ideológico.
A analogia com o conceito de Trotsky é infeliz, mas as informações trazidas pelo livro são importantes. Mostram que defender o sistema público de saúde é cada vez mais necessário. Ele continua sendo alvo do setor privado, mesmo sob governos que se dizem antineoliberais. E a ponta de lança desses ataques são as Organizações Sociais (OSs).

Como diz a publicação, privatização não precisa estar relacionada somente à transferência de propriedade:

Mais além, a privatização está primeiramente caracterizada pela submissão do setor público ao privado pela orientação política dada à estrutura estatal. O que caracteriza essas entidades como instrumento privatizante do SUS seria a sua vinculação com a indústria da saúde (mais precisamente à produtora de insumos e produtos hospitalares), que encontrou um caminho jurídico das OSs para dominar as estruturas públicas, de forma a garantir a sustentabilidade do subsetor privado.
E cita o exemplo de um governo que nunca escondeu sua cara privatizante. No estado de São Paulo, houve:
...aumento de mais de 114% nos custos das unidades gerenciadas pelas OSs, entre 2006 e 2009, as quais custam cerca de 50% a mais que as unidades gerenciadas pela Administração Direta, gerando um déficit financeiro de 147,18 milhões aos cofres públicos, somente em 2010.
A publicação pode ser baixada gratuitamente através do link: http://www.culturaacademica.com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=210

Leia também: Saúde pública e unanimidade restrita

15 de junho de 2012

Vale e Petrobras patrocinam Rio+20. Pode?

Segundo reportagem de Francisco Góes, Vera Saavedra Durão e Guilherme Serodio para o Valor de hoje, a Rio+20 custou ao governo federal cerca de R$ 575 milhões. Desse total, diz o texto, R$ 430 milhões saíram do Orçamento da União. Mas “os restantes R$ 145 milhões vieram do caixa de empresas patrocinadoras, como Petrobras, Eletrobras e Vale”.

Enquanto isso, a “Petrobras anunciou ontem um plano de negócios que aumenta os investimentos em combustível fóssil (petróleo e gás) e reduz na área de biocombustíveis (etanol e biodiesel)”. É o que diz reportagem de Denise Luna, publicada pela Folha de hoje.

A Vale, por sua vez, conquistou o primeiro lugar como “pior empresa do ano” em votação organizada pela ONG “Public Eye” na Suíça, em janeiro passado. Os 25 mil votos foram obtidos graças às atividades de mineração da gigante brasileira. Seria cômico, não fosse estúpido, mesmo.

Os nacionalistas e neodesenvolvimentistas de plantão vão chiar. Dirão que ONGs e mídia estão a serviço do capital estrangeiro. Digamos que a acusação tenha algum fundamento. Ainda assim, não tem sentido nenhum que a Rio+20 seja patrocinada por uma petroleira e uma mineradora.

Ou melhor, tem sentido sim. Serve para mostrar a farsa em que vai se tornando a maior “conferência de desenvolvimento sustentável” do mundo.

Mais talentos negros da música clássica

O genial músico José Maurício Nunes Garcia era negro. Entre suas inúmeras obras, compôs peças para a cantora lírica Joaquina Maria da Conceição Lapa. Conhecida como Lapinha, ela passou quase 15 anos se apresentando em cidades portuguesas. Foi a primeira brasileira a cantar óperas na Europa.

A Gazeta de Lisboa informava, em 1795, que:

...foram gerais e muito repetidos os aplausos que expressavam a admiração que causou a firmeza e sonora flexibilidade da sua voz, reconhecida por uma das mais belas e mais próprias para [o] teatro.

Como se vê, Lapinha fazia grande sucesso. Mas apresentava uma característica pouco tolerada por seu público. O escritor Carl Ruders explica:

Joaquina Lapinha é natural do Brasil e filha de uma mulata, por cujo motivo tem a pele bastante escura. Este inconveniente, porém, remedeia-se com cosméticos.

Hitler era admirador confesso de Gustav Mahler, apesar da origem judia do grande compositor e maestro. Até o racismo é capaz de se render à arte. Mas não à humanidade que ela representa.

