A pílula de ontem lembrou que a burguesia é a única classe dominante da história que fez do trabalho virtude. Mas faltou dizer que ela também é a primeira que também trabalha. Claro que trabalha explorando o esforço alheio, mas nunca entregou-se ao completo ócio como suas antecessoras.
Há, porém, outra característica que diferencia a burguesia de suas congêneres anteriores: a acirrada competição entre seus membros e setores.
Sim, os reis, imperadores e outros poderosos travaram grandes guerras entre si por territórios e riquezas no passado. Mas no caso da burguesia, a competição é intrínseca ao sistema e o reforça, levando à criação de imensos e poderosos monopólios. Com isso alimenta a ilusão de que cada pessoa pode se elevar por cima da massa para se tornar também ela toda poderosa. Seriam suficientes alguns lances espertos temperados com sorte para chegar lá.
Basta uma grande ideia para um negócio, um serviço diferenciado, uma startup inovadora e até jogos de azar. Antes eram as casas lotéricas e os caça-níqueis nos bares. Agora, a fortuna também está ao alcance dos dedos nas “bets” eletrônicas.
Alguém disse que tem sido mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo. Até porque o segundo está providenciando o primeiro. Mas o mesmo poderia valer para a contagiante ilusão do trabalho com resultados individuais fantásticos imposta pela ideologia dominante.
A vitória da ideologia burguesa é evidente quando é mais fácil um explorado se imaginar milionário dependendo do próprio esforço e da sorte do que juntando-se a milhões de seus iguais para buscar a emancipação e a dignidade coletivamente.
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Como sempre leio as suas respostas, só não faço a tréplica porque acho demais, nesse caso li e essa nova Pílula retoma o trabalho da burguesia. Não sei onde li, acho que foi mesmo no livro do Marx sobre a Origem do Capital : a Acumulação Primitiva, nele ele fala que a burguesia já naquela época não estava mais inserida na produção do capital, diferente da sua origem. Foi nesse sentido que comentei que a burguesia não estava mais inserida na administração da produção do capital, basta ver os CEO dos conglomerados capitalistas. Quando diz que ela explora o trabalho (acho que foi na resposta na Pílula anterior), é claro que sim, e este seria o trabalho dela, sim, como sempre foi. Penso que o trabalho da burguesia hoje é mais político, e claro que isso também é trabalho, assim como foi o da nobreza no feudalismo, esta também trabalhava para manter seu domínio. Sim, ainda existe uma disputa pelo capital por novos agentes, as startups são uma das vias delas, é a tal da grande ideia para poder pertencer à burguesia no futuro, o que nem sempre vinga nesses casos. Vc viu um filme recente que está na Netflix sobre uns jovens alemães que tiveram a ideia roubada, e que resultou no Google Maps? Eles pensaram que poderiam se tornar uma startup, o que resultou em nada, na luta com cachorro enorme eles se deram mal.
ResponderExcluirNão vi esse filme, não. Ms, tá, esse debate é complexo mesmo. Que eu lembre, Marx disse que a burguesia se afastou da supervisão direta da produção. Delegou isso a capatazes, engenheiros de produção etc. Mas continuou a supervisionar os supervisores acompanhando o resultado dos balanços. E passou a se dedicar mais aos investimentos, seja na própria produção, seja em papéis do mercado etc. Depois, vieram mais camadas de supervisores de supervisores até chegarmos ao controle por acionistas etc. Mas de qualquer jeito, o que importa é a imagem da burguesia diante da sociedade. Tirando os filmes que trazem uma visão crítica da burguesia, como O Discreto Charme da Burguesia e outros semelhantes, o cinema mostra a burguesia fazendo e prosperando através dos negócios. Os burgueses aparecem em seus grandes escritórios ocupados com inúmeras negociações e mesmo os luxuosos almoços e jantares são dedicados a negócios. Negócio vem do latim negar o ócio. E é este o trabalho da burguesia. Trabalham não como seus explorados, mas diferente dos nobres do passado, dificilmente dedicam muito tempo ao puro ócio. Eles precisam estar atentos a seus negócios porque a concorrência é forte e a qualquer momento algum outro burguês pode lhes passar a perna. Além disso, tem a importância social do trabalho. Mesmo que reis e imperadores dedicassem muitas horas de seus dias a preservar e ampliar seus poderes e territórios, isso não era considerado trabalho. Trabalho era coisa da ralé, plebe, escravizado etc. Nem de perto tinha a importância social que tem hoje. E isso faz muita diferença porque aproxima o explorado do explorador. As pessoas ficam com a impressão de que são exploradas por caras que são muito mais espertos, inteligentes e dedicados que elas e não tem nada de muito errado nisso. Tem mais é que ser esperto, inteligente e ralar muito também pra melhorar sua situação. Acho que era isso. Valeu pela oportunidade de debater. E podemos continuar, lógico. Beijos
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