Doses maiores

29 de agosto de 2023

Engels e o trem suicida do progresso

Nós nos lisonjeamos demais por causa de nossas vitórias sobre a natureza. Para cada uma dessas vitórias, a natureza se vinga de nós. É verdade que cada vitória traz, em primeiro lugar, os resultados esperados, mas, no segundo e terceiro lugares, produz efeitos imprevisíveis e bastante diferentes, que muitas vezes anulam o primeiro. Assim, a cada passo, somos lembrados de que não dominamos a natureza como um conquistador sobre um povo estrangeiro, como alguém que está fora da natureza – mas que nós, com carne, sangue e cérebro, pertencemos à natureza e existimos em seu meio...

As palavras acima são de Engels e estão no livro “Os camisas negras e a esquerda radical: fascismo racional e a derrubada do comunismo” do historiador e economista estadunidense Michael Parenti.

Parenti as utiliza para mostrar que desde muito tempo o capitalismo apresenta suas tendências ambientais destrutivas. Com sua ênfase incessante na exploração e na expansão, e a sua indiferença aos custos ambientais, diz ele, a essência do capitalismo, sua razão de ser, é converter a natureza em mercadorias e as mercadorias em capital, transformando a terra viva em riqueza inanimada. Por isso, conclui, a “ecologia é profundamente subversiva em relação ao capitalismo”.

O livro foi publicado em 1997, quando já tínhamos muitos sinais de que era urgente subverter o capitalismo também do ponto de vista ecológico. Quase trinta anos depois, o “trem do progresso” a que se referiu Walter Benjamin, lá em 1940, continua carregando a humanidade para o abismo. Mas a advertência de Engels é de 1876. Para ele já estava claro que o trem tomara o rumo errado.

Leia também: Os índios e o anjo desesperado

7 comentários:

  1. Eu não tinha em Engels uma pessoa que já na época tinha essa consciência ecológica.

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    1. Essa faceta dele e até do Marx é pouco conhecida. Estão meio esparsas pela obra e muitas delas foram publicadas a partir de manuscritos encontrados depois da morte deles. Ficaram meio soterradas pela visão produtivista que imperou depois na tradição marxista. Até porque algumas afirmações deles também davam espaço pra essa outra interpretação.

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  2. Excelente... A passagem de Engels está em "Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem" (escrito em 1876, publicado em 1896). Há uma edição da Expressão Popular, organizada pelo Ricardo Antunes, e uma lisboeta, Editorial Presença, com o título "Dialéctica da natureza".

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  3. digo, a da Expressão Popular é "Dialética do trabalho", textos de Marx e Engels

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    1. Sim, obrigado. Não citei porque ia ficar truncado com duas fontes e queria falar do livro do Parenti. Obrigado

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  4. Sergio, eu ouvi Antonio Bispo e gostei, um poeta necessário. Aprendi muito com esse Manoel de Barros piauiense. Sempre penso na critica do "identitarismo ecológico" (rs) como o trabalho do Ombudsman: o capitalismo sempre vai procurar se ajustes com essas reflexões, seja produzindo em escala as camisas de Che; seja incluindo no consumo os LGBTs, seja fundando Fundos Ecologicos altamente rendáveis; seja produzindo com reciclagem... Mas o nucleo duro do capitalismo, as grandes industrias de carbono, a coca-cola, etc. continuam predadoras e não conseguem se maquiar completamente. Penso que a poetica de Antonio Bispo é necessaria; a inclusão dos LGBTs é necessária, mas não como subproduto da "maquiagem": devem ser feita a luz do estudo exaustivo da luta de classe (não gosto do negro evangelico empoderado das Riachuelo que não conhece a cultura africana e nunca leu Marx).

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    1. Perfeito. Concordo. Só não entendi a parte da Riachuelo. Também gostaria de saber com quem estou dialogando, mas se não der, tudo bem.

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