Doses maiores

7 de fevereiro de 2019

No Facebook, a sincera amizade da intolerância

Dizem que amigo verdadeiro é o que fala mal de você pela frente. Por esse critério, o Facebook estaria cheio de amizades genuínas. Mas vejamos o que diz Siva Vaidhyanathan sobre o tema no livro “Mídia antissocial: como o Facebook nos desconecta e enfraquece a democracia”.

Na “Ética a Nicômaco”, diz ele, Aristóteles descreve três formas de amizade. A primeira é baseada na utilidade mútua. Pode ser facilmente desfeita ou mesmo esquecida. É uma amizade de conveniência e comércio. A segunda é baseada no prazer. Fica em algum lugar entre o erótico e o tribalismo. Um vínculo forjado por experiências ou condições em comum. Ambas podem desaparecer à medida que as condições da vida mudam.

Já a terceira e mais significativa forma de amizade é baseada no reconhecimento da bondade em outra pessoa. É o “amor fraternal ”, uma das mais elevadas formas de amor. Contudo, ela, certamente, não surge de um clique e alguns comentários no Facebook. Pouco frequente, exige esforço, paciência e sabedoria.

Concorde-se ou não com essa classificação, Aristóteles acerta ao dizer que nós nos relacionamos com diferentes amigos de maneiras diferentes, em termos diferentes. Além disso, o pensador grego também dizia que toda amizade é política. A pólis teria sido forjada e apoiada por uma rede formada pelos três tipos de amizade descritas por ele.

Se Zuckerberg tivesse considerado a limitação do foco de Aristóteles na pólis local (e não global), talvez compreendesse que o Facebook é incapaz de enriquecer um sentimento de amizade ou criar uma cidadania global, conclui o autor.

E que ódio e intolerância jamais passariam por ser amizade.

Leia também: Facebook: o mais perigoso sistema operacional de nossas vidas

5 comentários:

  1. Eu me encaixo contigo no terceiro grupo, e aí de não ter reciprocidade, pois se assim for, passo para o primeiro grupo do Facebook contigo. Ah tá, a frase mais poética (sim, poesia também tem um corte e uma contundência não branda), que tem o mesmo sentido da frase que abre esta Pílula, e que gosto muito, é a de Oscar Wilde: "amigo é aquele que te apunhala pela frente". Bjs.

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    1. Reciprocidade garantida e chancelada. Porra, era essa frase que queria lembrar e não conseguia. Se lembrasse, pelo menos, que era do Wilde (tinha que ser!), tinha achado. Mas tá valendo!

      Beijo, sem punhalada...

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    2. Opa, ainda bem! É imaginei que poderia ser essa frase que queria. Mas, tai o complemento para continuar no primeiro grupo. Bjs.

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  2. Ótimo texto mano. Pois é, e como fazer amizade se o nosso usuário das redes sociais tem existência própria? Nossos usuários, que na verdade deveriam ser apenas “Nós”, ganham suas existências e personalidades se apropriando da existência, inteligência e conhecimento do indivíduo que as mantém. É a humanização da coisa e a coisificação do ser humano.
    São essas amizades de usuários, ou seja, “seres não humanos”, a nova forma de amizade, a amizade virtual, que diferente das outras não exige nunca encontro e presença.
    Alguém que viva somente dessa amizade virtual, pode acabar descobrindo que os amigos que estão com ela ali interagindo são do seu usuário, seus iguais, não dela.

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