Esta é mais uma das informações da série de programas “Alma Latina: Música das Américas sob domínio europeu”, de Paulo Castagna. Ela foi transmitida pela Rádio Cultura FM de São Paulo, disponível na página http://paulocastagna.com/alma-latina.

Leia também: Música clássica, compartilhada em rede, há 300 anos

14 de junho de 2012

Que animal deve nos educar?

Arrigo Barnabé apresenta o programa "Supertônica" na rádio na Cultura FM de São Paulo. Uma das perguntas que o músico sempre faz aos convidados é “que animal você escolheria para te educar?”.

A pergunta é inspirada em histórias de crianças que foram criadas por bichos. Casos que ficaram popularizados por personagens fantasiosos como Mogli e Tarzan. A questão é oportuna também porque tem a ver com o que nossa espécie vem fazendo com o planeta.

Há cientistas que defendem que teríamos chegado à era geológica do "Antropoceno", ou "Era da Humanidade". O período substituiria o Holoceno, que corresponde aos 12 mil anos que nos separam da última Idade do Gelo. Época em que surgiram a agricultura e o que chamamos de civilização

O Antropoceno se caracterizaria pelo forte aumento da influência de nossa espécie sobre o planeta. Algo cada vez mais inegável, tantos e tão grandes vêm se tornando os desastres ligados à agressão humana ao ambiente. Resultado das ações de uma espécie que sempre desafiou as leis naturais.

Essa nossa condição subversiva é inevitável. Ou alguém acha que nossa atividade sexual pode ficar restrita aos períodos de cio, por exemplo? Por outro lado, somos a única espécie capaz de olhar para si própria.

Temos que aproveitar essa capacidade especial. Se somos capazes de fazer tantos estragos, também podemos tentar consertá-los. Pra começar, acabando com um sistema social que beneficia apenas a minoria da humanidade.

Ou seja, os animais que realmente são capazes de nos educar somos nós mesmos.

13 de junho de 2012

Família, dinheiro, amizade e namoro

Relações familiares dificilmente são uma maravilha. Nelson Rodrigues que o diga. Karl Marx abordou o tema no Manifesto Comunista desse modo:  “a burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma pura relação de dinheiro”.

Difícil discordar. Não faltam exemplos de ligações sanguíneas sangradas por conflitos envolvendo dinheiro. Mesmo entre as famílias mais pobres, em que direitos envolvendo gordas heranças inexistem.

Essa situação chegou ao mundo das altas finanças de outra forma. É o que diz “Mutação econômica e da ‘força de trabalho’ do capital financeiro”, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG). Segundo o artigo:

Até os anos 1970 – num forte reflexo das oligarquias, que existem antes mesmo do capitalismo – famílias ricas e influentes que dominavam a economia de determinando lugar, arranjam entre si casamentos, de forma a fortalecerem seu poder e dar continuidade à manutenção do poder dentre poucas famílias.

Desde então, as coisas mudaram, diz o texto. Em relação aos novos executivos:

Já não importa mais se o jovem é o primogênito de uma longa linhagem de grandes nomes da economia, ou graduou-se nas melhores universidades dos Estados Unidos, o que vai estabelecer quem fica são as capacidades instintivas e destemidas de visualizar uma boa oportunidade, e arriscar, investir, não deixar passar uma excelente oportunidade para acumular dinheiro.

É como se a organização baseada em pesados clãs fosse substituída por uma espécie de seleção natural. Jovens predadores no comando de corporações disputam uma feroz guerra na selva dos negócios. O resultado tem sido desastroso, como prova a crise sem fim, iniciada em 2008.

Por outro lado, tudo isso pode ajudar a buscar outras formas de sociabilidade. Nem o opressor peso da família tradicional, nem a cruel competição por dinheiro e prestígio. Quem sabe, relações baseadas em escolhas tão conscientes como afetivas. Algo como namoro e amizade.

