Nelson Rodrigues nunca escondeu seu conservadorismo. Anticomunista visceral, apoiou
entusiasticamente o golpe militar de 1964.
Mas o genial escritor soube como poucos mostrar toda a hipocrisia da classe
média brasileira. Demolia com seus artigos, crônicas e peças a mentalidade desse
setor social que esconde por trás de seu moralismo seus próprios desejos
inconfessáveis.
Nelson arrancava aplausos de plateias que não notavam serem elas próprias o
alvo do ridículo e do desprezo de suas peças.
Obras como “Álbum de Família”, “O Beijo no Asfalto” e “Vestido de Noiva” abordam
temas como o incesto, a homossexualidade e a competição desleal, que são ocultados
pela falsidade moral de quem se julga superior à plebe e olha invejoso e submisso
para os ricos.
E a inteligência ácida do dramaturgo não ficava apenas no terreno dos costumes.
A denúncia do racismo, por exemplo, era uma de suas maiores frentes de batalha.
Ele foi uma das primeiras celebridades a dizer que a “vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações”
e a nos considerar um dos povos “mais racistas do mundo”.
Enquanto isso, a maioria dos dirigentes comunistas ignorava a importância da
luta contra a opressão racial para derrotar o capitalismo. Impunha regras
moralistas a seus liderados, vigiando seus hábitos, sua vida sexual,
sacralizando a vida familiar baseada no machismo.
O resultado é que, hoje, assistimos em estado de semiparalisia à ofensiva de fanáticos religiosos e
conservadores em geral contra homossexuais, mulheres, jovens, artistas. Não é que tenhamos muito a aprender com Nelson
Rodrigues. Mas o pouco que sua obra pode nos ensinar já é demasiado para nossa incompetência
revolucionária.
Leia também: A vocação
conservadora da classe média brasileira
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