Doses maiores

29 de julho de 2024

Nordeste: o flagelo das cercas

Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos, para ampararem cercas e bois e fazerem da terra escrava e escravos os homens!

As palavras acima são de Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, falecido em 2020. Recentemente, foram repetidas na novela “Renascer”, da Globo, pelo personagem Tião Galinha, magistralmente interpretado por Irandhir Santos. Representam um protesto contra o latifúndio que, mesmo quando é produtivo, destrói o meio ambiente, nele incluídos os milhões de pobres que vivem do cultivo da terra.

A trama da novela se desenrola em Ilhéus, no litoral baiano. Mas os estragos causados pelas cercas e as propriedades que as protegem são universais. Há mais de 150 anos, Marx já denunciava os “cercamentos” ingleses dos séculos 17 e 18. Um processo de privatização das terras que eram cultivadas comunitariamente pelos camponeses há séculos. Um roubo que jogou milhões na miséria e os obrigou a trabalhar para a classe dos capitalistas, que começava a surgir.

No Nordeste brasileiro, tornou-se comum falar em “flagelo da seca”, em referência à escassez de chuvas. Mas antes que os latifundiários se apropriassem de suas terras, a população que vivia nelas há milhares de anos evitava as consequências da seca deslocando-se para outras regiões e retornando quando cessava a estiagem. Uma prática inviabilizada pelas cercas.

Flagelo, mesmo, é o das cercas. O que escasseia não é a água, mas a justiça. E o que abunda é a destruição ambiental e a exploração social.

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