12 de junho de 2012

Mercado gospel e resistência ética

Reportagem de Mônica Bergamo na Folha de 10/06 fala sobre o padre Reginaldo Manzotti. O sacerdote é cantor e “já vendeu mais de 800 mil cópias de sete CDs e dois DVDs”. Segue o exemplo dos padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo, diz a matéria.

Em maio passado, a revista Veja destacou que a “música gospel” movimenta um mercado anual de R$ 1,5 bilhão. Logo depois, edição da IstoÉ abordou a vida de cantores e cantoras que chegaram à fama graças à música religiosa.

É conhecido o fato de que a música gospel é o único filão que cresce na indústria fonográfica. Algo que contrasta com a profunda crise que o setor vive.

Tais fenômenos podem ser parcialmente explicados por uma frase famosa de Marx. Ela está no Manifesto Comunista e diz que diante na sociedade capitalista "tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado...".

Weber também se refere ao “desencantamento do mundo”. Um fenômeno social que caracterizaria a rendição da religião à racionalidade capitalista. É o sagrado servindo aos mecanismos de mercado. Mas não é tão simples.

Há quem explique boa parte do sucesso do segmento gospel pela baixa incidência de pirataria. Os fiéis se recusariam a comprar cópias ilegais para não prejudicar suas igrejas. Trata-se de uma resistência pouco coerente com o reinante pragmatismo econômico.

Ela mostra que ainda há reservas éticas que escapam à lógica mercantil. O problema é que estão sendo aproveitadas por instituições a serviço da ordem dominante. Cabe a nós descobrir como mobilizá-las contra ela.

11 de junho de 2012

Crise capitalista: os que sempre choram por último

A Espanha é a bola da vez. Acaba de receber ajuda de 100 bilhões para os bancos que fizeram a festa por lá. “Capital do desemprego revela a face real da economia espanhola” é o título de reportagem de Andrei Netto, publicada no jornal “O Estado de S.Paulo” em 10/06. Ela traz alguns números surpreendentes:

Entre 1996 e 2007, a economia espanhola cresceria em média de 3,8% ao ano, mais do que a da Alemanha e acima da média europeia, de 2,4%. Nessa época, o país se orgulhava de ter reunido nos últimos 15 anos a maior capacidade de crescimento da Europa e da alta vertiginosa da renda per capita, que atingira € 26,5 mil.

A situação era tão boa que o socialista Zapatero, primeiro-ministro na época, declarou:

Superamos a média europeia de renda per capita e superamos a Itália, coisa que deprime muito o primeiro-ministro (Silvio) Berlusconi. Nosso objetivo é superar a renda per capita da França em três ou quatro anos. Meu amigo Sarkozy não quer admiti-lo, mas é assim.

Estas palavras foram ditas em setembro de 2008, dias após a quebra do Lehman Brothers. Mostram o quanto o ato de governar para o capital pode ser enganador. Mesmo para quem governa com o carinho e a dedicação mais desavergonhada.

Zapatero riu antes acreditando que ria por último. Mal teve tempo de chorar, logo foi substituído por um conservador que já começa a derramar algumas lágrimas. Seria bom outros governantes do planeta prestarem atenção. Muitos deles acreditam estar acima das crises.

De qualquer modo, chorar mesmo, sobra sempre para os explorados.

Leia também: A cigarra grega nas garras das formigas capitalistas

7 de junho de 2012

A rebimboca climática da geoengenharia

A chamada economia verde será o principal tema da Rio+20. A geoengenharia deve ser uma das estrelas desse debate. Afinal, ela promete solucionar os problemas climáticos mantendo a matriz produtiva capitalista.

Mas o que é a geoengenharia? Segundo artigo de Daniel Lopes publicado no blog Amalgama em 07/04/2010, “é o processo de intervenção humana planejada no clima por meio de tecnologia”.

A primeira e mais conhecida recomendação da geoengenharia foi o banimento dos gases CFCs (clorofluorocarbonetos) e HCFCs (hidroclorofluorocarbonos). Eles eram utilizados em geladeiras, aerossóis e aparelhos de ar-condicionado.

Esses gases destruíam a camada de ozônio, contribuindo para o aquecimento global. Foram substituídos pelos HFCs (hidrofluorocarbonetos). Agora, os cientistas descobriram que HFCs são potentes causadores de efeito estufa. Ou seja, contribuem para o aquecimento global.

Há ideias mais idiotas da geoengenharia em discussão. O site Inovação Tecnológica traz a matéria “Geoengenharia pode destruir azul do céu”. Refere-se à proposta de lançar aerossóis na atmosfera para minimizar o aquecimento global.

Mas talvez seja suficiente citar um dos defensores dessa nova alucinação científica. Trata-se de Newt Gingrich, que, recentemente, tentou ser o candidato republicano para enfrentar Obama nas próximas eleições. Em 2008, ele disse:

A geoengenharia mantém a promessa de responder às preocupações com o aquecimento global por apenas alguns bilhões de dólares por ano. Teríamos uma opção para enfrentar o aquecimento global através da recompensa à inovação científica.

Traduzindo, a geoengenharia seria uma nova opção de investimento para grandes empresas e laboratórios. Por apenas alguns bilhões, eles ofereceriam a rebimboca da parafuseta que pode fundir de vez a atmosfera do planeta.

Leia também: Rio+20: erva daninha é sustentável?

6 de junho de 2012

Rio+20: erva daninha é sustentável?

Uma das definições do dicionário Aulete para ervas daninhas: “plantas que causam estragos a plantações”. Mas não haveria plantações que causam estragos à natureza? Mais que isso, técnicas de plantio que são daninhas à própria espécie humana?

O uso de agrotóxicos é uma delas. São criados para matar ervas daninhas, por exemplo, mas provocam câncer nos trabalhadores que lidam com eles. E causam diversas doenças nos consumidores de produtos expostos a sua ação.

Ervas daninhas são apenas plantas que não se encaixam em nosso sistema produtivo. É um conceito tão antropocêntrico como a ideia de desenvolvimento sustentável. É o que explica Leonardo Boff no artigo “Economia verde versus economia solidária”:

A Rio-92 consagrou o conceito antropocêntrico e reducionista de desenvolvimento sustentável, elaborado pelo relatório Brundland de 1987 da ONU. Ele se transformou num dogma professado pelos documentos oficiais, pelos Estados e empresas sem nunca ser submetido a uma crítica séria. Ele sequestrou a sustentabilidade só para seu campo e assim distorceu as relações para com a natureza. Os desastres que causava nela, eram vistos como externalidades que não cabia considerar. Ocorre que estas se tornaram ameaçadoras, capazes de destruir as bases físico-químicas que sustentam a vida humana e grande parte da biosfera. Isso não é superado pela economia verde. Ela configura uma armadilha dos países ricos, especialmente da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) que produziu o texto teórico do PNUMA Iniciativa da Economia Verde. Com isso, astutamente descartam a discussão sobre a sustentabilidade, a injustiça social e ecológica, o aquecimento global, o modelo econômico falido e mudança de olhar sobre o planeta que possa projetar um real futuro para a humanidade e para a Terra.

Na Rio+20, desenvolvimento sustentável ganhou o nome de “economia verde”. Seus objetivos continuam a ser os mais daninhos.

Leia também: Rio+20: fiasco ou sucesso? Depende

4 de junho de 2012

Monopólios sequestram criação intelectual

O blog “livrosdehumanas.org” disponibilizava centenas de livros para download gratuito. Recentemente, foi fechado pela Justiça a pedido de uma associação de editoras que alega prejuízo a direitos autorais.

Não é o que acham muitos autores que tinham suas próprias obras colocadas à disposição pelo blog. Por isso, lançaram o documento “Em defesa de uma biblioteca virtual”. O texto diz que:

São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que não só se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download. O público que baixa livros é o mesmo que os compra.

O fato é que os detentores dos direitos autorais nem sempre são os próprios autores. São os monopólios de reprodução das obras. Grandes editoras e gravadoras, por exemplo.

A grande maioria dos títulos disponibilizados pelo blog que foi fechado está esgotada. Há blogs que se dedicam a disponibilizar apenas discos fora de catálogo. E também sofrem grande repressão. Ou seja, são obras cujos direitos são propriedade de monopólios, mas estes nem as colocam à venda nem permitem o acesso a elas.

Outro trecho do documento esclarece os motivos disso:

...o verdadeiro conflito não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A concepção monopolista-formal dos direitos autorais está embasada na ideia de que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o seu difícil acesso; já a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a existência física do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua transformação em entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a estocagem depende da distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.

Na verdade, essa situação poderia ser um exemplo do choque entre forças produtivas e relações de produção a que se referia Marx. A internete é uma espécie de “força produtiva” que gera enormes lucros. Mas também permite trocar produtos de forma rápida e quase de graça. Algo que entra em choque com relações baseadas no direito de propriedade.

Para superar essa contradição só com a abolição do controle privado dos meios de produção. No caso, de reprodução. Só com o fim do sequestro da criação intelectual pelos monopólios.

3 de junho de 2012

Código ruralista e Reforma Agrária amarelada

"O debate sobre o Código Florestal é um desdobramento da Lei de Terras de 1850", diz o sociólogo José de Souza Martins, na edição de 03/06 do Estadão. O artigo resume a história da propriedade fundiária no País. Lembra, por exemplo, que a Lei das Sesmarias, de 1375, era uma espécie de “lei ambiental”:

O concessionário de terra não era o dono, o dono era o rei, o Estado. Determinadas árvores nela existentes, de especial interesse econômico, permaneciam sob domínio do rei, as chamadas, justamente por isso, madeiras de lei, que só podiam ser cortadas para uso determinado, mediante autorização oficial.

Mas a lei também foi responsável pelo nascimento dos latifúndios. Em 1850, a Lei de Terras determinou: aquisição de terras públicas, só através de compra. A medida excluiu a população pobre e os negros libertos do acesso a terra.

Na República, generalizaram-se os latifúndios “grilados”. Falsos títulos de propriedade eram fechados em gavetas cheias de grilos. Os insetos davam aos documentos a cor amarelada dos papéis velhos. A aparência justificava a posse por antiguidade.

Em 1964, a ditadura militar aprovou o Estatuto da Terra, que previa a desapropriação de terras não produtivas. Em 1965, veio o Código Florestal. Ambos praticamente não saíram do papel. O meio-ambiente continuou sendo destruído. A extrema concentração fundiária permanecia preservada.

Retomando o papel da Lei de Terras, Martins afirma:

Ao impedir trabalhadores livres e escravos libertos de terem acesso livre à terra, forçava-os a trabalhar antes na grande lavoura alheia para formar pecúlio e, só então, ter condições de se tornarem proprietários. A lei criou, desnecessariamente, um direito absoluto de propriedade ao transferir para os particulares, além da posse útil e econômica, o domínio sobre a terra, que até então era do Estado. O debate sobre o Código Florestal é um desdobramento remoto dessa lei.

Mas é duvidoso o caráter desnecessário do “direito absoluto de propriedade”. A classe dominante nacional precisa dele para manter seu poder. Só aceitou compartilhá-lo com seus sócios estrangeiros. Juntos produziram os novos latifúndios, com seus desertos de soja, eucalipto, milho,cana etc.

O Código Florestal dos ruralistas aprovado pelo Congresso e confirmado por Dilma corresponde a essa lógica. Enquanto isso, a bandeira da Reforma Agrária continua na gaveta. Vai ficando velha e amarelada sem ajuda dos grilos.

1 de junho de 2012

Música clássica, compartilhada em rede, há 300 anos

O padre José Maurício Nunes Garcia regeu o famoso Réquiem, de Mozart, no Rio de Janeiro, em 1819. Mais conhecido atualmente por ser tema do filme “Amadeus”, de Milos Forman. O talentoso padre negro foi responsável pela primeira execução da obra fora da Europa.

Três anos antes disso, Nunes Garcia escreveu um Réquiem para a Rainha Maria I. E nessa obra citou dois temas da obra de Mozart. Eram as partes denominadas “Dies iræ” e “Kyrie”. Quem nos dá essas informações é o musicólogo Paulo Castagna. Ele pergunta:

Será que Nunes Garcia roubou esse tema de Mozart? Bem, isso teria sido impossível, porque esse tema nem é de Mozart, é de Haendel.

Segundo o musicólogo, trata-se do coro “And with His stripes we are healed” do oratório “Messias”, de Haendel. A obra é de 1741 e Mozart fez um arranjo novo para ela em 1789, a pedido do Barão Gottfried van Swieten.

Mas nesse mesmo Réquiem Mozart também usou temas de outros compositores, como Pasquale Anfossi e Michael Haydn. Castagna explica:

A citação de obras, naquela época, era vista como homenagem, e não como plágio, conceito que surgiu somente no século XX. José Maurício homenageou Mozart, Mozart homenageou Haendel e este homenageou seus antecessores como se observa retrocedendo-se na história da música.

O que estes autores queriam fazer, ao citar seus predecessores, era inserir-se em uma rede de compositores que possuíam ideias em comum, para serem auditivamente reconhecido como membros dessa mesma rede. Hoje fazemos algo parecido compartilhando imagens ou informações de amigos e de instituições que admiramos na internet. Nos séculos XVIII e XIX isso era feito citando-se temas ou trechos da música de outros compositores da rede.

As informações são da série de programas “Alma Latina: Música das Américas sob domínio europeu”, de Paulo Castagna. Ela é transmitida pela Rádio Cultura FM de São Paulo. Também disponível na página http://paulocastagna.com/alma-latina.

Saúde pública e unanimidade restrita

"Toda unanimidade é burra", disse Nelson Rodrigues. Em 18/05, reportagem do Valor Econômico destacou a famosa frase para dizer que há poucas unanimidades no Brasil. Mas destacou um grande consenso que nada tem de burro. Referindo-se a uma pesquisa de opinião do Ibope, feita no segundo semestre de 2011, o texto diz que:

Em todos os segmentos investigados (idade, sexo, renda familiar, grau de escolaridade) e, em todo o país, o que significa em todos os municípios e todos os estados, um único tema é a preocupação nacional em primeiro lugar: a saúde.

A matéria se refere à saúde pública. E ao descaso em relação a ela. Algo que fica bem demonstrado pela reportagem “O avanço do privado”, de Maíra Mathias, publicada no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fiocruz), em 11/05:

Em 2011, 47 milhões de pessoas buscaram a saúde privada, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar. No mesmo ano, o setor movimentou cerca de R$ 80 bilhões, enquanto o orçamento da União para a saúde ficou em R$ 72 bi.

Ou seja, o setor privado de saúde vem tomando o lugar do sistema público. Com todos os problemas que isso causa: serviços caros, insuficientes, para poucos e que desrespeitam constantemente os direitos dos assistidos.

Ao mesmo tempo, a saúde não aparece na pauta da Rio+20, um evento de importância mundial. É o que diz em entrevista ao Estadão, em 29/05, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha. Segundo ele, os efeitos da destruição ambiental para a saúde são enormes e graves:

A consequência imediata da redução da biodiversidade é a exposição maior do ser humano ao surgimento de doenças emergentes, como hantavirose. O aquecimento global leva a agravos diretos, como é o caso das doenças pulmonares associadas à poluição. Áreas de clima temperado, onde antes não circulavam vetores da malária, dengue, passam a ter condições climáticas para a expansão desses mosquitos. Há uma relação simbiótica entre saúde e ambiente. E a face mais visível é a deterioração da qualidade de vida e da saúde. A escassez de água aumenta contaminações, casos de cólera, esquistossomose. A ocupação desordenada faz com que as pessoas se tornem mais vulneráveis às doenças. É central pensar a saúde e o desenvolvimento sustentável.

O fato é que a inteligência dos poderosos está a serviço de uma unanimidade que interessa a poucos: a busca do lucro.

Leia também: O câncer do SUS